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PERSONALIDADES EXTRAORDINÁRIAS NAS CRÍTICAS TEATRAIS DE DECIO DE ALMEIDA PRADO

PROMINENT PERSONALITIES IN DECIO DE ALMEIDA PRADO’S THEATER CRITICISM

Resumo

Decio de Almeida Prado foi um dos mais importantes críticos teatrais brasileiros e figura relevante da modernização do teatro no país. O tema das personalidades se vincula à posição de Prado acerca do anacronismo do “velho teatro”, caracterizado por diversas ausências, como direção e cenografia enquanto atividades especializadas, as quais conviviam com um excesso de presença: os grandes atores, que dotados de talento e personalidade marcantes sobrepunham-se a todo o resto e, principalmente, ao elemento central para Prado, o texto da peça. Destacaremos as análises de Prado sobre os atores, ora associando-os a um talento inato, ora acusando-os de acomodação. Essas considerações estendem-se, ainda, a figuras da modernização como Cacilda Becker e Ziembinski. No caso dos atores, Prado mobiliza um expediente que demonstra afinidade com o ideal de Bildung . Já nas análises sobre Ziembinski, é possível uma aproximação com a noção de artista individualista desenvolvida por Mário de Andrade.

Palavras-chave
Crítica teatral; Decio de Almeida Prado; Teatro moderno brasileiro; Velho teatro; Grandes atores

Abstract

Decio de Almeida Prado is among the most important Brazilian theater critics and a relevant figure for theater modernization. Throughout his work, the theme of the “personality” relates to the critic’s argument of “old theater’s” anachronism, characterized by several absences, such as direction and scenography as specialized activities, which coexisted with an excessive presence of great actors full of talent and strong personalities that upstaged other play elements, particularly its text. This paper highlights Prado’s analyses of the actors, sometimes described as possessing innate talent, other times criticized for lacking a self-improvement ethos. These considerations extend to important modern theater figures, such as actress Cacilda Becker and director Zbigniew Ziembinski. When analyzing actors, Prado mobilizes considerations aligned to the German notion of Bildung ; on the other hand, Prado’s analysis about Ziembinski resembles Mário de Andrade’s idea of individualist artists.

Keywords
Theater criticism; Decio de Almeida Prado; Modern brazilian theater; Old theater; Great actors

No rico processo de modernização do teatro no Brasil, iniciado na primeira metade do século XX, uma das figuras mais ativas na propagação de um projeto modernizador para os palcos foi o crítico Decio de Almeida Prado (1917-2000). Formado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) e na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), Prado fez parte do grupo de intelectuais que fundou a revista Clima (1941-1944), publicação que reunia textos de crítica sobre literatura, cinema, artes plásticas e teatro, e que contava com Alfredo Mesquita, Antonio Candido, Ruy Coelho, Paulo Emilio Salles Gomes, Lourival Gomes Machado e Gilda de Mello e Souza. Ainda na década de 1940, fundou e dirigiu o Grupo Universitário de Teatro de São Paulo (GUT), que, ao lado de outros grupos amadores, contribuiu para a transformação do panorama teatral da cidade. Entre 1946 e 1968, Prado publicou críticas teatrais no jornal O Estado de S. Paulo e foi diretor de seu Suplemento Literário (1956-1967). Também publicou críticas por um breve período nas revistas Veja e Visão .

Além de sua atuação como crítico, Decio de Almeida Prado foi professor de História do Teatro e Estética na Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo de 1948 a 1963, e responsável pela cadeira de Teatro no curso de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) de 1968 a 1983, período em que produziu importantes obras sobre história do teatro brasileiro.

O legado de Decio de Almeida Prado abrange, nesse sentido, tanto a dimensão da crítica teatral como do ensino universitário e da pesquisa sobre história do teatro brasileiro. Uma produção tão extensa e profícua, realizada ao longo das décadas de trajetória intelectual.

Neste artigo teremos como foco seus textos de crítica teatral. Por meio da análise de conteúdo das críticas, trataremos do problema das personalidades extraordinárias, tema que se relaciona diretamente com o projeto estético que Prado defendeu para o moderno teatro brasileiro 1 1 Uma versão deste texto foi apresentada no XXIX Simpósio Nacional de História, ocorrido em Brasília, em 2017. Agradeço as contribuições dos participantes do simpósio temático As Sensibilidades na História: Artes, Ciências e Pensamento. .

Tal recorte se vale do acúmulo produzido no campo do pensamento social sbrasileiro acerca do contexto intelectual e cultural em que Prado foi formado. Inicialmente, destacam-se a caracterização do ambiente universitário da USP na década de 1930 (Peixoto, 1989Peixoto, Fernanda Arêas. (1989). Franceses e norte-americanos nas ciências sociais brasileiras: 1930-1960. In: Miceli, Sérgio (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo: Vértice; IDESP, p. 477-529 (vol. 1). ) e a convivência com os professores franceses na formação do crítico. Também é central o papel das relações de sociabilidade na constituição das referências iniciais que forjarão a atuação intelectual de Decio de Almeida Prado, conforme análise de Heloisa Pontes ( 1998Pontes, Heloisa. (1998). Destinos mistos: os críticos do grupo Clima em São Paulo, 1940-1968. São Paulo: Companhia das Letras., 2010Pontes, Heloisa. (2010). Teatro, gênero e sociedade (1940-1968). Tempo Social, 22/1, p. 29-46.: as relações de juventude com os parceiros de Clima e o contexto responsável por encaminhar Prado para a crítica teatral (Guinsburg & Fernandes, 1997Guinsburg, Jacob & Fernandes, Nanci. (1997). A iniciação de um crítico. In: Faria, João Roberto; Arêas, Vilma & Aguiar, Flávio (org.). Decio de Almeida Prado: um homem de teatro. São Paulo: Edusp, p. 129-158. ), momento no qual delineou um entendimento particular sobre os pressupostos do projeto brasileiro de modernização da área.

Nas duas décadas em que atuou como crítico, Prado observou não somente a transformação do teatro, mas viu surgir também, nos palcos, os temas, anseios e debates que tratavam da modernização de São Paulo e do país. Seus textos nos permitem a observação de uma dinâmica intrincada, que conjuga entendimento sobre o próprio teatro, o debate político público de uma época e a produção intelectual. Nesse sentido, as obras de Maria Arminda do Nascimento Arruda ( 2001Arruda, Maria Arminda do Nascimento. (2001). Metrópole e Cultura: São Paulo no meio do século XX. Bauru: EDUSC. ) e Ana Bernstein ( 2005Bernstein, Ana. (2005). A crítica cúmplice: Decio de Almeida Prado e a formação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Instituto Moreira Salles. ) nos auxiliam na compreensão dessas conexões. As análises de João Roberto Faria ( 2002bFaria, João Roberto. (2002a). O crítico em progresso. In: Prado, Decio de Almeida. Teatro em Progresso: crítica teatral (1955-1964). São Paulo: Perspectiva, p. xi-xvi. ); ( 2002aFaria, João Roberto. (2002b). Decio de Almeida Prado: a consciência teatral de São Paulo. In: Prado, Decio de Almeida. Teatro em progresso: crítica teatral (1955-1964). São Paulo: Perspectiva, p. 301-308. ) e Vilma Arêas ( 1996Arêas, Vilma. (1996). A crítica viva de Decio de Almeida Prado. Revista USP, 30, p. 308-312. ), além daquela feita por ambos em conjunto (Faria & Arêas, 1997Faria, João Roberto; Arêas, Vilma & Aguiar, Flávio (orgs.). (1997). Decio de Almeida Prado: um homem de teatro. São Paulo: Edusp. ) nos forneceram referencial para a leitura do conjunto de críticas teatrais de Prado e são especialmente importantes para a proposta deste artigo. Por meio de uma mirada muito próxima do texto de Prado e da tentativa de compreensão de suas lógicas internas, buscou-se evidenciar seus posicionamentos e os deslocamentos e inflexões de seu argumento, resultantes de um trabalho constante e próximo da vida teatral da cidade e de seus agentes. É com base nessas perspectivas que a análise do artigo, com foco nas críticas, apresenta sua ancoragem.

As principais referências de Prado para a empreitada modernizadora se encontravam no teatro moderno francês. Vale destacar que a referência à cultura francesa era a marca dos autores de Clima . No caso específico de Prado, essa referência se dava por meio do trabalho de Jacques Copeau ( 2013Copeau, Jacques. (2013 [1913]). Apelos. São Paulo: Perspectiva. [1913]) e Louis Jouvet ( 1964Jouvet, Louis. (1964 [1948]). Notas sobre o edifício dramático. In: Redondo Júnior (org.). O teatro e a sua estética. Lisboa: Arcádia, p. 13-30 (vol. 2). [1948]). Copeau foi um estudioso de teatro que também atuou como crítico teatral na La Nouvelle Revue française , e que em 1913 publicou o manifesto de lançamento do Teatro Vieux-Colombier, intitulado Uma tentativa de renovação dramática . Já o ator Louis Jouvet foi um dos representantes mais expressivos da vanguarda moderna do teatro francês, formado diretamente por Jacques Copeau, quando participou do grupo Vieux-Colombier, companhia que, “desde o decênio de 1910, lutara pela libertação do teatro francês das velhas convenções, sobretudo daquelas habituais nas montagens de boulevard ” (Pontes, 2010Pontes, Heloisa. (2010). Teatro, gênero e sociedade (1940-1968). Tempo Social, 22/1, p. 29-46.: 140).

De forma sintética, Copeau, em seu manifesto, criticava a comercialização e a vulgarização em que se encontrava o teatro francês da época, com a consequente perda de qualidade artística e desprezo pelo texto literário. O crítico propõe uma drástica ruptura com o teatro estabelecido e lança um programa que contempla a inauguração de um novo teatro, a escolha cuidadosa do repertório (envolvendo clássicos e autores contemporâneos, de garantida qualidade literária), uma escola de formação de atores — em que se valoriza a sua educação estética e o seu preparo físico por meio da ginástica, da mímica e da dança — e um novo tipo de ator. Copeau ambicionava formar um núcleo vivo entre artistas, espetáculo e público, que serviria, no futuro, como foco irradiador de uma nova atitude perante o teatro, entendido enquanto um teatro de arte (Copeau, 2013Copeau, Jacques. (2013 [1913]). Apelos. São Paulo: Perspectiva. [1913]).

A partir dessa referência central para Prado, tornam-se mais claras as premissas estéticas enunciadas já em seus primeiros textos escritos em Clima:

  • a.

    a defesa da utilização das convenções teatrais: Prado acredita no “acordo entre o autor, o ator e o público para criar um espetáculo, cada um colaborando para que a ilusão seja perfeita e a emoção apareça” (Prado, 2005bPrado, Decio de Almeida. (2005b). O teatro Louis Jouvet em São Paulo: Revista Clima. In: Bernstein, Ana. A crítica cúmplice: Decio de Almeida Prado e a formação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Instituto Moreira Salles, p. 255-260.: 256). Toma como referência o teatro clássico para pensar a convenção teatral como algo fundamental e inerente à experiência teatral, definidora da experiência estética e da relação do teatro com seu público (opondo-se, assim, ao teatro naturalista);

  • b.

    a primazia do texto em relação aos outros elementos que compõem o fazer teatral: ou seja, deve haver a “submissão de todos os outros componentes do espetáculo teatral a ele” (Prado, 2005bPrado, Decio de Almeida. (2005b). O teatro Louis Jouvet em São Paulo: Revista Clima. In: Bernstein, Ana. A crítica cúmplice: Decio de Almeida Prado e a formação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Instituto Moreira Salles, p. 255-260.: 258);

  • c.

    a defesa da importância do trabalho dos diretores — responsáveis por garantir a unidade do espetáculo — e, ao mesmo tempo, a necessidade de apontar um limite à sua atividade criativa;

  • d.

    o combate às práticas do que denominava “velho teatro” ou do teatro comercial;

  • e.

    a discussão sobre o trabalho dos atores.

Consideramos importante dar destaque a esse referencial porque, durante a leitura das críticas reunidas em Clima e Apresentação do teatro brasileiro moderno (publicadas entre 1941 e 1955), observa-se que Prado mantém uma enorme coerência. Suas premissas estéticas apresentam-se de maneira clara nos textos, inclusive caracterizando-se por uma rigidez no trato das peças. Ainda que não houvesse estruturado como tal, Prado formulou princípios que, em conjunto, atuaram como um programa estético próprio, e com isso explicitou suas preferências, posicionou-se diante de quem fazia teatro de uma forma diferente e trouxe à tona um conjunto de discussões importantes sobre o teatro brasileiro. Esse eixo programático, como afirmamos anteriormente, comportou ainda a construção de um certo argumento para a modernização, que identificou a modernização teatral brasileira como um processo apartado das experiências teatrais do passado, o que Prado denominava de “velho teatro” 2 2 Uma discussão mais aprofundada sobre o tratamento que Prado dá ao “velho teatro” em suas críticas pode ser acessada no texto “O estatuto do”velho teatro” na crítica de Decio de Almeida Prado”, apresentado no 42º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), em 2018. .

A análise dos textos de Prado sobre o moderno teatro brasileiro demonstra as contradições presentes entre o modelo de modernização defendido pelo crítico e sua aplicação em nosso ambiente cultural, justificadas em sua escrita pela fragilidade da dramaturgia nacional, pela concorrência entre as premissas da vanguarda moderna francesa e tendências modernas variadas — como o expressionismo e, posteriormente, o teatro épico — e pela sobrevivência do “velho teatro”, este último avaliado de forma amalgamada em termos de repertório, atores e público. Essas tensões surgem na escrita de Prado, ainda, na forma de pares de oposições, como reflexão × emoção , cérebro × coração e peças/montagens introvertidas × extrovertidas , a partir dos quais o crítico busca refletir sobre o teatro moderno em seus mais variados aspectos (dramaturgia, direção, interpretação e tendências teatrais).

Neste amálgama que compreende diversas facetas do “velho teatro”, iremos nos deter nas análises de Prado sobre as personalidades teatrais, e como estas expressavam o contexto e as disputas presentes no processo de modernização teatral.

O “ELEMENTO MISTERIOSO”

A crítica negativa de Decio de Almeida Prado ao “velho teatro” é enunciada incisivamente em diversos textos. Elegemos aqui, como ponto de partida, o comentário sobre a peça Falta um zero nesta história , da Companhia Nacional Jaime Costa, em montagem de 1952. Logo no início de seu texto, Prado lança uma questão: “que elemento misterioso é esse que nos permite distinguir, com tanta facilidade, o velho do novo teatro no Brasil?” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 172). Em seguida, o crítico reconhece que há uma distância qualitativa entre o trabalho dos jovens atores, “de apenas vinte ou trinta anos”, e as representações como as de Jaime Costa, que, segundo Prado, seriam cada vez mais raras na cena teatral brasileira. Num primeiro momento, tudo indica que o “elemento misterioso” a que Prado se refere é o estilo de interpretação. O crítico continua a desenvolver seu ponto e afirma que a resposta para sua pergunta não estaria na ausência de talento. Prado esclarece: “Talento não é privilégio de geração nenhuma e muitos dos nossos jovens atores estão bem longe de possuir a vocação inata de um Jaime Costa ou de um Procópio” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 172-173). A resposta, então, o crítico apresenta na seguinte explicação:

A diferença, parece-nos, está essencialmente na maneira de conceber o teatro como espetáculo. Para os mais novos, crescidos dentro da disciplina imposta pelos encenadores estrangeiros, uma peça de teatro é um mecanismo em que cada personagem representa uma determinada função. A graça provém não deste ou daquele elemento funcionando separadamente, a seu bel-prazer, mas do modo perfeito com que todos eles se entrosam uns nos outros. A personagem, para começar, tem certa coerência, certa fisionomia especial e inconfundível. Daí a necessidade de estudá-la como se estuda um problema de psicologia, a obrigação de partir sempre do zero em relação a cada novo desempenho. Depois essas figuras unem-se para formar um todo homogêneo, lógico, onde não existe o acaso ou a improvisação. Tudo foi previsto pelo autor para alcançar o máximo resultado (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 173).

Neste sentido, para Prado o problema do “velho teatro” passa centralmente pelo entendimento sobre o trabalho do ator. Isso se justifica pelo fato de alguns grandes atores de nossa cena teatral serem as expressões mais visíveis do teatro comercial. Se pensarmos que a função do encenador inexiste nesse tipo de teatro, a principal atividade que emerge como expressão objetiva, palpável, do “velho teatro” é a do ator. Prado continua sua análise sobre a interpretação:

Ora, para os nossos antigos atores, nada disto tem muito sentido. Cada qual procura ser engraçado da maneira que lhe é mais fácil e espontânea, não importando se as suas invenções pessoais mantém [sic] ou não a unidade da personagem ou da peça. Jaime Costa é sempre Jaime Costa como Procópio é sempre Procópio. […] Assim se explica, por exemplo, o uso do “caco”, posto em geral dentro da peça da forma mais absurda. O arbitrário é mesmo uma das características mais fortes do nosso velho teatro (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 173).

Mas o problema do “velho teatro” visto pela perspectiva dos atores tradicionais não residiria apenas na diferença acerca da representação. Percebe-se, na análise do crítico, que se, por um lado, o estilo ultrapassado de interpretação era algo que atingia todos os intérpretes da velha geração, por outro os demais elementos de crítica não se aplicariam a qualquer ator, mas centralmente àqueles reconhecidos como o primeiro ator das companhias. É deles que Prado se ocupa nesse texto, eles sim são o “elemento misterioso” de sua pergunta inicial. A crítica ao espetáculo de Jaime Costa tem como intenção denunciar o que o crítico considera serem os graves problemas do “velho teatro”, apresentando ao leitor as diferenças de concepção entre o “velho” e o “novo” teatro.

O primeiro ator era a principal estrela de uma companhia (geralmente dava nome a ela — Jaime Costa, Procópio Ferreira) e apresentava uma posição privilegiada e de poder dentro da cena teatral tradicional. Como não havia nesse tipo de teatro a figura do diretor, o grande ator acumulava funções: podia ser o empresário, dono da companhia e aquele que selecionava o repertório e preparava as montagens. Sem uma concepção moderna que orientasse o trabalho, nas montagens tradicionais o primeiro ator assumia a centralidade tanto no débil processo de preparação quanto no espetáculo propriamente dito 3 3 Sobre este ponto, ver Faria ( 2013 ). . Para Prado, o acúmulo de funções do primeiro ator não indicava virtuosismo, mas sim evidenciava a precariedade de nossa cena teatral, tão carente das funções especializadas que caracterizavam as montagens modernas. Sobre Falta um zero nesta história , por exemplo, Prado ressalta:

O presente texto resulta provavelmente da adaptação de uma adaptação de uma adaptação, sendo o último adaptador, um tal Sr. Paulo Manhães, que outro não é senão o nosso Jaime Costa que, como vemos, além de representar e dirigir o espetáculo, ainda achou jeito de colaborar na peça e desenhar os cenários (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 174).

O teatro comandado pelos grandes atores viveu seu apogeu nas décadas de 1920 e 1930. A crítica de Prado a Jaime Costa data de 1952. É legítimo supor que o teatro tradicional também tenha se adaptado ao novo contexto de uma cena teatral em que convivem o “velho” e o “novo” teatro. Por isso cabe atentarmos para o cerne da crítica de Prado neste momento. Se por um lado, nesse texto, o crítico explica a concepção moderna de teatro, por outro, quando se trata de analisar o “velho teatro” e suas limitações, Prado concentra-se numa característica que considera altamente problemática e que persiste ao longo dos anos: o desrespeito ao texto teatral, ocasionado não necessariamente pela ausência de direção, mas por uma indevida atitude criativa que os primeiros atores exerciam.

O “caco” 4 4 Os “cacos” são “as falas e deixas improvisadas na hora do espetáculo que nada tinham a ver com o texto original encenado” (Pontes, 2010: 33). representaria, sob essa perspectiva, a expressão de criação dos grandes atores em sua forma perniciosa. Arbitrário em relação ao texto, o “caco”, entendido como “invenção pessoal”, está associado à personalidade dos grandes atores. Dessa forma, independentemente de qual texto representem, os primeiros atores seriam sempre os mesmos. Essa é uma característica específica de figuras famosas como Jaime Costa e Procópio Ferreira, visto que não se faculta aos atores coadjuvantes o direito ao improviso. A crítica de Prado revela que o “caco” sobrevive ao passar dos anos porque é a expressão de um ethos teatral que acompanha os grandes intérpretes do “velho teatro”. Estes, mesmo se submetidos à disciplina de um diretor, mesmo que participem de uma montagem em moldes modernos, precisavam batalhar para se livrarem dessa marca 5 5 Prado salienta a dedicação de alguns atores da velha geração quando estes se esforçam para representar em moldes modernos. É o caso da crítica a Morte do caixeiro-viajante , de 1951, em que reconhece que Jaime Costa está muito bem em cena, “comovente mais pela indiscutível sinceridade do intérprete do que pela técnica” (Prado, 2001 [1956]: 166); em 1954, sobre o trabalho de Nicette Bruno, afirma: “Cada novo espetáculo seu [de Nicette Bruno] significa, em geral, uma pequena vitória sobre si mesma, um pequeno triunfo na luta contra a falsidade teatral — e em tais casos o que interessa propriamente é a continuidade da evolução” (Prado, 2001 [1956]: 206). Por fim, sobre O canto da cotovia , peça de 1955, e a atuação de Maria Della Costa: “[A atriz] Estudou, submeteu-se, voluntariamente, assim que pôde, à disciplina de um encenador, fazendo questão de criar uma companhia baseada, não na exaltação de sua pessoa, mas no valor do conjunto” (Prado, 2001 [1956]: 228). . O “caco”, como expressão da criatividade desobediente, estaria fusionado e impregnado da personalidade dos grandes atores. Por isso, pouco importa a Prado se a peça faz sucesso, ou leva o público a rir: ela continua sendo a expressão do “velho teatro”, que pouco inova em técnica e muito deseduca a plateia 6 6 Quando Prado comenta sobre Essa mulher é minha , de Raimundo Magalhães Jr., em 1952, afirma que a peça “é Procópio — Procópio, todo Procópio e somente Procópio”. Definição pejorativa, claro, apesar de o crítico reconhecer que “São Paulo andava saudoso de Procópio, essa é que é a verdade” (Prado, 2001 [1956]: 80). . O “caco” expressaria a força de um estilo de representação: fascina as plateias, transita entre o imponderável, o riso. Não poderia ser encarado apenas como uma anedota pertencente ao vasto mundo das vaidades artísticas; para Prado, seria necessário que o teatro moderno o combatesse seriamente enquanto prática.

A condenação do uso do “caco” é exemplar na medida em que evidencia como o crítico, em diversos momentos, irá entender o ator como uma figura que precisa ser domada, controlada, cabendo ao diretor (uma função presente no teatro moderno) realizar essa tarefa. Ao comentar a peça Assim é (se lhe parece), espetáculo do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) de 1953, sob direção de Adolfo Celi, Prado elogia a capacidade do diretor de trazer unidade à peça “dobrando” os atores:

A direção de Celi esconde as dificuldades vencidas, mas é, de fato, de um incomparável virtuosismo técnico. Porque, afinal de contas, uma coisa é dominar a luz e a marcação, elementos materiais, exteriores ao homem, que se deixam vencer docilmente pela nossa vontade e imaginação, e outra é lidar com o ator, a matéria-prima da representação, aquela que, por sua natureza, mais resiste ao encenador, obrigando-o a aceitá-la tal qual é, com todos os seus tiques de personalidade, com todas as suas características físicas e morais, impondo-se em vez de obedecer. Celi, trabalhando e dobrando os atores como nunca conseguira antes, arrancando, de cada um, uma pessoa que nada tem de comum com a personalidade real do intérprete, atinge agora o seu ponto de maior maturidade (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. )[1956]: 302).

Há uma centralidade no texto de Prado sobre o trabalho de interpretação. Esse destaque se justificava pelo fato de os atores evidenciarem facilmente os elementos do “velho” e do “novo” teatro. Assim, atores e atrizes seriam capazes de trazer no corpo, na dicção, no gesto, o erro ou o acerto do espetáculo. Seriam, nesse sentido, a expressão última e escancarada de falhas que, vistas pelo programa estético de Prado, ocorreriam num efeito cascata: o desrespeito ao texto, a ausência/falha de direção (concepção cênica), o erro na composição psicológica das personagens.

Flávio Aguiar ( 1997Aguiar, Flávio. (1997). A pura chama: estudo sobre autor, texto e personagem na obra de Decio de Almeida Prado. In: Faria, João Roberto; Arêas, Vilma & Aguiar, Flávio. Decio de Almeida Prado: um homem de teatro. São Paulo: Edusp, p. 237-254. ) sinaliza como, tanto na obra crítica como histórica de Prado, a relevância dada aos atores não deve ser interpretada como uma contradição de suas premissas estéticas. Para Aguiar,

quem ficar nas aparências, ao ler os textos de Prado […] poderá imaginar que Prado privilegia o texto, ou o repertório, às vezes em detrimento do espetáculo, como se fora um aristotélico ao pé da letra ou um clássico da letra ao pé. Mas, neste caso, como se explicaria que esse crítico historiador tenha analisado com tanta persistência a atividade de atores como João Caetano, Procópio Ferreira, apenas para citar aqueles que deram nome a livros autônomos? […] O que Prado privilegia é a análise da ação, porque é pela análise dela que somos levados ao caminho de se contemplar aqueles movimentos profundos da história e da cultura, sem perdermos de vista as peculiaridades do texto, do espetáculo e do contexto em que tudo se dá (Aguiar, 1997Aguiar, Flávio. (1997). A pura chama: estudo sobre autor, texto e personagem na obra de Decio de Almeida Prado. In: Faria, João Roberto; Arêas, Vilma & Aguiar, Flávio. Decio de Almeida Prado: um homem de teatro. São Paulo: Edusp, p. 237-254.: 246-247).

A preocupação com os nossos intérpretes se justificaria, ainda, diante dos muitos vícios que, de acordo com Prado, comporiam a arte de representar no Brasil. Como a figura do encenador por bastante tempo teve pouca expressão em nosso país, os grandes atores — os que deram nome às companhias e arrastaram o grande público ao teatro — assumiram muito mais do que o papel de mediadores entre escritor e público. Eles se tornaram figuras com grande autonomia e poder na cena teatral, acumulando funções artísticas ou sendo proprietários de suas próprias companhias. Para Prado, essa autonomia excessiva atrapalharia o desenvolvimento do teatro moderno nacional. Seria necessário, então, que o trabalho do ator se modernizasse também, submetendo-se à orientação de um encenador. É por isso que, para Prado, o trabalho de Louis Jouvet se destacava tanto, pois ele foi capaz de evitar “o erro mais frequente entre todos os intérpretes: o de se acreditar maior que o interpretado” (Prado, 2005bPrado, Decio de Almeida. (2005b). O teatro Louis Jouvet em São Paulo: Revista Clima. In: Bernstein, Ana. A crítica cúmplice: Decio de Almeida Prado e a formação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Instituto Moreira Salles, p. 255-260.: 259). Dessa forma, a grande tarefa artística do ator no palco passava pela compreensão de que este é somente “o elemento de ligação” entre o autor e o público (Prado, 2005bPrado, Decio de Almeida. (2005b). O teatro Louis Jouvet em São Paulo: Revista Clima. In: Bernstein, Ana. A crítica cúmplice: Decio de Almeida Prado e a formação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Instituto Moreira Salles, p. 255-260.: 260). Na correta representação de um texto, “os atores desaparecem, ficando apenas a beleza e a poesia do texto. Nenhum virtuosismo ou exibição pessoal é, nele, permitido. O virtuosismo, aqui, deve ser o desaparecimento do intérprete ante a grandeza da obra interpretada” (Prado, 2005bPrado, Decio de Almeida. (2005b). O teatro Louis Jouvet em São Paulo: Revista Clima. In: Bernstein, Ana. A crítica cúmplice: Decio de Almeida Prado e a formação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Instituto Moreira Salles, p. 255-260.: 259).

O pensamento acerca da importância dos intérpretes e a maneira que suas atividades mobilizavam o crítico, seja pelo assombro, seja pelo encantamento, pode ser feito por meio da análise do trabalho de três intérpretes: Alda Garrido, Dercy Gonçalves e Cacilda Becker.

Em 1952, Prado publica uma crônica sobre Alda Garrido. Na verdade, o texto deveria ser sobre a montagem de Mme. Sans Gêne . A crítica, no entanto, não tem como título o nome da peça, mas intitula-se “Alda Garrido”, porque, naquele espetáculo, falar da atriz significa falar de toda uma tradição teatral que Prado combatia. Criticar o que Alda fez significava criticar todo um gênero que teimava em sobreviver. Prado escreve um comentário brevíssimo sobre o texto, indicando apenas tratar-se de uma comédia francesa datada. A tônica de sua análise é o trabalho da atriz. Logo no início, o crítico relata brevemente a trajetória da atriz no teatro de revista, a passagem pela chanchada e o significado, para ele, da montagem analisada: “ Mme. Sans Gêne representa uma tentativa para tornar Alda Garrido artisticamente digna e respeitável, como qualquer outra atriz. Ora, é possível desejar tudo a Alda Garrido, menos que se torne artisticamente respeitável e digna” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 351). A dureza dos termos utilizados por Prado tem como objetivo comprovar seu argumento de que Alda Garrido não é uma atriz. Segundo o crítico, “atriz é alguém que se especializa em não ser nunca duas vezes a mesma pessoa. Alda Garrido não tem nada disso: os seus recursos de técnica teatral, de caracterização psicológica, são dos mais precários” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 351). Se Alda Garrido tem alguma virtude, ela não se explica na perspectiva do “novo” teatro; se a atriz não tem técnica, o crítico afirma que ela tem, como os demais grandes atores da velha geração, algo mais raro: “uma personalidade genuinamente cômica” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 351). Mas essa característica estaria totalmente fora da perspectiva de trabalho do teatro moderno. Nesse sentido, Prado propõe uma saída para que Alda Garrido conseguisse “preservar sua originalidade artística”. O autor explica como isso seria possível:

Todos deveriam conspirar não para constrangê-la, não para reduzi-la à medida comum, não para inibi-la sob falsos pretextos artísticos, mas, ao contrário, para libertá-la, para facilitar ao máximo a plena expansão da sua maneira de ser, único modo de ajudá-la a realizar algo de autenticamente seu. O ideal, no caso, seria encontrar um autor e um diretor que a compreendessem a fundo, escrevendo e dirigindo-a tendo em vista as peculiaridades do seu temperamento de atriz, temperamento constituído por uma parte de vulgaridade popular e três partes de extravagância pura e simples (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 352).

Em 1954, a crítica negativa de Prado se volta contra outra atriz: Dercy Gonçalves. Os termos de Prado se mantêm na análise da peça Uma certa viúva , e o crítico ironicamente intitula sua crônica de “Uma certa Dercy”. O argumento presente na citação acima referente a Alda Garrido também está presente no texto sobre Dercy Gonçalves, inclusive com novos desdobramentos. O crítico é enfático ao afirmar que o trabalho realizado por Dercy, assim como vimos em Alda Garrido, não poderia ser comparado ao trabalho de interpretação fundamentado numa perspectiva moderna, pois seria de outra natureza. O crítico salienta sobre este ponto:

Dercy, por exemplo, ainda não se desprendeu da revista — e para o seu bem não deverá se desprender nunca. No dia em que aprender a representar como as outras, normalmente, estará liquidada. Passando para a comédia, continua uma atriz engraçada, às vezes engraçadíssima, mas tudo o que há nela de bom pertence ao imprevisto, ao impremeditado, ao extemporâneo — não a [sic] peça” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 353-354).

Ao considerarmos as duas citações, sobre Alda e Dercy, escritas por Prado com um intervalo de dois anos, perceberemos o desenvolvimento de um argumento. Se tomarmos a citação sobre Alda Garrido isoladamente, teremos, a princípio, a impressão de que Prado se contradiz em sua análise: primeiro afirma categoricamente que Alda nem poderia ser considerada uma atriz; logo depois, afirma que lhe falta uma direção e um texto que lhe permitam exercer plenamente toda sua comicidade. No texto sobre Dercy Gonçalves, o conselho é semelhante: ela nunca deve abandonar a revista, e afirma: “Seria mais justo, talvez, melhorar a revista, dar-lhe o que ela ainda não possui, sem renegá-la de todo” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 353).

A leitura associada dessas passagens permite-nos compreender a crônica de Prado sobre Alda Garrido além do contraditório. No caso, apesar de Prado reafirmar que “em arte, nunca é demais repeti-lo, não há gêneros superiores e inferiores” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 353), torna-se evidente a hierarquização construída pelo crítico. Na crônica “Alda Garrido”, a crítica que Prado faz à atriz é tão dura que, ao afirmar que ela precisa de profissionais que a permitam explorar livremente seu estilo, a impressão que se tem é que o autor está recorrendo a um artifício meramente retórico com o intuito de amenizar a acusação feita anteriormente (de que Alda não era uma atriz). Mas quando lemos seu texto sobre Dercy Gonçalves, percebemos que o seu argumento não é retórico. O ponto aqui é que o fato de Prado enfatizar que Alda e Dercy precisam permanecer na revista, na chanchada, nos gêneros considerados populares, demonstra que elas ameaçam o teatro moderno ao cruzar as fronteiras entre o “velho” e o “novo”: zombam de seus critérios, subvertem suas hierarquias, anarquizam o palco. São um perigo para o teatro moderno, nem tanto por não terem a técnica moderna, mas porque ousaram estar fora do seu lugar. Prado afirma sobre Dercy:

Todo o espetáculo é uma luta desigual entre a intérprete e o texto, em que este faz triste figura. A peça procura resistir, aqui e ali, discretamente. Mas a atriz destrói todos os efeitos, dramáticos ou cômicos […] e não poderia fazer por menos, se quisesse subsistir (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 354).

E, no limite, o risco que atrizes como Alda Garrido e Dercy Gonçalves representam é que elas, no fundo, seriam capazes de “abrasileirar” nosso teatro moderno. Considerando toda a defesa que Prado empreende do teatro moderno francês de Copeau e Jouvet, entende-se, portanto, a dureza dos termos para desqualificar o trabalho de Alda, Dercy e de todos os grandes atores da velha geração. Ainda referindo-se a Dercy Gonçalves, o crítico conclui:

Dos destroços da peça e da direção, surge alguma coisa que tem tanto de britânico quanto o Grande Otelo de bailarina russa: uma graça brasileiríssima, que nos vem, em primeira mão, do circo, da bufonaria das ruas, e que frequentemente nos surpreende pela comicidade, pela espontaneidade e autenticidade da invenção popular, se não pelo espírito (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 354).

Em meio a uma avaliação tão rígida, vê-se que a “graça brasileiríssima”, composta de “comicidade”, “espontaneidade” e “autenticidade” surpreende o próprio crítico. Essa tensão Prado não resolve; se ele não nega que é por vezes tomado por esse “espírito”, não o reconhece com algo positivo, não o apresenta ao leitor em seus próprios termos. A nossa “graça brasileiríssima” é definida aqui em comparação ao “novo” teatro, moderno; vista na perspectiva da negação, é entendida muito mais como destruição — do texto literário, da direção, da unidade da montagem — do que criação. Essa avaliação de Prado sobre o teatro popular acaba por resvalar a própria discussão sobre identidade nacional. Vale destacar, sob este aspecto, a única crítica sobre Procópio Ferreira presente no livro, escrita em 1952 na análise da peça Essa mulher é minha , de Raimundo Magalhães Jr.:

Para quem já o conhece de velho, não há propriamente novidade: o seu repertório de graças é sempre o mesmo. Mas para quem nunca o viu, que deslumbramento não devem ser aquelas inflexões em que o tom propositadamente hipócrita da voz desmente a compunção das palavras, aquele revirar de olhos que ao mesmo tempo finge esconder e denuncia tanta incontida malícia, aquele jogo de cadeiras, de ombros, dois ou três passos de uma improvisada dança que é igualmente um negaceio de corpo e uma ameaça de capoeira, enfim todas as inconfundíveis peculiaridades desse ator que é um epítome vivo e palpitante da nossa malandragem popular — traço certamente menor, mas não desprezível da nossa índole nacional (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 80).

Mais uma vez, o texto de Prado concentra-se na força da personalidade do ator. Vale ressaltar que suas críticas sobre as atuações de Procópio Ferreira, Jaime Costa, Alda Garrido e Dercy Gonçalves apontam para a existência de características muito semelhantes compartilhadas pelos artistas. Mas em nenhum momento Prado se propõe a pensar essas semelhanças como sendo o indício da existência de uma “escola de interpretação”, em sentido informal, presente no país, com origem em diferentes “tradições do cômico, como o circo e outras fontes populares” (Pereira, 1998Pereira, Victor Hugo Adler. (1998). A musa carrancuda: teatro e poder no Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora FGV.: 34). Quando a crítica de Prado confere a estes atores algo além do talento nato ou de sua personalidade especial, quando reconhece a presença de um elemento externo ao indivíduo, este elemento é a malandragem, a expressão de uma índole nacional problemática.

Como se contrapor a essa força, a essa vivacidade brasileira? O teatro moderno no Brasil seria capaz de criar, sob os pressupostos europeus que o referenciavam, uma figura tão potente como as de Procópio Ferreira, Jaime Costa, Alda Garrido e Dercy Gonçalves? A resposta contundente Decio de Almeida Prado formula em 1950, em diferentes comentários sobre as atuações de Cacilda Becker. O trabalho da atriz figura no livro Apresentação do teatro brasileiro moderno , ao lado das contribuições de Ziembinski, como um paradigma para o teatro moderno nacional.

No caso de Cacilda Becker, sua atuação em três peças, todas no ano de 1950, dão conta de mapear o encantamento de Prado com seu trabalho. No mês de janeiro estreava Entre quatro paredes , texto de Jean-Paul Sartre e montagem do TBC, sob direção de Adolfo Celi. Prado afirma que Cacilda Becker tem a marca fundamental que deve caracterizar o trabalho do ator moderno: tornar-se sempre outro, submetendo, assim, sua personalidade à personagem teatral. O crítico destaca:

Para Cacilda Becker, também o drama de Sartre constituía uma árdua prova: Cacilda não tem nem o físico nem o tipo de voz ideal para o papel de Inês. Não poderia, portanto, impor-se pela mera presença, por essa afinidade entre a personagem e a atriz, entre a criatura de ficção e a criatura de carne e osso, que significa muitas vezes metade do êxito. Representar, entretanto, é superar com o espírito tais dificuldades, é forçar vitoriosamente os limites da própria personalidade . Não é de surpreender, pois, que ela nos tenha dado o desempenho mais seguro da peça, extraordinário como firmeza e homogeneidade, progredindo dramaticamente do primeiro ao último minuto (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 247, grifo nosso).

Já em agosto de 1950, Cacilda Becker atua em O anjo de pedra , texto de Tennessee Williams com direção de Luciano Salce. Nessa montagem, a atriz impressiona por sua atuação e Prado afirma que “Cacilda faz-nos esquecer que estamos no Brasil, que o nosso teatro é jovem e inexperiente, oferecendo-nos uma dessas raríssimas ocasiões em que a crítica se pode colocar sem medo no plano do teatro universal” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 253). Mais uma vez, Prado retoma o argumento de que um intérprete precisa de humildade para “se apagar” com o objetivo de criar personagens, assim como fazem, primeiramente, os autores (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 253).

Mas o comentário mais expressivo de Prado sobre o trabalho de Cacilda Becker será publicado um mês após o elogio a O anjo de pedra . É a crítica a Pega-Fogo , peça que compunha o programa do Teatro da Segunda-Feira, dirigida por Ziembinski. A interpretação de Cacilda Becker para o menino Pega-Fogo faz Prado subverter o que ele chama de “hierarquia natural do teatro” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 262), não só colocando o comentário sobre a atuação de Cacilda antes da análise do texto, como dando-lhe grande relevância. Essa inversão não acontece de modo algum por um demérito do texto de Jules Renard, mas sim pelo arrebatamento que a atuação de Cacilda causou no crítico:

A grande triunfadora da segunda peça — e da noite — foi Cacilda Becker. A todos tinha parecido que a Alma Winemiller de O Anjo da Pedra havia marcado o ponto mais alto de sua carreira e que, pelo menos tão cedo, não seria possível ir mais longe. Poil de Carotte — Pega-Fogo na tradução de Nonnemberg — veio mostrar como estávamos equivocados ao admitir limites para Cacilda (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 262).

Prado aponta a maturidade do trabalho da atriz, que o surpreendeu ao demonstrar diante do público “imensas possibilidades”, “ainda mais vastas e profundas” do que o crítico poderia supor (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 262). Nesse ponto, Prado está não somente destacando as qualidades de Cacilda, mas também buscando o fundamento delas. O que a singulariza, de acordo com o crítico, não é seu talento nato, é algo a mais: seu esforço. Cacilda Becker pode ser pensada como um paradigma do ator moderno, na medida em que soma às aptidões pessoais o trabalho árduo: a atriz é extraordinária justamente porque abafa sua personalidade, submete-se, desaparece, com o intuito de fazer emergir o texto, o teatro. Há um trabalho para chegar a um resultado, diferentemente do que Prado descreve sobre os grandes atores do “velho teatro”, que têm vasto talento, autenticidade e comicidade incríveis, características pessoais que não se afetavam pelo fazer teatral. Para o crítico, o esforço de Cacilda era tão grande que lhe consumia fisicamente:

Não é sem emoção que há dois anos São Paulo acompanha a carreira dessa mulher, na aparência tão frágil, que se vai consumindo pelo teatro diante dos nossos olhos, emagrecendo de papel a papel, à medida que mais se afina a sua arte. Cacilda vive do teatro e para o teatro, a ponto de se ter reduzido materialmente, pela sobrecarga de trabalho, pela exaustão física, a um vibrante feixe de nervos, como se a atriz dispensasse tudo que não constitua matéria para sua arte, tudo que não seja sensibilidade e energia nervosa (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 262).

O trabalho da atriz, nesse sentido, caracteriza-se por um movimento contínuo de esvaziamento e preenchimento. O despojamento de sua personalidade é exigido para que a cada nova personagem Cacilda preencha-se pelo texto. E, quando ela mais desaparece, quanto mais plena de teatro a atriz se faz, mais elevado o nível teatral que alcança. Esse contínuo preencher-se também é sempre novo, não só porque cada texto pressupõe um novo início, mas na interpretação da mesma personagem, a cada apresentação, Cacilda era capaz de inovar. Prado ressalta ainda que esse dinamismo presente no trabalho de Cacilda operava no sentido do “aprofundamento e revelação psicológica da personagem” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 264). Todos esses elementos justificariam o deslumbramento do crítico:

[a atriz, que] obrigada a se repetir noite após noite, acha jeito de não se mecanizar nunca. Cacilda é sempre Pega-Fogo, mas nunca exatamente o mesmo Pega-Fogo. Os traços psicológicos fundamentais, aqueles que delimitam a personagem, permanecem, está claro, inalterados; o tom, porém, varia imperceptivelmente de espetáculo para espetáculo, indo do quase adocicado até o ultra-sêco, o primeiro porventura mais próximo da sensibilidade do grande público, o último da de Jules Renard (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 264).

Nas análises de Prado sobre o trabalho de Jaime Costa, Procópio Ferreira, Alda Garrido, Dercy Gonçalves e Cacilda Becker observa-se a continuidade de um argumento de fundo. Em primeiro lugar, percebemos que nos textos sobre esses atores Prado mobiliza a discussão sobre a personalidade. Como representantes do modelo do “velho teatro”, esses atores estariam associados a uma personalidade indomável, que não se subjugaria ao texto e às orientações da direção. Nosso ponto é que Prado, ao analisar o trabalho dos intérpretes brasileiros, recorre a um expediente que demonstra afinidade com o ideal de Bildung , entendido como o processo de aperfeiçoamento individual que é possível por meio do contato e da incorporação de elementos externos e objetivos à subjetividade individual 7 7 Sobre a tradição romântica alemã, ver Duarte ( 2006 ). Sobre e a noção de “cultivo”, ver Simmel ( 1971 ) e Waizbort ( 2013 ). Sobre a influência do ideal de Bildung no movimento modernista brasileiro, especificamente na música, ver Naves ( 1998 ). .

No plano de análise mais amplo dos processos de modernização do teatro brasileiro (e tomando como referência a fase de 1941-1955), entendemos que as posições defendidas por Prado caminham em sentido contrário ao proposto pela ideia de Bildung , na medida em que o crítico propõe uma ruptura com o passado teatral e imediata incorporação de elementos externos para a efetiva modernização de nosso teatro. Mas no plano dos indivíduos e das subjetividades que atuam na modernização, Prado considera possível que nossos atores, por exemplo, aperfeiçoem sua dimensão subjetiva em contato com as técnicas e os instrumentos modernos que chegam até nós pelas mãos dos estrangeiros. Essa perspectiva é capaz de elucidar, por exemplo, a posição de Prado sobre os atores do “velho teatro”. A grande personalidade dessas figuras não seria o principal problema; Cacilda Becker, considerada por Prado a maior atriz moderna, era dona de uma personalidade igualmente marcante. A polêmica não se explica, também, por falta de talento: em diferentes momentos Prado afirma que os atores do “velho teatro” têm até mais talento do que os atores modernos. A ruptura de Prado com os grandes atores do “velho teatro” se dá pelo fato destes se recusarem ao aperfeiçoamento individual por meio do contato e, principalmente, da interpenetração entre as dimensões subjetiva e objetiva do teatro (eles não se afetariam pelo contexto de modernização). A ênfase da análise sobre o “velho teatro” recai em seus grandes atores, justamente porque eles são o elemento que, dotado de subjetividade, seria capaz de transformação. Mas como a prática dos grandes atores do “velho teatro” indica uma recusa a efetivar esse aperfeiçoamento, estes se tornaram o alvo das críticas mais duras de Prado.

O exemplo contrário ao de Jaime, Procópio, Dercy e Alda é o de Cacilda. A descrição que Prado faz do trabalho da atriz demonstra que ela assume uma postura de “cultivo”, em sentido simmeliano, de sua arte, que pode ser observada ao longo do tempo. A atriz, nesse sentido, completou o movimento da “cultura”, unindo seus polos objetivo e subjetivo e, portanto, incorporando em si o objeto e tornando-se um sujeito mais rico, no sentido de uma subjetividade enriquecida (Waizbort, 2013Waizbort, Leopoldo. (2013). As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: Editora 34.: 119). Além de se movimentar no sentido do aperfeiçoamento pessoal, Cacilda ainda se torna exemplo notável de “cultivo de si”, na medida em que consegue preservar suas particularidades diante da intervenção de elementos externos (Naves, 1998Naves, Santuza Cambraia. (1998). O violão azul: modernismo e música popular. Rio de Janeiro: Editora FGV.: 57). E, por fim, todo o “cultivo” empreendido pela atriz ganha mais um crivo de legitimidade por se subjugar aos preceitos da modernização teatral, o que confere uma força notável ao seu aperfeiçoamento individual no contexto da modernização do teatro brasileiro.

Outro ponto também merece destaque nas análises de Prado sobre os atores: os intérpretes modernos — em sua perspectiva — deveriam emocionar as plateias. Esse tema em Prado apresenta uma conexão com as reflexões de Louis Jouvet acerca do trabalho dos atores modernos. Pouco antes da sua morte, em 1951, Jouvet deixou anotado nos esboços de uma conferência de 1948 aspectos importantes sobre sua concepção de atuação. Na passagem abaixo, chama a atenção para a prioridade da sensação sobre a razão:

As sensações internas constituem aqui o intelectual do homem “porque todas as coisas que existem no espiritual são adequadas às sensações”.

Pelo sensual abre-se a via do entendimento.

Há, antes de tudo, um sentido corporal.

Para o comediante só [sic] o sensual é perceptível (Jouvet, 1964Jouvet, Louis. (1964 [1948]). Notas sobre o edifício dramático. In: Redondo Júnior (org.). O teatro e a sua estética. Lisboa: Arcádia, p. 13-30 (vol. 2). [1948]: 26-27).

Podemos notar como no caso de Cacilda o crítico faz referência a um processo de “aprofundamento psicológico”, ou à busca do ator pelo “sentido primitivo” do texto. Há, desse modo, o entendimento da emoção como expressão última do trabalho do ator, cuja manifestação teria lugar no palco.

Mas a emoção mobilizada pelo ator moderno diferiria-se daquela produzida na plateia pelos atores do “velho teatro”. Na perspectiva de Prado, figuras como Jaime Costa, Alda Garrido e Dercy Gonçalves trariam a emoção à cena diretamente da sua personalidade, uma emoção que não passaria por nenhum filtro, que não se permite nenhum aperfeiçoamento. Já a emoção mobilizada pelos atores modernos em cena não poderia irromper de maneira livre, ou seja, vir diretamente da personalidade dos atores. O teatro moderno necessitaria da mediação da técnica, da direção, para garantir que a emoção se curve ao texto teatral e à proposta cênica 8 8 Essa discussão nos remete às premissas do trabalho do ator para Stanislavski, encenador que pensou a relação entre técnica teatral e emoção na perspectiva de um trabalho de criação de personagens no plano psicológico. Viver um papel, no sentido que Stanislavski dá ao termo, associava-se a um trabalho de pesquisa e investigação do ator capaz de desencadear processos internos, subconscientes, e de adaptá-los “à vida espiritual e física” do personagem (Stanislavski, 2010: 42-43). O processo de criação se inicia, então, de um exercício feito pelo intérprete de criação de uma vida espiritual para o personagem, de experimentação de sentimentos. Stanislavski identifica como motores da vida psíquica dos indivíduos os sentimentos, a mente (ou intelecto) e a vontade. No caso da preparação dos atores, os sentimentos seriam importantes na medida em que são capazes de despertar o que Stanislavski chama de “equipamento corporal de expressão” dos intérpretes. Em segundo lugar estaria a mente ou intelecto, responsável por iniciar e dirigir a criatividade. O terceiro motor da vida psíquica seria a vontade, como anseio capaz de pôr em movimento o processo de criação (Stanislavski, 2010: 289-292). O encenador defende que é necessário haver um equilíbrio entre os três elementos, no entanto claramente subjuga-os a uma noção de criatividade que valoriza o lado emocional. Sobre esse aspecto, vale ressaltar que o próprio encenador identifica em seu método a presença de um dilema da criação, surgido da relação entre consciente e subconsciente na preparação do ator. Se a verdadeira interpretação preconiza o trabalho com os sentimentos do ator, há nessa atividade uma grande carga intuitiva e uma relevância de processos subconscientes. No entanto, por mais que Stanislavski considere esse caminho valoroso, ele reconhece que o ator não pode simplesmente ser levado pela intuição, já que esta pode o iludir, conduzindo-o ao erro durante a atuação. É nesse ponto que surge o dilema de Stanislavski ( 2010: 42: “espera-se que criemos por inspiração e, entretanto, parece que só podemos utilizar esse subconsciente por meio do nosso consciente, que o mata”. Na tentativa de solução do dilema, Stanislavski constrói um método que almeja uma saída indireta ao trabalhar elementos que estão sujeitos ao consciente e à vontade, mas que, segundo o encenador, seriam capazes de agir sobre “processos psíquicos involuntários” (Stanislavski, 2010: 42). Stanislavski ( 2010: 80) resume em um dos princípios norteadores de seu trabalho a resolução do conflito consciente/subconsciente na atuação: “criatividade inconsciente, por meio de técnica consciente”. .

Se, de um lado, Cacilda surge no texto de Prado como paradigma da interpretação moderna, a outra personalidade fundamental na análise de Prado é o diretor Ziembinski. Mas a relação de Prado com o trabalho de Ziembinski traz à tona um conjunto de temas que problematizam o processo de modernização de nosso teatro. Ao se colocar diante da obra de Ziembinski, Prado busca solucionar uma complexa equação: render-se ao trabalho de criação dele ou continuar seguro em seus referenciais estéticos. O contraste entre a admiração e a ponderação acerca de sua postura de diretor apresenta-se desde os textos sobre a primeira montagem de Vestido de noiva , em 1943. Mas em 1951 Prado publica um texto dirigido especificamente ao diretor, no qual pontua diversas questões sobre Ziembinski tanto na perspectiva objetiva , de sua atuação na cena teatral brasileira, quanto numa perspectiva subjetiva , da sua personalidade inserida nessa cena teatral.

Numa terra carente de teatro, em que poucos nomes se destacavam (Prado cita Dulcina de Moraes, Paschoal Carlos Magno e Alfredo Mesquita como expoentes), Ziembinski é apresentado por pelo crítico como o “monstro sagrado”, como aquele com o qual “nenhum se compara em profundidade artística”. Interessante notar que, no início da crônica, Prado descreve a chegada de Ziembinski ao Rio de Janeiro afirmando que ele trazia “uma tradição de teatro estranha à nossa”, visto que sua formação não apresentava como referência principal o teatro moderno francês (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 347-348). Prado explicita aqui a defesa da modernização teatral no país (de matriz francesa) como se esta inaugurasse a tradição de teatro no Brasil, desconsiderando as manifestações do que considerava o “velho teatro”.

Ziembinski é apresentado por Prado como o homem experiente de teatro que conduziu e efetivou a modernização teatral que tanto se desejava no Brasil. Nesse sentido, se coube aos jovens e a seus grupos amadores o impulso de reformar o teatro, coube a Ziembinski conduzir os jovens à revolução. Sua atuação em Os Comediantes, por exemplo, foi decisiva, fundamental, visto que nossa juventude foi

dirigida por um experimentadíssimo homem de teatro, [que proporcionou] toda uma revolução teatral: autores novos, cenógrafos novos, técnica nova, e, sobretudo, uma maneira de representar, uma nova maneira de conceber o teatro como espetáculo. Com alguns cinquenta anos de atraso, era o teatro moderno que chegava repentinamente, estrepitosamente, triunfalmente ao Brasil (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 348).

O reconhecimento da experiência de Ziembinski por parte de Prado não é fortuito, mas está a serviço da construção de seu argumento sobre o diretor, na medida em que Prado irá qualificar essa experiência. Para isso, o crítico mobiliza a noção de movimento pendular da história. Afirma que o período de formação de Ziembinski, nas décadas de 1920 e 1930, foi justamente aquele no qual ocorreu “o surto” da ascensão da figura do diretor. Essa fase é considerada o auge da ideia de que “a representação deveria girar não em redor do ator, como se julgara durante séculos, mas em volta de uma personalidade toda-poderosa e até então desconhecida: o encenador” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 348). No entanto, após essa fase, segundo Prado, “o encenador voltaria novamente às suas funções mais humildes de simples intérprete do autor, de simples servidor do texto” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 348).

Prado então relaciona o processo de consolidação do trabalho dos diretores teatrais com a trajetória particular de Ziembinski, e conclui:

Ziembinski, no entanto, pelo espírito e pelo temperamento, pertence mais à grande e genial geração de Max Reinhardt e de Meierhold do que à atual. É de um Gordon Craig ou de um Stanislávsky [sic], por exemplo, a sua paixão quase mística pelo teatro (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 349).

Nesta afirmação, apesar das comparações elogiosas, Prado está associando o trabalho de Ziembinski a uma tradição teatral pertencente à fase de “deslumbramento” com o trabalho de direção, do qual esses grandes nomes — Reinhardt, Meierhold, Craig e Stanislaviski — são a expressão.

Podemos, a partir dessa crítica, aprofundar duas dimensões sutis da análise de Prado. Em primeiro lugar, a formação de Ziembinski estaria fundamentada, equivocadamente, num entendimento muito preciso do trabalho do diretor, no qual seria permitido a ele alcançar e até ultrapassar o dramaturgo em termos de criação artística. Portanto, sua formação/experiência no teatro moderno é louvável, mas teria um defeito congênito, que Prado considerava dos mais problemáticos. Essa seria uma crítica mais evidente ao diretor. Em segundo lugar, se a formação profissional de Ziembinski se caracterizava por essa falha de origem, consequentemente suas experiências anteriores à chegada ao Brasil também se constituíram sob esta marca.

Mas as bases da formação teatral de Ziembinski não aparecem nesta crônica; os pressupostos teóricos do diretor não dão o tom da análise de Prado. O que define a especificidade do trabalho do diretor é, novamente, a sua personalidade ou “o seu espírito e temperamento”. A crônica é pontuada por elogios que transitam sempre nessa dimensão, caracterizando Ziembinski por seus aspectos psicológicos:

Ziembinski é homem que faz teatro, representando e dirigindo, quatorze, quinze horas por dia, e só pára porque sente necessidade de conversar sobre teatro as sete ou oito horas restantes. […] Ziembinski não ensaia: habita a peça que deve dirigir, convive na maior intimidade com cada personagem […] (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 349).

Ao reforçar que as características de Ziembinski decorrem centralmente de sua personalidade extraordinária, Prado enfraquece a figura do diretor, e dirige sua crítica não somente a ele, mas também, de certa forma, a todos que fazem parte da cena teatral moderna no Brasil dos anos 1950. Nesse contexto, o trabalho de Ziembinski é uma referência de qualidade, influencia diversos profissionais e norteia o próprio entendimento que parcelas importantes do teatro nacional moderno constroem sobre suas realizações. Diante da força que a figura de Ziembinski tem, o que Prado afirma é que os brasileiros se equivocam diante do diretor: pensam estar em contato com a legítima expressão do teatro moderno europeu, mas, na verdade, estariam exaltando o representante de uma tradição certamente de qualidade, mas ultrapassada na Europa.

Como vimos, o crítico questiona o que considera a excessiva interferência do diretor nos textos que montou: “Ziembinski não interpreta somente. Cria também. Daí tanto as grandes qualidades como os seus defeitos, oriundos sempre da riqueza e não da indigência, do excesso e não da falta” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 349). Aqui, pela segunda vez, o crítico considera que a atitude criadora do diretor também tem qualidades. Se para Prado é possível ver algum aspecto positivo na postura de Ziembinski, não se trata de subitamente concordar com uma inversão na hierarquia dos elementos teatrais, subjugando o texto ao espetáculo. Parece-nos que, nesse caso, Ziembinski estaria autorizado a criar em cima do texto não porque isto é considerado bom, mas sim porque se faz necessário. O problema volta-se para a dramaturgia nacional. Considerando que nossos autores ainda precisavam percorrer um longo caminho que os permitissem alcançar o nível internacional das grandes dramaturgias modernas, Prado considera de certa forma positiva a intervenção de Ziembinski, pois ele refinaria aspectos problemáticos dos textos, o que, em algumas situações, seria importante. Segundo Prado:

Quando a peça apresenta ainda algo de imperfeito, de inacabado, Ziembinski galvaniza-a com a força do seu temperamento e da sua inteligência, acrescentando legitimamente não ao texto, mas ao escritor. Temos, então, um Vestido de Noiva, um Paiol Velho, um Amanhã, se não chover, obras-primas de colaboração lúcida entre o encenador e o autor (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 349).

Portanto, Ziembinski, ao tornar-se uma espécie de coautor das obras de Nelson Rodrigues, Abílio Pereira de Almeida e Henrique Pongetti, estaria cometendo não um grave erro, mas sim contribuindo para que esses textos se transformassem em grandes espetáculos, corrigindo ou minimizando falhas por meio de sua intervenção como diretor. Nossa dramaturgia, ainda tão frágil, estaria autorizada a experimentar e necessitaria, aos olhos de Prado, de recursos heterodoxos para se desenvolver. Não se trata de afirmar que o crítico abandonou suas premissas estéticas, mas de constatar que, pela evidente imaturidade da dramaturgia nacional, seu próprio programa estético — e o que ele entendia como modernidade teatral — encontrava limites objetivos de realização.

Como vimos, o argumento de Prado nessa fase afirma a fundação de nosso teatro moderno de maneira dissociada do passado teatral. Ou seja, foi a partir do contato com essas técnicas modernas, com a dimensão objetiva do teatro moderno (do qual Ziembinski é exemplo) que se viabilizou nosso teatro moderno. Um caminho contrário ao proposto, por exemplo, por Mário de Andrade, que defendeu a perspectiva do aprimoramento da tradição: “Uma arte nacional não se faz com escolha discricionária e diletante de elementos: uma arte nacional já está feita na inconsciência do povo” (Andrade, 1972Andrade, Mário de. (1972). Ensaio sobre a música brasileira. 3. ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, p. 13-73.: 15-16). É a partir do acesso a essa tradição que se tornaria possível a criação de uma arte nacional elevada. Se não há em Mário, portanto, a recusa pura e simples de elementos e procedimentos estrangeiros, visto que têm fundamental importância no processo de modernização, a introdução desses elementos deveria “ser feita espertalhonamente pela deformação e adaptação” (Andrade, 1972Andrade, Mário de. (1972). Ensaio sobre a música brasileira. 3. ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, p. 13-73.: 26).

Ziembinski pode ser lido, portanto, como a figura que colocou nosso teatro em contato com os instrumentos/técnicas estrangeiros modernos, ainda que estes não representassem a tendência estética defendida por Prado. O movimento de aprimoramento de nosso teatro, portanto, se daria, nas críticas de Prado, de fora para dentro: não se trataria aqui de aperfeiçoar a tradição — por ele negada —, mas sim de incorporar os instrumentos de modernização para que estes sejam os fundadores de nosso teatro moderno.

Mas se nas críticas de Prado Ziembinski é o exemplo da importância que a dimensão objetiva apresenta para a modernização, há também um segundo nível de análise sobre o diretor. O crítico tece um conjunto de considerações sobre o trabalho de Ziembinski por uma perspectiva interior , privilegiando, assim, uma dimensão subjetiva. E, nesse caso, o diretor perde o status de figura exemplar para nossa modernização.

Para Prado, ainda que Ziembinski seja um grande conhecedor das técnicas teatrais, sua personalidade seria um problema, pois o diretor não se submeteria a um projeto nacional de modernização teatral. Nessa perspectiva, é possível estabelecermos uma aproximação entre a maneira pela qual Prado avalia Ziembinski com as considerações de Mário de Andrade sobre Villa-Lobos. Há uma afinidade entre a posição de Prado e a noção de Mário sobre o artista individualista, de extraordinária personalidade, que não se submete a um projeto nacional (Andrade, 1972Andrade, Mário de. (1972). Ensaio sobre a música brasileira. 3. ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, p. 13-73. ). Não podemos perder de vista que Prado toma como referência para o projeto de modernização teatral no Brasil a vanguarda moderna francesa, e Ziembinski vincula-se a uma tradição teatral expressionista. Somado a isso, tem-se ainda a grande personalidade de Ziembinski, na qual vigora um “excesso de imaginação criadora” (Naves, 1998Naves, Santuza Cambraia. (1998). O violão azul: modernismo e música popular. Rio de Janeiro: Editora FGV.: 62). Ao tomarmos as análises do crítico sob uma perspectiva andradeana, a personalidade de Ziembinski poderia ser associada a uma arte individualista, presente em um contexto “de construção” do teatro moderno. Nessa fase, este tipo de arte seria prejudicial. Mário de Andrade refere-se à arte individualista como “pedregulho na botina”, que deveria ser repudiada sem hesitação: “Si a gente principia matutando sobre o valor intrínseco do pedregulho e o conceito filosófico de justiça, a pedra fica no sapato e a gente manqueja” (Andrade, 1972Andrade, Mário de. (1972). Ensaio sobre a música brasileira. 3. ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, p. 13-73.: 18).

No caso de Villa-Lobos, entretanto, seu grande reconhecimento faz com que ele seja peça fundamental na nacionalização da música de concerto, e não se possa prescindir dele, muito embora ele trilhe caminhos diferentes dos propostos por Mário. Assim, o que este afirma é que o sucesso de Villa-Lobos na Europa é “mais individual que nacional”, “sem valor normativo”, e no qual o exotismo ocupa um lugar central. Mas Mário de Andrade adverte: “Ninguém não imagine que estou diminuindo o valor de Vila-Lobos [sic] não. Pelo contrário: quero aumentá-lo” (Andrade, 1972Andrade, Mário de. (1972). Ensaio sobre a música brasileira. 3. ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, p. 13-73.: 14). Parece-nos, portanto, que essa chave analítica a partir de Mário de Andrade ajuda-nos a compreender as preocupações que Prado dispensa à atitude criativa e personalidade única de Ziembinski na cena teatral brasileira.

O recorte proposto para este artigo — a presença das personalidades nas críticas — nos revela, por fim, uma última grande personalidade: a do crítico. Decio de Almeida Prado assumiu em sua trajetória um enorme compromisso: primeiramente, com a modernização teatral brasileira e, nesse aspecto, com um programa específico, no qual atuou com grande engajamento, persistência e vigor, tanto no âmbito da crítica quanto na formação de uma geração de profissionais do teatro; em segundo lugar, o compromisso com uma crítica capaz de, ao mesmo tempo, incentivar e estar à altura do teatro moderno brasileiro, o que se refletirá em sua dedicação analítica e na arte de dizer bem. Na década de 1980, o crítico escreve sobre a influência de sua personalidade no julgamento dos espetáculos:

A minha personalidade, as minhas simpatias e antipatias, o meu repertório ideal e a minha encenação ideal, não se refletiriam no processo crítico? Mentiria se dissesse que não. Buscava a objetividade, fugia quanto me era possível de implicâncias, de preconceitos humanos e artísticos, mas sabendo que no fundo, bem no fundo, as minhas opções não escapavam ao pessoal (Prado, 1987Prado, Decio de Almeida. (1987). Exercício findo: crítica teatral (1964-1968). São Paulo: Perspectiva.: 26).

Esta afirmação de Prado, o reconhecimento quase óbvio da impossibilidade de se alcançar uma plena objetividade na crítica, não o aproxima, evidentemente, da noção de crítico impressionista, no sentido de seu julgamento basear-se apenas em impressões subjetivas. É com a serenidade de quem escreveu durante anos sobre a emoção, a subjetividade e o impulso interior dos profissionais de teatro que Prado atesta os limites da ciência teatral: “Uma ciência teatral, se conseguirmos um dia constituí-la, ensinará tudo ao crítico, menos se tal atriz e tal peça são medíocres ou geniais. Essa é uma escolha que ele terá de fazer, jogando às vezes tudo ou nada como qualquer espectador” (Prado, 1987Prado, Decio de Almeida. (1987). Exercício findo: crítica teatral (1964-1968). São Paulo: Perspectiva.: 27).

Todas essas facetas somente reafirmam a complexidade do trabalho de Decio e a sua relevância para a cena teatral brasileira. A leitura de suas críticas foi capaz de nos revelar, portanto, que Decio de Almeida Prado, antes de crítico, professor ou historiador, foi, fundamentalmente, uma extraordinária personalidade.

REFERÊNCIAS

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  • Stanislavski, Constantin. (2010). A preparação do ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
  • Waizbort, Leopoldo. (2013). As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: Editora 34.
  • 1
    Uma versão deste texto foi apresentada no XXIX Simpósio Nacional de História, ocorrido em Brasília, em 2017. Agradeço as contribuições dos participantes do simpósio temático As Sensibilidades na História: Artes, Ciências e Pensamento.
  • 2
    Uma discussão mais aprofundada sobre o tratamento que Prado dá ao “velho teatro” em suas críticas pode ser acessada no texto “O estatuto do”velho teatro” na crítica de Decio de Almeida Prado”, apresentado no 42º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), em 2018.
  • 3
    Sobre este ponto, ver Faria ( 2013Faria, João Roberto (dir.). (2013). História do teatro brasileiro: do modernismo às tendências contemporâneas. São Paulo: Perspectiva: Edições Sesc São Paulo (vol. 2). ).
  • 4
    Os “cacos” são “as falas e deixas improvisadas na hora do espetáculo que nada tinham a ver com o texto original encenado” (Pontes, 2010Pontes, Heloisa. (2010). Teatro, gênero e sociedade (1940-1968). Tempo Social, 22/1, p. 29-46.: 33).
  • 5
    Prado salienta a dedicação de alguns atores da velha geração quando estes se esforçam para representar em moldes modernos. É o caso da crítica a Morte do caixeiro-viajante , de 1951, em que reconhece que Jaime Costa está muito bem em cena, “comovente mais pela indiscutível sinceridade do intérprete do que pela técnica” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 166); em 1954, sobre o trabalho de Nicette Bruno, afirma: “Cada novo espetáculo seu [de Nicette Bruno] significa, em geral, uma pequena vitória sobre si mesma, um pequeno triunfo na luta contra a falsidade teatral — e em tais casos o que interessa propriamente é a continuidade da evolução” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 206). Por fim, sobre O canto da cotovia , peça de 1955, e a atuação de Maria Della Costa: “[A atriz] Estudou, submeteu-se, voluntariamente, assim que pôde, à disciplina de um encenador, fazendo questão de criar uma companhia baseada, não na exaltação de sua pessoa, mas no valor do conjunto” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 228).
  • 6
    Quando Prado comenta sobre Essa mulher é minha , de Raimundo Magalhães Jr., em 1952, afirma que a peça “é Procópio — Procópio, todo Procópio e somente Procópio”. Definição pejorativa, claro, apesar de o crítico reconhecer que “São Paulo andava saudoso de Procópio, essa é que é a verdade” (Prado, 2001Prado, Decio de Almeida. (2001 [1956]). Apresentação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva. [1956]: 80).
  • 7
    Sobre a tradição romântica alemã, ver Duarte ( 2006Duarte, Luiz Fernando Dias. (2006). Formação e ensino na antropologia social: os dilemas da universalização romântica. In: Grossi, Miriam Pillar; Tassinari, Antonella & Rial, Carmen (orgs.). Ensino de Antropologia no Brasil: formação, práticas disciplinares e além fronteiras. Blumenau: Nova Letra, p. 17-36. ). Sobre e a noção de “cultivo”, ver Simmel ( 1971Simmel, Georg. (1971). Subjective Culture. In: On Individuality and Social Forms. Chicago; London: The University of Chicago Press, p. 227-234. ) e Waizbort ( 2013Waizbort, Leopoldo. (2013). As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: Editora 34. ). Sobre a influência do ideal de Bildung no movimento modernista brasileiro, especificamente na música, ver Naves ( 1998Naves, Santuza Cambraia. (1998). O violão azul: modernismo e música popular. Rio de Janeiro: Editora FGV. ).
  • 8
    Essa discussão nos remete às premissas do trabalho do ator para Stanislavski, encenador que pensou a relação entre técnica teatral e emoção na perspectiva de um trabalho de criação de personagens no plano psicológico. Viver um papel, no sentido que Stanislavski dá ao termo, associava-se a um trabalho de pesquisa e investigação do ator capaz de desencadear processos internos, subconscientes, e de adaptá-los “à vida espiritual e física” do personagem (Stanislavski, 2010Stanislavski, Constantin. (2010). A preparação do ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 42-43). O processo de criação se inicia, então, de um exercício feito pelo intérprete de criação de uma vida espiritual para o personagem, de experimentação de sentimentos. Stanislavski identifica como motores da vida psíquica dos indivíduos os sentimentos, a mente (ou intelecto) e a vontade. No caso da preparação dos atores, os sentimentos seriam importantes na medida em que são capazes de despertar o que Stanislavski chama de “equipamento corporal de expressão” dos intérpretes. Em segundo lugar estaria a mente ou intelecto, responsável por iniciar e dirigir a criatividade. O terceiro motor da vida psíquica seria a vontade, como anseio capaz de pôr em movimento o processo de criação (Stanislavski, 2010Stanislavski, Constantin. (2010). A preparação do ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 289-292). O encenador defende que é necessário haver um equilíbrio entre os três elementos, no entanto claramente subjuga-os a uma noção de criatividade que valoriza o lado emocional. Sobre esse aspecto, vale ressaltar que o próprio encenador identifica em seu método a presença de um dilema da criação, surgido da relação entre consciente e subconsciente na preparação do ator. Se a verdadeira interpretação preconiza o trabalho com os sentimentos do ator, há nessa atividade uma grande carga intuitiva e uma relevância de processos subconscientes. No entanto, por mais que Stanislavski considere esse caminho valoroso, ele reconhece que o ator não pode simplesmente ser levado pela intuição, já que esta pode o iludir, conduzindo-o ao erro durante a atuação. É nesse ponto que surge o dilema de Stanislavski ( 2010Stanislavski, Constantin. (2010). A preparação do ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 42: “espera-se que criemos por inspiração e, entretanto, parece que só podemos utilizar esse subconsciente por meio do nosso consciente, que o mata”. Na tentativa de solução do dilema, Stanislavski constrói um método que almeja uma saída indireta ao trabalhar elementos que estão sujeitos ao consciente e à vontade, mas que, segundo o encenador, seriam capazes de agir sobre “processos psíquicos involuntários” (Stanislavski, 2010Stanislavski, Constantin. (2010). A preparação do ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 42). Stanislavski ( 2010Stanislavski, Constantin. (2010). A preparação do ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 80) resume em um dos princípios norteadores de seu trabalho a resolução do conflito consciente/subconsciente na atuação: “criatividade inconsciente, por meio de técnica consciente”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2021
  • Aceito
    14 Jul 2022
  • Revisado
    13 Jun 2022
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