Acessibilidade / Reportar erro

FRONTEIRAS CULTURAIS E ÉTNICAS ENVOLVENDO O PROCESSO DE CONTATO ENTRE OS INDÍGENAS ENAWENE NAWE E OS INOTI EM TERRITÓRIOS ALTOS DO RIO JURUENA / MATO GROSSO

Borders and cultural ethnic involving the process contact between the indigenous Enawene Nawe and territories Inoti in river igh Juruena / Mato Grosso

RESUMO

Esse trabalho tem como objetivo analisar as frentes expansionistas do Estado Brasileiro e o processo de contato envolvendo fronteiras culturais e étnicas com os indígenas Enawene Nawe, em territórios do alto rio Juruena, localizados no noroeste do Mato Grosso. O estudo configura-se como uma pesquisa de cunho histórico na perspectiva social, baseada em fontes documentais, visando à reconstrução histórica dos encontros e desencontros entre o povo Enawene Nawe e os Inoti (brancos). Na análise dos dados, trabalhamos com discursos e narrativas que revelam o contato e os contrastes de mundos, valores e crenças, buscando perceber a perspectiva Enawene mediante a interação social com grupos não indígenas, os conflitos e alianças, assim como a luta pelo território.

Palavras-chave:
Indígenas Enawene Nawe; Fronteiras; Territórios; Contatos interétnicos; Rio Juruena

ABSTRACT

This work aims to analyze the expansionary fronts of the Brazilian State and the contact process involving cultural and ethnic boundaries with indigenous Enawene Nawe in the upper rio Juruena territories, located in northwestern Mato Grosso. The study set up in a historical nature of research in the social perspective and based on documentary sources, aiming at the historical reconstruction of the agreements and disagreements between the people Enawene Nawe and Inoti (white). In the analysis of the data we work with discourses and narratives that reveal the contact and the contrasts of worlds, values and beliefs, seeking to realize the Enawene perspective through social interaction with non-indigenous groups, conflicts and alliances, as well as the struggle for territory.

Keywords:
Indigenous Enawene Nawe; Borders; Territories; Interethnic Contacts; Rio Juruena

INTRODUÇÃO

Esse trabalho pretende analisar as frentes expansionistas do Estado Brasileiro e o processo de contato envolvendo fronteiras culturais e étnicas com os indígenas Enawene Nawe, em territórios do alto do rio Juruena, localizados no noroeste de Mato Grosso.

A pesquisa é de cunho histórico na perspectiva social, baseada em fontes documentais, visando à reconstrução histórica dos primeiros contatos do povo Enawene nawe. Na análise dos dados pesquisados, partimos de discursos e narrativas que revelam o contato e os contrastes de mundos, valores e crenças, buscando perceber a perspectiva Enawene, a partir da interação social com grupos não indígenas.

De acordo com Gallois (1993GALLOIS, Dominique Tilkin. Mairi Revisitada. A Reintegração da Fortaleza de Macapá na Tradição Oral dos Waiãpi. São Paulo: NHII-USP/FAPESP. 1993. 92 p.), ao analisarmos os discursos sociais, é essencial compreender os argumentos propostos considerando a perspectiva dialógica. Ainda nesse sentido, vale considerar a experiência relatada pela autora, ao realizar seus estudos com os Waiãpi, em que ela destaca uma relação intrínseca entre mito e história, que, apesar de serem gêneros distintos, se complementam na interpretação dos fatos sociais.

Para as reflexões propostas, selecionamos diversos discursos dos Enawene no eixo da autorrepresentação, apresentando argumentos que revelam sua relação com a sociedade não indígena. Mesmo não partindo de um foco específico como o da obra, Mairi Revisitada (1993), de Dominique Gallois, que trata dos Waiãpi, consideramos as narrativas dos Enawene para compreender como esta sociedade constrói seus argumentos para orientar suas relações sociais.

O diário de Thomaz de Aquino Lisboa ([1985], 2010) retrata o contato entre indígenas e não indígenas como foco principal, bem como, a luta pela demarcação territorial. Nesse trabalho, utilizam-se seus relatos como fonte para a análise do contexto histórico em que ocorreram os primeiros contatos dos Enawene Nawe com a sociedade não indígena, a organização da missão expedicionária ao longo das décadas de 1970 e 1980 e as ações dos missionários junto a esse povo. O autor apresenta uma série de documentos que foram fundamentais para a demarcação territorial, como mapas, ofícios e cartas.

Outra fonte documental relevante são os arquivos do diário de campo do Padre Vicente Cañas (1977 a 1987), que retratam o durante e o pós-contato, possibilitando uma visão etnográfica da Sociedade Enawene Nawe, na década do contato interétnico. Os relatos transcritos no diário de Cañas referem-se ao contato interétnico, relatado a partir do 15º contato. São relatos do cotidiano, que incluem as vivências do Padre Cañas com o grupo indígena Enawene, em suas atividades diárias e conversas noturnas, tais como rituais e aspectos culturais.

O Dossiê Yaokwã, outro importante documento que retrata o ciclo ritualístico dos Enawne Nawe e a instalação das usinas hidrelétricas na reserva ecológica do rio Iquê, traz um panorama do processo histórico da comunidade, suas ações e reações, mediante proposições que os remetem ao período do contato interétnico. Esse documento foi elaborado por um grupo de especialistas da OPAN - Operação Amazônia Nativa - coordenado por Andrea Jakubaszko (2006JAKUBAZKO, Andrea. Dossiê IPNAH - Yaõkwa Povo Enawene Nawe. Cuiabá: OPAN - Operação Amazônia Nativa, [2006?].), antropóloga e cientista social, em parceria com técnicos do IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - do Mato Grosso. Esse documento foi protocolado junto ao IPHAN com a anuência dos líderes do povo Enawene Nawe, para homologação e oficialização do Ritual Yaõkwa como patrimônio imaterial do Brasil.

Nesse sentido, para atingir os objetivos deste estudo, foi feito, primeiramente, um levantamento historiográfico do grupo. Num segundo momento, destacamos as falas e registros dos diários de Cañas e Lisbôa e analisamos documentos, mapas e relatórios. Num terceiro momento, selecionamos e analisamos os argumentos que retratam o processo histórico dos contatos envolvendo as frentes expansionistas sobre os territórios indígenas do rio Juruena, bem como, os contrastes da comunidade Enawene, sua experiência histórica, suas interpretações e concepções de vida e de mundo.

PROCESSO COLONIZATÓRIO E DESLOCAMENTOS DE FRONTEIRAS NO MATO GROSSO

Para analisar o processo colonizatório e os deslocamentos de fronteiras, é preciso compreender como a história do deslocamento das fronteiras no Brasil foi construída. De acordo com Martins (1997MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira. In: _____. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo, 1997, Cap. 4, p. 145-201.), elementos como revolta e resistência estiveram presentes no cotidiano daqueles que tiveram suas fronteiras sociais, culturais e étnicas invadidas ao lado da esperança daqueles que vislumbravam nesse novo universo, a reconstrução de seus ideais de sociedade. Ainda, no viés da história da colonização do Brasil e de suas capitanias, Mato Grosso, de acordo com Canova (2003CANOVA, Loiva. Os doces bárbaros: os índios Paresi no contexto da conquista Portuguesa em Mato Grosso (1719-1757). 2003. 116 f. Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal de Mato Grosso, 2003.), foi constituído a partir de muitos conflitos, pois, para atingir os objetivos do projeto colonizador, a perspectiva era emoldurar uma nova identidade para os indígenas.

Nesse aspecto, o processo de colonização era visto pelos migrantes, que se consideravam desbravadores, como a oportunidade de se constituírem produtores agrícolas, trabalhando em prol do desenvolvimento econômico e social do país. Entretanto, para as coletividades indígenas da região, esse significado era orquestrado a partir de outra lógica, a da invasão de seu território. São sujeitos históricos que veem e que são vistos por diferentes pontos de vista, seja pelo viés econômico, seja pelo viés cultural ou pelo seu modo de vida. São as conotações que a fronteira adquire no contexto, conforme segue:

Ela é fronteira de muitas e diferentes coisas: fronteira da civilização (demarcada pela barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e visões de mundo, fronteira de etnias, fronteira da História e da historicidade do homem. E, sobretudo, “fronteira do humano” (MARTINS, 1997MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira. In: _____. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo, 1997, Cap. 4, p. 145-201., p.147).

O desencontro na fronteira ocorre, principalmente, em virtude do desencontro da temporalidade histórica a que os grupos estão sujeitos. Nessa temporalidade histórica, encontramos um Estado que apresenta uma identidade nacional considerada como confins da civilização, segundo Joanoni Neto (2003). Esse território necessitava ser colonizado, modernizado, para garantir a integridade social e política do país.

Nesse cenário de ampliação das fronteiras, o contato interétnico compreende o encontro de mundos e visões diferentes. Ribeiro (1995RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.) afirma que, além das concepções de mundo, o contato interétnico promove um confronto biológico, social e econômico. Os conflitos surgem desde a infecção bacteriológica vivenciada no contato de povos com populações indenes. No plano ecológico, pela disputa de terras, matas, flora e fauna; no plano social, pela mercantilização das relações de produção ou até mesmo pela escravização indígena; e no plano étnico-cultural, pelo confronto de valores, crenças, modos de vida e suas representações sociais.

É fundamental considerar a afirmação de Barth ([1969], 2000), quando se refere ao que torna possível o estudo das relações interétnicas. Segundo este autor, são justamente os processos sociais produtores da diferença cultural, e não o isolamento geográfico, que abrem essa possibilidade de análise. Barth ([1969] 2000) ainda enfatiza que é justamente nos confrontos que se constituem as fronteiras diferenciadoras e os mecanismos de sua manutenção. Mas é, também, nesses confrontos que surge a desigualdade radical em contraponto com as relações estáveis e simbióticas.

Nesse viés, pretendemos discutir as relações interétnicas vivenciadas no projeto de colonização de Juína, Mato Grosso, para onde muitos agricultores e garimpeiros se deslocaram de várias partes do país, tornando-se inevitável o contato com as etnias indígenas Enawene Nawe, Surui Paiter, Zoró, Tupi Kawahib, Arara do Beiradão, Yakarawakta, Erikbaktsa, Myky, Iranx, cujos territórios estavam fixados nessa região.

De acordo com Martins (1997MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira. In: _____. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo, 1997, Cap. 4, p. 145-201.), a Amazônia brasileira foi e ainda é a grande fronteira da América Latina. Desde o início da ditadura militar no país, a Amazônia transformou-se num grande cenário de ocupação territorial rápida, massiva e violenta.

A história da colonização dos altos do rio Juruena, do município de Juína e dos demais municípios da região está intrinsecamente ligada a todo esse processo expansionista na Amazônia. No cenário desenhado nas décadas de 1970 a 1990, verifica-se uma intensa movimentação na região norte e noroeste de Mato Grosso. A começar, segundo Joanoni Neto (2008JOANONI NETO, Vitale.. Fronteiras das Crenças: Ocupação do Norte de Mato Grosso após 1970. Cuiabá: EdUFMT/Carlini & Cianato, 2008.), pela criação da Lei de nº 3.307, de 18 de dezembro de 1972, que reserva extensa aérea de terra devoluta na região Noroeste à Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (CODEMAT), para projetos de Colonização e, por conseguinte, as movimentações do grupo missionário da Missão Anchieta, com o objetivo de auxiliar na pacificação e na civilização dos indígenas.

Em 1972, a Lei nº 3.307 de 18 de dezembro reservou extensa aérea de terra devoluta na região Noroeste à Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (CODEMAT), com a finalidade de desenvolver projetos de colonização. O projeto Juína nasceu em 1976, foi consolidado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e em 17 de setembro de 1978, através da Portaria 907. Em 10 de junho de 1979, a Lei 4.038 criava o distrito de Juína e já em 09 de maio de 1982, a Lei 4.456 desmembrava Juína de Aripuanã, oficializando a criação o município (JOANONI NETO, 2008JOANONI NETO, Vitale.. Fronteiras das Crenças: Ocupação do Norte de Mato Grosso após 1970. Cuiabá: EdUFMT/Carlini & Cianato, 2008.,192).

Um outro estudo de Joanoni Neto (2014JOANONI NETO, Vitale. Amazônia na década de 1970. A fronteira sob o olhar do migrante. Revista Eletrônica da ANPHLAC, ISSN 1679-1061, n. 16, p. 186 -206, Jan./Jul. 2014.) informa que as campanhas publicitárias no Sul e no Sudeste do país motivaram pequenos produtores, donos de poucos hectares de terra em seus estados, a virem a Mato Grosso para adquirirem grandes áreas de terras. Atualmente, o Estado de Mato Grosso conta com 141 municípios. Grande parte deles surgiu a partir do mesmo modelo de colonização. Juína é um desses municípios que se constituiu a partir do processo de desenvolvimento da região noroeste de Mato Grosso.

Em 1978, o Projeto Juína foi consolidado junto ao INCRA, legalizando os lotes de terra para a venda. O município de Juína teve origem na construção da vila Juína, estabelecida à margem da Rodovia AR-1 (Aripuanã 1), mais especificamente, uma clareira aberta no meio da floresta, numa área delimitada de 3 mil hectares. De acordo com os relatos, a criação do município de Juína tinha fins econômicos, vislumbrando a expansão territorial do capital. Os migrantes que chegavam à cidade vinham com expectativa de crescimento econômico, de ascensão social, de criação de um projeto inovador de cidade.

O cenário vivenciado no início de Juína era o de um processo de colonização que vendia a ideia de produtividade que levaria anos para ser conseguido, pois, mesmo que houvesse produtividade nas terras, não haveria como escoar a produção, pois as estradas eram precárias. Por outro lado, desconsiderava-se a presença dos indígenas nas terras, ou seja, procuravam desobstruí-las. Segundo Bussatto et al. (1995), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) tinha a função de “ponta de lança”, ou seja, a de facilitar a desobstrução das terras e o avanço das frentes pioneiras, o que demonstrava, na prática, a operação civilizatória dos povos indígenas, tais como, os Enawene Nawe, Surui Paiter, Zoró, Tupi Kawahib, Arara do Beiradão, Yakarawakta, Erikbaktsa, Myky, Iranxe, todos da região noroeste de Mato Grosso.

CONTATOS E CONTRASTES EM TERRITÓRIOS DO ALTO RIO JURUENA

Das frentes de aproximação das comunidades indígenas, como o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), substituído na década de 1970 pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), surgem também as organizações não governamentais (ONGs), a Missão Indígena Anchieta (MIA), a Operação Amazônia Nativa (OPAN). As três últimas foram decisivas na expansão das fronteiras do estado de Mato Grosso, assim como, do município de Juína. Entre essas três, destacamos o programa da Missão Indígena Anchieta (MIA), com a atuação dos missionários Thomaz de Aquino Lisbôa e Vicente Cañas, que durante os primeiros contatos, no começo da década de 1970, passam a trabalhar junto aos Enawene Nawe. Em 1973, Lisbôa ([1985] 2010) relata que o grupo missionário resolveu sobrevoar a mata nas proximidades do rio Juruena. O sobrevoo foi realizado em 23 de novembro de 1973, com o intuito de localizar a aldeia e planejar minuciosamente o contato. Desse voo, participaram Pe. Adalberto Holanda Pereira, Pe. Thomaz Aquino Lisbôa, o piloto e os indígenas Nambikuára, chefe Antônio e Alotezú. Na ação, foi visualizada na clareira, uma aldeia velha, considerada como aldeia de passagem, utilizada para fins de caça e de pesca, pois estava desabitada.

No mês de julho de 1974, uma equipe composta pelo Pe. Thomaz de Aquino Lisboa, junto com o Pe. Vicente Canas e três indígenas Nambikuára e um Iránxe, a bordo de um barco com motor de popa U22, empreendeu algumas tentativas de aproximação com os indígenas Enawene Nawe. Segundo Lisboa ([1985] 2010), a equipe margeou o Rio Juruena em busca da aldeia visualizada no sobrevoo; entretanto, pelo formato da aldeia e os objetos e utensílios domésticos encontrados, suspeitaram que não fosse uma aldeia Nambikuára.

No dia 28 de julho, o contato de fato se estabeleceu, mas logo perceberam que não eram Nambikuára, nem Rikbáktsa. Na aldeia, estavam presentes mulheres e crianças que, ao verem a equipe, intimidaram-se e se esconderam. Apenas um índio idoso, deficiente, temeroso e assustado os recebeu. Ao se aproximarem, Lisbôa e seus companheiros, demonstrando respeito, sentaram-se aos pés do indígena e dispuseram no chão, os presentes que carregavam. Aos poucos, o medo se transformou em alegria. O ancião falava muito e gesticulava. Essa expressividade ajudou Lisbôa a deduzir que aquele povo falava uma língua pertencente ao tronco linguístico Aruak. Nesse evento, Lisbôa ([1985] 2010) concluiu que os Enawene eram em torno de 90 pessoas, entre crianças e adultos

O contato interétnico virou notícia. No dia 24 de agosto de 1974, o jornal O Estado de São Paulo noticia o contato interétnico com a seguinte manchete:

Um grupo de índios isolados, provavelmente, da família Aruak, entrou em contato com uma expedição chefiada por padres da Missão Anchieta, ao norte de Mato Grosso, às margens do médio Juruena. Os índios, cuja existência era conhecida desde 1962, receberam a expedição com festas e danças, demonstrando que há muito desejavam um contato amistoso (INDIOS Isolados recebem expedição, O Estado de S. Paulo, 24/08/1974, p. 8).

O discurso utilizado pelo jornal condizia com o contexto desenvolvimentista que o Brasil vivenciava, denotando que os Enawene Nawe ansiavam pela chegada da expedição. De fato, apesar de se manterem isolados, os Enawene eram cientes de que outros grupos indígenas e não indígenas povoavam a região e que o encontro seria inevitável. Numa hora ou outra, aconteceria. Jakubaszko (2003JAKUBAZKO, Andrea. Imagens da Alteridade: um estudo da experiência histórica dos Enawene Nawe. 2003. 145 f. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, PUC/SP, 2003.) explica que, na concepção dos Enawene, o contato era fruto da escolha e da permissão deles, o que significava que estavam preparados para efetivar novas relações.

Gallois (1993GALLOIS, Dominique Tilkin. Mairi Revisitada. A Reintegração da Fortaleza de Macapá na Tradição Oral dos Waiãpi. São Paulo: NHII-USP/FAPESP. 1993. 92 p.), ao analisar situação semelhante em relação aos contatos iniciais com os indígenas Waiãpi, afirma ter percebido entre os Waiãpi, o sentimento de que não haveria para onde fugir. Os não indígenas estavam por toda parte. As fronteiras territoriais já estavam invadidas. O contato interétnico seria inevitável. Dessa forma, era inevitável relacionar-se através de alianças com os não indígenas que chegavam.

FRENTES EXPANSIONISTAS E OS PRIMEIROS CONTATOS COM OS INDÍGENAS ENAWENE NAWE

No processo dos primeiros contatos, os Enawene Nawe buscaram imprimir na relação interétnica, relações de alianças, porém, impingindo uma lógica própria. Nesse sentido, para os não indígenas, partir do princípio equivocado de que o povo isolado desejava ser integrado, justificaria suas ações ao estabelecerem o contato.

Lisbôa ([1985] 2010) relata que os anos que se seguiram às expedições feitas por ele e pelo Pe. Vicente Cañas possibilitaram compreender que o povo por eles denominado de Salumã, na verdade, eram os Enawene Nawe. As expedições eram, às vezes, interrompidas por causa do risco de gripes e de outras doenças. Os relatos de Cañas acerca dos casos de gripe são frequentes no seu primeiro diário: “Cedo cheguei ao acampamento do Camararé, onde têm roças de milho, e encontro duas famílias, Xynare e Anayryry, todos com gripe, menos as crianças. Foram medicados. Febre de 40º o pessoal” (DIÁRIO 1 de 15/10/1979, p.17). Este, entre outros relatos do missionário, demonstra os efeitos do contato interétnico quanto à contaminação de doenças e à inserção de medicamentos junto ao povo Enawene.

Se os Enawene se achavam preparados para a efetivação das relações interétnicas, os relatos de Lisbôa ([1985] 2010) e Cañas (1977-1987) denotam que, para o grupo missionário, guardadas as proporções, eles estavam a serviços religiosos. Nesse sentido, não havia espanto em relação ao modo de vida do povo Enawene, mas, para os fazendeiros e seringueiros da região, havia muita estranheza e medo dos indígenas. O Pe. Cañas (1977-1987) relata que havia um interesse crescente dos Enawene pelos civilizados: “Cedo levantam o acampamento e decidem ir descendo o Juruena. Parece que todo mundo tem intenção de ir ver civilizados [...] Falam de ir bater timbó na lagoa do Córrego Rico, que é a desculpa para ir ver civilizados” (DIÁRIO 1 de 31/10/1979, p.21).

No entanto, os moradores das proximidades do território Enawene demonstravam medo e receio de ataques desse povo indígena. Vicente Cañas (1977-1987) relata que, algumas vezes, quando eles eram percebidos margeando as terras pelo rio, eram impedidos de aportarem. O autor é reticente, isto é, não define como eles eram impedidos de encostar.

Cedo me preparo para ir embora para o acampamento Salumã. Pelas 7h chegam os Salumã pelo picadão da Londrina, onde tem um barracão com o Sapas - saquearam levando bastante açúcar, dois machados, facas, facões e foices... Chegam no Brás às 7h45. Brás não deixa encostar e os Salumã não encostam, continuam descendo o rio Juruena (DIÁRIO 1 de 31/10/1979, p.21).

A partir de 1980, os acampamentos para a ocupação de terras margearam o território Enawene Nawe. Segundo Weiss (1998WEISS, Maria Clara Vieira. Contato Interétnico, Perfil Saúde-Doença e Modelos de Intervenção Mínima: O Caso Enawene-Nawe em Mato Grosso. 1998. 171 f. Tese de Doutoramento pela Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde Pública, Núcleo de Ecologia Saúde e Populações Indígenas. Rio de Janeiro, 1998.), desde 1978, pedidos de interdição da ocupação estavam na FUNAI; no entanto, a instalação da fazenda Londrina, de propriedade do Sr. Pedro Chiquetti, nos limites do território do rio Juruena, tradicional área Enawene Nawe, acontece assim mesmo, dando origem a uma zona de conflito intermitente. Lisbôa ([1985] 2010), em seu diário, traz o ofício encaminhado ao presidente da Funai, em 21 de julho de 1980. Nesse documento, foram feitas observações sobre os limites da fazenda Londrina:

Na proposta feita, baseada em observações da ocupação efetiva dos índios Salumã quanto ao seu território, o limite da fazenda Londrina deve ser o córrego Anasseuiná, ao norte do paralelo 12. No mapa que recebemos, esse limite com a fazenda Londrina está assinalado nas imediações do Rio Oloquiná, deixando de fora toda uma área de real ocupação dos Salumã (OFÍCIO de 21 de julho de 1980 encaminhado por Thomaz de Aquino Lisbôa ao Cel. João Carlos Nobre da Veiga, IN: LISBÔA, [1985] 2010, p. 70).

No entanto, a demarcação aconteceu como estava prevista, nas proximidades do rio Aloquiná. Em meados de 1980, os Enawene estavam com roça de milho próxima ao rio, sendo inevitável o contato com os peões da fazenda. De acordo com Lisbôa ([1985] 2010), o contato foi amistoso. Os Enawene, descendo pelo rio Juruena, encontraram uma grande área desmatada, barraco e família marcando presença. Eles descem de suas canoas, pegam aquilo que acham importante e vão embora.

Na lógica estabelecida pelo contato, há sempre uma relação de troca material e imaterial. Nesse aspecto, Ribeiro (1995RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.) chama a atenção para os diferentes pontos de vista do contato, ao que o autor chama de razões desencontradas. Ao estabelecer contato, o grupo missionário lhes oferece objetos que fazem parte de seu cotidiano. Usando a mesma lógica, o grupo se aproxima do barraco e leva o que considera útil. No entanto, na lógica dos fazendeiros e dos peões instalados nas terras indígenas, qualquer coisa levada pelos Enawene Nawe é considerado saque.

Vicente Cañas (1977-1987) descreve alguns relatos de trabalhadores da fazenda que se instalaram nos arredores da aldeia, através de gravação realizada na sede da Fazenda Juruena, no dia 02 de abril de 1978, sobre a chegada dos Salumã na mesma sede:

Dona Morena: A chegada aqui foi muito interessante: três canoas, de casca de pau; as três canoas vinha lotado. Ficamos tudo espantado com eles... nunca tinha acontecido, nunca tinha visto, e a gente fica assim chateado com aquilo; chegaram tudo nu, assim... não achei bonito aquilo não. Agora é o paulista que vai falar não (DIÁRIO 1 de 02/04/1978, p. 11).

Na sequência do Diário deVicente Cañas, o seguinte relato:

Senhor Paulista:

Eu me esqueci de dizer, aonde é: Juruena, inclusive o nome da fazenda no Tenuta, beira do Juruena, também é Juruena. Mas quando os índios chegaram aqui, nós ficamos assim nesse estado, rapaz estava nu e tudo conversando enrolado, um tal de guatemi, guatemi, não entendia, a gente não entendia fazendo uma farra muito legal que eles fizeram, entende. A única coisa que a turma achou ruim foi eles rouba, não roubá, levá, porque eles não rouba, uns cara sem... mesmo assim, tudo para eles são bonito, sem raciocínio, mas ao mesmo tempo, raciocínio demais, mas por esse motivo eles não tem. Então estamos [...] e com ajuda inclusive dos senhores padres, então a gente está por aí. E no mais muito obrigado, o que eu tinha que falar é só" (DIÁRIO 1 de 02/04/1978, p. 11).

As falas dos trabalhadores da fazenda Londrina retratam a visão assustada do contato com o grupo Enawene. Nessa perspectiva, subentende-se uma invasão dos Enawene no território da fazenda e não o contrário. A partir de então, os encontros e confrontos passam a ser frequentes. Cañas (1977-1987) relata que os Enawene passam a fazer seguidas excursões pelo seu território, onde encontram picadas e derrubadas feitas por novas invasões em seu território, a partir de outubro de 1977.

Ribeiro (1995RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.), ao discutir a chegada dos europeus ao Brasil, retrata a situação do contato interétnico. Segundo o autor, o enfrentamento de dois mundos, visões opostas, determina a relação que seria estabelecida.

Para os que chegavam, o mundo em que entravam era a arena dos seus ganhos, em ouros e glórias, ainda que estas fossem principalmente espirituais, ou parecessem ser, como ocorria com os missionários.[...] Aos olhos dos recém-chegados, aquela indiada louçã, de encher os olhos só pelo prazer de vê-los, aos homens e às mulheres, com seus corpos em flor, tinha um defeito capital: eram vadios, vivendo uma vida inútil e sem prestança. Que é que produziam? Nada. Que é que amealhavam? Nada. Viviam suas fúteis vidas fartas, como se neste mundo só lhes coubesse viver. Aos olhos dos índios, os oriundos do mar oceano pareciam aflitos demais. Por que se afanavam tanto em seus fazimentos? Por que acumulavam tudo, gostando mais de tomar e reter do que de dar, intercambiar? Sua sofreguidão seria inverossímil se não fosse tão visível no empenho de juntar toras de pau vermelho, como se estivessem condenados, para sobreviver, a alcançá-las e embarcá-las incansavelmente? (RIBEIRO, 1995RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 10).

É perceptível a dicotomia entre os grupos étnicos. Essas diferenças são marcadas pelos critérios de pertencimento de cada etnia envolvida. Barth ([1969] 2000) salienta que essas diferenças passam a ser demarcadoras das interações que são estabelecidas entre as pessoas. Fredrick Barth ([1969] 2000, p.111) ainda enfatiza que, “na medida em que as realidades das pessoas são culturalmente construídas […]”, “o que os antropólogos chamam de cultura, de fato, torna-se fundamental para entender a humanidade e os mundos habitados pelos seres humanos”. Mesmo estando no mesmo plano territorial, ambos os grupos étnicos habitam mundos distintos, delimitados por suas culturas.

FRONTEIRAS CULTURAIS E ÉTNICAS ENTRE INDÍGENAS ENAWENE WAWE E OS INOTI/BRANCOS

O contato interétnico promove encontros, desencontros e choques entre mundos e culturas singulares. Ribeiro (1995RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.), ao analisar em sua obra a colonização do Brasil, traça as percepções de mundo vivenciadas pelos sujeitos imbricados no processo, possibilita compreender como sua cultura influencia as relações estabelecidas.

Para os índios, a vida era uma tranquila fruição da existência, num mundo dadivoso e numa sociedade solidária. Claro que tinham suas lutas, suas guerras. Mas todas concatenadas, como prélios, em que se exerciam valentes. Um guerreiro lutava bravo, para fazer prisioneiros, pela glória de alcançar um novo nome e uma nova marca tatuada cativando inimigos. [...] Para os recém-chegados, muito ao contrário, a vida era uma tarefa, uma sofrida obrigação, que a todos condenava ao trabalho e tudo subordinava ao lucro. Envoltos em panos, calçados de botas e enchapelados, punham nessas peças seu luxo e vaidade, apesar de mais vezes as exibirem sujas e molambentas, do que pulcras e belas (RIBEIRO, 1995RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 17).

Os Enawene não viviam totalmente isolados. Mantinham contato com outros grupos indígenas. Os conflitos e choques de visões já aconteciam; porém, regidos por outras lógicas, que não eram a do colonizador. Essa lógica capitalista e desbravadora que considera a terra e sua produtividade máxima como princípio é própria das frentes expansionistas e pioneiras, que, muitas vezes, levaram a confrontos de interesses, massacres e destruição de comunidades indígenas inteiras. Para os Enawene, a terra teria condições suficientes para oferecer o que eles necessitavam. Os rios eram sua fonte de alimentação e de espiritualidade, pois, segundo eles, os peixes estão intrinsecamente ligados ao ritual religioso que mantém a ordem e a paz na comunidade.

Nos registros de Vicente Cañas (1977-1987), é possível perceber que os conflitos em prol da terra aconteceram em vários momentos, com os demais grupos indígenas que ocupavam territórios próximos aos Enawene.

À noite YALAUYNACEATOKLE conta histórias das brigas com os canoeiros. Devido a isso os ENAUENENAUE que moravam nas cabeceiras do OLOUINA e Rio Preto abandonaram o lugar onde estavam morando há muito tempo. Daí passaram a morar nas cabeceiras dos Rio Joaquim Rios e também Rio Iquê e Iquezinho, onde os Cinta Larga também atacaram os ENAUENENAUE e são obrigados a abandonar o lugar, onde passam a morar pelos vales dos afluentes do Camararé em sua margem direita, mas encontram os Nambikwara, brigam com eles e conseguem expulsá-los. Também atacam vários seringueiros (DIÁRIO 3 de 09/01/1984, p.448).

Considerando as narrativas do Pe. Cañas, percebe-se, no mínimo, três momentos de conflitos:

Num primeiro momento, a disputa pelas terras com os canoeiros, indígenas da etnia Rikbátsa, habitantes do noroeste de Mato Grosso, também no entorno do rio Juruena. Quando essa disputa aconteceu, eles estavam assentados próximos ao rio Olouiná e rio Preto, mas o conflito provocou o deslocamento do grupo dentro do território, para as proximidades do rio Joaquim Rios e rio Iquê.

Num segundo momento, nas proximidades do rio Joaquim Rios e do rio Iquê, foram atacados por Cinta Larga, povo indígena com território localizado nas proximidades do rio Juruena, junto ao rio Vermelho, até as cabeceiras do rio Juína Mirin. O novo conflito estimulou a migração dos Enawene para as proximidades do rio Camararé.

A disputa por terras próximas ao rio Camararé com os Nambikuáras, povo indígena com território em três áreas geográficas, foi bem sucedida. Depois das mudanças anteriores, estabeleceram-se nas terras Nambikuára; construíram sua aldeia e ficaram por ali até serem contatados pelo grupo missionário neste território. A procura por territórios ribeirinhos é motivada pela lógica social, pela cosmologia e pela necessidade alimentar, pois a pesca, além de ter a função de ritual, é fonte de alimentação para os Enawene, uma vez que eles não consomem carnes de caça na alimentação.

De acordo com Brandão (1986BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Identidade e Etnia: Construção da Pessoa e Resistência Cultural. Editora Brasiliense, 1986. 173 p.), o contato interétnico é definido, inicialmente, pelo tipo de frente que inicia o contato e, posteriormente, pela história das relações entre indígenas e não indígenas. O resultado do contato interétnico com os Enawene, oficializado pelas expedições missionárias e as organizações indigenistas, só não foi mais destrutivo, porque foi regido por uma série de critérios estabelecidos a partir da preservação de direitos, da cultura e de cuidados com a saúde. Mas, ainda assim, resultaram em conflitos armados, mortes e a construção de preconceitos que se perpetuam até os dias atuais.

Diante dos iminentes conflitos e devido ao avanço das fronteiras, Lisbôa ([1985] 2010) trabalhava na urgência em interditar, definir, decretar, delimitar e demarcar o território Enawene, pois, diariamente, os Enawene encontravam novas picadas e sentiam-se pressionados pela ação colonizadora. A partir de 20 de julho de 1978, os missionários Cañas e Lisbôa encaminham ofícios à FUNAI. Lisbôa ([1985] 2010), em seu diário, apresenta o primeiro ofício encaminhado ao presidente da FUNAI, Ismarth Araujo, em Brasília - DF.

Saudações.

No dia 9 de junho, próximo passado, o funcionário da FUNAI, Noraldino Vieira Gruvinal, do DGPC-DEP, veio consultar-nos sobre a área prevista para o Salumã, e isto, em vista de ser dada ou não a certidão negativa da fazenda Londrina, localizada na margem esquerda do médio rio Juruena, ao norte do Mato Grosso. Como o grupo indígena Salumã tem parte em seu habitat na área reservada para os Nambikuára, vieram também os atuais responsáveis por estes índios, Fritz e Ariovaldo, da FUNAI. Demos todos os elementos e insistimos na necessidade de que seja INTERDITADA uma área que abranja todos os atuais territórios de andanças dos Salumãs [...] Vicente Cañas, Thomaz de Aquino Lisbôa (LISBÔA, [1985] 2010, p. 62-63).

Após esse primeiro documento expedido, Lisbôa e Cañas passam a manter um diálogo com a FUNAI em Cuiabá e em Brasília. O diário de Tomaz de Aquino Lisbôa traz onze ofícios expedidos entre 1978 e 1984. Todos trazem a preocupação com a demarcação territorial dos Enawene e com a tensão gerada pela zona de conflito. Esses documentos encaminhados apresentam descrições das áreas Enawene Nawe e se referem às ações dos fazendeiros e dos indígenas. No ofício encaminhado à FUNAI de Brasília, em 20 de agosto de 1984, Lisbôa ([1985] 2010) faz o seguinte relato:

[...] Dias atrás foram visitar seus lugares e encontraram cerca de fazenda, acampamento de trabalhadores e um trator de esteiras não havia ninguém no local. Os índios arrebentaram a cerca, queimaram o barraco do acampamento e quebraram o que puderam no trator [...] (LISBÔA, [1985] 2010, p. 89).

Lisbôa e Vicente Cañas eram responsáveis pela Missão Anchieta. O relacionamento com a FUNAI não era fácil. Apesar da insistência, poucas ações eram empreendidas de fato.

Durante toda a década de 80 e de 90, no século XX, e primeira década do século XXI, as invasões na T.I Enawene Nawe foram também frequentes, motivadas pela extração ilegal de madeira, garimpo, pesca e pelas tentativas de traçados para abertura de estradas clandestinas. Os programas de vigilância territorial exigiam esforços constantes na tentativa de articular os órgãos competentes para realizar as desintrusões da área, na maioria das vezes acompanhadas por confrontos violentos e situações recorrentes de ameaças e intimidações por parte dos invasores. Os limites norte e noroeste foram sempre as porções territoriais mais vulneráveis a essas invasões, enquanto os limites sul estão cercados pelos empreendimentos agropecuários e pela poluição das águas (JAKUBASZKO, 2006JAKUBAZKO, Andrea. Dossiê IPNAH - Yaõkwa Povo Enawene Nawe. Cuiabá: OPAN - Operação Amazônia Nativa, [2006?]., p.193).

Para Martins (1997MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira. In: _____. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo, 1997, Cap. 4, p. 145-201.), os conflitos territoriais impostos pelas frentes de expansão não repercutem apenas no modo de vida, mas também promovem rearranjos espaciais dos territórios e repercutem nas relações com parcialidades de grupos indígenas inimigas. Para os Enawene garantirem seu território, foi necessário rever sua relação com os antigos inimigos Cinta Larga. Ainda assim, enfrentavam o processo colonizador com toda a sua lógica capitalista, próximo ou dentro de seu território.

Cañas (1977-1987) relata que os encontros entre os Enawene e os fazendeiros e posseiros deixaram de ser amistosos. As mercadorias encontradas nos barracos eram levadas por eles. Muitas vezes, os posseiros ateavam fogo em suas cabanas de pesca. Certa ocasião, depara-se com um grupo na área Enawene: “[...] são duas turmas: uma de quatro que fazem a engenharia e outra de oito, que são peões e que tinham falado que já derrubaram uns 10 alqueires [...]” (DIÁRIO 3 de 13/04/1983, p. 263). O relacionamento conflituoso imperava. As pessoas que trabalhavam com os indígenas também eram ameaçadas. Pe. Vicente Cañas e Thomaz de Aquino Lisbôa, assim como os demais estavam sob a mira de pistoleiros. Em setembro de 1984, o jornal Diário de Cuiabá noticiou um massacre, com a seguinte manchete:

Índios invadem fazenda em Juína e cometem um verdadeiro massacre. Foi verificado um violento massacre no município de Juína, quando, na oportunidade, 17 índios de tribo desconhecida atacaram uma equipe de topógrafos que estava fazendo levantamento de uma área de uma fazenda naquele município. Dois foram trucidados, enquanto que outros dois estão em estado gravíssimo no hospital de Juína [...] (JORNAL Diário de Cuiabá, apud LISBÔA, [1985] 2010, p. 90).

No que se refere ao acontecimento, Lisbôa ([1985] 2010LISBÔA, Tomaz de Aquino. Diário de Campo, Thomaz de Aquino Lisbôa, “Jaúka” - Enawene nawe: Primeiros Contatos. São Paulo: Edições Loyola, [1985] 2010.) traz em seu diário todas as notas de jornais que noticiaram o fato. Ele também relata que o delegado da 5ª Delegacia Regional da FUNAI - Cuiabá, Amilton Monteiro, alegou que havia falta de relacionamento com a Missão Anchieta e que não havia sido avisado de conflitos anteriores. Nesse contexto, o delegado e uma equipe da FUNAI descem até a área de conflito. Lisbôa ([1985] 2010LISBÔA, Tomaz de Aquino. Diário de Campo, Thomaz de Aquino Lisbôa, “Jaúka” - Enawene nawe: Primeiros Contatos. São Paulo: Edições Loyola, [1985] 2010.) relata a reunião:

Na mesa da casa-sede da fazenda Juruena, Vicente Cañas abriu o mapa da área Enawene Nawe e explicou ao delegado todo o ocorrido. As picadas de medição, recentíssimas, haviam atingido o córrego Olouiná, sagrado para os Enawene Nawe e não houve como impedi-los de irem atrás dos picadeiros e matar dois e ferir outros dois. O delegado prometeu agilizar a vinda da equipe da FUNAI-SEMA-INCRA-INTERMAT para resolver a situação (LISBÔA, [1985] 2010LISBÔA, Tomaz de Aquino. Diário de Campo, Thomaz de Aquino Lisbôa, “Jaúka” - Enawene nawe: Primeiros Contatos. São Paulo: Edições Loyola, [1985] 2010., p.95).

Segundo Lisbôa ([1985] 2010LISBÔA, Tomaz de Aquino. Diário de Campo, Thomaz de Aquino Lisbôa, “Jaúka” - Enawene nawe: Primeiros Contatos. São Paulo: Edições Loyola, [1985] 2010.), o clima de revanche na cidade de Juína era tenso. Em meio a toda essa crise, Cañas e Lisbôa foram chamados à Delegacia Regional da FUNAI em Cuiabá. Alertados sobre a condição das ameaças aos Enawene e a eles, Cañas e Lisbôa decidem não sair da área.

De acordo com Lisbôa ([1985] 2010LISBÔA, Tomaz de Aquino. Diário de Campo, Thomaz de Aquino Lisbôa, “Jaúka” - Enawene nawe: Primeiros Contatos. São Paulo: Edições Loyola, [1985] 2010.), foram várias as tentativas de solicitar a interferência da FUNAI, mas as respostas, assim como a demarcação das terras, eram morosas. Enquanto isso, a região vivia sob forte conflito: a divergência com outros grupos indígenas, tais como os Cinta Larga, que, apesar de terem promovido uma aliança de paz, acabavam adentrando o território Enawene, em busca de madeiras e diamantes, além dos não indígenas, com a abertura de novas picadas no território Enawene. Esses conflitos totalizaram onze mortes, entre elas, a do padre Vicente Cañas, interlocutor no processo de pacificação e figura essencial para a demarcação territorial.

Diante dos acontecimentos, a FUNAI oficializa a Portaria de nº PP/3544, de 19 de outubro de 1987, de Interdição da Área Indígena Salumã. Nesse documento, consta, praticamente de modo pleno, o território Enawene Nawe, mas ainda ficam fora o córrego Pedra de Fogo e as cabeceiras dos rios Preto e Iquê, motivo pelo qual a comunidade luta até hoje na justiça federal (BRASIL, Portaria PP/3544 de 19/10/1987). Apesar da interdição do território Enawene ter acontecido em 1987, a homologação só acontece em 02/10/1996. Ao longo desse período, houve várias interlocuções com grupos de pesquisadores, antropólogos, autoridades governamentais e a população não indígena que tinha interesse na demarcação. O debate sobre os processos de demarcação territorial é sempre carregado de pontos de vista divergentes e polêmicos.

Como afirma Ribeiro (1995RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.), após a desilusão de um contato pacífico que visa à submissão e à desumanização, ocorrem os conflitos de vida e de morte. Com os Enawene Nawe, a situação não foi diferente: enfrentaram conflitos com posseiros de terras e houve mortes que repercutiram em todo o país. Durante o período de demarcação do território Enawene, os títulos das terras nos arredores foram expedidos. Fazendas como a Fazenda Londrina e a Fazenda Juruena são exemplos de ocupações simultâneas ao processo de demarcação.

Para Little (1994LITTLE, Paul Elliot. Espaço, memória e migração. Por uma teoria de reterritorialização. Textos de história. Revista de Pós-Graduação em História da UNB. Brasília. v.2, n.4, p.5-25.1994), nos processos de demarcação territorial indígena, imperam leis baseadas em conceitos ocidentais, inclusive para legitimar a memória coletiva do grupo que requer seus direitos. A título de ilustração, o autor analisa a situação dos indígenas Lakotas que, durante anos, procuraram meios de retomar suas terras, do ponto de vista deles. O tempo é secundário para a importância da luta. Portanto, contrapõem-se à lógica ocidental, presente na demarcação territorial das comunidades indígenas brasileiras, influenciada pelo projeto colonizador. De acordo com Lisbôa ([1985] 2010LISBÔA, Tomaz de Aquino. Diário de Campo, Thomaz de Aquino Lisbôa, “Jaúka” - Enawene nawe: Primeiros Contatos. São Paulo: Edições Loyola, [1985] 2010.), o foco dos conflitos não se resumia nas mortes ou no impacto disso sobre a comunidade indígena ou não indígena, mas, sim, na necessidade de demarcar o território para que o processo colonizador não sofresse desaceleração.

Ainda existem, de forma latente, os conflitos territoriais, pois, desde a homologação do território Enawene, em 1996, ficou fora da demarcação, o Rio Preto, considerado sagrado para o Ritual Yaokwã na perspectiva da comunidade indígena e área extremamente produtiva para os fazendeiros da região. As discussões encontram-se no Ministério Público Federal, sem possibilidade de acordo, gerando movimentações políticas e sociais de ambos os lados.

De acordo com Little (1994LITTLE, Paul Elliot. Espaço, memória e migração. Por uma teoria de reterritorialização. Textos de história. Revista de Pós-Graduação em História da UNB. Brasília. v.2, n.4, p.5-25.1994), a legitimação de um território parte da perspectiva legal, com base em argumentos sólidos (documentos). Nessa lógica ocidental, cabe observar as perspectivas de indígenas e de não indígenas, o que fica claro nos seus discursos:

Desde muito tempo atrás, esta é nossa terra. Ela pertence aos yakairiti (espíritos ancestrais), que são os donos dos peixes e de todos os produtos agrícolas. Se a terra e os peixes forem destruídos, os yakairiti se vingarão da nossa gente. (Kawairi - chefe Enawene, apud: Zorthêa, 2006, p.19)

É de conhecimento comum da região a tentativa de expansão das reservas indígenas para a região do Rio Preto, que é altamente produtiva e há muito foi colonizada pelos desbravadores de Juína, que agora se encontram ameaçados de perderem o patrimônio construído a duras penas ao longo de suas vidas. Cuida-se de questão que traz grande preocupação a toda comunidade local, vez que a nova demarcação de terras aumentará em 500 mil hectares a área indígena atualmente existente, atingindo-se cerca 370 propriedades rurais e 1.500 pessoas. O encerramento das atividades lá desenvolvidas, principalmente agropecuárias, fará inúmeros desempregados e prejudicará toda a economia de Juína (JUÍNA. Mensagem do prefeito de Juina, Documento 092/2007).

A polêmica se instaura no processo, tendo como relevância um mesmo território para dois grupos distintos. Para Little (1994LITTLE, Paul Elliot. Espaço, memória e migração. Por uma teoria de reterritorialização. Textos de história. Revista de Pós-Graduação em História da UNB. Brasília. v.2, n.4, p.5-25.1994), assuntos que envolvem a compreensão das culturas, tais como, a legitimidade das memórias espaciais e coletivas, a prova oral e os processos de reterritorialização dos grupos sobre esse local geográfico tendem a divergir e a conflituar sempre.

No processo colonizador já registrado em diversos países, tornam-se comuns conflitos em torno da questão territorial. No Brasil, nas diversas regiões, os conflitos entre colonizadores e indígenas partem da disputa entre territórios e das concepções atribuídas a eles. Esses conflitos geraram e ainda geram muitas reflexões sociais, antropológicas, econômicas e jurídicas, que resultam em leis e decretos que delimitam e arregimentam as ações dos governos, dos povos indígenas e dos demais grupos sociais.

Sabemos, no entanto, que essas questões estão para além das garantias legais. Devem ser percebidas e compreendidas social e cientificamente a partir de um novo olhar, considerando a pluralidade de cada sociedade indígena. Nesse sentido, não se aplica a uniformização dos estudos no que se refere à terra, assim como é impraticável para comunidades indígenas, uma visão do significado da terra e do território na lógica ocidental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos embates travados pelo processo de demarcação territorial dos Enawene, é relevante observar que os discursos atrelados ao processo de colonização descaracteriza a necessidade de que os indígenas sejam possuidores de sua terra. Os acontecimentos que marcam o pós-contato são sempre definidos pelo processo de demarcação territorial e pela luta favor da manutenção do território.

Não obstante do que ocorreu nas demais regiões do Brasil, o processo de colonização e de consolidação de áreas do alto rio Juruena e do Projeto Juína significam um marco de luta para os povos indígenas desse território. No que se refere aos Enawene, aprender as regras do jogo do discurso e da retórica dos não indígenas, além de uma necessidade, passa a ser também uma estratégia de sobrevivência no mundo regido pela lógica ocidental capitalista, no qual imperam conflitos, práticas de violência, jaguncismo, escravidão por dívidas, entre outros descasos com a vida humana. Nesse sentido, cabe observar que as evidências históricas denunciam por si só o processo da frente pioneira no município de Juína e nos demais, cujos resultados são devastadores.

Os conflitos territoriais e a desvalorização da cultura e da riqueza interétnica ficam elucidados diante do processo histórico dos municípios. Compreende-se, assim, também, a negação do indígena como partícipe da construção histórica dos municípios localizados em áreas do rio Juruena, bem como, em outras áreas do país. Vale também observar que, nesse processo histórico de lutas e de conflitos, o território assume funções diferentes para ambos os grupos, pois, na lógica do colonizador, o território compreende poder, riqueza e domínio. Já para as comunidades indígenas, o território é visto na perspectiva da identidade e da memória.

Ainda, no bojo dessa reflexão, cabe compreender que os indígenas não foram apenas vítimas do processo colonizador, seja no projeto de construção do Brasil, do Mato Grosso, de Juína e da região. Também não se pode dizer que eles foram irredutíveis contra o processo colonizador. As relações sociais construídas resultaram em conflitos, alianças e trocas, o que possibilitou mudanças e transformações para indígenas e não indígenas. O contato interétnico trouxe aos Enawene e à sociedade não indígena, a possibilidade da interação social, bem como, trouxe aspectos reveladores das diferenças sociais e culturais, a afirmação de identidades contrastivas.

REFERÊNCIAS

  • BARTH, Frederik. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: BARTH, Frederik. LASK, Tomke (org.). O Guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Tradução de John Cunha Comerford Rio de Janeiro: Contracapa, ([1969]) 2000. p. 25-67.
  • BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Identidade e Etnia: Construção da Pessoa e Resistência Cultural. Editora Brasiliense, 1986. 173 p.
  • BRASIL. Portaria de Interdição da Área Indígena Salumã de nº PP/3544 de 19 de outubro de 1987.
  • CANOVA, Loiva. Os doces bárbaros: os índios Paresi no contexto da conquista Portuguesa em Mato Grosso (1719-1757). 2003. 116 f. Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal de Mato Grosso, 2003.
  • DIÁRIO 1 de 02/04/1978 do Pe. Vicente Cañas. In: CÃNAS, Vicente. 1977 a 1987. Diários de Campo 1, Mimeo. p. 2.
  • DIÁRIO 1 de 15/10/1979 do Pe. Vicente Cañas. In: CÃNAS, Vicente. 1977 a 1987. Diários de Campo 1, Mimeo. p. 17.
  • DIÁRIO 1 de 31/10/1979 do Pe. Vicente Cañas. In: CÃNAS, Vicente. 1977 a 1987. Diários de Campo 1, Mimeo. p. 21.
  • DIÁRIO 3 de 13/04/1983, do Pe. Vicente Cañas, 1977-1987, In: CÃNAS, Vicente. 1977 a 1987. Diários de Campo 3, Mimeo. p. 263.
  • DIÁRIO 3 de 09/01/1984 do Pe. Vicente Cañas. In: CÃNAS, Vicente. 1977 a 1987. Diários de Campo 3, Mimeo. p. 448.
  • GALLOIS, Dominique Tilkin. Mairi Revisitada. A Reintegração da Fortaleza de Macapá na Tradição Oral dos Waiãpi. São Paulo: NHII-USP/FAPESP. 1993. 92 p.
  • INDIOS Isolados recebem expedição. O Estado de São Paulo, São Paulo, 24 ago. 1974. p.8.
  • JAKUBAZKO, Andrea. Imagens da Alteridade: um estudo da experiência histórica dos Enawene Nawe. 2003. 145 f. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, PUC/SP, 2003.
  • JAKUBAZKO, Andrea. Dossiê IPNAH - Yaõkwa Povo Enawene Nawe. Cuiabá: OPAN - Operação Amazônia Nativa, [2006?].
  • JOANONI NETO, Vitale. Amazônia na década de 1970. A fronteira sob o olhar do migrante. Revista Eletrônica da ANPHLAC, ISSN 1679-1061, n. 16, p. 186 -206, Jan./Jul. 2014.
  • JOANONI NETO, Vitale.. Fronteiras das Crenças: Ocupação do Norte de Mato Grosso após 1970. Cuiabá: EdUFMT/Carlini & Cianato, 2008.
  • JUÍNA. Mensagem do Gabinete do Prefeito de 26 de novembro de 2007.
  • LISBÔA, Tomaz de Aquino. Diário de Campo, Thomaz de Aquino Lisbôa, “Jaúka” - Enawene nawe: Primeiros Contatos. São Paulo: Edições Loyola, [1985] 2010.
  • LITTLE, Paul Elliot. Espaço, memória e migração. Por uma teoria de reterritorialização. Textos de história. Revista de Pós-Graduação em História da UNB. Brasília. v.2, n.4, p.5-25.1994
  • MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira. In: _____. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo, 1997, Cap. 4, p. 145-201.
  • RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
  • WEISS, Maria Clara Vieira. Contato Interétnico, Perfil Saúde-Doença e Modelos de Intervenção Mínima: O Caso Enawene-Nawe em Mato Grosso. 1998. 171 f. Tese de Doutoramento pela Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde Pública, Núcleo de Ecologia Saúde e Populações Indígenas. Rio de Janeiro, 1998.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2015
  • Aceito
    05 Set 2017
Editora da Universidade Federal de Uberlândia - EDUFU Av. João Naves de Ávila, 2121 - Bloco 5M – Sala 302B, 38400902 - Uberlândia - Minas Gerais - Brasil, +55 (34) 3239- 4549 - Uberlândia - MG - Brazil
E-mail: sociedade.natureza@ig.ufu.br