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Desequilíbrios regionais no financiamento da educação: a política nacional de equidade do FUNDEF

Regional imbalances in educational financing: FUNDEF's national equity policy

Contrastes regionaux dans le financement de l'education: la politique nationale d'equite du FUNDEF

Resumos

Este artigo tem como objetivo avaliar a capacidade do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) de promover uma política nacional de eqüidade. O estudo trata dos aspectos jurídico-institucionais ligados ao desenho do programa e dos impactos fiscais do Fundef e suas relações com a política de correção das desigualdades interestaduais. A metodologia analisa a trajetória dos valores aluno/ano aplicados nas unidades da federação e o papel supletivo e redistributivo da União no financiamento do fundo, verificando se o programa consegue estabelecer uma tendência convergente em relação à média nacional. Com isso, pretende-se avaliar se o Fundef representa um importante avanço para o equilíbrio federativo no financiamento do ensino fundamental. A conclusão deste trabalho é que o Fundef é um caso exemplar para compreender os limites impostos pelo ajuste fiscal ao aumento dos gastos sociais. No caso do Fundef, essa restrição fiscal é observada pela redução da complementação de recursos federais aos fundos estaduais, em decorrência do baixo valor mínimo nacional estabelecido, o que implicou a ampliação das desigualdades interestaduais no financiamento do ensino fundamental após seis anos de funcionamento do programa.

Fundef; desigualdades interestaduais; financiamento; restrição fiscal


The aim of this article is to provide an evaluation of the FUNDEF's (Fund for the Maintenance and Development of Primary School Education and the Valorization of Primary School Teaching) ability to promote a national policy for equity. The study looks at juridical and institutional aspects linked to the program's design and to the fiscal impact of the FUNDEF, as well as its relationship to policies aimed at the correction of inter-state inequalities. The methodology employed analyzes the trajectory of values spent on student/per year in different states and on the supplementary and re-distributive role that the Union plays in the financing of the Fund, in order to verify if the program is able to establish a tendency of convergence around a national average. In this light, we pretend to evaluate whether or not the FUNDEF represents an important step toward federative balance in the financing of primary school education. We come to the conclusion that the FUNDEF is an exemplary case for our comprehension of the limits that fiscal adjustment imposes on the increase of social expenses. In the case of the FUNDEF, this fiscal restriction is observed through the reduction of the federal resources employed to complement state funds, a consequence of the low national value that has been established. This has led to the widening of inter-state inequalities in the financing of primary school education, after six years of the program's existence.

FUNDEF; inter-state inequality; financing; fiscal restriction


Cet article a pour objectif d'évaluer la capacité du Fonds pour la Manutention et le Développement de l'Education de base et pour la valorisation du métier d'enseignant (FUNDEF) à promouvoir une politique nationale d'équité. L'étude aborde les aspects juridiques et institutionnels liés au dessin du programme et des effets du Fundef et ses relations avec la politique de correction des inégalités régionales. La méthodologie analyse la trajectoire de la valeur étudiant/an appliquée dans les unités de la fédération et le rôle de suppléante et de distributrice de la Fédération quant au financement de ce fonds. On vérifie si le programme réussit à établir une tendance convergente par rapport à la moyenne nationale. A l'aide de ces éléments, on évalue également si le Fundep représente un important changement vers l'équilibre fédératif dans le cadre du financement de l'éducation de base. La conclusion de ce travail est que le Fundef est un cas exemplaire pour la compréhension des limites imposées par l'ajustement fiscal concernant l'augmentation des dépenses sociales. Dans le cas du Fundef, cette restriction fiscale a lieu en fonction de la réduction de l'appoint de recours de la part de la fédération aux fonds régionaux puisque la valeur minimale nationale établie est très basse. Cela a entrainé l'approfondissement des inégalités entre les régions quant au financement de l'éducation de base, après six ans d'existence du programme.

Fundef; inégalitiés régionales; financement; restriction fiscale


DOSSIÊ "FEDERALISMO"

Desequilíbrios regionais no financiamento da educação: a política nacional de equidade do FUNDEF

Regional imbalances in educational financing: FUNDEF's national equity policy

Contrastes regionaux dans le financement de l'education: la politique nationale d'equite du FUNDEF

Daniel Arias Vazquez

RESUMO

Este artigo tem como objetivo avaliar a capacidade do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) de promover uma política nacional de eqüidade. O estudo trata dos aspectos jurídico-institucionais ligados ao desenho do programa e dos impactos fiscais do Fundef e suas relações com a política de correção das desigualdades interestaduais. A metodologia analisa a trajetória dos valores aluno/ano aplicados nas unidades da federação e o papel supletivo e redistributivo da União no financiamento do fundo, verificando se o programa consegue estabelecer uma tendência convergente em relação à média nacional. Com isso, pretende-se avaliar se o Fundef representa um importante avanço para o equilíbrio federativo no financiamento do ensino fundamental. A conclusão deste trabalho é que o Fundef é um caso exemplar para compreender os limites impostos pelo ajuste fiscal ao aumento dos gastos sociais. No caso do Fundef, essa restrição fiscal é observada pela redução da complementação de recursos federais aos fundos estaduais, em decorrência do baixo valor mínimo nacional estabelecido, o que implicou a ampliação das desigualdades interestaduais no financiamento do ensino fundamental após seis anos de funcionamento do programa.

Palavras-chave: Fundef; desigualdades interestaduais; financiamento; restrição fiscal.

ABSTRACT

The aim of this article is to provide an evaluation of the FUNDEF's (Fund for the Maintenance and Development of Primary School Education and the Valorization of Primary School Teaching) ability to promote a national policy for equity. The study looks at juridical and institutional aspects linked to the program's design and to the fiscal impact of the FUNDEF, as well as its relationship to policies aimed at the correction of inter-state inequalities. The methodology employed analyzes the trajectory of values spent on student/per year in different states and on the supplementary and re-distributive role that the Union plays in the financing of the Fund, in order to verify if the program is able to establish a tendency of convergence around a national average. In this light, we pretend to evaluate whether or not the FUNDEF represents an important step toward federative balance in the financing of primary school education. We come to the conclusion that the FUNDEF is an exemplary case for our comprehension of the limits that fiscal adjustment imposes on the increase of social expenses. In the case of the FUNDEF, this fiscal restriction is observed through the reduction of the federal resources employed to complement state funds, a consequence of the low national value that has been established. This has led to the widening of inter-state inequalities in the financing of primary school education, after six years of the program's existence.

Keywords: FUNDEF, inter-state inequality; financing; fiscal restriction.

RÉSUMÉ

Cet article a pour objectif d'évaluer la capacité du Fonds pour la Manutention et le Développement de l'Education de base et pour la valorisation du métier d'enseignant (FUNDEF) à promouvoir une politique nationale d'équité. L'étude aborde les aspects juridiques et institutionnels liés au dessin du programme et des effets du Fundef et ses relations avec la politique de correction des inégalités régionales. La méthodologie analyse la trajectoire de la valeur étudiant/an appliquée dans les unités de la fédération et le rôle de suppléante et de distributrice de la Fédération quant au financement de ce fonds. On vérifie si le programme réussit à établir une tendance convergente par rapport à la moyenne nationale. A l'aide de ces éléments, on évalue également si le Fundep représente un important changement vers l'équilibre fédératif dans le cadre du financement de l'éducation de base. La conclusion de ce travail est que le Fundef est un cas exemplaire pour la compréhension des limites imposées par l'ajustement fiscal concernant l'augmentation des dépenses sociales. Dans le cas du Fundef, cette restriction fiscale a lieu en fonction de la réduction de l'appoint de recours de la part de la fédération aux fonds régionaux puisque la valeur minimale nationale établie est très basse. Cela a entrainé l'approfondissement des inégalités entre les régions quant au financement de l'éducation de base, après six ans d'existence du programme.

Mots-clés: Fundef; inégalitiés régionales; financement; restriction fiscale.

I. FUNDEF: UM NOVO MODELO DE FINANCIAMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL

O financiamento de políticas públicas por meio da constituição de um fundo realiza-se pela destinação de receitas específicas que, por lei, vinculam-se à realização de determinados objetivos. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) é um fundo de natureza contábil, criado no âmbito de cada estado, instituído automaticamente no ano de 199811 O estado do Pará antecipou a implementação do Fundef em julho de 1997; essa antecipação era facultativa segundo a Lei n. 9 424/96. , formado com recursos dos próprios estados e municípios.

Segundo o então Ministro da Educação Paulo Renato Souza (1998), o Fundef é um exemplo inovador de política social que visa aos seguintes objetivos estratégicos:

• promover a justiça social;

• promover uma política nacional de eqüidade;

• promover a efetiva descentralização e

• promover a melhoria da qualidade da educação e a valorização do magistério.

I.1. O desenho do programa

Segundo o artigo 60, § 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, as receitas do Fundef são compostas por 15% dos seguintes impostos e transferências: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); fundos de Participação dos Estados (FPE) e de Participação dos Municípios (FPM); Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPI-Exp) e ressarcimento pela desoneração das exportações, de que trata a Lei Complementar n. 87/96 (Lei Kandir) (BRASIL, 1988).

De acordo com o artigo 2º, § 1º, da Lei n. 9 424/96, que dispõe sobre o Fundef, a distribuição dos recursos do fundo entre os governos estaduais e municipais, dar-se-á na proporção do número de alunos matriculados anualmente nas escolas cadastradas nas respectivas redes estaduais e municipais de ensino fundamental regular.

Dessa forma, para cada aluno matriculado nesse nível de ensino, será repassado um valor médio do gasto aluno/ano igual dentro de cada estado. Esse valor é dado pela razão entre o total de recursos do Fundef estadual e o total do número de matrículas no ensino fundamental regular no estado.

Segundo o Balanço 1998-2000 (BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2000, p. 11), a introdução do Fundef como instrumento de financiamento do ensino fundamental consegue estabelecer um único valor por aluno/ano dentro de cada unidade federada. Isso significa que estados e municípios passam a receber os recursos do Fundo de acordo com a oferta desse nível de ensino. Assim, o aluno da rede pública estadual ou municipal passa a representar o mesmo valor no repasse das verbas do Fundef, independentemente da capacidade fiscal das esferas de governo a que está vinculado o sistema de ensino fundamental.

Dessa maneira, o Fundef consegue corrigir as desigualdades intra-estaduais existentes entre as redes municipais e a rede estadual. Por meio das mudanças introduzidas pelo Fundef, as esferas de governo recebem repasses dos fundos estaduais, de acordo com o número de alunos matriculados na respectiva rede pública de ensino fundamental22 Esta análise está fora do escopo deste artigo. O autor analisa os aspectos do Fundef relacionados às desigualdades intra-estaduais, ao processo de descentralização do ensino fundamental e à redistribuição dos recursos do fundo em outros trabalhos (VAZQUEZ, 2002; 2003a; 2003b). .

Os recursos do Fundef destinam-se exclusivamente ao ensino fundamental da rede pública. Além disso, a legislação que criou o Fundef determina que no mínimo 60% dos recursos do fundo devem ser destinados à remuneração dos profissionais do magistério, enquanto a outra parcela de no máximo 40% deve ser aplicada nas despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental.

Outro ponto importante introduzido com o Fundef é a criação de mecanismos de incentivo à participação da sociedade civil e controle social, por meio da fiscalização dos recursos destinados à educação. O artigo 4º da Lei n. 9 424/96 determina a instituição nos âmbitos federal, estaduais e municipais de Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundef. A criação de conselhos contribui para a gestão democrática de políticas públicas, sendo o fortalecimento do controle social a melhor maneira de fiscalizar as ações da administração pública.

Além do papel dos conselhos, a existência de uma conta única e específica para os recursos do fundo tem o intuito de dar maior visibilidade à gestão das verbas vinculadas à educação, facilitando a fiscalização, o acesso às informações sobre a utilização das verbas do Fundo e a elaboração de denúncias aos órgãos competentes sobre eventuais irregularidades na utilização dos recursos do Fundef.

I.2. A participação das esferas de governo e o equilíbrio federativo

No que tange ao papel das esferas de governo na oferta do ensino fundamental, a Constituição prevê que estados e municípios são os responsáveis pela oferta desse nível de ensino, estabelecendo regimes de colaboração. Já a União assume a função redistributiva e supletiva, sendo responsável pela garantia de estabelecer um padrão mínimo de qualidade em todas as unidades da federação.

Tendo em vista as responsabilidades constitucionais da União, a legislação do Fundef prevê a participação do governo federal na complementação dos recursos do fundo, sempre que, nos estados e no Distrito Federal, o valor médio do gasto aluno/ano for inferior ao valor mínimo estabelecido nacionalmente por meio de ato do Presidente da República. Essa política de correção das desigualdades interestaduais do Fundef é o principal objeto de análise deste trabalho.

II. A REDUZIDA PARTICIPAÇÃO DA COMPLEMENTAÇÃO DE RECURSOS DA UNIÃO: VALOR MÍNIMO LEGAL VERSUS VALOR MÍNIMO APLICADO

O valor mínimo aluno/ano estabelecido é fundamental para determinar a participação da complementação da União no financiamento do Fundef, sendo esse o fator principal na política de correção das desigualdades interestaduais, uma vez que o mecanismo do Fundef não altera a base fiscal vinculada ao fundo, como também não promove a redistribuição de recursos entre as unidades federativas.

Portanto, a complementação da União torna-se o único instrumento utilizado para a política de correção das desigualdades interestaduais, que constitui um dos objetivos estratégicos do Fundo. A complementação de recursos federais ocorre, segundo a Emenda Constitucional n. 14/96 (art. 60 ADCT, § 3º (BRASIL, 1988)), quando os recursos dos fundos estaduais não são suficientes para aplicar o valor mínimo definido nacionalmente.

Anualmente, o valor mínimo aluno/ano é estabelecido por ato do Presidente da República, porém a Lei n. 9 424/96 estabelece um critério para o cálculo do valor mínimo, a partir do qual a União complementará os fundos que não alcançam esse valor por meio das receitas provenientes dos impostos e transferências vinculadas ao Fundef.

Segundo o art. 6º da Lei n. 9 424/96, o valor mínimo anual por aluno nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas. Dessa forma, o estabelecimento do valor mínimo encontra-se vinculado ao cálculo definido na fórmula legal, podendo fixar um valor acima dessa média, mas nunca abaixo dela.

Essa fórmula expressa uma idéia de equalização como um valor mínimo determinado pela média nacional. Por meio da Lei n. 9 424/96 e da Emenda Constitucional n. 14/96, pode-se compreender o papel da União, responsável pela função supletiva e redistributiva, na redução das diferenças entre os estados no financiamento do ensino público fundamental.

De acordo com a Emenda n. 14/96, esse critério, baseado na fórmula matemática disposta no art. 6º da Lei n. 9 424/96, deveria prevalecer por cinco anos, portanto até o exercício de 2001. Nos anos seguintes, o valor mínimo deveria corresponder quer ao custo aluno-qualidade. Esse fato, porém, não afasta a obrigatoriedade da União de, no mínimo, dar cumprimento ao critério provisório até que seja definido o custo aluno-qualidade.

Porém, os valores mínimos estabelecidos entre os anos de 1998 e 2003 foram bem inferiores aos valores que deveriam ser estipulados segundo a lei, ou seja, o gasto mínimo estabelecido tem sido definido, desde o início do funcionamento do Fundo, em um valor bem abaixo do valor médio nacional, desrespeitando a metodologia do cálculo do valor mínimo definido no artigo 6º da Lei n. 9 424/96.

Dessa maneira, houve uma redução da participação da União em razão do baixo valor mínimo aluno/ano estabelecido anualmente. Mesmo havendo um aumento desse valor, esse reajuste foi inferior ao aumento da arrecadação das receitas que compõem o Fundo, o que, conseqüentemente, diminui o aporte de recursos federais destinados à complementação do Fundef.

A justificativa do Ministério da Educação (MEC) para a não observância do critério de fixação do valor mínimo nacional, foi elaborada por meio da Nota Técnica n. 5/99 da Secretaria Executiva do Ministério. De acordo com o MEC, o Fundef é uma composição de muitos "fundos", criados no âmbito de cada estado e do Distrito Federal, conforme indicado no art. 1º da Lei n. 9 424/96. Por isso, pode o Presidente da República fixar o valor mínimo, como normalmente vem fazendo, e que "a rigor, só existe a vedação legal à fixação de um valor mínimo nacional inferior ao menor entre os vinte e sete quocientes entre receita vinculada ao fundo e matrícula total, preceito que jamais foi descumprido" (BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999b, p. 7).

Entretanto, essa interpretação, levada ao limite, permitiria ao Poder Executivo Federal fixar o valor mínimo nacional igual ao menor entre os vinte e sete quocientes, resultando que não haveria necessidade de quaisquer recursos para a complementação da União. A interpretação estaria, então, em desacordo com o objetivo de correção das desigualdades interestaduais pretendido com a criação do Fundef.

Essa interpretação dada pelo MEC é contradita pelo Ministério Público e por órgãos de controle interno e externo da União (Tribunal de Contas da União e Secretaria Federal de Controle), que entendem que o valor médio nacional deve ser o referencial para a definição do valor mínimo nacional (BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA(BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2002).

Deve-se ter em conta que a elevação do valor mínimo aluno/ano implica uma ampliação do aporte de recursos federais destinados à complementação do Fundef. Segundo o então Ministro da Educação Paulo Renato Souza (1997), em sua resposta ao Requerimento de Informações n. 1 022/97 do Senado Federal, adotar um valor superior a R$ 315,00 em 1998 representaria uma complementação de recursos, por parte da União, acima de sua capacidade orçamentária e financeira e o Poder Executivo asseguraria a atualização desse valor, todavia consciente de que a necessidade de recursos não é eliminada.

O próprio MEC em documento elaborado já no Governo Lula (BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2003, p. 15), admite que a fixação do valor mínimo "se pautou nas projeções do Ministério da Fazenda, que considerou, dentre outros aspectos, a política de contenção de despesas que norteia a atual política econômica". Esse documento afirma que a definição do valor mínimo para o exercício de 2003 foi orientada por alguns fatores, entre eles a política fiscal, a capacidade financeira da União e a disponibilidade orçamentária.

Dessa maneira, este trabalho parte do princípio de que a principal razão para o descumprimento da lei e, conseqüentemente, a reduzida participação da complementação da União deve-se à restrição orçamentária e financeira do governo federal. Essa situação torna-se evidente no caso da política de correção das desigualdades interestaduais do Fundef, tendo em vista o aumento de recursos federais necessários ao financiamento do Fundo, caso o valor mínimo fosse estabelecido em um patamar superior ou caso correspondessem ao valor médio nacional.

A Tabela 1 mostra os valores mínimos fixados pelo poder Executivo entre 1998 e 2003, em comparação com as estimativas do valor mínimo legal, segundo o cálculo previsto no art. 6º da Lei n. 9 424/96, mostrando também a diferença dos valores per capita do valor mínimo legal e do valor mínimo aplicado.

As estimativas do valor mínimo legal (Tabela 1) foram calculadas com base na fórmula do §1º do art. 6º da Lei n. 9 424/96. Para tanto, como previsão da receita total para o Fundo, tomou-se aquela prevista inicialmente, quando da entrega da proposta orçamentária ao Congresso Nacional, por parte do poder Executivo; para o número de alunos foram utilizados os dados dos censos escolares do ano anterior, seguindo a determinação do texto legal.

Em 1998, o valor mínimo aluno/ano foi estipulado em R$ 315,00 pelo poder Executivo, quando, segundo a legislação do Fundef, esse valor deveria corresponder a R$ 418,80 (diferença de R$ 103,80 per capita). Para o ano de 1999, em virtude da previsão de arrecadação mais cautelosa e do aumento do número das matrículas no ensino fundamental, o valor legal per capita deveria ter sido fixado em R$ 418,60, porém o governo federal manteve o valor mínimo em R$ 315,00 (diferença de R$ 103,60 por aluno).

No exercício de 2000, iniciou-se a diferenciação do valor mínimo estabelecido que deveria haver desde o início do funcionamento do Fundo; os valores foram de R$ 333,00 para as 1ª a 4ª séries e R$ 349,65 para as 5ª a 8ª séries e Educação Especial. Porém, os valores mínimos, segundo a Lei n. 9 424/96, deveriam ser de R$ 455,20 e R$ 478,00, respectivamente (diferença de R$ 122,20 e R$ 128,40 per capita).

Para o ano de 2001, os valores mínimos foram determinados em R$ 363,00 e R$ 381,15; respeitando a diferenciação dos valores, porém, estes deveriam ser iguais a R$ 522,10 e R$ 548,20, representando uma diferença de R$ 159,10 e R$ 167,10, respectivamente. Para 2002, os valores mínimos por aluno/ano foram estipulados em R$ 418,00 para as 1ª a 4ª séries e em R$ 438,09 para as 5ª a 8ª séries e Educação Especial, enquanto os valores mínimos, deveriam ser estipulados em, respectivamente, R$ 613,70 e R$ 644,40 per capita, aumentando a diferença entre os dois valores para R$ 195,70 e R$ 206,30 por aluno/ano.

Em 2003, os valores mínimos aluno/ano foram estabelecidos em R$ 446,00 e R$ 468,90 para as matrículas de 1ª a 4ª séries e 5ª a 8ª séries e Educação Especial, respectivamente. Porém, de acordo com a legislação do Fundef, esses valores deveriam corresponder a R$ 733,80 e R$ 770,50 - uma diferença per capita de R$ 287,80 e R$ 301,60.

Caso o valor anual mínimo fosse estabelecido de acordo com a fórmula estabelecida no art. 6º da Lei n. 9 424/96, o volume de recursos federais destinados à complementação do Fundef seria bem superior às verbas efetivamente destinadas pelo governo federal. As tabelas 2 e 3 apresentam, respectivamente, os valores da complementação da União conforme os valores mínimos estabelecidos pelo poder Executivo e os valores mínimos de acordo com o texto legal, para o período de 1998 a 2003.

Em seguida, a tabela 4 mostra a diferença do volume de recursos federais destinados ao financiamento do fundo resultante da comparação entre a aplicação do valor mínimo nas duas hipóteses consideradas.

Em 1998, com a aplicação do valor mínimo segundo a Lei n. 9 424/96, os estados que necessitariam de complementação de recursos federais passariam de seis para 16, sendo três na região Norte (Pará, Rondônia e Tocantins), todos os nove da região Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe), dois na região Centro-Oeste (Goiás e Mato Grosso do Sul), 1 na Região Sudeste (Minas Gerais) e um na região Sul (Paraná), aumentando o valor total da complementação da União de R$ 486,6 milhões para R$ 1 971,3 milhões, uma diferença superior a R$ 1 484,6 milhões (205%).

No exercício de 1999, o número de estados que receberiam a complementação da União aumentaria de oito para 11, sendo um na região Norte (Pará), os nove da região Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) e um na região Centro-Oeste (Goiás); o valor total da complementação da União passaria de R$ 579,9 milhões para R$ 1 852,8 milhões, um aumento de 119% (R$ 1 272,8 milhões).

Em 2000, os estados beneficiados passariam de cinco para 11, sendo na um região Norte (Pará); todos os estados da região Nordeste teriam seus fundos complementados com recursos federais, exceto o Sergipe, totalizando oito; ainda os estados de Goiás (região Centro-Oeste) e de Minas Gerais (região Sudeste) receberiam recursos complementares do governo federal. Dessa forma, se a legislação do Fundef fosse cumprida, o volume total de recursos federais na complementação dos fundos passaria de R$ 485,4 milhões para R$ 1 988,5 milhões; a diferença atingiria R$ 1 503,0 milhões, igual a 210% do valor mínimo aplicado.

Os valores referentes ao exercício de 2001 apontam para um aumento do montante de recursos federais destinados à complementação do Fundef, que passaria de R$ 391,6 milhões para R$ 2 310,3 milhões, o que representa uma elevação da ordem de 390%, igual a R$ 1 918,8 milhões. O número de estados beneficiados aumentaria de quatro para nove, sendo o Pará na região Norte e oito estados na região Nordeste (todos, exceto Sergipe).

Nos exercícios de 2002 e 2003, o número de estados que receberiam a complementação da União aumentaria de quatro para 14, sendo dois na região Norte (Pará e Amazonas), os todos os estados da região Nordeste, dois na região Centro-Oeste (Goiás e Mato Grosso do Sul) e o estado de Minas Gerais na região Sudeste.

Em 2002, o valor total da complementação da União passaria de R$ 320,5 milhões para R$ 3 509,1 milhões, um aumento de 943% (R$ 3 345,6 milhões). Para o ano de 2003, o volume total de recursos federais na complementação dos fundos passaria de R$ 335,7 milhões para R$ 4 256,8 milhões, uma diferença de R$ 3 921,0 milhões (1 068%).

Dessa maneira, se considerarmos o valor mínimo legal, indicado na fórmula prevista no artigo 6º da Lei n. 9 424/96, como sendo o valor médio, a dívida da União em relação à complementação de recursos federais ao Fundef corresponde a cerca de R$ 13,5 bilhões; esse valor refere-se aos exercícios de 1998 a 2003 e é cinco vezes superior ao valor efetivamente aplicado pelo governo federal no mesmo período.

Os valores da complementação da União acima estimados podem ser alterados para baixo ou para cima, dependendo da arrecadação das receitas vinculadas ao Fundo; se elas superarem as estimativas iniciais do orçamento, o aporte de recursos federais destinados ao Fundo será menor, sendo a recíproca também verdadeira.

A reduzida participação da complementação da União, tendo em vista o baixo valor mínimo aluno/ano, estabelecido em desacordo com a legislação do Fundef, limita a função redistributiva da União no financiamento do ensino fundamental, segundo determina a Constituição Federal (art. 221), impedindo um avanço na política de correção das desigualdades interestaduais proposta pelo Fundef.

III. A POLÍTICA DE CORREÇÃO DAS DESIGUALDADES INTERESTADUAIS DO FUNDEF

As desigualdades interestaduais no financiamento do Fundef têm origem no comportamento dos impostos e das transferências que compõem os fundos estaduais, a partir das receitas vinculadas ao Fundef disponíveis em cada unidade federativa. Tendo em vista as diferentes capacidades de financiamento dos fundos estaduais no plano nacional, o mecanismo do Fundef estabelece uma política de correção dessas desigualdades por meio da participação da União no financiamento do programa.

A política de correção das desigualdades interestaduais proposta pelo Fundef é realizada por meio da complementação de recursos federais aos fundos estaduais, em que o volume de recursos vinculados ao Fundef não seja suficiente para garantir um valor médio por aluno/ano superior ao valor mínimo estabelecido nacionalmente.

Nesta seção pretende-se verificar a capacidade do Fundef de promover uma redução das desigualdades existentes entre os estados e regiões no financiamento do Ensino público Fundamental, avaliando se o Fundo consegue estabelecer uma tendência convergente em relação à média nacional dos valores aluno/ano aplicados nas unidades da federação. Com isso, pretende-se demonstrar se o Fundef representa um importante avanço para o equilíbrio federativo por meio do financiamento da Educação Fundamental ou não.

A Tabela 5 e o Gráfico 1 apresentam os valores médios aluno/ano aplicados por unidades federativas e regiões. Em seguida, ainda na Tabela 5, adotou-se o valor médio nacional igual a 100, a fim de verificar se os valores aplicados nas unidades da federação aproximaram-se da média nacional ou se houve um aumento da distância entre os valores aplicados por aluno matriculado no ensino fundamental nas diferentes unidades federativas - ou seja, pretende-se verificar se o Fundef estabelece uma tendência convergente do valor aluno/ano aplicado nas unidades federadas em relação ao valor médio nacional per capita.


No intuito de conhecer os impactos da criação do Fundef, realizou-se uma simulação referente a 1996 e 199733 Para isso partiu-se da razão entre o montante de recursos, resultante da simulação das receitas vinculadas ao Fundef (caso houvesse a subvinculação dessas fontes para o financiamento do fundo nesses dois anos), e as matrículas no ensino fundamental dos censos realizados nos anos imediatamente anteriores. , dois anos imediatamente anteriores à implementação do fundo em nível nacional. Com isso, pretende-se avaliar os primeiros impactos da introdução do fundo e os resultados da política de correção das desigualdades interestaduais estabelecida pelo Fundef após seis anos de funcionamento do fundo (1998 a 2003).

Por meio da análise dos dados das tabela 5 e 6 e dos gráficos 1 a 5, é possível separar a trajetória dos valores aluno/ano aplicados no ensino fundamental nos estados e regiões em relação à média nacional, em três momentos. O primeiro momento refere-se ao período anterior ao Fundef (1996 e 1997), em que se observa uma tendência divergente em relação à média nacional, pois o valor aluno/ano aplicado dependia, exclusivamente, das receitas disponíveis dos impostos e transferências vinculadas ao financiamento do Ensino Fundamental em cada esfera de governo, ocorrendo grandes desequilíbrios inclusive dentro de cada estado (desigualdades intra-estaduais).







Com isso, os valores aluno/ano aplicados em cada unidade federativa são bastante desiguais; alguns estados possuem um valor médio bem superior à média nacional, tais como os estados de Roraima, São Paulo e Amapá, que possuíam valores aluno/ano correspondentes a 191%, 156% e 152% do valor médio nacional em 1996, aumentando para 197%, 164% e 152% da média nacional em 1997, respectivamente. Por outro lado, os valores per capita aplicados nos estados do Maranhão, Pará e Bahia representavam apenas 48%, 52% e 64% do valor médio nacional em 1996; esses valores diminuíram em 1997, representando 44%, 50% e 62%, respectivamente.

O segundo momento correspondem à introdução do Fundef, ocorrendo a redução das desigualdades interestaduais em virtude da complementação da União, beneficiando com uma parcela adicional de recursos os estados, cujas receitas vinculadas ao Fundo foram insuficientes para garantir a aplicação de um valor mínimo aluno/ano estabelecido nacionalmente. Da mesma forma, a introdução do Fundef eliminou as desigualdades intra-estaduais ao estabelecer como critério de redistribuição dos recursos do fundo o número de matrículas em cada esfera de governo.

Devido à complementação da União, os estados do Pará na região Norte e Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Piauí na região Nordeste tiveram seus fundos complementados por recursos federais. Essa parcela nova de recursos destinada a estes estados permitiu um aumento dos valores aluno/ano aplicados superior ao crescimento do valor médio nacional em 1998. Em 1997, esses valores correspondiam a 50% da média nacional no Pará, 62% na Bahia, 63% no Ceará, 44% no Maranhão, 71% em Pernambuco e 62% no Piauí. Com a introdução do Fundef, esses estados passaram a aplicar o valor mínimo nacional, que foi alcançado devido aos recursos da complementação da União, sendo que o valor mínimo correspondia a 72% do valor médio nacional no primeiro ano de funcionamento do Fundef.

Com isso, a introdução do Fundo representou um avanço na redução das desigualdades interestaduais no financiamento do Ensino Fundamental, estabelecendo uma trajetória convergente dos valores aluno/ano aplicados nas unidades federadas em direção ao valor médio nacional.

O terceiro momento corresponde ao período após a introdução do Fundef (1998 a 2003); a complementação da União perdeu importância, devido ao baixo valor mínimo aluno/ano nacional, que vem sendo estabelecido em um patamar bem inferior ao valor legalmente exigido por lei; por outro lado, o valor mínimo também não tem sido corrigido na mesma velocidade do aumento das receitas fiscais que compõem o Fundo, o que faz que o volume da complementação de recursos federais diminua drasticamente, beneficiando um número menor de estados.

O valor mínimo nacional correspondia a 72% da média nacional em 1998; esse valor foi reduzido para 66% em 1999, passando para cerca de 62% em 2000 e 59% da média nacional em 2001. Nos anos de 2002 e 2003, os valores mínimos aluno/ano corresponderam a 60% e 59% do valor médio nacional, respectivamente. Com isso, os estados mais pobres que aplicam o valor mínimo têm seus valores aluno/ano reduzidos; por outro lado, nos estados em que os valores aluno/ano aplicados são bastante altos, os valores foram elevados no mesmo ritmo do aumento das receitas vinculadas ao Fundef, pois esses estados possuem maior capacidade fiscal referente aos impostos e transferências que compõem o Fundo.

Por meio dos resultados observados após seis anos de funcionamento do programa (1998 a 2003), é possível classificar as unidades federativas em quatro grupos, de acordo com o valor aluno/ano aplicado (VAA) em relação à média nacional:

1º) estados com VAA superior à média nacional;

2º) estados com VAA inferior à média nacional, porém não contemplados com a complementação da União;

3º) estados com VAA próximo à média nacional, isto é, entre 90% e 110% do valor médio nacional e

4º) estados com VAA igual ao valor mínimo nacional, ou seja, estados que receberam recursos da complementação da União.

Na análise desses grupos, observa-se que oito estados (Acre, Amapá, Roraima, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) fizeram parte do primeiro grupo em todos os anos de funcionamento do Fundef, com valores aluno/ano superiores à média nacional, trajetórias de valores aplicados de maior distanciamento do valor médio nacional e elevação dos valores aluno/ano em relação à média nacional entre 1998 e 2003. Este comportamento só não se manifestou no Rio de Janeiro, em que ocorreu uma aproximação em relação ao valor médio nacional no período analisado, com redução dos valores aluno/ano em relação à média nacional. No estado do Amapá ocorreu uma diminuição do valor aluno/ano de 2003; no estado do Espírito Santo, essa redução ocorreu nos anos de 2002 e 2003. Porém, esses estados permanecem com um valor aluno/ano bem superior ao valor médio nacional.

Os estados do Tocantins e do Paraná passaram a pertencer ao grupo 1 a partir de 2002 e o estado do Mato Grosso ingressou em 2003. Por fim, destaca-se o fato que nenhum estado deixou de pertencer a esse grupo no período de 1998 a 2003, ou seja, a partir do momento em que acederam o grupo 1, nenhum deles aplicou uma valor igual ou inferior a 110% da média nacional.

Com relação ao segundo grupo, sete estados pertenciam a ele no primeiro ano do Fundef; desses, cinco (Tocantins, Rio Grande do Norte, Goiás, Minas Gerais e Paraná) apresentaram tendências de aproximação da média nacional no período analisado, sendo que os estados do Tocantins e Paraná passaram para o terceiro grupo entre 1999 e 2001 e, em seguida, para o primeiro grupo a partir de 2002. Por outro lado, os estados de Alagoas e Paraíba apresentaram tendências opostas aos demais componentes do grupo, tendo sido reduzidos os valores aluno/ano aplicados em relação à média nacional; esses estados, inclusive, tiveram seus fundos complementados pelos recursos da União em 1999; nos demais anos aplicaram valores aluno/ano bem próximos aos valores mínimos estabelecidos.

O terceiro grupo é formado pelos estados do Amazonas, Rondônia, Sergipe, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul no primeiro ano de funcionamento do Fundef. Todos eles, exceto o primeiro, apresentaram tendência de crescimento em relação ao valor médio nacional, sendo que o Mato Grasso passou para o primeiro grupo em 2003. Já no Amazonas ocorreu uma redução dos valores aplicados em comparação ao valor médio nacional, passando ao segundo grupo em 1999 e 2003. Durante o período analisado, outros estados provenientes desse grupo acederam o grupo 3: Goiás (2002 e 2003), Sergipe (2000) e Minas Gerais (2001 e 2003).

No quarto grupo estão os estados que aplicam um valor aluno/ano igual ao valor mínimo estabelecido nacionalmente. Em 1998, esse grupo foi formado por Pará, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Piauí; em 1999, incorporaram-se ao grupo os estados de Alagoas e Paraíba; em 2000, o grupo reduziu-se para cinco estados (Pará, Bahia, Ceará, Maranhão e Piauí); nos exercícios seguintes, o Ceará deixou de pertencer ao grupo, restando apenas quatro estados em 2001, 2002 e 2003.

Essa redução do número de estados beneficiados deve-se ao baixo valor mínimo aluno/ano nacional, estabelecido pelo governo federal em um patamar bastante inferior ao estipulado na Lei n. 9 424/96, bem como a correção do valor mínimo não acompanhar a evolução das receitas fiscais que compõem o Fundef. Esse fato faz que um número cada vez menor de estados necessite de complementação da União para garantir a aplicação do valor mínimo nacional.

Ainda sobre o quarto grupo, é necessário destacar que, em todos os estados que pertenceram a ele nos quatro primeiros anos de funcionamento do Fundef, as trajetórias dos valores aluno/ano aplicados foram divergentes em relação à média nacional, tendo ocorrido uma diminuição desses valores em relação ao valor médio nacional após seis anos de funcionamento do programa.

Dessa maneira, observa-se um grande contraste entre os estados pertencentes aos grupos 1 e 4. De um lado, o primeiro grupo é capaz de aplicar valores aluno/ano bem superiores à média nacional e aos valores aplicados no quarto grupo; por outro lado, os estados pertencentes ao quarto grupo aplicam o valor mínimo nacional, que é estabelecido em um patamar bem inferior à média nacional. Da mesma forma, foi demonstrado que estas desigualdades interestaduais ampliaram-se após a introdução do Fundef.

Os gráficos 6 e 7 apresentam a trajetória dos valores aluno/ano aplicados nos estados dos grupos 1 e 4 (isto é, dos estados que pertenceram a esses grupos em todo o período analisado, de 1998 a 2003).



Os gráficos 6 e 7 ilustram o aumento da distância entre os valores aluno/ano aplicados nos estados que aplicam um valor aluno/ano bem superior à média nacional (grupo 1 - Acre, Amapá, Roraima, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) e nos estados que tiveram seus fundos complementados pelos recursos federais e, portanto, aplicando o valor mínimo nacionalmente estabelecido (grupo 4 - Pará, Bahia, Maranhão e Piauí).

Assim, o Fundef não conseguiu estabelecer, após a sua introdução em 1998, uma política de correção das desigualdades interestaduais, uma vez que não há uma tendência convergente dos valores aluno/ano aplicados em relação à média nacional.

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenho do Fundef proporcionou significativos avanços na gestão do Ensino Fundamental público, organizando o financiamento desse nível de ensino por meio do novo critério de redistribuição de recursos vinculados ao Fundo proporcional à oferta de matrículas, da criação de conselhos de controle social, da ampliação da oferta de matrículas e da redução das desigualdades intra-estaduais.

Porém, esses avanços foram limitados pela reduzida participação da União na complementação do Fundef. O governo federal estabeleceu um valor mínimo bastante baixo, reduzindo a participação dos recursos federais no financiamento do fundo, inclusive em valores nominais. Esse fato impede um avanço na política de correção das desigualdades interestaduais proposta pelo Fundef, uma vez que as desigualdades presentes na estrutura fiscal vinculada ao Fundo não foram alteradas.

Caso o valor mínimo nacional fosse estabelecido de acordo com a legislação do Fundef, ou seja, não inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do Ensino Fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas, haveria uma equalização mínima dos valores aluno/ano, aplicados no âmbito de cada unidade federada, a partir do valor médio nacional, possibilitando uma redução bastante significativa das desigualdades interestaduais no financiamento do ensino fundamental. Por outro lado, isso exigiria um aporte de recursos federais muito maior destinado à complementação da União aos fundos estaduais.

Porém, essa situação não ocorre. Por meio deste estudo, constatou-se que não houve uma convergência dos valores per capita aplicados nos estados e regiões em relação ao valor aluno/ano médio nacional. Apesar da iniciativa de garantir um valor mínimo aluno/ano - o que representa um avanço em relação à situação anterior ao Fundo -, as desigualdades interestaduais ampliaram-se após seis anos de funcionamento do programa.

De um lado, o que se pode concluir é que não houve possibilidade de alterar-se a estrutura fiscal vinculada ao programa, pois exigiria uma reforma tributária e alterações na questão do federalismo fiscal. Pelas mesmas razões, o mecanismo do Fundef não prevê a redistribuição dos recursos do Fundo no plano nacional, ou seja, entre as unidades federadas. Com isso, a responsabilidade pela correção das desigualdades interestaduais no financiamento do ensino fundamental recai, exclusivamente, sobre a União.

Por outro lado, conclui-se que a política de correção das desigualdades interestaduais proposta pelo Fundef foi limitada pela restrição orçamentária da União, tendo em vista o programa de ajuste fiscal da política econômica vigente, não permitindo a alocação dos recursos federais necessários para a complementação do Fundef, a fim de estabelecer uma efetiva política de correção destas desigualdades.

O caso do Fundef é exemplar para compreender os limites impostos pelas restrições fiscais à eficácia de desenhos dos programas sociais. Os limites identificados no funcionamento do programa são, em grande medida, ligados ao seu processo de implementação, mais precisamente aos contingenciamentos de recursos financeiros.

Nessas condições, um valor mínimo aluno/ano estabelecido de acordo com a fórmula apresentada no artigo 6º da Lei n. 9 424/96 ou em patamares superiores aos valores mínimos aplicados exigiria um aporte maior de recursos por parte da complementação da União ao Fundo, o que está acima da capacidade orçamentária e financeira do governo federal.

Apesar da justificativa do MEC, elaborada no governo Fernando Henrique Cardoso (BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999a), a respeito da interpretação da fórmula expressa no art. 6º da Lei n. 9 424/96, o próprio MEC, no governo Lula, admite os limites impostos pela política econômica, por meio do programa de ajuste fiscal, à ampliação dos gastos sociais; nesse caso, essa restrição fiscal reflete-se no baixo valor mínimo estabelecido e, conseqüentemente, na reduzida participação da União na complementação de recursos do Fundef. Isso implica a ampliação das desigualdades interestaduais existentes no financiamento do ensino fundamental, após seis anos de funcionamento do Fundef.

OUTRAS FONTES

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BRASIL. Tribunal de Contas da União. 2002. Decisão n. 871, de 17.jul. Trata do estabelecimento do valor mínimo nacional do Fundef. Digit.

Recebido em 10 de dezembro de 2004

Aprovado em 18 de maio de 2005

Daniel Arias Vazquez (danielv@cebrap.org.br) é Mestre em Economia Social e do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), doutorando em Economia Aplicada pela mesma instituição, professor da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS) e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole.

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  • 1
    O estado do Pará antecipou a implementação do Fundef em julho de 1997; essa antecipação era facultativa segundo a Lei n. 9 424/96.
  • 2
    Esta análise está fora do escopo deste artigo. O autor analisa os aspectos do Fundef relacionados às desigualdades intra-estaduais, ao processo de descentralização do ensino fundamental e à redistribuição dos recursos do fundo em outros trabalhos (VAZQUEZ, 2002; 2003a; 2003b).
  • 3
    Para isso partiu-se da razão entre o montante de recursos, resultante da simulação das receitas vinculadas ao Fundef (caso houvesse a subvinculação dessas fontes para o financiamento do fundo nesses dois anos), e as matrículas no ensino fundamental dos censos realizados nos anos imediatamente anteriores.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Recebido
      10 Dez 2004
    • Aceito
      18 Maio 2005
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