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SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA, O MODERNISMO PAULISTA E OS INDÍGENAS NA HISTORIOGRAFIA SOBRE SÃO PAULO

SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA, SÃO PAULO’S MODERNISM AND THE INDIGENOUS PEOPLE IN THE HISTORIOGRAPHY OF SÃO PAULO

Resumo

Este artigo explora, de um ponto de vista etnográfico, as ideias, temas e estilos expressivos suscitados pelo estudo da temática indígena na produção intelectual do historiador e crítico Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), em paralelo às abordagens historiográficas sobre os indígenas na história de São Paulo promovidas por intelectuais da elite paulista nos anos 1920 e 1930. Para tanto, percorre alguns textos publicados pelo autor no período de seu engajamento com o modernismo paulista e na época de gestação de seu projeto para o estudo das monções e das bandeiras paulistas. O objetivo é deslindar uma nova chave de interpretação da obra buarqueana, recobrando o olhar para sua relação complexa e intrincada com a tradição historiográfica no Brasil e seus ideais “racialistas” de modernização.

Palavras-chave
Sérgio Buarque de Holanda; Temática indígena; Modernismo paulista; Historiografia sobre São Paulo; Modernidade brasileira

Abstract

This article explores, from an ethnographic standpoint, the ideas, themes and expressive styles raised by the study of indigenous topics in the intellectual production of the historian and critic Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) in parallel with the historiographic approaches to indigenous peoples in the history of São Paulo, promoted by São Paulo intelligentsia from the 1920s and 1930s. For this purpose, it examines some texts published by the author in the period of his engagement with São Paulo’s modernism and in the gestation period of his project for studying the “monções” and the “bandeiras paulistas.” It seeks to unravel a new interpretative key regarding Buarque’s work, taking another look at his complex and emblematic relations with the historiographical tradition in Brazil and “racialist” ideals of modernization.

Keywords
Sérgio Buarque de Holanda; Indigenous issue; São Paulo’s modernism; São Paulo’s historiography; Brasil’s modernity

A aura profissional que cerca o nome de Sérgio Buarque de Holanda entre seus pares de ofício historiográfico no Brasil tem colaborado para um enfoque consensual de sua trajetória intelectual como um exemplo paradigmático de recusa à noção de raça em sua tomada de posição acerca das contribuições indígenas, africanas e europeias na formação histórica e antropológica da sociedade brasileira.

Essa suposição, no entanto, não é o que se pode inferir, em absoluto, de seus artigos de crítica literária escritos no início dos anos 1920, da primeira edição de Raízes do Brasil, de 1936, e de seu incipiente projeto historiográfico para o estudo das monções e das bandeiras paulistas no final dos anos 1930. Nesse último caso, em especial, uma leitura transversal dos significados e das historicidades dos termos referentes à temática indígena incita sobre sua produção a mesma observação que Araújo (1994)Araújo, Ricardo Benzaquen de. (1994). Guerra e paz: Casa grande e senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 1930. São Paulo: Editora 34. reservou, em seu livro Guerra e paz, à obra clássica de Freyre (1933), Casa-grande e senzala, na qual

o destaque recebido pela noção de raça não se concentra em uma passagem localizada nem se refere a um ou outro dos grupos sociais […]. Ao contrário, ela dá impressão de se distribuir, ainda que de forma irregular e sempre dividindo o seu prestígio com o conceito de cultura

(Araújo, 1994: 30Araújo, Ricardo Benzaquen de. (1994). Guerra e paz: Casa grande e senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 1930. São Paulo: Editora 34.).

Tendo como foco “as relações que podem ser estabelecidas entre as ciências sociais, amplamente definidas, e as propostas modernistas” (Araújo, 1994: 19Araújo, Ricardo Benzaquen de. (1994). Guerra e paz: Casa grande e senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 1930. São Paulo: Editora 34.), bastante influentes na primeira metade do século XX no Brasil, este artigo pretende jogar luz, de forma ainda preambular, sobre a singular e híbrida articulação conceitual entre as ideias de “raça” e “cultura” nos escritos de Buarque de Holanda dos anos 1920 e 1930, sobrelevando alguns de seus aspectos contínuos ao modernismo paulista e à historiografia sobre São Paulo do período, ambos centrados nos dilemas da modernização, do atraso nacional e da mestiçagem étnica e racial na história brasileira.

Ciente do “terreno escorregadio e cheio de armadilhas” da “batalha de interpretações” (Candido, 2001: 71Candido, Antonio. (2001). Prefácio. In: Miceli, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras.) que envolvem as leituras críticas de intelectuais consagrados como Buarque de Holanda, o esforço aqui será o de escapar ao risco de condená-lo em vez de compreendê-lo (Candido, 2001: 73Candido, Antonio. (2001). Prefácio. In: Miceli, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras.). O que significa, conforme indicou Schwarz (2006: 31Schwarz, Roberto. (2006). Nacional por subtração. In: Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras, p. 29-48.) para outro debate analítico, retomar “o trabalho dos predecessores, entendidos não como peso morto, mas como elemento dinâmico e irresolvido, subjacente às contradições contemporâneas”.

Uma vez atento a esses desafios epistemológicos, as prerrogativas históricas de Buarque de Holanda deverão se converter aqui em instrumentos estratégicos para se construir um espaço de “diálogo” entre perspectivas (Peixoto, 2008Peixoto, Fernanda Arêas. (2008). El diálogo como forma: antropología e história intelectual. Prismas, 12/12, p. 17-32.). Empreendimento conduzido por meio de um prisma etnográfico, primordial ao conhecimento antropológico da vida cultural e do pensamento intelectual moderno (Geertz, 1997Geertz, Clifford. (1997). Como pensamos hoje: a caminho de uma etnografia do pensamento moderno. In: O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, p. 220-245.).

SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E O MODERNISMO PAULISTA

Com o título de “Antinous”, saía na edição de número quatro da revista Klaxon, publicada em agosto de 1922, um pequeno fragmento literário escrito pelo jovem intelectual paulista Buarque de Holanda, cujo gênero híbrido e indefinido na ocasião foi caracterizado pelo autor como “episódio quase dramático” (Holanda, 1922Holanda, Sérgio Buarque de. (1922). Antinous. Klaxon, 4, p. 4-5. Disponível em: https://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=217417&pesq=&pagfis=65. Acesso em: 11 jan. 2024.
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). Tratava-se da estreia literária 1 1 Além de “Antinous”, Sérgio Buarque de Holanda escreveu, entre os anos 1920 e 1930, mais três breves experimentos literários: “F-1”, “O automóvel adormecido” e “A viagem a Nápoles”. do crítico promissor, que desde 1920 publicava seus artigos em importantes veículos da imprensa brasileira, tais como o Correio Paulistano, a Revista do Brasil e A Cigarra.

De inspiração urbana e vanguardista, a narrativa transpunha para atualidade, “por comodidade da ação” (Holanda, 1922Holanda, Sérgio Buarque de. (1922). Antinous. Klaxon, 4, p. 4-5. Disponível em: https://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=217417&pesq=&pagfis=65. Acesso em: 11 jan. 2024.
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), a cultuada história de Antinous, jovem catamita da Bitínia, garboso e sedutor, preferido do imperador Adriano, que por volta de 130 d.C. morreu afogado nas águas do Nilo, sendo posteriormente deificado e homenageado por seu amante com a construção de uma nova cidade, Antinoópolis, norte do atual Egito. Como constatou Guerra (1989: 129Guerra, Abílio (1989). Raízes modernistas de Sérgio Buarque de Holanda. Revista de História, 1, p.127-141.), o procedimento guardava semelhanças com a obra-prima de James Joyce, Ulysses, cujo enredo desenvolveu-se calcado na Odisseia, de Homero. Em ambos os casos a cultura clássica ocidental servia como rica fonte para uma obra literária moderna, ainda que no breve experimento estético de Buarque de Holanda a narrativa não extrapolasse o formato de um curto fragmento experimental (Guerra, 1989: 129-130Guerra, Abílio (1989). Raízes modernistas de Sérgio Buarque de Holanda. Revista de História, 1, p.127-141.).

Na versão de Buarque de Holanda, o personagem Antinous permanecia oculto. Triunfava um imperador que desfilava de automóvel por uma cidade prototípica num cortejo público disputado. A multidão o aclamava. “Escravos de todas as cores curvados como canivetes” o reverenciavam. O povo inclinava-se em concordância, enquanto a voz de um orador duplicava a adulação. Em um corte abrupto, a narrativa focalizava dois homens de preto afastados da multidão travando um diálogo absurdo e automático. Quando o relógio marca doze horas, o imperador ressurge vestindo um figurino londrino, e da comitiva aparecem com naturalidade personagens ilustres e inusitados que viveram de diferentes épocas e lugares: Tirésias, o feiticeiro, Sansone Carrasco, Rosencrantz e Guildenstern, e o desembargador Ataulpho de Paiva. Todos entram no palácio. Fecham-se as portas. Os escravos fazem uma manobra militar e se retiram. O povo continua aclamando o Imperador, os oradores falam em reticências, a história se prolonga em três pontos finais, e a narrativa se encerra assim como começou: irônica e sem qualquer lógica aparente.

Aproximando-se dos motivos e sintaxes de “Antinous” era possível identificar no experimento não apenas um diálogo indireto com a literatura de Joyce, mas também com as propostas de renovação estética promulgadas pelo poeta italiano Filippo Marinetti. Nas analogias inusitadas de frases como “escravos de todas as cores curvados como canivetes” ou “o sol parece hoje uma grande senhora inglesa com óculos de tartaruga”, distingue-se os ecos do futurista italiano, que em seus manifestos defendia uma arte livre das armadilhas lógicas e previsíveis (Guerra, 1989: 130Guerra, Abílio (1989). Raízes modernistas de Sérgio Buarque de Holanda. Revista de História, 1, p.127-141.). Por sua vez, o sistema poético de subjetivação e desintegração da realidade presente no fragmento — ilógico, bem-humorado e veloz — criava uma “linguagem nominal e caótica” que destilava os experimentos estéticos cubistas e dadaístas de artistas como Max Jacob, Blaise Cendrars e Guillaume Apollinaire. Exemplos desses paralelos encontravam-se facilmente nas falas sobrepostas do texto, no humor das comparações descabidas e desproporcionais, e na enumeração de personagens tão refratários e anacrônicos como Tirésias de Tebas e o desembargador Ataulpho de Paiva (Guerra, 1989: 130Guerra, Abílio (1989). Raízes modernistas de Sérgio Buarque de Holanda. Revista de História, 1, p.127-141.).

Em suma, o que se notava imediatamente na leitura de “Antinous” eram as tendências da arte renovada do início do século XX, sistematizadas em crônicas e críticas literárias pelo próprio Buarque de Holanda sob o ambivalente epíteto “futurista” 2 2 Como constatou Fabris (1994: 131), a definição do termo “futurismo” entre os jovens artistas “não se reduzia à figura ortodoxa de Marinetti, ao qual opunham uma definição mais ampla de futurismo como sinônimo puro e simples de atualidade”. . No ano anterior, o próprio autor já havia publicado na revista carioca Fon Fon um texto chamado “O futurismo paulista”, no qual elogiava a “pujança intelectual” da cena artística de São Paulo e a abertura destes artistas ao que se fazia na França, na Itália futurista e na Alemanha expressionista.

Escrito em dezembro de 1921, quando Buarque de Holanda havia se mudado recentemente para o Rio de Janeiro, o artigo enaltecia as tendências inovadoras e as “grandes ideias” futuristas, sugerindo, de forma breve e sutil, um paralelo entre o progresso material da capital paulista e a atitude desbravadora de seus artistas, chegando mesmo a transpor aos “novos de São Paulo” a imagem histórica do bandeirante:

A velha terra dos bandeirantes vai colaborar para o progresso das artes com uma plêiade disposta a sacrifícios para atingir esse ideal. Um dos seus chefes é Menotti Del Picchia, já conhecido em todo o Brasil como autor do lindo poema “Juca Mulato” e também da horrível palhaçada “Laís”. Outro não menos ilustre é Oswald de Andrade, que escreveu os três romances ainda inéditos que vão constituir a Trilogia do exílio: Os condenados, A estrela de absinto e A escada de Jacó. Há ainda muitos outros, como Mário de Andrade, do Conservatório de São Paulo, que escreveu há tempos uma série de artigos de sensação sobre Os mestres do passado

(Holanda, 1996a: 133; grifos nossosHolanda, Sérgio Buarque de. (1996a). O futurismo paulista. In: Prado, Antonio Arnoni (org). O espírito e a letra: estudos de crítica literária (1925-1947). São Paulo: Companhia das Letras, p.131-133 (vol. 1).).

Segundo o próprio Buarque de Holanda, a ideia do artigo, que de certa maneira prenunciava o que viria ser o núcleo da Semana de Arte Moderna de 1922, surgiu de um interesse pela literatura moderna alimentado em conversas no escritório de Guilherme de Almeida, na rua Quinze de Novembro, no centro da capital paulista, onde, além de conhecer suas primeiras grandes amizades literárias, “teria assistido mesmo à elaboração do projeto de capa de Klaxon, inspirado, por sua vez, na capa do poema de Blaise Cendrars, ‘La Fin du monde racontée par l’ange’” (Holanda, 1952Holanda, Sérgio Buarque de. (1952). Em torno da “Semana”. Diário Carioca, 17 fev. 1952. Disponível em: https://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=093092_04&pasta=ano%20195&pesq=%22S%C3%A9rgio%20Buarque%22&pagfis=12883. Acesso em: 15 jan. 2024.
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) [^3]. Durante esse tempo teria também travado relações com Menotti Del Picchia e, por meio deste, com Mário e Oswald de Andrade. Em virtude disso fora “escolhido para representante, no Rio de Janeiro, do mensário [Klaxon] que seria o porta-voz da revolução modernista” (Holanda, 1952Holanda, Sérgio Buarque de. (1952). Em torno da “Semana”. Diário Carioca, 17 fev. 1952. Disponível em: https://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=093092_04&pasta=ano%20195&pesq=%22S%C3%A9rgio%20Buarque%22&pagfis=12883. Acesso em: 15 jan. 2024.
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).

A revista, que tinha como os mais ativos membros do seu comitê de redação colegas de Buarque de Holanda, como Guilherme de Almeida e Menotti Del Picchia, aglutinava em seu entorno outros artistas, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Di Cavalcanti, e cumpria naquele momento a “missão” de divulgar no país as “ideias novas” dos jovens atuantes na cena artística paulista, que até então não eram muito conhecidos fora do estado. Contrapunham-se, em sua batalha literária, à Academia Brasileira de Letras, sediada então na capital federal, Rio de Janeiro, que simbolizava para os modernistas paulistas, naquela época, o “porto seguro de uma literatura estabelecida e distante das novas experiências” (Schwarcz, 2017: 445Schwarcz, Lilia Moritz. (2017). Lima entre os modernos. In: Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras.).

O nome do periódico inspirava-se “no som da buzina dos automóveis, símbolo maior da urbanidade que invadiu as ruas de São Paulo e igualmente as do Rio de Janeiro”. Seus editoriais esclareciam que a ideia, no entanto, não era apenas reproduzir a onomatopeia, mas também ironizar as falácias da nova sociedade industrial (Schwarcz, 2017: 446Schwarcz, Lilia Moritz. (2017). Lima entre os modernos. In: Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras.).

Heroica ou crítica, a visão modernista de Klaxon apresentava-se antenada com as linguagens das novas vanguardas europeias que perseguiam uma arte mais livre e vinculada ao dinamismo da sociedade industrial — veloz, mecânica e elétrica. Mas, no contexto paulista, seu projeto editorial infundiu-se à surpreendente modernização da cidade de São Paulo, que, desde o final do século XIX, engendrada na economia cafeeira e na imigração decorrente, experimentou uma explosão demográfica e um surto industrial inéditos na história da Primeira República no Brasil.

De acordo com Schwarcz e Starling (2016: 327Schwarcz, Lilia Moritz & Starling, Heloisa M. (2016). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras.), a partir da década de 1870, com a prosperidade da lavoura cafeeira e o aumento das tensões derivadas do fim da escravidão, “São Paulo tornou-se palco privilegiado para transformações socioeconômicas, urbanísticas, físicas e demográficas”. Em decorrência disso, a antiga cidade transformou-se em um poderoso entreposto comercial e financeiro — autêntica “metrópole do café” —, indo de 31.385 habitantes, em 1872, para 579.033 mil pessoas em 1920. Foi uma época de grande avanço na infraestrutura econômica, com a construção de portos e ferrovias e a inauguração da iluminação elétrica e dos transportes públicos orquestrados pela estrada de ferro (Schwarcz; Starling, 2016: 327Schwarcz, Lilia Moritz & Starling, Heloisa M. (2016). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras.).

No município, parte considerável dessa reforma urbanística foi comandada pelo conselheiro Antônio Prado, antigo consultor do imperador d. Pedro II, que durante um longo período, de 1899 a 1910, foi prefeito de São Paulo e “desenvolveu todo um prodigioso projeto de reurbanização que metamorfoseou completamente a cidade” (Sevcenko, 2000: 74Sevcenko, Nicolau. (2000). Pindorama revisitada: cultura e sociedade em tempos de virada. São Paulo: Peirópolis.).

Figura política das mais admiradas da Primeira República brasileira, o Conselheiro tinha conhecimento íntimo “das grandes capitais europeias, sobretudo de Paris, onde passara praticamente toda sua mocidade”. Lá “acompanhara o processo de reforma urbana do Segundo Império, entre 1853 e 1869, comandado pelo Barão Haussmann, de quem se tornou um entusiasta” (Sevcenko, 2000: 74Sevcenko, Nicolau. (2000). Pindorama revisitada: cultura e sociedade em tempos de virada. São Paulo: Peirópolis.). Ao voltar para São Paulo e assumir a prefeitura “procurou adaptar o mesmo projeto a uma cidade que, àquela altura, concentrava uma enorme riqueza, mas mantinha ainda as pacatas feições da antiga aldeia colonial” (Sevcenko, 2000: 74Sevcenko, Nicolau. (2000). Pindorama revisitada: cultura e sociedade em tempos de virada. São Paulo: Peirópolis.).

O antigo prefeito da cidade, por sua vez, era também pai de Paulo Prado, figura chave do modernismo paulista, famoso pelo mecenato de artistas envolvidos na Semana de Arte Moderna de 1922, e cuja força e prestígio derivavam, sobretudo, “da fortuna da família, […] proprietária das maiores fazendas de café do estado de São Paulo, além de múltiplos investimentos em indústrias, casas de exportação, ferrovias e bancos” (Sevcenko, 2000: 74Sevcenko, Nicolau. (2000). Pindorama revisitada: cultura e sociedade em tempos de virada. São Paulo: Peirópolis.).

Como também lembrou Araújo (1994)Araújo, Ricardo Benzaquen de. (1994). Guerra e paz: Casa grande e senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 1930. São Paulo: Editora 34.,

Prado foi um dos principais animadores e patrocinadores do movimento modernista, tendo assinado o prefácio do livro Poesia pau-brasil (1924) de Oswald de Andrade e tendo inclusive recebido — juntamente com Tarsila do Amaral — a dedicatória das Memórias sentimentais de João Miramar (1924), do mesmo Oswald, e de Macunaíma, de Mário de Andrade

(Araújo, 1994: 19Araújo, Ricardo Benzaquen de. (1994). Guerra e paz: Casa grande e senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 1930. São Paulo: Editora 34.).

O escritor e empresário foi ainda um eminente ensaísta na década de 1920, tendo publicado dois influentes trabalhos históricos, Paulística (1925) e Retratos do Brasil (1928), que construíram pioneiramente no país vínculos abundantes entre as ciências sociais e as posições modernistas do início do século XX (Araújo, 1994: 19Araújo, Ricardo Benzaquen de. (1994). Guerra e paz: Casa grande e senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 1930. São Paulo: Editora 34.).

Outro estímulo importante ao processo de “modernização” se deu por parte de investidores estrangeiros que viram no crescimento demográfico vertiginoso da cidade uma oportunidade excepcional de expandir a malha urbana aos subúrbios e acomodar uma população que crescia velozmente como efeito da riqueza e da oferta de empregos geradas pela cafeicultura (Marins, 2019Marins, Paulo César Garcez. (2019). A avenida Paulista da Belle Époque: elites em disputa. In: Peixoto, Fernanda Arêas & Gorelik, Adrián (orgs.). Cidades sul-americanas como arenas culturais. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, p.51-66.). Figuras como o uruguaio Joaquim Eugênio de Lima, que em 1891 concebeu a avenida Paulista nos moldes das avenues parisienses, e os empresários Friedrich Glete e Victor Nothmann, que em 1878 criaram o bairro Campos Elíseos, emulando o Oitavo Arrondissement, em Paris, se destacaram com o crescimento de São Paulo (Morse, 1970Morse, Richard McGee. (1970). Formação histórica de São Paulo: de comunidade à metrópole. São Paulo: Difel.).

Contudo, se o processo de urbanização implicou o “embelezamento” e a “modernização” da cidade, com o surgimento de novos bairros luxuosos, como Higienópolis, para onde Buarque de Holanda se mudou com a família ainda criança, a concentração de bens promoveu igualmente a expulsão da pobreza, permitindo que, “com o objetivo de garantir o prolongamento e ampliação de ruas, largos e praças”, casebres e favelas fossem destruídos (Schwarcz; Starling, 2016: 327Schwarcz, Lilia Moritz & Starling, Heloisa M. (2016). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras.).

Esse processo ganhou contornos ainda mais dramáticos no plano estadual, considerando a expansão das frentes agrícolas cafeeiras para o oeste do estado e a instauração necessária de um transporte ferroviário amplo que ligasse as regiões produtoras de café aos centros exportadores, como o porto de Santos.

Como observou Gagliardi (1989)Gagliardi, José Mauro. (1989). O indígena e a República. São Paulo: Edusp., após a decadência da cultura cafeeira no vale do Paraíba e a ocupação de uma vasta faixa de terra compreendida entre Campinas e Ribeirão Preto, cortada pela Companhia Mogiana de Estrada de Ferro, a marcha do café deslocou-se rapidamente em direção ao fluxo dos rios Paraná, Tietê e Paranapanema, onde, até então, as cartas cartográficas do estado de São Paulo indicavam ser “região inexplorada, habitada por índios bravos” (Gagliardi, 1989: 63Gagliardi, José Mauro. (1989). O indígena e a República. São Paulo: Edusp.). Em contínua e ligeira expansão, esse deslocamento alcançou, já no início do século XX, uma grande extensão da floresta atlântica do estado, que se alargava para as divisas das províncias de São Paulo, Mato Grosso e Paraná e acompanhava a rede hidrográfica da região.

Naquelas matas, próximas à região de Bauru, viviam populações indígenas denominadas indistintamente nas crônicas e na produção científica da época como tapuia, guaianá, coroado, bugre e botocudo (Borelli, 1984Borelli, Silvia Helena de Simões (org.). (1984). Índios no estado de São Paulo: resistência e transfiguração. São Paulo: Yankatu.). Eram povos de língua kaingang, de matriz linguística jê, que habitavam a região desde tempos imemoriais e causavam grande temor aos habitantes das cidades próximas pelo seu longo histórico de resistência e insubmissão.

A origem longínqua e a denominação diversificada desses “índios do sertão” protagonizaram discussões acirradas na historiografia sobre São Paulo, e foram retomadas por Buarque de Holanda nos seus escritos sobre o expansionismo paulista. Por isso, embora a reconstrução do percurso histórico dessas populações seja uma tarefa complexa de ser realizada, será interessante fazer aqui uma breve digressão sobre o contato entre os Kaingang e a sociedade nacional, tendo em mente seus efeitos na produção intelectual da época (Borelli, 1984: 59Borelli, Silvia Helena de Simões (org.). (1984). Índios no estado de São Paulo: resistência e transfiguração. São Paulo: Yankatu.). Embora implique um salto cronológico no artigo, ajudará a posicionar o pensamento de Buarque de Holanda a respeito da temática indígena em um panorama mais amplo de ideias, objetivo indispensável a este trabalho.

INDÍGENAS NA HISTORIOGRAFIA SOBRE SÃO PAULO

Sendo assim, rememoro que, até o final do século XIX, as regiões do oeste do estado de São Paulo ainda não haviam sido inteiramente colonizadas e eram consideradas, na percepção das populações citadinas, “sertões desconhecidos” habitados por índios hostis. Foi apenas a partir da segunda metade do XIX e das primeiras décadas do século XX que tiveram início, nessa área, diversos processos de reconhecimento, colonização e ocupação do território por meio de expedições científicas, campanhas de cunho religioso, expansão da economia cafeeira e da construção de novas vias de comunicação, principalmente ferrovias (Borelli, 1984: 45Borelli, Silvia Helena de Simões (org.). (1984). Índios no estado de São Paulo: resistência e transfiguração. São Paulo: Yankatu.).

As expedições científicas, efetuadas pela Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo a partir de 1886, percorreram os vales dos rios Paranapanema, Peixe, Batalha, Feio, Tietê e Paraná, e tinham como objetivo central fazer um reconhecimento da bacia hidrográfica do Oeste Paulista para identificar e caracterizar os contornos dos territórios para retornar à capital com informações estratégicas — subsídios prévios para uma ocupação efetiva da região (Borelli, 1984Borelli, Silvia Helena de Simões (org.). (1984). Índios no estado de São Paulo: resistência e transfiguração. São Paulo: Yankatu.; Lima, 1978Lima, João Francisco Tidei. (1978). A ocupação de terra e a destruição dos índios na região de Bauru. Tese de doutorado. FFLCH/Universidade de São Paulo.).

As expedições de cunho religioso, vinculadas fundamentalmente aos trabalhos missionários dos Capuchinhos, tinham como principal meta a catequese dos índios Kaingang, a qual, segundo o Padre Claro Monteiro do Amaral, figura das mais notáveis entre os religiosos, seria o caminho mais efetivo e sagrado para a transformação dos selvagens em “cidadãos patriotas”, úteis à nação. Seus esforços, porém, foram interrompidos em meados de 1901, quando, ao tentar contatar os “coroados” que viviam às margens do rio Feio, águas incógnitas nas cartas geográficas da época, foi flechado por kaingangs. A notícia de sua morte reforçou a hostilidade contra os indígenas e motivou novas ondas de perseguição e de extermínio na região (Gagliardi, 1989Gagliardi, José Mauro. (1989). O indígena e a República. São Paulo: Edusp.; Ribeiro, 1977Ribeiro, Darcy. (1977). Expansão agrícola na floresta atlântica. In: Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. Petrópolis: Vozes.).

Mais aguda e violenta foi a ocupação decorrente da expansão cafeeira, que, além de avançar o cultivo latifundiário em direção às terras tradicionais dos Kaingang, engendrou a ampliação de malha ferroviária que deslocaria um significativo contingente populacional à região, gerando graves conflitos entre indígenas e trabalhadores nacionais.

Nesse contexto, de avanço dos cafezais à região de Bauru e da ampliação das vias de comunicação entre o interior e as grandes cidades litorâneas, foi construída a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, empreendimento ambicioso que ajudou a promover, no decorrer de sua implantação, o massacre dos Kaingang e incitou polêmicas notáveis entre personalidades do meio científico e intelectual de São Paulo, colocando em atrito diferentes visões a respeito do lugar do indígena na sociedade nacional.

Na época, a controvérsia mais comentada pelos meios de comunicação e, atualmente, a mais lembrada por estudiosos do tema, foi aquela engatilhada por Hermann von Ihering, zoólogo alemão que ocupava, desde a fundação do Museu Paulista em 1894, o cargo de diretor da instituição. Diante das interrupções que colocaram em risco a execução de um projeto civilizatório defendido por setores da elite econômica paulista, von Ihering intercedeu nos jornais do estado e na Revista do Museu Paulista defendendo a estratégia que julgava ser a mais conveniente para sanar o impasse criado pela resiliência dos índios Kaingang:

Os atuais índios do estado de São Paulo não representam um elemento de trabalho e de progresso. Como também dos outros estados do Brasil, não se pode esperar trabalho sério e continuado dos índios civilizados e como os Caingangs [sic] são um empecilho para a colonização das regiões do sertão que habitam, parece que não há outro meio de que se possa lançar mão, se não o seu extermínio

(Ihering, 190: 215Ihering, Hermann von. (1907). A Anthropologia do Estado de São Paulo. Revista do Museu Paulista, 7, p. 202-257.) 3 3 A semelhança entre os projetos gráficos de Klaxon e o romance de Blaise Cendrars, lançado em 1919, é evidente. Porém, nesse depoimento, Buarque de Holanda se equivocou quanto ao título original do livro, originalmente concebido como um roteiro de cinema e intitulado La Fin du monde, filmée par l’ange de N.D. Cf: Montgomery. In: Deborah Wye (2004) Artists and Prints: Masterworks from The Museum of Modern Art. .

As reações à posição escandalosa de von Ihering foram imediatas em alguns setores republicanos de inspiração positivista. Entre as vozes que se opuseram à proposta de extermínio assinalada pelo alemão estavam a de Silvio de Almeida, Luís Bueno Horta Barbosa e de Cândido Mariano da Silva Rondon, militar com vasta experiência nos sertões brasileiros e propulsor das linhas telegráficas no interior do país. Também interferiram no debate a Sociedade Nacional de Agricultura, órgão ligado ao Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, e o Museu Nacional, então dirigido por João Batista Lacerda (Gagliardi, 1989Gagliardi, José Mauro. (1989). O indígena e a República. São Paulo: Edusp.).

De acordo com a “história oficial” do indigenismo no Brasil, propagada por autores como Stauffer (1960)Stauffer, David Hall. (1960). Origem e fundação do Serviço de Proteção aos Índios (III). Revista de História, 21/43, p. 165-183. e Ribeiro (1962)Ribeiro, Darcy. (1962). A política indigenista brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura., essas campanhas da imprensa teriam produzido as condições históricas propícias para a institucionalização, em 20 de junho de 1910, por meio do Decreto nº 8.072, assinado pelo governo de Nilo Peçanha, do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (posteriormente, a partir de 1918, conhecido apenas como Serviço de Proteção aos Índios [SPI]), órgão subordinado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC) e cuja função era prestar assistência à população indígena brasileira 4 4 Segundo Stauffer (1960), o artigo “A anthropologia do Estado de São Paulo”, publicado no volume de 1907 da Revista do Museu Paulista, apenas foi distribuído na segunda quinzena de setembro de 1908. Segundo o mesmo autor, o artigo seria, ainda, uma tradução menos filtrada de argumentos anti-indígenas de um trabalho que von Ihering havia apresentado na Exposição de Saint Louis de 1904 (Stauffer, 1960: 176). .

Essa “versão oficial”, porém, foi amplamente criticada por Lima (1992)Lima, Antônio Carlos de Souza. (1992). O governo dos índios sob a gestão do SPI. In: Cunha, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, p.155-172., que procurou desmistificar, em vários de seus trabalhos, a narrativa falaciosa em torno da criação do indigenismo na Primeira República e do papel determinante do dilema ao redor dos Kaingang nas origens do SPI. Para este autor, tanto o governo dos índios quanto o dos trabalhadores nacionais já eram tarefas previstas no decreto de criação do ministério responsável pelo SPI em 1906, antes mesmo de emergir o suposto debate, entre 1908-1910, a respeito do pretenso projeto de extermínio das populações indígenas no Brasil (Lima, 1992: 156Lima, Antônio Carlos de Souza. (1992). O governo dos índios sob a gestão do SPI. In: Cunha, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, p.155-172.).

Essa controvérsia recente sobre a história do indigenismo brasileiro, no entanto, não impediu que Monteiro (1992)Monteiro, John Manuel. (1992). Tupis, Tapuias e a História de São Paulo. Revisitando a Velha Questão Guaianã. Novos Estudos Cebrap, 34, p. 125-135. constatasse nas primeiras décadas da República, “marcadas pelo progresso econômico e manchadas por uma política indigenista omissa”, um intenso debate intelectual sobre os índios no estado de São Paulo, que colocou lado a lado a famosa polêmica sobre o extermínio Kaingang e os embates científicos em torno do passado dessas populações (Monteiro, 1992: 135Monteiro, John Manuel. (1992). Tupis, Tapuias e a História de São Paulo. Revisitando a Velha Questão Guaianã. Novos Estudos Cebrap, 34, p. 125-135.). De acordo com Monteiro, essa discussão emergiu de uma pungente desavença historiográfica a respeito da filiação étnica e linguística dos habitantes paulistas, que se desenrolou no bojo de um amplo projeto multi-institucional, cuja ideia era criar subsídios para o fortalecimento de uma identidade histórica paulista.

Muito mais do que apenas uma querela etnográfica, a “questão guaianá”, como se referiu Monteiro ao caso, disse respeito a “uma série de afirmações sobre os povos guaianás de Piratininga e sobre a suposta origem tupi da grandeza de São Paulo” (Monteiro, 1992: 126Monteiro, John Manuel. (1992). Tupis, Tapuias e a História de São Paulo. Revisitando a Velha Questão Guaianã. Novos Estudos Cebrap, 34, p. 125-135.). As discordâncias sobre o tema colocaram em xeque “o mito de origem” da sociedade paulista, que naquela altura se imaginou herdeira de um tupi idealizado contrastante com a figura do selvagem Kaingang contemporâneo (Monteiro, 1992: 128Monteiro, John Manuel. (1992). Tupis, Tapuias e a História de São Paulo. Revisitando a Velha Questão Guaianã. Novos Estudos Cebrap, 34, p. 125-135.).

Para o historiador, essa questão remontava às crônicas e genealogias produzidas ainda no período colonial, desde as obras de Simão de Vasconcelos, Sebastião da Rocha Pita, frei Gaspar de Madre de Deus e Pedro Taques de Almeida Pais Leme, grandes memorialistas e historiadores paulistas dos séculos XVII e XVIII (Monteiro, 1992: 125Monteiro, John Manuel. (1992). Tupis, Tapuias e a História de São Paulo. Revisitando a Velha Questão Guaianã. Novos Estudos Cebrap, 34, p. 125-135.). A dúvida recaía sobre a verdadeira filiação étnica dos povos Guaianá — habitantes do planalto paulista às vésperas da chegada dos primeiros europeus —, que na mentalidade colonial correspondia a uma classificação imprecisa da diversidade cultural e linguística do Brasil indígena.

De acordo com Monteiro, para enfrentar o vasto panorama etnográfico do território americano quinhentista, os invasores europeus do século XVI e XVII procuraram reduzir esse complexo cenário, grosso modo, a duas categorias étnicas estereotípicas: “tupi” e “tapuia”. A parte tupi, segundo ele, “englobava basicamente as sociedades litorâneas em contato direto com os portugueses, franceses e castelhanos, desde o Maranhão a Santa Catarina” (Monteiro, 1995: 19Monteiro, John Manuel. (1995). Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo. Companhia das Letras.). Eram sociedades que apresentavam um perfil aparentemente homogêneo e compartilhavam certas características básicas comuns, entre tradições linguísticas e padrões culturais denominados tupi-guarani.

A mesma coisa não se podia afirmar dos “tapuias”. Sua denominação “aplicava-se frequentemente a grupos que, além de diferenciados socialmente do padrão tupi, eram pouco conhecidos dos europeus” (Monteiro, 1995: 19Monteiro, John Manuel. (1995). Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo. Companhia das Letras.). Sobre esse assunto, Manuela Carneiro da Cunha averiguou que na classificação étnica colonial existiu “uma imagem substancialmente espelhada nos grupos de língua tupi e, ancilarmente, guarani. Como contraponto, surgiu a figura do Aimoré, Ouetaca, Tapuia, ou seja, aqueles a quem os tupi acusam de barbárie” (Cunha, 2009: 179-180Cunha, Manuela Carneiro da. (2009). Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify.). Por esse motivo, durante muito tempo os tapuias foram descritos pelos portugueses como “gente bárbara”, povos inferiores, habitantes dos sertões, índios arredios e de difícil contato, que não possuíam sequer aldeias, agricultura ou cerâmica (Almeida, 2010Almeida, Maria Regina Celestino. (2010). Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV.; Schwarcz; Starling, 2016Schwarcz, Lilia Moritz & Starling, Heloisa M. (2016). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras.).

Essa atribuição limitada de etnônimos, “fruto de uma incompreensão total da dinâmica étnica e política do socius ameríndio” (Castro; Cunha, 1993: 32Castro, Eduardo Viveiros de & Cunha, Manuela Carneiro da (orgs.). (1993). Amazônia: etnologia e história indígena. São Paulo: USP-NHII/FAPESP.), estruturou os embates e alianças luso-indígenas desde os anos iniciais da colonização e perpetuou-se na cultura política do país enquanto fenômeno sociológico e cognitivo de longa duração.

Insistente no imaginário colonial, o binômio tupi-tapuia ressurgiria no pensamento social brasileiro dos séculos XIX e XX, condicionando no país a recepção das teorias raciais estrangeiras e dos modelos literários europeus. Nesse contexto, o contraste entre as origens tupi dos brasileiros e o perfil negativo que se traçou dos índios vivos no presente, como os Kaingang, ganhou ares de ciência entre colaboradores e sócios das recém-criadas instituições de ensino e pesquisa no Brasil, tais como o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) e o Museu Paulista.

Um exemplo evocativo afigura-se na obra do historiador Alfredo Ellis Júnior, Raça de gigantes (1936)Ellis Júnior, Alfredo. (1936). Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento euro-americano. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 5 5 A mesma explicação para o fenômeno encontra-se no artigo “O índio no Brasil” (1940), publicado anonimamente na revista O observador econômico e financeiro — veículo da imprensa vinculado ao ideário nacional-desenvolvimentista do governo de Getúlio Vargas —, e cuja autoria foi atribuída a Buarque de Holanda na coletânea organizada por Costa (2011). No texto, o autor anônimo recuperou a importância da figura do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon para a “pacificação” dos Kaingang, associando seu interesse pelos índios a dois fatores de maior importância: “sua própria origem, ligado pelo sangue, ao índio, e suas convicções filosóficas, que lhe davam argumentos para encarar a assistência ao índio como um problema de mais alta significação” (Costa, 2011: 129). Diante das incertezas que pairam sobre a autoria do artigo — que trato mais detalhadamente em minha dissertação de mestrado —, adoto deliberadamente a estratégia de usá-lo com parcimônia. Penso que a importância deste documento para o estudo da temática indígena na obra de Buarque de Holanda torna inviável a opção de ignorá-lo absolutamente. Por outro lado, diante de tal indefinição, não seria apropriado utilizá-lo como sustentação aos meus argumentos. Aproveito a ocasião para agradecer aos professores Robert Wegner e Pedro Meira Monteiro por compartilharem comigo intuições e sugestões acerca do problema. , na qual o sócio do IHGSP procurou resgatar o “influxo da raça americana na formação das primeiras camadas de moradores do planalto paulista” (Ellis Júnior, 1936: 47Ellis Júnior, Alfredo. (1936). Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento euro-americano. São Paulo: Companhia Editora Nacional.). Para esse fim, estribou-se na doutrina evolucionista (Ellis Júnior, 1936: 6Ellis Júnior, Alfredo. (1936). Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento euro-americano. São Paulo: Companhia Editora Nacional.) e “emprestou da antropologia física, sobretudo da antropometria, todo um vocabulário científico” que ajustou os guaianás ao projeto antropogênico imaginado como produto da mestiçagem luso-indígena nos primórdios da história de São Paulo: a suposta “raça de gigantes” (Monteiro, 1993: 13Monteiro, John Manuel. (1993). Caçando com gato: o problema da mestiçagem na obra de Alfredo Ellis Jr. In: Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 17., Caxambu. Anais […]. Caxambu: ANPOCS, 1993.).

Para fortificar seus argumentos, que indicavam uma pretensa superioridade dos atributos raciais e culturais implicados na “marcha bio-sociológica [sic] do homem no planalto piratiningano” (Ellis Júnior, 1936: 25Ellis Júnior, Alfredo. (1936). Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento euro-americano. São Paulo: Companhia Editora Nacional.), o historiador chegou a medir e examinar, graças à autorização de Afonso d’Escragnolle Taunay, então diretor do Museu Paulista, um crânio guaianá encontrado no bairro do Brás e resguardado no acervo da instituição (Ellis Júnior, 1936: 49Ellis Júnior, Alfredo. (1936). Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento euro-americano. São Paulo: Companhia Editora Nacional.). Concluiu da análise que “o elemento indígena que, grandemente, preponderou na ethnographia do paulista, foi mesaticephalo, mesorrhinio, megaseme, de estatura mediana” (Ellis Júnior, 1936: 51Ellis Júnior, Alfredo. (1936). Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento euro-americano. São Paulo: Companhia Editora Nacional.), propriamente os atributos inferidos da medição craniana da amostra guaianá.

Malgrado a “valorização” do elemento indígena na constituição dessa “sub-raça fixa, eugênica, com os seus atributos inigualáveis de grande fecundidade, magnífica longevidade e espantosa varonilidade”, em Raça de gigantes a contribuição tupi foi retratada como transitória, característica de um momento histórico particular em que as exigências de um conhecimento local e a escassez de mulheres europeias induziram os bandeirantes paulistas a absorver seletivamente os traços positivos das culturas indígenas, mantendo, no entanto, suas características europeias superiores (Weinstein, 2015: 40Weinstein, Bárbara. (2015). The Color of Modernity: São Paulo and the Making of Race and Nation in Brazil. Georgia: Duke University Press.).

Em linhas gerais, essa visão afiançava a posição de seu mestre, Afonso d’Escragnolle Taunay, que, a despeito de uma adesão frugal das teorias raciais em voga — se compararmos ao entusiasmo irrestrito de Alfredo Ellis Júnior —, justificou no primeiro tomo de sua História geral das bandeiras paulistas a violência, a escravização e o extermínio dos povos indígenas promovidos pelos bandeirantes paulistas apelando para o seguinte argumento enfático: “Qual dos povos brancos, porém, pode irrogar-se a glória de não haver, até agora, nos anos que correm, da era de 1923, lançado mão da prepotência da superioridade sobre as raças inferiores para as forçar a padecer os maiores horrores?” (Taunay, 1922: 61; grifo nossoTaunay, Afonso d’Escragnolle. (1924). História geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo: Typographia Ideal H. L. Canton. (t. 1).).

A “RAÇA GUAIANÁ” EM “CAMINHOS E FRONTEIRAS” (1939)

A questão guaianá foi abordada muito rapidamente por Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (2016)Holanda, Sérgio Buarque de. (2016). Raízes do Brasil: edição crítica. In: Monteiro, Pedro Meira & Schwarcz, Lilia Moritz (org.). São Paulo: Companhia das Letras., com uma referência textual ao problema bem sutil. Entre os raros comentários sobre os indígenas em seu livro de estreia, o autor esboçou, de maneira ainda embrionária, uma compreensão sobre o binômio “tupi/tapuia”, visto que para Buarque de Holanda era certo que os portugueses herdaram muitas das inimizades e idiossincrasias do “gentio principal da costa” (tupis), cujas terras ocuparam repelindo-os para o sertão (Holanda, 2016: 182-183Holanda, Sérgio Buarque de. (2016). Raízes do Brasil: edição crítica. In: Monteiro, Pedro Meira & Schwarcz, Lilia Moritz (org.). São Paulo: Companhia das Letras.). Para ele, quanto aos “tapuias”, o certo é que “continuaram largamente ignorados durante todo o período colonial e sobre eles corriam lendas e versões mais fantásticas” (Holanda, 2016: 182-183Holanda, Sérgio Buarque de. (2016). Raízes do Brasil: edição crítica. In: Monteiro, Pedro Meira & Schwarcz, Lilia Moritz (org.). São Paulo: Companhia das Letras.), de forma que, “salvo em casos excepcionais como o dos goianás de Piratininga, que ao tempo de João Ramalho já estariam a caminho de ser absorvidos pelos tupiniquins”, a colonização portuguesa fixou-se sobretudo em território povoado “pelos indígenas da língua geral” [Holanda (2016: 182-183; grifo nossoHolanda, Sérgio Buarque de. (2016). Raízes do Brasil: edição crítica. In: Monteiro, Pedro Meira & Schwarcz, Lilia Moritz (org.). São Paulo: Companhia das Letras.).

O debate, entretanto, ganharia desenvolvimento mais exclusivo em março de 1939, quando o autor publicou na Revista do Brasil, então dirigida por seu amigo Octávio Tarquínio de Souza, o ensaio “Caminhos e fronteiras” 6 6 Raça de gigantes, publicado originalmente em 1926, foi posteriormente reeditado pela prestigiada Companhia Editora Nacional na série Brasiliana com algumas modificações e um novo título, Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento euro-americano (1936). , texto que inaugurou em seu projeto intelectual o tema das bandeiras e do expansionismo paulista, marcando sua passagem da pesquisa sociológica para a histórica (Novais, 2018: 11Novais, Fernando. (2018). Prefácio. In: Holanda, Sérgio Buarque. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, p. 11-12.).

Nesse ensaio, Buarque de Holanda introduziu alguns dos temas centrais que reapareceriam em seus livros de 1945 e 1957 — Monções e Caminhos e fronteiras (ensaio homônimo) 7 7 Como também observou Monteiro (1992), a questão guaianá foi abordada por Buarque de Holanda na reelaboração de um capítulo da obra Monções, no qual “assevera que esta tradição insistente”, que confunde os Guaianás com os Tupiniquins do Campo de Piratininga, surgiu só nos fins dos setecentos (1992: 127). —, adiantando sobretudo os assuntos tratados nos primeiros capítulos das duas obras: as vias de penetração e povoamento abertas por indígenas e sertanistas de São Paulo rumo ao sertão do país. Para ele, o sentido da história paulista prendeu-se justamente aos caminhos “atalhados de pé posto”, que encorajaram a gente rústica convidando-a ao movimento. O contraste se deu, em síntese, com a civilização da cana de açúcar no litoral nordestino — estudado reiteradamente por Gilberto Freyre —, que na concepção de Buarque de Holanda produziu, a partir da atividade do engenho, uma sociedade de estrutura agrária, escravocrata, sedentária e mais subordinada à interferência da metrópole portuguesa e seus valores 8 8 E que reapareceriam também no artigo “Índios e mamelucos na expansão paulista”, publicado nos Anais do Museu Paulista em 1949. .

Em “Caminhos e fronteiras”, a pesquisa histórica de Buarque de Holanda iniciou também um diálogo mais estreito com autores da historiografia paulista, tais como Alfredo Ellis Júnior, José Alcântara Machado e Afonso d’Escragnolle Taunay, que àquela altura davam sequência ao conjunto de pesquisas anteriores sobre o passado colonial de São Paulo e sobre o episódio considerado de maior importância na história do estado: as Bandeiras.

O meio campo ficou a cargo de Paulo Prado, elo orgânico entre a tradição historiográfica paulista e as “novas” tendências de interpretação modernista do passado. O bem-sucedido produtor e exportador de café, íntimo da elite intelectual, artística e econômica da cidade, publicou, por estímulo do historiador cearense Capistrano de Abreu, um conjunto de artigos sobre o passado de São Paulo, reunidos no volume Paulística (2004 [1925])Prado, Paulo. (2004 [1925]). Paulística etc: a história de São Paulo: da colonização ao apogeu do café: um clássico do modernismo. São Paulo: Companhia das Letras..

Citado diretamente por Buarque de Holanda no ensaio, Paulo Prado buscou sondar nessas pesquisas acontecimentos remotos da província mirando a realidade atual do povo paulista, desprovido, segundo ele, de ação cooperadora e sentido público. Em seus mergulhos introspectivos rastreou, nas diferentes épocas do desenvolvimento étnico e histórico de São Paulo, “a explicação dessa falha inibitória do caráter paulista, agravada pelas causas sociais que concorrem hoje para a formação da raça” (Prado, 2004 [1925]: 62Prado, Paulo. (2004 [1925]). Paulística etc: a história de São Paulo: da colonização ao apogeu do café: um clássico do modernismo. São Paulo: Companhia das Letras.). Oscilou, dessa maneira, entre um fascínio pela obra bandeirante e um pessimismo com o futuro de São Paulo e do Brasil, e exprimiu um conflito entre tradição e modernidade que marcaria a geração de 1920.

O ensaio de Buarque de Holanda ainda partilhou outro detalhe comum à Paulística: as sugestões de Capistrano de Abreu, historiador que se notabilizou pelo estudo dos “caminhos antigos”, fundamentais em sua concepção “moderna” de história — realista, factual, narrativa — para o aprendizado da formação nacional (Araújo, 1988Araújo, Ricardo Benzaquen de. (1988). Ronda noturna: narrativa, crítica e verdade em Capistrano de Abreu. Estudos Históricos, 1/1, p. 28-54.). Tanto para Prado como para Buarque de Holanda, os argumentos do historiador cearense serviram como contrapeso decisivo às teses mais patrióticas confeccionadas por algumas vertentes da historiografia paulista.

Interessante notar que, com Paulística, Buarque de Holanda recorreu ainda à etnologia alemã de Theodor Koch-Grunberg e Paul Ehrenreich, e aos cronistas dos séculos XVI e XVII, como Bernard Vargas Machuca, Anthony Knivet e Don Luis de Céspedes Xeria, todos o informando a respeito das técnicas indígenas de se caminhar nos sertões.

Outra presença incontornável foram os antigos documentos colocados ao alcance do público nas décadas de 1910 e 1920, divulgados em parte por iniciativa de Washington Luís, prefeito de São Paulo (1914-1919) e posteriormente presidente do estado (1920-1924), e que antes de assumir esses cargos havia realizado pesquisas históricas no Arquivo Público e Arquivo da Câmara. Entre os diversos documentos citados por Buarque de Holanda no ensaio estão os reunidos nas coletâneas Registro geral da câmara de São Paulo (1917) e Inventários e testamentos (1920) 9 9 Em entrevista a Richard Graham, Buarque de Holanda afirmou que seu livro Monções, cujos argumentos foram antecipados no ensaio “Caminhos e Fronteiras”, “é uma espécie de Casa-grande e senzala ao avesso”. Para ele “esse livro do Freyre faz o Brasil parecer estático, dominado pelo açúcar; olhando para o Atlântico, parado”. E conclui: “eu queria algo mais dinâmico, apontando para as minas, para o interior. Brasil em movimento” (Holanda; Graham, 1982: 11). , documentação esta que foi organizada pelo Arquivo Público, instituição que fomentava o imaginário paulista por meio da seleção, transcrição e publicação de documentos acerca do passado administrativo do estado. A instituição, por sua vez, vinculava-se ao IHGSP e ao Museu Paulista, órgãos comprometidos com a construção de uma representação do pioneirismo bandeirante por meio do estabelecimento de critérios para a seleção e descarte de documentos de seus acervos 10 10 Refiro-me aqui ao inventário de Paschoal Neto, mandado fazer, segundo Buarque de Holanda, por Antônio Raposo Tavares, além de o de Gaspar Fernandes e o de Antonio de Oliveira. .

Porém, mais intrigante nesse caso, além de verificar certa base documental comum ao ensaio e a outros empreendimentos da historiografia paulista dos anos 1920 e 1930, é observar o uso que Buarque de Holanda fez dessas diferentes fontes, trabalhando as informações históricas e etnográficas num raciocínio arrojado e de sutil apelo etnológico.

É o que se constata, por exemplo, no caso de Céspedes Xeria, que merece aqui um destaque no recorte historiográfico do ensaísta, pois foi autor de um famoso mapa, elaborado em 1628 durante uma expedição ao Paraguai e que, reproduzido em obra organizada por Afonso d’Escragnolle Taunay (1922)Taunay, Affonso d’Escragnole. (1922). Collectanea de mappas de cartographia paulista antiga. São Paulo: Melhoramentos., Collectanea de mappas de cartographia paulista antiga, tornou-se referência imprescindível para uma linha de compreensão da formação histórica do território paulista (Cavenaghi, 2011Cavenaghi, Airton José. (2011). A construção da memória historiográfica paulista: Dom Luiz de Céspedes Xeria e o mapa de sua expedição de 1628. Anais do Museu Paulista, 19/1, p. 81-109.). Embora não mencione diretamente o mapa, ainda sim Buarque de Holanda adotou o cronista como ponto de partida para uma reflexão sobre a estrutura física dos indígenas, propondo, em um leve exercício etnológico, uma solução ousada à antiga “questão guaianá”:

Das longas e constantes marchas que se habituavam desde meninos provém os pés disformes e alargados que [Paul] Ehrenreich notou em muitos índios brasileiros. “Pés largos” é a designação dada à casta de gentio de que há menção frequente nos velhos documentos da história paulista. A identidade desses selvagens é ainda hoje um mistério para os estudiosos de nossa etnografia histórica. Sabe-se que não deviam assistir longe da Vila de São Paulo e que vizinhavam aparentemente com os Tupiniquins. Ao menos em uma prática dos caciques de Loreto, que publicou o famoso Don Luis de Céspedes Xeria em 21 de janeiro de 1629, fala-se nos Tupis e “pies largos de San Pablo”. Seriam os Guaianases. Uma referência contida em um dos trechos ainda não traduzidos do relato das peregrinações de Anthony Knivet admite essa suposição. Tratando dos Guaianases na Ilha Grande, que percorriam a região da Mantiqueira e da Serra do Mar, o aventureiro inglês diz que eram de pequena estatura, ventre volumoso e “pés largos”. Tão poucos atributos não bastam para definir uma raça; em todo caso há uma coincidência que pode impressionar entre a descrição de Knivet e o nome da tribo indígena, que tanto abasteceu de escravos os colonos e as aldeias de São Paulo. Se é exata a presunção de Capistrano de Abreu, quando diz de Guaianases, Guarulhos e Guaramonis, que eram um só grupo falando língua diversa da geral, haverá outros motivos de insistir na identificação sugerida, pois dos Guarulhos há notícia de que tinham ventre desproporcionado, e seu próprio nome se aparenta ao do peixe guaru, ou aru, também chamado de “barrigudinho”

(Holanda, 1939; grifos nossosHolanda, Sérgio Buarque de. (1939). Caminhos e fronteiras. Revista do Brasil, 2/9, p. 14-20.).

A presença da literatura etnológica não era exatamente uma novidade no repertório vasto e multidisciplinar de Buarque de Holanda. Em Raízes do Brasil o autor já havia exibido uma leve familiaridade com as obras de Alfred Métraux e de Wilhelm Schmidt — citadas nas edições originais — ao elaborar seus argumentos sobre o povoamento português na costa brasileira e sobre a presença indígena, sobretudo tupi, no território da América do Sul durante os séculos XVI e XVII. Em um dos poucos momentos no qual se ocupou com a temática nesse livro, como no capítulo “O passado agrário (continuação)” (Holanda, 2016: 181-182Holanda, Sérgio Buarque de. (2016). Raízes do Brasil: edição crítica. In: Monteiro, Pedro Meira & Schwarcz, Lilia Moritz (org.). São Paulo: Companhia das Letras.), Buarque de Holanda se amparou no clássico de Metraux, Migrations historiques des Tupi-Guarani [Migrações históricas dos Tupi-guarani] (1927) e no longo ensaio de Schmidt, “Kulturkreise und Kulturschichten in Südamerika” [“Círculos culturais e estratos culturais sul-americanos”] (1913), publicado na famosa revista de etnologia alemã Zeitschrift für Ethnologie. Este último, inclusive, seria traduzido pelo autor em 1941, a pedido da Companhia Editora Nacional, que o publicaria na famosa coleção de estudos brasileiros, a Brasiliana (Françozo, 2004Françozo, Mariana. (2004). Um outro olhar: a etnologia alemã na obra de Sérgio Buarque de Holanda. Dissertação de mestrado. IFCH/Universidade Estadual de Campinas.).

No entanto, o que mais se destacou na argumentação sobre os guaianás foi o uso que Buarque de Holanda fez do repertório etnológico visando solucionar alguns dilemas da “nossa etnografia histórica”, justamente daquela mencionadas nas linhas anteriores deste artigo e produzida por membros e sócios do IHGSP e do Museu Paulista. É preciso rememorar que, nesse contexto, o termo “etnografia”, apesar de suas variações e de certo intercâmbio com os significados de “etnologia”, referia-se basicamente, no ensaio de Buarque de Holanda e na produção científica do período no Brasil, às investigações acerca das origens indígenas da nacionalidade e dos costumes étnicos das nações (Kodama, 2005Kodama, Kaori. (2005). Os filhos das brenhas e o Império do Brasil: a etnografia no Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (1840-1860). Tese de doutorado em História Social da Cultura. DH/PUC-Rio.).

Por isso, uma breve contextualização das fontes etnológicas utilizadas em “Caminhos e fronteiras” deve auxiliar na compreensão do enquadramento que autor deu à disciplina e do modo como ressignificou essas informações para responder questões da historiografia paulista. Como exemplo podem-se considerar alguns tópicos gerais da etnologia desenvolvida pelo alemão Paul Ehrenreich em obra citada por Buarque de Holanda, Anthropologische Studien uber die Urbewohner Brasiliens (1897), tal como resenhada pelo influente antropólogo Franz Boas.

Segundo Boas, em resenha crítica publicada em 10 dezembro de 1897, e depois reimpressa em seu livro Race, Language and Culture (1910),

Dr. Ehrenreich é um dos poucos antropólogos que tem um domínio equilibrado sobre os métodos somatológicos, etnológicos e linguísticos. Sua crítica à somatologia moderna é direcionada principalmente ao peso excessivo dado à mensuração e ao uso inconsistente dos termos “raça” e “tipo”, em detrimento da “descrição morfológica”. Para ele, o conceito de “raça” designaria as principais divisões da humanidade, enquanto ‘tipo’ caracterizaria as variedades dessas principais divisões. Ehrenreich se opõe fortemente à aplicação do termo “raça” a variedades intimamente afiliadas que se diferem em relação a algumas medidas, ao mesmo tempo em que suas características morfológicas fundamentais permanecem as mesmas. O autor atribui, com justiça, grande parte da confusão prevalecente na literatura antropológica à falta de uma clara distinção entre os principais grupos e suas subdivisões, e particularmente à tendência que se desenvolveu nos últimos anos para considerar alguns critérios antropométricos como uma base suficiente para o estabelecimento de um novo padrão de raça. Para delimitar “raça” ou algum tipo de divisão da humanidade, Ehrenreich exige a consideração de três fenômenos principais. Segundo ele, cada raça é caracterizada pela similaridade de traços anatômicos, continuidade geográfica do habitat e similaridade da estrutura das línguas faladas

(Boas, 1910: 149, tradução nossa, grifos nossos) 11 11 Importante também para o ensaio foi a consulta aos famosos Documentos interessantes para a história de São Paulo, importante repositório de fontes para o estudo da história paulista e cuja publicação foi iniciada sob impulso do IHGSP e a Repartição Estatística e Arquivo de São Paulo no final do século XIX. .

A sequência proposta por Ehrenreich para delimitação de uma “raça”, ou, ainda, de um tipo de grupo humano, da maneira sintetizada por Franz Boas, corresponde precisamente ao caminho sugerido por Buarque de Holanda para delimitar a existência de uma “raça guaianá”. Primeiramente, recorrendo aos traços anatômicos da “casta de gentio de que há menção frequente nos velhos documentos de história paulista”: seus pés disformes e largos. Depois, à sua continuidade geográfica, uma vez que “não deviam assistir longe da vila de São Paulo” e, segundo, Anthony Knivet, “percorriam a região da Mantiqueira e da Serra do Mar”. E, por último, reconhecendo que “tão poucos atributos não bastam para definir uma raça”, Buarque de Holanda apela à similaridade da estrutura das línguas faladas pelo grupo, partindo da “presunção de Capistrano de Abreu, quando diz de Guaianases, Guarulhos e Guaramonins, que eram um só grupo falando língua diversa da geral” (Holanda, 1939: 17Holanda, Sérgio Buarque de. (1939). Caminhos e fronteiras. Revista do Brasil, 2/9, p. 14-20.).

Todavia, mesmo reconhecendo as influências de Ehrenreich no raciocínio de Buarque de Holanda, não se pode afirmar que ele pretendeu situar-se intencionalmente em um debate etnológico. Sobre o caso, é possível assegurar que a questão guaianá surgiu, claramente, de uma lógica peculiar derivada de sua tentativa em compreender os processos históricos ligados à singularidade móvel e à configuração étnica específica da sociedade colonial paulista (Souza, 2014: 29Souza, Laura de Mello. (2014). Prefácio: Estrela da vida inteira. In: Holanda, Sérgio Buarque. Monções. São Paulo: Companhia das Letras, p. 15-37.). Em outras palavras, seu interesse pelos assuntos etnológicos emergiu mais de um desejo em incorporar o indígena no pensamento histórico paulista do que da preocupação com as discussões abstratas, comparativas e difusionistas que envolveram a etnologia alemã do fim do século XIX e início do XX (Souza, 2014: 24Souza, Laura de Mello. (2014). Prefácio: Estrela da vida inteira. In: Holanda, Sérgio Buarque. Monções. São Paulo: Companhia das Letras, p. 15-37.).

Quanto ao vocabulário racial em “Caminhos e fronteiras”, é importante assinalar sua presença desde a primeira edição de Raízes do Brasil, sobretudo nas análises de Buarque de Holanda sobre a formação histórica do colonialismo português (Mata, 2016Mata, Sérgio da. (2016). Tentativas de desmitologia: a revolução conservadora em Raízes do Brasil. Revista Brasileira de História, 36/73, p. 63-87.; Santos, 2019Santos, Diogo de Godoy. (2019). Os índios em Raízes do Brasil (1936-1948), de Sérgio Buarque de Holanda: entre o “moderno” e o “nacional”. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. FFLCH/Universidade de São Paulo.). Não obstante, o papel desempenhado pela noção de raça no artigo de 1939 difere relativamente do determinismo racial do século XIX e da antropologia eugenista presentes no livro de 1936. Em “Caminhos e fronteiras”, a permanência de uma lógica racial indica um ponto de virada mais amplo nas ciências humanas, quando o estudo biológico e a classificação das raças humanas foram contestados internacionalmente pelas explicações socioculturais elaboradas no âmbito da antropologia britânica e norte-americana (Barkan, 1993Barkan, Elazar. (1993). The Retreat of Scientific Racism: Changing Concepts of Race in Britain and the United States between the World Wars. New York: Cambridge University Press.) e da etnologia francesa do início do século XX (Barkan, 1993Barkan, Elazar. (1993). The Retreat of Scientific Racism: Changing Concepts of Race in Britain and the United States between the World Wars. New York: Cambridge University Press.; Conklin, 2013Conklin, Alice. (2013). In the Museum of Man: Race, Anthropology, and Empire in France, 1850-1950. Ithaca: Cornell University Press.).

Nesse enquadramento, torna-se ambíguo o papel de intermediário que Paul Ehrenreich desempenhou no argumento histórico de Buarque de Holanda acerca dos guaianás, pois se é possível detectar, mediante a valorização do elemento indígena na história de São Paulo, um afastamento das óticas poligenistas, monogenistas e antropométricas que orientavam as principais perspectivas raciais-biológicas do fim do século XIX e início do século XX, o aproveitamento da ideia de raça endossada pelo etnólogo alemão não tem forças plenas para obliterar a de cultura material subjacente ao texto de Buarque de Holanda: ambas convivem na argumentação de forma indireta e imprecisa.

Ao mesmo tempo, é igualmente presumível que ao longo do ensaio Buarque de Holanda não se prendeu à mitologia bandeirante, já que reconheceu as contribuições guaianás na antiga São Paulo e atribuiu ao “gentio da terra” a maestria e a colaboração valiosa nas entradas e descimentos. O respaldo historiográfico veio justamente daquele que primeiro se contrapôs às narrativas glorificantes: Capistrano de Abreu. Em relação ao historiador cearense, Buarque de Holanda consentiu sobre a origem “tapuia” e sobre auxílio prestado por esses indígenas à mobilidade dos bandeirantes, que teriam mais tarde pisado nos caminhos abertos pelos nativos.

Importante rememorar que Capistrano já havia se dedicado ao tratamento aprofundado e minucioso da questão indígena na história do Brasil. Além de traduzir obras de referência da etnologia e da etnografia do final do século XIX e início do século XX, tais como Através do Brasil Central, de Karl von den Steinen (1888), e A etnografia da América do Sul no início do século XX (1906), de Paul Ehrenreich, pesquisou e publicou importantes estudos autorais sobre o tema, como Os Bacaeris (1896) e Rã-txa-hu-ní-ku-í: a língua dos Caxinauás do rio Ibuaçu, afluente do Muru (1914-1941) (Amoroso, 1996Amoroso, Marta Rosa. (1996). Capistrano de Abreu e os índios. In: Política e cultura: visões do passado e perspectivas contemporâneos. São Paulo: Hucitec; ANPOCS, p.182-196.).

Seu interesse pelos “índios brasileiros” não impediu, no entanto, como constatou Vainfas (1999)Vainfas, Ronaldo. (1999). Colonização, miscigenação e questão racial: notas sobre equívocos e tabus da historiografia brasileira. Revista Tempo, 8, p. 7-22., que o historiador, ainda que de forma atenuada, reiterasse em seus trabalhos alguns estereótipos, principalmente sobre negros, indígenas e mestiços, fazendo coro a uma “raciologia cienticifista” europeia então absorvida pela intelectualidade brasileira. Em alguns comentários sobre o assunto ele chegou a relacionar os negros às danças lascivas em comparação com a imagem do “português taciturno” e do “índio sorumbático” (Abreu, 1998: 30Abreu, Capistrano de. (1998). Capítulos de história colonial: 1500-1800. Brasília, DF: Senado Federal.). Ou, ainda, afirmando que o índio tinha “os sentidos mais apurados, e intensidade de observação da natureza inconcebível para o homem civilizado” (Abreu, 1998: 22Abreu, Capistrano de. (1998). Capítulos de história colonial: 1500-1800. Brasília, DF: Senado Federal.), além da capacidade de realizar “grandes esforços” e “de dar […] muito de si”, apesar de ser “indolente” (Abreu, 1998: 23Abreu, Capistrano de. (1998). Capítulos de história colonial: 1500-1800. Brasília, DF: Senado Federal.).

Em consonância, Buarque de Holanda, mesmo não cedendo à glorificação patriótica do bandeirante, já que mudou a atenção dada aos heróis para as práticas sociais econômicas e culturais partilhadas pelos grupos — seus “figurantes mudos” —, tampouco abandonou algumas imagens características sobre os indígenas, consolidadas em crônicas e documentos antigos reelaborados pela historiografia nacional.

Como lembrou Wegner (2016)Wegner, Robert (2016). A montanha e os caminhos: Sérgio Buarque de Holanda entre Rio de Janeiro e São Paulo. Revista Brasileira de História, 36/73, p. 111-133., em “Caminhos e fronteiras” o indígena ocupou um papel absolutamente secundário, quase caricatural, preso a um juízo de valor defasado que estendeu aos nativos uma falta e incompletude diante de seu suposto desprezo pelo trabalho. É o que se verifica, por exemplo, no parágrafo final do ensaio:

O gentio da terra se entrou nesse conjunto, foi para trazer o elemento do desleixo, da facilidade, do lazer. Com ele aprende o conquistador o vício de fumar e beber fumo, o processo primitivo das queimadas para as roças — que empobrece a terra, mas poupa trabalho —, o modo de tornar comestível a mandioca, dispensando o pão de trigo, e, finalmente, a rede para dormir e descansar

(Holanda, 1939: 20Holanda, Sérgio Buarque de. (1939). Caminhos e fronteiras. Revista do Brasil, 2/9, p. 14-20.).

Outro aspecto a ser ressaltado de seu ensaio é uma certa “paulistanidade”, já presente em seu livro de estreia, Raízes do Brasil, quando então introduziu, a partir de uma reflexão ainda incipiente e mais geral, uma leitura da história de São Paulo a partir de sua excepcionalidade. Ainda no capítulo “O passado agrário (continuação”), o autor fez a seguinte afirmação:

No planalto de Piratininga nasce em verdade um momento novo de nossa história nacional. Ali, pela primeira vez, a inércia difusa da população colonial adquire forma própria e encontra uma voz articulada. A expansão dos pioneers paulistas, entre os quais se destacam figuras monumentais, como a desse extraordinário Antonio Raposo Tavares, não tinha suas raízes do outro lado do oceano, podia dispensar o estímulo da metrópole, e fazia-se frequentemente contra a vontade e contra os interesses imediatos dessa. Mas ainda esses audaciosos caçadores de índios, farejadores e exploradores de riquezas, foram, antes do mais, puros aventureiros — só quando as circunstâncias forçavam é que se faziam colonos

(Holanda, 2016: 176Holanda, Sérgio Buarque de. (2016). Raízes do Brasil: edição crítica. In: Monteiro, Pedro Meira & Schwarcz, Lilia Moritz (org.). São Paulo: Companhia das Letras.).

Esse raciocínio, em sua formulação ensaística, seria reelaborado logo no início de “Caminhos e fronteiras”, quando, ponderando seus argumentos sobre a excepcionalidade de São Paulo e sobre o pioneirismo bandeirante, Buarque de Holanda não abandonou os contrastes entre a formação histórica da região nordeste e sudeste do país:

Paisagens igualmente significativas, mas de colorido social bem diverso, contrapõem-se nos dois quadros. E se fosse possível distingui-las por um desses traços característicos, que valem por uma síntese, poderíamos dizer que, comparada à sociedade constituída no litoral e principalmente no litoral do Nordeste, mas terras do massapé — onde a riqueza agrícola procurava afinar os homens pelos gostos e até pelos requintes da Europa -, essa que se forma no planalto da Capitania de Martim Afonso encontra sua determinação antes no caminho, que convida ao movimento, do que no engenho de cana, que produz indivíduos sedentários

(Holanda, 1939: 14Holanda, Sérgio Buarque de. (1939). Caminhos e fronteiras. Revista do Brasil, 2/9, p. 14-20.).

CONCLUSÃO

Retornando desse breve exercício digressivo, ainda que um tanto esquemático, é possível verificar um pano de fundo de ideias em que se move o ideário paulista do qual Buarque de Holanda fez parte: ele denota uma persistente e antiga reflexão sobre a experiência nacional e seu passado; refere-se, ao mesmo tempo, aos debates sobre os sentidos da nacionalidade e sobre o lugar de São Paulo na modernização brasileira em curso.

Durante os anos 1920 e 1930 são perceptíveis alguns vínculos que se estabelecem entre os anseios renovadores do movimento modernista e a revisão historiográfica promovida por intelectuais da elite paulista, tais como Alfredo Ellis Júnior e Afonso d’Escragnolle Taunay, ligações que a meu ver prevalecem e são mais visíveis quando se conjectura as expectativas historicamente defasadas sobre o estado de cultura dos povos indígenas e a classificação racial que as sustenta.

Por sua vez, se é possível objetar que os usos da ideia de raça constituem uma nota de rodapé escusa em relação à extensa e vigorosa produção historiográfica de Buarque de Holanda, já que o artigo se debruçou apenas sobre uma passagem específica, seria o caso, então, de levar mais a sério outros exemplos extraídos de textos diversos de sua autoria, tais como “Originalidade literária”, de 1920, e Raízes do Brasil, de 1936.

No primeiro caso, sob a luz das críticas feitas ao indianismo literário, cuja representação étnica dos nativos americanos, a seu ver, teria sido falsa e incompleta por “intentarem poetizar uma raça cuja vida não tem poesia” (Holanda, 1996b: 40, grifo nossoHolanda, Sérgio Buarque de. (1996b). Originalidade literária. In: Prado, Antonio Arnoni (org.). O espírito e a letra: estudos de crítica literária (1925-1947). São Paulo: Companhia das Letras, p. 35-41 (vol. 1).), sua tomada de posição quanto ao indígena épico do romantismo se revestiu não só de opiniões estéticas, mas de conotações raciais e sociais próximas à mentalidade historiográfica sobre os indígenas difundida nas obras de intelectuais como Silvio Romero e José Veríssimo.

Com relação ao livro de estreia do historiador paulista, logo no capítulo de abertura, “Fronteiras da Europa”, encontra-se na parte final do texto a seguinte afirmação: “nem o contato e a mistura com as raças aborígenes fizeram-nos tão diferentes dos nossos avós de além-mar como gostaríamos de sê-lo” (Holanda, 2016: 55Holanda, Sérgio Buarque de. (2016). Raízes do Brasil: edição crítica. In: Monteiro, Pedro Meira & Schwarcz, Lilia Moritz (org.). São Paulo: Companhia das Letras.). E mais à frente, a ideia completa: teria vindo de Portugal “a forma atual de nossa cultura; o resto foi matéria plástica que se sujeitou mal ou bem a essa forma” (Holanda, 2016: 55-6Holanda, Sérgio Buarque de. (2016). Raízes do Brasil: edição crítica. In: Monteiro, Pedro Meira & Schwarcz, Lilia Moritz (org.). São Paulo: Companhia das Letras.). Declaração que, como um todo, refere-se ao potencial biológico de aclimação europeia aos trópicos, argumento amparado pela antropologia racialista de Oswald Spengler, Eugen Fischer e Hans Gunther, citados diretamente no livro.

Contudo, uma análise mais nuançada dos exemplos acima exigiria uma abordagem mais detida e abrangente da complexa evolução do pensamento de Buarque de Holanda, tarefa impraticável no espaço limitado deste artigo. Por ora, encerro esta seção conclusiva inferindo que durante o processo de formação e consolidação do Estado nacional no Brasil, entre o fim do século XIX e o início do XX, os nativos americanos foram cristalizados em autorrepresentações históricas com acentuado teor nacionalista e regionalista. Com isso, não pretendo sugerir que as narrativas históricas sobre os índios no Brasil foram homogêneas e sempre refletiram os mesmos interesses e opiniões políticas. O que insinuo e procuro validar com este artigo é que os pressupostos desse debate foram, em grande parte, referendados por ideias de cultura e identidade brasileiras e regionais cultivadas em sintonia ambígua e complexa com a ação do Estado brasileiro: aparelho de captura física e cultural dos povos indígenas no país.

No caso de Buarque de Holanda, em especial, considero que sua trajetória intelectual revela de forma original uma relação complexa e intrincada com a tradição historiográfica do país e seus ideais “racialistas” de modernização, já que, em seu conjunto, a temática “nacional” se alternou com a “indígena”, indo de um movimento de “introspecção social” para uma análise histórica mais recortada do intercurso cultural entre índios e portugueses na história de São Paulo. Ainda que restrito à órbita de influência e de ação dos brancos e às ideias de progresso, assimilação e miscigenação, que, em seu tempo, inseriram-se em uma longa controvérsia a respeito da construção de uma história nacional com graves desdobramentos na política indigenista do país. Mais do que apenas subprodutos efêmeros de um desenvolvimento econômico desigual entre regiões e populações brasileiras, essas ideias basearam-se em estereótipos raciais constitutivos das desigualdades sociais historicamente estruturadas no Brasil e no estado de São Paulo (Weinstein, 2015Weinstein, Bárbara. (2015). The Color of Modernity: São Paulo and the Making of Race and Nation in Brazil. Georgia: Duke University Press.).

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  • Wye, Deborah. (2004). Artists and Prints: Masterworks from the Museum of Modem Art. New York: The Museum of Modern Art.

NOTAS

  • 1
    Além de “Antinous”, Sérgio Buarque de Holanda escreveu, entre os anos 1920 e 1930, mais três breves experimentos literários: “F-1”, “O automóvel adormecido” e “A viagem a Nápoles”.
  • 2
    Como constatou Fabris (1994: 131Fabris, Annateresa. (1994). O futurismo paulista. São Paulo: Perspectiva.), a definição do termo “futurismo” entre os jovens artistas “não se reduzia à figura ortodoxa de Marinetti, ao qual opunham uma definição mais ampla de futurismo como sinônimo puro e simples de atualidade”.
  • 3
    A semelhança entre os projetos gráficos de Klaxon e o romance de Blaise Cendrars, lançado em 1919, é evidente. Porém, nesse depoimento, Buarque de Holanda se equivocou quanto ao título original do livro, originalmente concebido como um roteiro de cinema e intitulado La Fin du monde, filmée par l’ange de N.D. Cf: Montgomery. In: Deborah Wye (2004)Wye, Deborah. (2004). Artists and Prints: Masterworks from the Museum of Modem Art. New York: The Museum of Modern Art. Artists and Prints: Masterworks from The Museum of Modern Art.
  • 4
    Segundo Stauffer (1960)Stauffer, David Hall. (1960). Origem e fundação do Serviço de Proteção aos Índios (III). Revista de História, 21/43, p. 165-183., o artigo “A anthropologia do Estado de São Paulo”, publicado no volume de 1907 da Revista do Museu Paulista, apenas foi distribuído na segunda quinzena de setembro de 1908. Segundo o mesmo autor, o artigo seria, ainda, uma tradução menos filtrada de argumentos anti-indígenas de um trabalho que von Ihering havia apresentado na Exposição de Saint Louis de 1904 (Stauffer, 1960: 176Stauffer, David Hall. (1960). Origem e fundação do Serviço de Proteção aos Índios (III). Revista de História, 21/43, p. 165-183.).
  • 5
    A mesma explicação para o fenômeno encontra-se no artigo “O índio no Brasil” (1940), publicado anonimamente na revista O observador econômico e financeiro — veículo da imprensa vinculado ao ideário nacional-desenvolvimentista do governo de Getúlio Vargas —, e cuja autoria foi atribuída a Buarque de Holanda na coletânea organizada por Costa (2011)Costa, Marcos (org.). (2011). Sérgio Buarque de Holanda: escritos coligidos (1920-1949). São Paulo: Editora Unesp (livro 1).. No texto, o autor anônimo recuperou a importância da figura do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon para a “pacificação” dos Kaingang, associando seu interesse pelos índios a dois fatores de maior importância: “sua própria origem, ligado pelo sangue, ao índio, e suas convicções filosóficas, que lhe davam argumentos para encarar a assistência ao índio como um problema de mais alta significação” (Costa, 2011: 129Costa, Marcos (org.). (2011). Sérgio Buarque de Holanda: escritos coligidos (1920-1949). São Paulo: Editora Unesp (livro 1).). Diante das incertezas que pairam sobre a autoria do artigo — que trato mais detalhadamente em minha dissertação de mestrado —, adoto deliberadamente a estratégia de usá-lo com parcimônia. Penso que a importância deste documento para o estudo da temática indígena na obra de Buarque de Holanda torna inviável a opção de ignorá-lo absolutamente. Por outro lado, diante de tal indefinição, não seria apropriado utilizá-lo como sustentação aos meus argumentos. Aproveito a ocasião para agradecer aos professores Robert Wegner e Pedro Meira Monteiro por compartilharem comigo intuições e sugestões acerca do problema.
  • 6
    Raça de gigantes, publicado originalmente em 1926, foi posteriormente reeditado pela prestigiada Companhia Editora Nacional na série Brasiliana com algumas modificações e um novo título, Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento euro-americano (1936)Ellis Júnior, Alfredo. (1936). Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento euro-americano. São Paulo: Companhia Editora Nacional..
  • 7
    Como também observou Monteiro (1992)Monteiro, John Manuel. (1992). Tupis, Tapuias e a História de São Paulo. Revisitando a Velha Questão Guaianã. Novos Estudos Cebrap, 34, p. 125-135., a questão guaianá foi abordada por Buarque de Holanda na reelaboração de um capítulo da obra Monções, no qual “assevera que esta tradição insistente”, que confunde os Guaianás com os Tupiniquins do Campo de Piratininga, surgiu só nos fins dos setecentos (1992: 127Monteiro, John Manuel. (1992). Tupis, Tapuias e a História de São Paulo. Revisitando a Velha Questão Guaianã. Novos Estudos Cebrap, 34, p. 125-135.).
  • 8
    E que reapareceriam também no artigo “Índios e mamelucos na expansão paulista”, publicado nos Anais do Museu Paulista em 1949Holanda, Sérgio Buarque de. (1949). Índios e mamelucos na expansão paulista. Anais do Museu Paulista, XIII, p. 177-290..
  • 9
    Em entrevista a Richard Graham, Buarque de Holanda afirmou que seu livro Monções, cujos argumentos foram antecipados no ensaio “Caminhos e Fronteiras”, “é uma espécie de Casa-grande e senzala ao avesso”. Para ele “esse livro do Freyre faz o Brasil parecer estático, dominado pelo açúcar; olhando para o Atlântico, parado”. E conclui: “eu queria algo mais dinâmico, apontando para as minas, para o interior. Brasil em movimento” (Holanda; Graham, 1982: 11Holanda, Sérgio Buarque de & Graham, Richard. (1982). An Interview with Sergio Buarque de Holanda. Hispanic-American Historical Review, 62/1. p. 3-17.).
  • 10
    Refiro-me aqui ao inventário de Paschoal Neto, mandado fazer, segundo Buarque de Holanda, por Antônio Raposo Tavares, além de o de Gaspar Fernandes e o de Antonio de Oliveira.
  • 11
    Importante também para o ensaio foi a consulta aos famosos Documentos interessantes para a história de São Paulo, importante repositório de fontes para o estudo da história paulista e cuja publicação foi iniciada sob impulso do IHGSP e a Repartição Estatística e Arquivo de São Paulo no final do século XIX.
  • 12
    “Dr. Ehrenreich is one of the few anthropologists who have an equal command of somatological, ethnological and linguistic methods. His criticism of modern somatology is directed mainly against the excessive weight given to measurements as compared to morphological description and to the loose use of the terms race and type. He would reserve the term ‘race’ for the principal divisions of mankind, while he would call the varieties of these main divisions ‘types’. He objects strongly to the application of the term ‘race’ to closely affiliated varieties which differ in regard to a few measurements, while their fundamental morphological features are much alike. He justly attributes much of the confusion prevailing in anthropological literature to a lack of clear distinction between the main groups and their subdivisions, and particularly to the tendency which has developed in recent years to consider a few anthropometrical criteria as a sufficient basis for the establishment of a new race. In determining the ‘races,’ or the main divisions of mankind, Ehrenreich demands the consideration of three principal phenomena. He claims that each race is characterized by similarity of anatomical traits, geographical continuity of habitat, and similarity of the structure of the languages spoken by the people constituting the race”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2021
  • Aceito
    05 Out 2022
  • Revisado
    19 Set 2022
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