Acessibilidade / Reportar erro

Por uma Democracia: entre a Democracia Liberal e a Prática Política em Jacques Rancière

For a Democracy: between Liberal Democracy and Political Practice in Jacques Rancière

Resumo

O problema de pesquisa diz respeito a qual modelo de democracia é desejável em função da crise institucional e política observada nos dias atuais. A análise realizada é monográfica. Evidencia-se dois modelos de participação política, a democracia liberal, que tem como principais características a competição e a participação política; e a democracia preconizada por Jacques Rancière por meio da prática política que se opera a partir da contribuição das classes populares para a instalação de espaços públicos. Aborda-se a crise democrática expondo um estudo realizado anualmente que investiga o índice de democracia em grande parte dos países. Encerra-se o trabalho demonstrando a necessidade da manutenção das premissas da democracia liberal como meio de defesa das próprias regras do jogo democrático.

Palavras-chave:
Democracia; Democracia Liberal; Prática Política

Abstract

The research problem concerns which model of democracy is desirable in view of the institutional and political crisis observed today. The analysis performed is monographic. Two models of political participation are evidenced here: the liberal democracy whose main characteristics are competition and political participation and the democracy recommended by Jacques Rancière through the political practice that operates from the contribution of the popular classes to the installation of public spaces. The democratic crisis is addressed by exposing an annual study that investigates the democracy index in most countries. The paper ends by demonstrating at the end the need to maintain the premises of liberal democracy as a means of defending the very rules of the democratic game.

Keywords:
Democracy; Liberal Democracy; Political Practice

1 Introdução

A acepção mais comum do termo democracia diz respeito a uma das várias formas de governo, na qual o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de muitos, servindo como contraponto às formas autocráticas de governo, como monarquia ou tirania e, ainda, aristocracia ou oligarquia. Esse conceito é dado por Péricles ao definir a democracia na antiga Atenas (TUCÍDIDES, 2008).

Na Europa e na América do Norte, entre os séculos XVII e XVIII, a noção de democracia de muitos foi transformada na democracia de todos, pois os muitos que governam continuam sendo apenas uma parte do todo, o que representa um conceito limitado, assim como a monarquia e a aristocracia. O conceito moderno de democracia que se constrói a partir dessa pequena mudança semântica de muitos para todos apresenta uma democracia com um caráter universal1 1 Em que pese esse caráter universal, é importante destacar que as revoluções modernas não instituíram imediatamente o conceito universal de democracia, uma vez que excluíam mulheres e escravos e admitiam o voto censitário, o que acabou negando esse caráter universal de participação de todos. Entretanto, até hoje, essa pretensão universal de democracia pode ser questionada, mas, mesmo assim, tem servido como meta para as lutas e revoluções. e traz junto consigo concepções de liberdade e igualdade.

Outra grande inovação do conceito moderno da democracia é a noção de representação, diante da impossibilidade de repropor a democracia sob sua forma antiga - democracia direta - à vista dos extensos territórios dos Estados-Nação, os revolucionários democráticos do século XVIII reinventaram o conceito criando novas formas e práticas institucionais.

Assim, a representação surge como um mecanismo prático que tornaria o governo republicano factível nos extensos territórios do Estado-nação, contudo desde seu início encerra inúmeras críticas, pois assume duas funções contraditórias, e, ao mesmo tempo em que liga a multidão ao governo também, a separa dele. Apesar dessa contradição, a representação passou de tal maneira a definir a democracia que desde então tornou-se praticamente impossível pensar a democracia sem representação.

Ao longo da história, a acepção mais comum de democracia, qual seja, “governo do povo” a partir do sistema representativo, apresentou incongruências entre a retórica e a prática, as discussões se pautavam na questão da participação popular, ou seja, em que medida haveria uma efetiva atuação e representação do povo nos sistemas democráticos. Contudo, contemporaneamente o debate atinge um novo viés, discute-se a própria exigência da democracia. Como observam Bauman e Mario (2016BAUMAN, Zygmunt; MAURO, Ezio. Babel: entre a incerteza e a esperança. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.), evidencia-se um fenômeno que vem solapando as estruturas democráticas erigidas após a Segunda Guerra, governos, partidos políticos, movimentos sociais, antagonismos, Estado de bem-estar social, proteção de direitos fundamentais, mecanismos que foram criados para aperfeiçoar a democracia e que atualmente demonstram que a democracia por si não é autossuficiente. Evidencia-se não só uma crise democrática, mas também política, institucional, financeira, econômica e cultural, que, com a democracia, parecem ser derrubadas garantias duramente conquistadas para a proteção do indivíduo e da coletividade.

A partir dessa crise da democracia, busca-se, neste artigo, evidenciar dois modelos de participação política, a oriunda da democracia liberal em contraponto à ausência de regras para a prática política preconizada por Jacques Rancière, demonstrando ao final a necessidade da manutenção das premissas da democracia liberal como meio de defesa das próprias regras do jogo democrático.

2 Democracia Liberal: a manutenção das regras do jogo

Entre as inúmeras teorias que procuram estabelecer características comuns ou critérios para se chegar a uma definição de democracia, talvez a mais propagada, ainda que não possua uma coincidência teórica entre seus autores2 2 Nesse sentido, é possível citar como autores defensores de uma democracia liberal John Stuart Mill, Joseph Schumpeter e Robert Dahl, ainda que suas teorias pouco tenham em comum. , seja a democracia liberal. Nesse modelo existiriam condições mínimas que devem ser observadas para a existência de um sistema de governo democrático, nesse sentido, dois autores se destacam, Joseph Schumpeter e Robert Dahl.

Schumpeter economista e cientista político austríaco nasceu em 1883 e em sua obra Capitalismo, Socialismo e Democracia, escrita em 1942, ele apresenta sua proposta de democracia, que se reduz à competição eleitoral. Schumpeter (1984, p. 327) critica a democracia clássica, que seria: “[...] o arranjo institucional para se chegar a decisões políticas que realiza o bem comum fazendo o próprio povo decidir as questões através da eleição de indivíduos que devem reunir-se para realizar a vontade desse povo”. Assim, o poder de decisão das questões políticas pelo eleitorado assume um lugar secundário, o propósito principal do arranjo democrático passa a ser a eleição dos representantes.

A partir desse conceito, o autor dirige sua crítica sobre a determinação e a independência da vontade do eleitor, suas capacidades de observação e de interpretação dos fatos. Em primeiro lugar no sentido de que não existe um bem comum unicamente determinado, sobre o qual todas as pessoas concorrem ou são levadas a concordar por meio de argumentos racionais. Isso se dá, principalmente, em consequência de que para diferentes indivíduos e grupos o bem comum está fadado a significar diferentes coisas (SCHUMPETER, 1984).

Em segundo lugar, Schumpeter (1984) argumenta que a vontade do povo somente seria um fator político merecedor de respeito se apresentasse algo mais que impulsos vagos em torno de palavras de ordem ou impressões equivocadas. Nesse sentido, todos teriam de saber precisamente o que desejam e isso só seria possível se essa vontade definida fosse implementada pela capacidade de observar e interpretar corretamente os fatos diretamente acessíveis a todos e pudesse excluir criticamente as informações sobre os fatos que não o são, numa inferência lógica (SCHUMPETER, 1984).

Em terceiro lugar, o reduzido senso de responsabilidade e a ausência de desejo efetivo podem explicar a ignorância do cidadão comum e sua falta de discernimento nas questões de política interna e externa. Com isso, se abrem as oportunidades para os grupos que tenham interesses a defender e que são mesmo capazes de criar a vontade do povo. Para o autor, a vontade na análise dos processos políticos não é genuína, mas manufaturada, pois se apresenta como produto e não como motor do processo político e, frequentemente, é o que corresponde à vontade geral da doutrina clássica (SCHUMPETER, 1984).

Por essas razões é que o autor entende que a democracia não é o governo do povo, tampouco o papel do povo seja o de governar, mas sim o de produzir um governo, ou melhor, produzir um “[...] corpo intermediário que, por sua vez, produzirá um governo ou um executivo nacionais.” (SCUMPETER, 1984, p. 336). E ainda acrescenta: “[...] o método democrático é aquele acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos da população.” (SCHUMPETER, 1984, p. 336).

Essa redefinição da democracia adota um sentido mais realista para o autor na medida em que afasta o elemento da vontade do povo e reconhece o papel vital da liderança, ignorada na teoria clássica. Também reconhece a existência de desejos grupais, como por exemplo, “[...] a vontade de desempregados de receber salários desemprego ou a vontade de outros grupos de ajudar [...]” (SCHUMPETER, 1984, p. 338), tais desejos são transformados em fatores políticos e incluídos em itens apropriados nas contribuições que apresenta.

Nas relações entre democracia e liberdade, a liberdade se apresenta como uma questão de grau. O autor menciona que nenhuma sociedade tolera a liberdade absoluta, de modo que se todos forem livres para competir pela liderança política apresentando-se ao eleitorado, isso, na maioria dos casos (embora não em todos) significará considerável liberdade de discussão para todos. Em particular, significará considerável liberdade de imprensa (SCHUMPETER, 1984, p. 339).

Do mesmo modo que a função básica do eleitorado é a produção de um governo, também o é a função de desapossá-lo, se a primeira função para o autor é a aceitação de um líder ou grupo de líderes a outra significa a retirada dessa aceitação. Se a aceitação da liderança é a verdadeira função do voto do eleitorado, a democracia significa que as rédeas do governo devem ser dadas àqueles que têm mais apoio do que quaisquer dos indivíduos ou grupos em competição. E isso, por sua vez, parece garantir a permanência do sistema da maioria dentro da lógica do método democrático (SCHUMPETER, 1984, p. 340).

A democracia assim definida redimensiona a função dos partidos políticos cuja função primordial passa a ser lutar pelo poder político, seja para se sobressair em relação aos outros, seja para se manter no poder invertendo a lógica da representação de seus eleitorados ou fidelidade a princípios ou plataformas. Schumpeter (1984) observa que ainda que os partidos possuam um estoque de princípios que sejam importantes e característicos, os princípios que adota significam o mesmo que marcas de produtos vendidos numa loja. “Mas a loja não pode ser definida em termos de suas marcas e um partido não pode ser definido em termos de seus princípios.” (SCHUMPETER, 1984, p. 353).

Não caberia, portanto, nenhuma ação efetiva à massa eleitoral, o próprio autor alega que a única ação que lhe seria atribuível é o “estouro da boiada” já que a competição política reproduz as práticas semelhantes de uma associação comercial, cabendo muito pouco aos eleitores. “As psicotécnicas da gerência do partido e da publicidade do partido, das palavras de ordem e dos hinos, não são meros acessórios. São a essência da política. O mesmo ocorre com o chefe político.” (SCHUMPETER, 1984, p. 353). A função primária do voto do eleitor é produzir um governo, o que não significa que o povo governe. Democracia significa o controle do político pelo eleitor, no sentido de aceitar ou de recusar as pessoas designadas para governá-lo numa livre competição pelo seu voto.

Schumpeter (1984) aponta para as vantagens de sua análise democrática, no sentido de estabelecer um critério eficiente na diferenciação entre governos democráticos e governos não democráticos; o reconhecimento da centralidade da liderança e a importância da competição na política, mostrando como os governos podem ser criados e removidos; o esclarecimento da natureza dos desejos populares e a relação entre a democracia e a liberdade.

De outra parte, Robert Dahl (1915-2014DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Trad. Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.), cientista político norte-americano, autor de grande relevância para os estudos da democracia contemporânea, que, assim como Schumpeter, trabalha com a democracia numa perspectiva institucional atribuindo às questões procedimentais importância crucial. Entretanto, as semelhanças param por aí, Giovanni Sartori (1994SARTORI, Giovanni. A Teoria da Democracia Revisitada: o debate contemporâneo. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Editora Ática S.A., 1994. v. 1.) argumenta que, para Schumpeter, a questão principal é entender o funcionamento da democracia, já para Dahl é, para além desse, promover a democracia.

Para Dahl (2005DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Trad. Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005.), a democracia deve ser analisada sob dois enfoques: a competição e a participação política. O autor faz uma distinção terminológica utilizando o termo democracia para sistemas ideais - inatingíveis na prática - e o termo poliarquia para as democracias reais.

As poliarquias, segundo Dahl (2005DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Trad. Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005.), devem ter um sistema político que seja responsivo com todos os seus cidadãos e, para que isso seja possível, é necessário que atenda a três condições. Primeiro, que os cidadãos, considerados politicamente iguais, tenham oportunidades plenas de formular suas preferências. Em segundo lugar, que possam expressar suas preferências aos demais cidadãos e ao governo. Por fim, que suas preferências sejam igualmente consideradas nas condutas do governo, sem discriminações. Essas seriam as três condições necessárias à democracia e, para que essas oportunidades possam existir, as instituições da sociedade devem fornecer pelo menos oito garantias, assim elencadas por Dahl (2005):

  1. 1)

    Liberdade de formar e aderir a organizações;

  2. 2)

    Liberdade de expressão;

  3. 3)

    Direito de voto;

  4. 4)

    Elegibilidade para cargos públicos;

  5. 5)

    Direito de líderes políticos disputarem votos;

  6. 6)

    Fontes alternativas de informação;

  7. 7)

    Eleições livres e idôneas;

  8. 8)

    Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência.

Dahl (2005DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Trad. Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005.) não ignora que existem outras características que poderiam ser necessárias para um sistema ser estritamente democrático, contudo, ele afirma que sua definição se apresenta como o “ponto extremo de uma escala”, que pode servir de base para avaliar o grau com que vários sistemas se aproximam desse limite teórico. Cada regime poderia ser analisado pelo grau de amplitude que dá as oito condições institucionais, assim uma escala poderia comparar regimes diferentes, baseados na “[...] amplitude da oposição, na contestação pública ou da competição pública permissível” (DAHL, 2005DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Trad. Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005., p. 27 e 28). Qual seria a proporção da população habilitada a participar da oposição para a conduta do governo? Quais são as limitações para a competição política? As respostas a essas perguntas demonstrariam o grau de democratização do regime.

As condições e garantias apresentadas por Dahl (2005DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Trad. Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005.) permitiriam, segundo o autor, a democratização em pelo menos duas dimensões: a contestação pública e o direito de participação.

O direito de voto em eleições livres e idôneas, por exemplo, participa das duas dimensões. Quando um regime garante este direito a alguns de seus cidadãos, ele caminha para uma maior contestação pública. Mas, quanto maior a proporção de cidadãos que desfruta do direito, mais inclusivo é o regime (DAHL, 2005DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Trad. Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005., p. 28).

Dahl (2005DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Trad. Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005.) observa que a relação entre as dimensões pode se dar de maneira independente, por exemplo, num país com sufrágio universal, mas com um governo totalmente repressivo ou num governo tolerante com sufrágio limitado.

A contestação pública e a inclusão variam de forma um tanto independentemente. A Grã-Bretanha possuía um sistema altamente desenvolvido de contestação pública no final do século XVIII, mas apenas uma minúscula parcela da população estava plenamente incluída nele até a ampliação do sufrágio, em 1867 e 1884. A Suíça possui um dos sistemas mais plenamente desenvolvidos de contestação pública. Poucas pessoas provavelmente contestariam a visão de que o regime suíço é “altamente democrático”. No entanto, a metade feminina da população suíça ainda está excluída das eleições nacionais (DAHL, 2005DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Trad. Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005., p. 28).

Ainda assim, para o autor, as consequências advindas da poliarquia são desejáveis e os benefícios seriam maiores do que o de outros regimes. A maior participação combinada com a competição política geraria uma transformação na liderança política, notadamente naqueles que ocupam cargos públicos. Quando se amplia o sufrágio se amplia também a representação, ou seja, “[...] candidatos com características sociais mais próximas às das camadas recém-incorporadas ganham uma fatia maior dos cargos eletivos.” (DAHL, 2005DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Trad. Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005., p. 42).

Dahl (2005DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Trad. Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005.) enfatiza que com a ampliação da competição ou da inclusão, consequentemente os políticos buscarão o apoio dos grupos que agora participam da vida pública, apresentando candidatos mais “próximos” dos eleitores, adaptando a retórica, o programa e a ideologia aos interesses dos grupos ou segmentos até então não representados.

Na medida em que se intensificam a competição e a participação política, outra mudança que se verifica é em relação aos partidos políticos, que cada vez mais precisam se inserir nas áreas urbanas e rurais para mobilizar seus eleitores e competir por seus membros, contribuindo também para a politização do eleitorado (DAHL, 2005DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Trad. Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005.). A afirmação de que a inserção dos partidos na vida dos eleitores os faria se tornar mais politizados, contudo, é controversa. O jogo de ideias que se estabelece e a competição eleitoral entre os partidos são muito mais para captar eleitores custe o que custar do que uma real instrução política.

3 Democracia como Prática Política

Enquanto a democracia liberal faz alusão as características mínimas necessárias para o jogo político, as ideias centrais na obra de Jacques Rancière giram em torno da igualdade, emancipação, política e democracia, contudo numa perspectiva não institucionalizada.

A compreensão da política na obra de Rancière se mostra essencial para a compreensão posterior do que o autor entende como democracia. A política passa pela compreensão de ver o mundo enquanto mundo sensível. A ideia de mundo sensível diz respeito à realidade mediada pelos sentidos e também pelos dispositivos cognitivos da razão, que determinam como recebemos e percebemos o mundo de forma lógica. O mundo sensível é apreendido de forma particular por cada pessoa, o que o torna comum é o diálogo, é exatamente a troca plural de opiniões (AZZI, 2007AZZI, Diego Araújo. Sujeitos e utopias nos movimentos antiglobalização. 2007. 197f. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação do Departamento de Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.).

O mundo sensível está relacionado à apreensão cotidiana do mundo e das relações sociais que nele ocorrem, experimentada por meio dos sentidos e das categorias mentais de cada um. Compreender o que é o mundo sensível é importante justamente porque a política é uma das formas de se interferir na ordenação desse mundo sensível.

Para Rancière a política é uma situação de enfrentamento, são situações nas quais se estabelecem alteridades que não estavam dadas de antemão. São conflitos, antagonismos, cenas de litígio político construídas por sujeitos que expõem publicamente algum tipo de dano, que recolocam para a sociedade a dimensão de uma desigual partilha política (AZZI, 2007AZZI, Diego Araújo. Sujeitos e utopias nos movimentos antiglobalização. 2007. 197f. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação do Departamento de Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.).

Rancière parte da ideia de que todos os homens tem igual inteligência, nesse sentido são potenciais sujeitos políticos quaisquer pessoas que transmitam em público suas reflexões e reações aos danos que sofrem na sociedade à qual pertencem. Independentemente das diferenças sociais, econômicas ou culturais que as pessoas possam ter, todas estão aptas a fazer política por meio da reivindicação conflituosa de uma igualdade política entre todos.

A igualdade de qualquer um com qualquer um é uma pressuposição da política. A democracia é o poder de qualquer um, a contingência de toda a dominação. A igualdade fundamental concerne de início à capacidade de qualquer pessoa de discutir os assuntos da comunidade e de realizá-los e se manifesta politicamente enquanto os excluídos se declaram como incluídos na sua própria maneira de denunciar a exclusão (RANCIÈRE, 2018RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 2018.).

Rancière faz uma distinção entre política e polícia, para o autor, o tipo de ordem social que impede que a política seja instituída é aquela em que vigora uma lógica policial de ordenação de corpos, lugares e funções da sociedade. A polícia refere-se ao

[...] conjunto de processos pelos quais se operam a agregação e o consentimento das coletividades, a organização dos poderes, a distribuição dos lugares e funções e os sistemas de legitimação dessa distribuição. (RANCIÈRE, 2018RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 42)

A ordem policial define previamente os lugares na sociedade. A polícia é, na sua essência, a lei, geralmente implícita, que define a parcela ou a ausência de parcela das partes. Mas, para definir isso, é preciso antes definir a configuração do sensível na qual se inscrevem umas e outras. A polícia é assim, antes de mais nada, uma ordem dos corpos que define as divisões entre os modos do fazer, os modos de ser e os modos do dizer, que faz com que tais corpos sejam designados por seu nome para tal lugar e tal tarefa; é uma ordem do visível e do dizível que faz com que essa atividade seja visível e outra não o seja, que essa palavra seja entendida como discurso e outra como ruído (RANCIÈRE, 2018RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 2018.).

A essência da ordem policial é a ausência de vazio: a sociedade é constituída por grupos determinados, dedicados a certos tipos de ação, nos lugares previamente definidos. No estabelecimento das funções, lugares e modos de ser, não há lugar para um vazio. Essa exclusão do que não existe é o princípio policial central nas práticas estatistas. A política, então, é perturbar esse arranjo, completando-o com uma parte da não parte que se identifica com o todo da comunidade. Litigiosidade política é o que conduz o ser da política, separando-a da polícia, que, por sua vez, está sempre tentando o seu desaparecimento, quer por negá-la ou por subsumi-la sob sua própria lógica. A política é, assim, principalmente, uma intervenção sobre o visível e o dizível (RANCIÈRE, 2018RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 2018.).

A política é o antagonismo da polícia porque rompe a configuração policial do sensível quando se definem os lugares, as parcelas das partes e sua ausência. É antagonismo porque esse rompimento se dá a partir de um pressuposto que não caberia na ordem policial: “de uma parcela dos sem-parcela” (RANCIÈRE, 2018RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 42). A ruptura se dá por meio de uma série de atos que reconfiguram o espaço onde as partes, as parcelas e as ausências de parcelas se definiam.3 3 Nesse sentido, aduz o autor: “A atividade política é a que desloca um corpo do lugar que lhe era designado ou muda a destinação de um lugar; ela faz ver o que não cabia ser visto, faz ouvir um discurso ali onde só tinha lugar o barulho, faz ouvir como discurso o que só era ouvido como barulho” (RANCIÉRE, 2018, p. 42).

Para Rancière (2018RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 2018.), a lógica política aparece a partir da igualdade entre os seres humanos, da interação litigiosa entre a igualdade como seres falantes e a desigualdade na distribuição policial dos lugares e funções do mundo sensível, que é a lógica policial.

Existe política quando existe um lugar e formas para o encontro entre dois processos heterogêneos. O primeiro é o processo policial no sentido que o tentamos definir. O segundo é o processo da igualdade. Entende-se provisoriamente sob esse termo o conjunto aberto das práticas guiadas pela suposição da igualdade de qualquer ser falante com qualquer outro ser falante e pela preocupação de averiguar essa igualdade (RANCIÈRE, 2018RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 2018.).

Os processos por meio dos quais os indivíduos aparecem politicamente transformam a política de possibilidade em acontecimento. É o que Rancière nomeia de modos de subjetivação política. Esses processos estão diretamente ligados à dimensão (histórica) da experiência de vida de cada sujeito. Tais processos de subjetivação política podem se dar de inúmeras maneiras, originando cenas de conflito e desorganização do sensível. Assim, toda forma de ação que acarrete um litígio político é relevante em si, independentemente de seu grau de legitimação representativa ou institucional (AZZI, 2007AZZI, Diego Araújo. Sujeitos e utopias nos movimentos antiglobalização. 2007. 197f. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação do Departamento de Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.).

A ação política, portanto, é o conflito em torno da existência de uma cena comum, diz respeito à existência e a qualidade daqueles que estão ali presentes. Para Rancière (2018RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 2018.), a simples circulação da palavra em espaços públicos e o debate sobre um mundo comum não são as condições iniciais para que exista a política, a primeira condição para a política é a construção de um mundo comum por meio do litígio.

Como se reconhece exatamente como um discurso aquele ruído que o animal diante de nós faz com sua boca? Esse reconhecimento não é, exatamente, natural. Ele próprio supõe uma subversão da ordem normal das coisas. Aquele que nos recusamos a contar como pertencente à comunidade política, recusamos primeiramente a ouvi-lo como ser falante. Ouvimos apenas ruído no que ele diz, sua pretensa fala não é mais que um som fugaz, uma espécie de mugido que é o signo da necessidade e não a manifestação da inteligência. Para que tenha efeito, é preciso que se instaure uma cena de conflito (RANCIÈRE, 1996RANCIÈRE, Jacques. O dissenso. In: NOVAES, Adauto (org.) A crise da razão. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1996. p. 367-383.).

A racionalidade própria da política é, para Rancière, o dissenso, que é um tipo de ação humana que age sobre a ordem policial, que a perturba, que rompe a atmosfera consensual sobre a qual se estabiliza certa organização social.

O dissenso tem por objeto a própria partilha do sensível: “[...] a distribuição dos espaços privados e públicos, dos assuntos de que neles se trata ou não e dos atores que têm ou não motivos de estar aí para deles se ocupar” (RANCIÈRE, 2018RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 376). A racionalidade da ação política é ação que constrói esses dois mundos litigiosos, paradoxais, em que se revelam juntos dois recortes do mundo sensível.

Para o autor, a política é uma perturbação momentânea da normalidade, com isso não se afirma que a política só exista em poucos momentos de insurreição retirados do curso normal da sociedade (RANCIÈRE, 2018RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 2018.). Falar em momentos políticos é enfatizar que a política não se identifica com o curso ininterrupto dos atos de governo e das lutas pelo poder, mas que a política existe a partir da reconfiguração do mundo comum, a recolocação daqueles que inicialmente não participam e que se opõem de forma significativa à ordem comum, enfim, a política passa pela constituição de cenas de dissenso e não pelo consenso.

Nesse mesmo sentido, a democracia deve ser entendida não como “[...] um tipo de constituição nem uma forma de sociedade, mas como prática política (RANCIÈRE, 2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 63):

[...] a democracia não é uma forma de governo, mas a própria prática da política. A democracia não é uma forma institucional, ela é, antes de tudo, a própria política, isso é, o fato de que ajam como governantes aqueles que não tem diploma de governo, nem competência para fazê-lo. De uma certa maneira, a democracia é o poder dos incompetentes, isso é, ela é a ruptura das lógicas que fundam um modo de governo sobre uma suposta competência: a democracia é, pois, a interrupção das lógicas da desigualdade.

As sociedades continuam se organizando atualmente como se organizavam antes, pelo jogo das oligarquias, os governos das minorias representativas. Para Rancière (2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014.) a representação é uma forma oligárquica de comando das minorias que detêm algum título para se ocupar dos assuntos comuns.

Entretanto, do mesmo modo que é falso identificar democracia e representação, também não se pode afirmar que representação refuta a democracia, pois as formas jurídico-políticas das constituições e das leis estatais não repousam nunca sobre uma só e única lógica. O que se designa por democracia representativa é uma forma mista: uma forma de funcionamento do Estado, inicialmente fundado sobre o privilégio das elites naturais e desviada pouco a pouco da sua função pelas lutas democráticas (RANCIÈRE, 2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014.).

A democracia não se identifica a uma forma político-jurídica, mas também não lhe é indiferente. O poder do povo está aquém e além dessas formas: aquém porque as formas de governo não podem funcionar sem se referir a esse poder dos incompetentes, que fundamenta e nega o poder dos competentes; “[...] além, porque as formas são constantemente reapropriadas pelo próprio jogo da máquina governamental, na lógica 'natural' dos títulos para governar que é uma lógica da indistinção do público e do privado” (RANCIÈRE, 2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 65).

A esfera pública é o espaço de encontro entre as duas lógicas: da polícia e da política, do governo dos competentes e daqueles que não importam. Os governos tendem a encolher a esfera pública, tornar o seu assunto privado e rejeitar, como parte da vida privada, as intervenções e os locais de intervenção dos atores não estatais. Pretende-se, assim, separar o domínio da coisa pública do domínio dos interesses privados da sociedade.

Para Rancière (2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014.), a democracia é o processo de luta contra a privatização, o processo de alargamento dessa esfera pública. Alargar a esfera pública não é procurar a crescente intervenção do Estado sobre a sociedade, conforme o discurso liberal, e sim lutar contra essa repartição (público/privado) que garante a dupla dominação da oligarquia no Estado e na sociedade.

Historicamente, aponta Rancière (2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014.), esse alargamento da esfera pública significou fazer reconhecer como iguais e sujeitos políticos aqueles que a lei estatal impelia para a “esfera privada dos seres inferiores”; e fazer reconhecer o caráter público de certos espaços, relações e instituições que tinham sido deixados à discrição do poder da riqueza (privados). Foram lutas, nesse sentido, para incluir como eleitores e elegíveis todos aqueles que, pela lógica policial, estavam relegados ao espaço privado, como os trabalhadores assalariados que eram assimilados a domésticos cujas vontades pertenciam a seu amo e, ainda, as mulheres que estavam submetidas ao querer de seus maridos ou pais. Lutas para reconhecer como espaços e relações públicas aquelas ditas privadas. Foram as lutas dos trabalhadores sobre os salários e condições de trabalho, batalhas sobre os sistemas de saúde e reformas (RANCIÈRE, 2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 67).

O movimento democrático é, então, efetivamente um duplo movimento de transgressão dos limites, um movimento para estender a igualdade do homem público a outros domínios da vida comum, e em particular a todos os que governam a ilimitação capitalista da riqueza, um movimento também para reafirmar a pertença por todos e por não importa quem, desta esfera pública incessantemente privatizada (RANCIÉRE, 2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014.).

É nesse duplo movimento que se tem a dualidade do “homem” e do “cidadão”, para o autor os sujeitos políticos não vão se identificar com homens ou a identidades definidas nos textos constitucionais. Os sujeitos políticos definem-se por um intervalo de identidades, identidades determinadas pelas relações sociais ou pelas categorias jurídicas.

Os processos de subjetivação que parecem nesses intervalos de identidades possibilitam a democracia, pois, esta não é um tipo de regime entre outros ou um conjunto de instituições, mas é um modo de ser do político, a maneira de subjetivação da política.

Primeiramente a democracia é definida pela existência de uma aparência específica de povo, uma aparência que divide e refigura a realidade como duplo e não uma ilusão que se oporia ao real é a introdução de um visível que modifica o regime do visível (RANCIÉRE, 2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014.).

Também é uma subjetivação não identitária: o povo, por meio do qual há democracia, é de um tipo particular, não definível por propriedades do tipo étnico, “[...] que não se identifica a uma parte sociologicamente determinável de uma população nem à soma dos grupos que constitui essa população [...]” (RANCIÈRE, 2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 103), sujeitos que não coincidem com partes do Estado ou da sociedade. O povo por intervenção do qual existe democracia é uma unidade que não consiste de nenhum grupo social, são sujeitos flutuantes que transtornam toda representação dos lugares e das parcelas (RANCIÈRE, 2014).

Finalmente, o lugar da aparência do povo é o lugar da condução do litígio, situação que põe em jogo a própria situação de interlocução, esse litígio político conduzido - que se diferencia de todo conflito de interesses entre partes constituídas da população - diz respeito ao conflito sobre a contagem das partes.

A democracia institui, portanto, comunidades de um tipo específico, comunidades polêmicas que põem em jogo a própria oposição das duas lógicas, a lógica policial da distribuição dos lugares e a lógica política do traço igualitário. (RANCIÈRE, 2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 78)

Logo, para Rancière (2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014.), as formas da democracia são formas de manifestação dessa subjetivação não identitária, dessa aparência de povo e dessa condução do litígio. Essas formas de manifestação não se confundem com os dispositivos institucionais, mas podem se utilizar deles: assembleias eleitas, garantias institucionais das liberdades de exercício da palavra e de sua manifestação, dispositivos de controle do Estado. “Elas encontram neles as condições de seu exercício e em troca os modificam. Mas não se identificam com eles. Muito menos poder-se-ia identificá-los com modos de ser dos indivíduos.” (RANCIÈRE, 2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 104).

Existe democracia se houver atores específicos da política, sujeitos políticos que não são nem agentes do dispositivo de Estado nem partes da sociedade, se houver coletivos que removam as identificações em termos de partes do Estado ou da sociedade.

Assim, a emergência da democracia se dá no exato momento e no próprio ato de emergência da política. A democracia implica a ação de sujeitos políticos que trabalham no intervalo das identidades reconfigurando as distribuições do privado e do público, do universal e do particular. O processo democrático é esse constante colocar em jogo o universal sob uma forma polêmica: inventar formas de subjetivação e casos de verificação que contrariem a perpétua privatização da vida pública.

Nesse sentido, democracia é impureza política: rejeita as pretensões governamentais de fundar em um princípio único a vida pública e a circunscrever aí a sua extensão. A ilimitação que pode ser atribuída à democracia não é da multiplicação exponencial das necessidades ou desejos individuais, mas sim do movimento que desloca sem cessar os limites do público e do privado, do político e do social.

Para Rancière (2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014.), todo Estado é oligárquico, entretanto, a oligarquia dá mais ou menos espaço para a democracia, a oligarquia é mais ou menos corroída pela atividade democrática. Assim, “[...] as formas constitucionais e as práticas dos governos oligárquicos podem dizer-se mais ou menos democráticos” (RANCIÈRE, 2014RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 127). Apesar de a representação ser comumente tomada como uma marca de democracia, ela é um compromisso instável, resulta de forças contrárias e tenderá para a democracia na medida em que se aproxime do poder de “não importa quem”. Vive-se em Estados oligárquicos em que o poder da oligarquia é limitado pelo duplo reconhecimento da soberania popular e das liberdades individuais. Esse Estado tem suas vantagens e seus limites: assegura algumas liberdades, conquistadas pela luta democrática.

A concepção de Rancière no tocante à democracia, está vinculada ao que ele entende de prática política que se opera a partir da contribuição das classes populares para a instalação de espaços públicos. É a partir das lutas populares, sempre fundamentadas em conflitos, que esses espaços públicos aparecem.

Nos termos do autor, a democracia pressupõe a política que é instituída pela ação de uma “parcela dos que não tem parcela numa comunidade”, com um fim determinado e motivada por certos danos.

4 A Crise da Democracia: alguns apontamentos

Além das notícias que são veiculadas e vistas cotidianamente nos telejornais e redes sociais, líderes com características autoritárias e/ou com índice de baixa aprovação pela população, poderiam evidenciar que a democracia está em crise? O índice de democracia é compilado pela revista The Economist que avalia os regimes políticos em 167 países, deixando de fora apenas alguns microestados. Para examinar o estado da democracia nesses países, são analisados cinco critérios: processo eleitoral (nível de justiça, liberdade e pluralidade das eleições); funcionamento do governo (honestidade e eficácia com questões financeiras); cultura política (participação política dos cidadãos e apoio ao governo) e liberdades civis (liberdade de expressão e de imprensa). Segundo esses critérios, os países são classificados em democracias plenas, democracias imperfeitas, regimes híbridos e regimes autoritários. De acordo com a classificação de 2018, apenas 20 países podem ser classificados como democracias plenas, seguidos por 55 democracias imperfeitas, 39 países classificados como híbridos e 53 países como autoritários. Ou seja, tem-se apenas 75 democracias num universo de 167 países4 4 Essas informações e a identificação e classificação dos países podem ser verificadas na página do Economist Intelligence Unit Democracy Index, disponível em: https://www.eiu.com/public/topical_report.aspx?campaignid=Democracy2018. Acesso em 10 jul. 2019. .

O estudo apontou que a democracia estagnou pela primeira vez em três anos, as pesquisas são realizadas desde 2006, sendo que nos últimos anos, tais pesquisas demonstravam um declínio no índice democracia, em que pese não ter se deteriorado também não registou qualquer progresso à escala global. Por outro lado, o declínio das liberdades civis observado nos anos anteriores também continuou em ritmo acelerado.

A Noruega encabeça a lista como democracia plena e a Coreia do Norte é classificada como o país mais autoritário. Na América do Sul, o único país com democracia plena é o Uruguai, sendo que o estudo apresenta a Costa Rica na América Central como um dos movimentos mais notáveis, uma vez que foi o único país a se juntar às fileiras das “democracias completas” em 2018, e entrar no top 20, subindo três lugares de 23º para 20º. A Europa Ocidental continua a figurar fortemente entre as “democracias completas” do índice; Além da Coreia do Norte, os 20 últimos apresentam países do Oriente Médio e norte da África, África Subsariana e Europa Oriental. O Brasil ocupa a 50ª posição tendo caído uma posição comparada com o levantamento do ano anterior.

O estudo menciona também uma forte característica populista nas eleições do Brasil e México em 2018 para a escolha de seus representantes. Contudo, o que consistiria o populismo, notadamente na América Latina, já que não é possível construir um conceito fechado, mas identificar fenômenos históricos diversos no tempo e no espaço denominados populistas? A título de exemplo, no Brasil, entende-se por populistas os governos de Getúlio Vargas (1930-1945/1951-1954) e o de João Goulart (1961-1964), na Argentina o de Juan Domingo Perón (1946-1955) e no México o de Lázaro Cárdenas (1934-1940). Estaria novamente o Brasil passando por um governo populista?

A ideia de populismo em geral está ligada à ideia de manipulação da população, do controle de cima para baixo exercido por um líder populista, seja carismático ou totalitário, com o intuito da conquista de voto popular e na manipulação das aspirações populares. Para Peter Worsley (1973WORSLEY, Peter. O conceito de populismo. In: TABAK, Fanny (org.) Ideologias: populismo. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca Ltda , 1973. p. 23-68.), o populismo significa a adesão a dois princípios importantes: a) a supremacia da vontade do povo, que é identificada pelo populismo com a justiça e a moralidade; e b) uma relação direta entre o povo e seus líderes não mediada por instituições. Para o autor:

Pode-se ver que tais estilos de participação popular vão amiúde acompanhados de uma crença quase-religiosa nas virtudes próprias da gente comum, incorrupta e simples e de uma desconfiança oposta dos ‘sagazes’, estéreis, arrogantes, aristocráticos, ociosos, endinheirados, desnecessários do ponto de vista funcional e basicamente degenerados ou corrompidos: ‘uma ideologia do ressentimento contra a ordem imposta à sociedade por uma classe governante estabelecida há longo tempo, a qual se supõe estar gozando do monopólio do poder, da propriedade, da educação e da cultura’. Nessa concepção, o populismo receia os ‘bem-educados’ e nega todo grau de autonomia ao poder legislativo, como o nega a qualquer instituição. Odeia a administração pública e se mostra hostil ante os políticos […]. Vai em busca de uma justiça substancial e não o preocupam em absoluto as regras ou sistemas legais tradicionais. (WORSLEY, 1973WORSLEY, Peter. O conceito de populismo. In: TABAK, Fanny (org.) Ideologias: populismo. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca Ltda , 1973. p. 23-68., p. 60)

Outra característica que também integra os movimentos populistas é o forte apoio popular, com a participação de setores que exercem importante influência no partido e defendem uma ideologia “anti status quo. Suas fontes de poder são, em primeiro lugar, uma elite situada nos escalões médios ou superiores da estratificação, impregnada de motivações transformistas, em segundo lugar, de uma massa mobilizada, resultado da revolução de aspirações ascendentes e, por último, uma ideologia ou um estado emocional amplamente difundido, facilitando a comunicação entre líderes e adeptos, criando o entusiasmo coletivo (ANGELL, 1973ANGELL, Alan. Populismo e mudança política: o caso da Colômbia. In: TABAK, Fanny. (org.) Ideologias: populismo. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca Ltda, 1973. p. 89-104.).

Para Stewart (1973STEWART, Angus. As raízes sociais do populismo. In: TABAK, Fanny (org.) Ideologias: populismo. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca Ltda , 1973. p. 69-88.), o populismo surge como expressão do processo de transição e de crise que se manifesta tanto no âmbito do Estado como no da estrutura social, como fenômeno de massas, esse movimento tem um caráter eminentemente urbano, e processos como a industrialização, a urbanização, as migrações e a expansão das comunicações têm estreita ligação com o populismo. Nesse panorama, o populismo surge como uma forma de dominação nas condições de “vazio político”, em que nenhuma classe tem a hegemonia e exatamente porque nenhuma classe se afigura capaz de assumi-la.

No Brasil, uma crise particularmente grave no bloco de poder fez uma de suas frações tentar estabelecer sua hegemonia por meio da mobilização das massas, todavia, apesar das eleições em 2018 e do consequente governo apresentar algumas características populistas, conforme pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística e divulgada em 25.09.2019, metade da população desaprova o atual governo, o que descaracterizaria um movimento populista segundo os parâmetros antes identificados, ainda que possam ser atribuídas características populistas como apontou o levantamento feito pelo The Economist.

Retornando aos dados compilados acerca do índice democrático, de outra parte, na Europa persiste um mal-estar democrático, a vista de declínios substanciais no ranking de vários países europeus importantes, como Itália, Turquia e Rússia. Na Itália, a queda da confiança na política tradicional produziu uma vitória retumbante nas eleições parlamentares, o que formou um governo de coalizão que tomou uma posição dura contra a imigração. A pontuação da Turquia diminuiu ainda mais em 2018, à medida que o país se consolidou em meio a controles de enfraquecimento da Presidência. Na Rússia, um declínio acentuado em sua pontuação para as liberdades civis fez com que a classificação geral do país caísse substancialmente.

Esses índices vêm corroborar o que tem sido noticiado, uma crise não só da democracia, mas das práticas democráticas tão essenciais para a sua manutenção. Bauman e Mario (2016BAUMAN, Zygmunt; MAURO, Ezio. Babel: entre a incerteza e a esperança. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.) aludem para a ruptura do pacto entre Estado e cidadão na sociedade contemporânea e no contínuo esforço para a manutenção da democracia que luta por supremacia diariamente para provar sua própria legitimidade num mundo em que não se faz mais o uso da política e nem se confia nas instituições, em última análise, duvida-se da própria democracia. Essa descrença nas instituições é motivada por uma série de fenômenos assim identificados:

[…] o interregno é também um período em que a irracionalidade da decadência germina sem restrição, numa rebelião mais motivada por angústias que por liberdade verdadeira; um período em que surgem figuras xamânicas que reduzem o mecanismo político ao seu carisma, fazem apelos aos nossos instintos, emocionalmente, e engendram medos para transformá-los em grandes trivialidades, como se fosse possível haver soluções simples para problemas complexos. Eu chamo esse efeito de neopopulismo, e acredito que ele encarna o espírito dos nossos tempos, que é a representação perfeita de uma forma democrática progressivamente esvaziada e por isso aberta a todas as distrações do seu conteúdo, de modo a poder ser explorada, alternativamente, para fazer convergir toda a raiva contra o sistema, incitando-a em prol dos ganhos e da disputa de poder dos outros. (BAUMAN; MAURO, 2016BAUMAN, Zygmunt; MAURO, Ezio. Babel: entre a incerteza e a esperança. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2016., p. 26)

Nesse processo, é possível identificar a distância entre eleitores e eleitos com a crise da representação. O povo não vota mais, ou o faz com indiferença e sem convicção, na melhor das hipóteses vai à cabine eleitoral para escolher o mal menor. Há de se reconhecer que foi perdida a ligação dos indivíduos a grupos, associações a partidos e sindicatos e tudo isso para a política, o que vai paulatinamente solapando a conexão entre o privado e o público (BAUMAN; MAURO, 2016BAUMAN, Zygmunt; MAURO, Ezio. Babel: entre a incerteza e a esperança. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.).

O fenômeno de esvaziamento da democracia também foi observado por Peter Mair (2003MAIR, Peter. Os partidos políticos e a democracia. Revista Análise Social, Lisboa-Portugal, v. XXXVIII, n. 167, p. 277-293, 2003.) ao afirmar que a era da democracia dos partidos políticos teria acabado, vez que se apresentam tão desconectados da sociedade que não parecem mais capazes de sustentar a democracia representativa. Para o autor, os partidos políticos trocaram sua função representativa por uma função procedimental cada vez mais ligada aos aparatos estatais e mais distantes do cidadão. Além de sua incapacidade de representação o desgaste gradual das identidades partidárias leva os partidos a se confundirem cada vez mais uns com os outros, ocasionando a erosão dos diferentes perfis eleitorais; como resultado, o conceito de política, como conflito social no sentido de representação de interesses políticos de forças sociais opostas, esvazia-se.

Mair (2003MAIR, Peter. Os partidos políticos e a democracia. Revista Análise Social, Lisboa-Portugal, v. XXXVIII, n. 167, p. 277-293, 2003.) afirma que essa transformação dos partidos políticos gera duas consequências, a primeira seria a despolitização dos políticos com o desenvolvimento de um mundo político cada vez mais burocrático, dependente de negociações e compromissos, em segundo, os cidadãos se tornam cada vez mais indiferentes à política, o que leva também a sua indiferença à democracia. Essa indiferença à democracia não traz argumentos de renovação ou revitalização da política, mas pelo contrário acarreta argumentos que procuram cada vez mais negar a política.

Nesse cenário de indiferença do eleitorado, a mídia se apresenta como o principal instrumento de formação da opinião pública no campo político. Entretanto, sob a bandeira da democratização da comunicação com o aprimoramento da representatividade social da mídia, os meios de comunicação transformam a política como espetáculo e não como participação e cultura. Para Enrique Dussel (2007DUSSEL, Henrique. 20 Teses de Política. Trad. Rodrigo Rodrigues. São Paulo: Expressão Popular, 2007., p. 34), trata-se da corrupção política da informação a que o autor chama de “mídia-cracia”, que é o poder político fetichizado do dinheiro que penetra todos os interstícios dos sistemas políticos, invertendo-os: pondo-os a serviço do poder como dominação. Assim, por intermédio dos meios de comunicação, é possível a alienação dos eleitores, pois o que veiculam como imagens e símbolos de “mau” e ‘injusto” impõe-se ao espectador como realidade. Dependendo dos interesses, o melhor político pode ser destruído pela mídia, enfraquecendo, assim, o jogo democrático já tão debilitado.

Diante de tal perspectiva, o que resta à democracia? É inegável que, apesar de todos seus males, é a forma de governo que traz mais garantias aos cidadãos, a que ainda permite a discussão de direitos fundamentais e identifica o indivíduo como sujeito de direitos, ou seja, ainda desejável, mas qual democracia? Diante dos fenômenos que se descortinam, parece necessário lutar pela manutenção das regras do jogo, pelo mínimo necessário para que se possa discutir e pensar a democracia; nesse momento, talvez, seja imperativo defender a democracia liberal, com todas as suas críticas, mas que ainda permite a liberdade e a representação.

5 Conclusão

A identificação de duas concepções de democracia provoca discussões do que seria necessário para a sua própria manutenção, de um lado, a teoria democrática de Jacques Rancière, que está vinculada ao que ele entende por prática política que se opera a partir da contribuição das classes populares para a instalação de espaços públicos. A partir das lutas populares, sempre fundamentadas em conflitos, é que esses espaços públicos aparecem. É o conflito em torno da existência de uma cena comum, é o fato daqueles indivíduos que não têm direito de serem vistos como seres falantes, assim instituem uma comunidade pelo fato de colocarem em comum o dano que nada mais é que o próprio enfrentamento, tem-se assim a contradição de dois mundos alojados em um só, o mundo do qual fazem parte e o mundo do qual não fazem, o mundo onde há o conflito entre eles e aqueles que não os conhecem como seres falantes e contáveis e o mundo onde não há nada. A esfera pública é o espaço de encontro da polícia e da política, é o processo de luta instituída pela ação de uma “parcela dos que não têm parcela numa comunidade”, com um fim determinado e motivada por certos danos.

De outro lado, a democracia liberal basicamente é definida por dois eixos: competição e participação política. Fruto de um cálculo de custos e benefícios feito por atores políticos em conflito, pode-se dizer que as teorias democráticas liberais em algum momento trouxeram como características: a) a exigência dos valores da liberdade e da igualdade, a liberdade - nos sentidos da liberdade de expressão e realização dos direitos de cidadania, a igualdade - no sentido da equalização formal perante a lei; b) o respeito ao Estado de direito - no sentido de obediência as leis e as regras do jogo democrático, como eleições periódicas, livres, justas e limpas, com sufrágio universal; c) o controle de abuso do poder - pela separação de poderes, pelo voto, pela periodicidade das eleições.

Devido à crise democrática que tem sido observada no mundo contemporâneo, com a descrença nas instituições e na própria atuação política, talvez a defesa da democracia liberal nunca tenha sido tão necessária, a defesa das características elencadas aqui não só permite a manutenção das regras do jogo democrático, como também possibilita a existência da própria democracia. Não há regimes democráticos com o desrespeito a esse mínimo necessário, em regimes não democráticos, o exercício da democracia só poderá ser realizado como prática política nos termos de Jacques Rancière.

Referências

  • ANGELL, Alan. Populismo e mudança política: o caso da Colômbia. In: TABAK, Fanny. (org.) Ideologias: populismo. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca Ltda, 1973. p. 89-104.
  • AZZI, Diego Araújo. Sujeitos e utopias nos movimentos antiglobalização. 2007. 197f. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação do Departamento de Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
  • BAUMAN, Zygmunt; MAURO, Ezio. Babel: entre a incerteza e a esperança. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
  • BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar , 1999.
  • BOBBIO, N. O futuro da democracia. Trad. Marco Aurelio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
  • BOBBIO, N. Liberalismo e democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 2008.
  • DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Trad. Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005.
  • DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Trad. Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.
  • DEWEY, John. Liberalismo, liberdade e cultura. São Paulo: Companhia Editora Nacional. Editora da Universidade de São Paulo, 1970.
  • DUSSEL, Henrique. 20 Teses de Política. Trad. Rodrigo Rodrigues. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
  • HARDT, M.; NEGRI, A. Multidão. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2005.
  • HELD, David. Modelos de democracia. Trad. Alexandre Sobreira Martins. Belo Horizonte: Editora Paideia Ltda, 1987.
  • HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. Trad. José Viegas Filho. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
  • HUNTINGTON, Samuel P. A Terceira Onda: a democratização no final do século XX. Trad. Sergio Goes de Paula. São Paulo: Editora Ática, 1994.
  • LASWELL, Harold. A linguagem da política. Trad. Lúcia Dauster Vivacqua e Silva e Sônia de Castro Neves. Brasília: Editora Universidade de Brasília , 1982.
  • MACPHERSON, C. B. A Democracia Liberal: origens e evolução. Trad. Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
  • MAIR, Peter. Os partidos políticos e a democracia. Revista Análise Social, Lisboa-Portugal, v. XXXVIII, n. 167, p. 277-293, 2003.
  • MIGUEL, Luis Felipe. Consenso e conflito na democracia contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 2017.
  • RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014.
  • RANCIÈRE, Jacques. O dissenso. In: NOVAES, Adauto (org.) A crise da razão. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1996. p. 367-383.
  • RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 2018.
  • RANCIÈRE, Jacques. Momentos políticos, Intervenciones 1977-2009. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2010.
  • RANCIÈRE, Jacques. Entrevista: Atualidade de O mestre ignorante [jan. 2003]. Entrevistadores: VERMEREN, Patrice; CORNU, Laurence; BENVENUTO, Andrea. Educação & Sociedade, Campinas, v. 24, n. 82, abr. 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302003000100009&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em: 10 jul. 2018.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302003000100009&lng=pt&nrm=iso
  • SANTOS, Boaventura de S. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006
  • SARTORI, Giovanni. A Teoria da Democracia Revisitada: o debate contemporâneo. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Editora Ática S.A., 1994. v. 1.
  • SHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Trad. Sergio Góes de Paula. Rio de Janeiro: Zahar , 1984.
  • STEWART, Angus. As raízes sociais do populismo. In: TABAK, Fanny (org.) Ideologias: populismo. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca Ltda , 1973. p. 69-88.
  • TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Livro 1. Trad. Anna Lia Amaral de Almeida Prado. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
  • WORSLEY, Peter. O conceito de populismo. In: TABAK, Fanny (org.) Ideologias: populismo. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca Ltda , 1973. p. 23-68.
  • 1
    Em que pese esse caráter universal, é importante destacar que as revoluções modernas não instituíram imediatamente o conceito universal de democracia, uma vez que excluíam mulheres e escravos e admitiam o voto censitário, o que acabou negando esse caráter universal de participação de todos. Entretanto, até hoje, essa pretensão universal de democracia pode ser questionada, mas, mesmo assim, tem servido como meta para as lutas e revoluções.
  • 2
    Nesse sentido, é possível citar como autores defensores de uma democracia liberal John Stuart Mill, Joseph Schumpeter e Robert Dahl, ainda que suas teorias pouco tenham em comum.
  • 3
    Nesse sentido, aduz o autor: “A atividade política é a que desloca um corpo do lugar que lhe era designado ou muda a destinação de um lugar; ela faz ver o que não cabia ser visto, faz ouvir um discurso ali onde só tinha lugar o barulho, faz ouvir como discurso o que só era ouvido como barulho” (RANCIÉRE, 2018, p. 42).
  • 4
    Essas informações e a identificação e classificação dos países podem ser verificadas na página do Economist Intelligence Unit Democracy Index, disponível em: https://www.eiu.com/public/topical_report.aspx?campaignid=Democracy2018. Acesso em 10 jul. 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    20 Set 2019
  • Revisado
    30 Nov 2019
  • Aceito
    15 Dez 2019
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Jurídicas, Sala 216, 2º andar, Campus Universitário Trindade, CEP: 88036-970, Tel.: (48) 3233-0390 Ramal 209 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: sequencia@funjab.ufsc.br