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Valores incorporados: saúde pós-farmacêutica e o acúmulo de vitalidade excedente na medicina regenerativa com células-tronco

Resumo

Este artigo analisa uma forma emergente de saúde pós-farmacêutica e seu regime implícito de valor na bioeconomia global da medicina regenerativa baseada em células-tronco (MRCT). Estimulada por uma perspectiva de superação das terapias baseadas em medicação e suas economias políticas subjacentes, a medicina regenerativa com células-tronco (MRCT) busca uma forma de saúde regenerativa notavelmente dissonante dos regimes farmacológicos de pesquisa, regulação e terapia. Visando oferecer um enfoque teórico desses modelos de saúde concorrentes, este artigo oferece uma análise dos regimes de valores que sustentam a saúde farmacêutica e a saúde regenerativa, respectivamente. Essa análise se faz segundo três dimensões: as correlações entre conhecimento, tecnologia e criação de valor econômico; sua relação com valores normativos e a ética; e as concepções e valorações do sujeito biomédico e de seu corpo em pesquisa, intervenção e inovação biomédicas. A comparação entre esses dois regimes divergentes de saúde e valor sugere que na MRCT a lógica farmacêutica de acumular “saúde excedente” não é inteiramente descartada, mas rearticulada num regime baseado na re(produção) de biovalor regenerativo, por meio da extração e acumulação ex vivo de “vitalidade excedente”. Finalmente, o artigo discute a “saúde pós-farmacêutica” como um conceito provocativo que oferece novos caminhos de pesquisa para formas emergentes de saúde, valor e subjetividade para além da MRCT.

Palavras-chave:
Bioeconomia; Biovalor; Regimes de saúde; Medicamentos; Medicina regenerativa de células-tronco; Farmacologização regulatória

Abstract

This paper analyzes an emerging form of post-pharmaceutical health and its underlying regime of value in the global bioeconomy of regenerative stem cell-based medicine (RSCM). Animated by a vision to overcome drug-based therapies and their underlying political economies, RSCM pursues a form of regenerative health that is strikingly at odds with pharmaceutical regimes of drug research, regulation and therapy. To offer a theoretical account of these competing forms of health, the paper provides an analysis of the regimes of values that underpin pharmaceutical and regenerative health respectively. This analysis is done alongside three dimensions: the interlinkage between knowledge, technology and economic value creation; its relation to normative values and ethics; and conceptions and valuations of the biomedical subject and his/her body in biomedical research, intervention and innovation. Contrasting these two diverging regimes of health and value suggests that in RSCM the pharmaceutical logic of accumulating “surplus health” is not entirely dismissed but re-articulated in a regime based on the (re-)generation of regenerative biovalue through the extraction and ex vivo accumulation of “surplus vitality”. Finally, the article discusses “post-pharmaceutical health” as a sensitizing concept that offers new research avenues into emergent forms of health, value, and subjectivity beyond RSCM.

Keywords:
Bioeconomy; Biovalue; Health regimes; Pharmaceuticals; Regenerative stem cell medicine; Regulatory pharmaceuticalization

Resumen

Este artículo analiza una forma emergente de salud post-farmacéutica y su régimen subyacente de valor en la bioeconomía global de la medicina regenerativa basada en células madre (MRCM). Animada por una visión de superación de las terapias basadas en medicamentos y sus economías políticas subyacentes, la MRCM persigue una forma de salud regenerativa que está marcadamente en desacuerdo con los regímenes farmacéuticos de investigación, regulación y terapia de medicamentos. Para ofrecer una explicación teórica de estas formas de salud en competencia, el artículo proporciona un análisis de los regímenes de valor que sustentan la salud farmacéutica y la regenerativa, respectivamente. Este análisis se hace según tres dimensiones: la interconexión entre el conocimiento, la tecnología y la creación de valor económico; su relación con los valores normativos y la ética; y las concepciones y valoraciones del sujeto biomédico y su cuerpo en la investigación, intervención e innovación biomédicas. El contraste de estos dos regímenes divergentes de salud y valor sugiere que en la MRCM la lógica farmacéutica de acumular “salud excedente” no se descarta completamente, sino que se rearticula en un régimen basado en la (re)generación de biovalor regenerativo a través de la extracción y la acumulación ex vivo de “vitalidad excedente”. Finalmente, el artículo analiza la “salud post-farmacéutica” como un concepto instigador que ofrece nuevas vías de investigación en formas emergentes de salud, valor y subjetividad más allá de la MRCM.

Palabras clave:
Bioeconomía; Biovalor; Regímenes de salud; Medicamentos; Medicina regenerativa de células madre; Farmacologización reguladora

Introdução

Desde a virada do milênio, as terapias com células-tronco têm sido centrais para um paradigma biomédico inovador, a chamada “medicina regenerativa” (Webster, 2013WEBSTER, Andrew. The global dynamics of regenerative medicine: a social science critique. London: Palgrave Macmillan , 2013. ). Esta medicina regenerativa baseada em células-tronco (MRCT) promete uma nova abordagem para a pesquisa e tratamento de doenças, especialmente para as atualmente incuráveis ​​e aquelas para as quais as abordagens farmacológicas não conseguem fornecer tratamentos eficazes. Mas além das promessas de expandir o espectro das condições médicas tratáveis, a MRCT lança a ideia de uma nova medicina revolucionária baseada na efetiva regeneração, isto é, na cura, em vez do mero tratamento dos sintomas. Esta visão pós-farmacêutica vincula-se, ainda, a uma série de promessas de inovação como a criação de novas indústrias e mercados, a completa restauração de sistemas de saúde falidos, a melhoria da competitividade nacional numa economia global baseada no conhecimento - culminando, até mesmo, na ideia de reduzir as pressões individual e social relacionadas ao envelhecimento ao nutrir a fantasia mitológica de finalmente sermos capazes de derrotar a morte (Cooper, 2008COOPER, Melinda. Life as surplus. Biotechnology and capitalism in the neoliberal era. Seattle: University of Washington Press, 2008.; Gottweis et al., 2009GOTTWEIS, Herbert; SALTER, Brian; WALDBY, Catherine. The global politics of human embryonic stem cell science. London: Palgrave Macmillan, 2009.).

Grandes esperanças e expectativas por parte de todos os envolvidos - pacientes, investidores e formuladores de políticas, bem como comunidades biomédicas e empresas de biotecnologia que apostam no valor especulativo clínico e comercial da MRCT - têm gerado forte pressão para desenvolver e trazer, o quanto antes, terapias baseadas em células-tronco para as clínicas e o mercado (Morrison, 2012MORRISON, Michael. Promissory futures and possible pasts: the dynamics of contemporary expectations in regenerative medicine. BioSocieties, v. 7, p. 3-22, 2012.). Em uma verdadeira “corrida à clínica” (Wilson, 2009WILSON, James. A history lesson for stem cells. Science, v. 324, p. 727-8, 2009.) que se formou em escala global, diversos atores clínicos e corporativos buscaram concretizar a promessa da MRCT e fornecer terapias efetivas baseadas em células-tronco para pacientes necessitados (Salter et al., 2015SALTER, Brian; ZHOU, Yinhua; DATTA, Saheli. Hegemony in the marketplace of biomedical innovation: consumer demand and stem cell science. Social Science & Medicine, v. 131, p. 156-63, 2015.; Rosemann et al., 2016ROSEMANN, Achim; CHAISINTHROP, Nattaka. The pluralization of the international: resistance and alter-standardization in regenerative stem cell medicine. Social Studies of Science, v. 46, n. 1, p. 112-39, 2016.; Bharadwaj, 2018BHARADWAJ, Aditya. Stem cell intersections: perspectives and experiences. In: BHARADWAJ, A. (Ed.). Global perspectives on stem cell technologies. Cham: Palgrave MacMillan, 2018, p. 1-24.). No entanto, não apenas as previsíveis dificuldades do processo de translação para a prática clínica diminuíram as esperanças de rápido uso terapêutico, como também visões um tanto divergentes sobre quais seriam os caminhos desejáveis e sensatos para a inovação baseada em terapias regenerativas com células-tronco desencadearam significativos conflitos dentro e fora das comunidades biomédicas (Haddad et al., 2013HADDAD, Christian; CHEN, Haidan; GOTTWEIS, Herbert. Unruly objects: novel innovation paths and their regulatory challenge. In: WEBSTER, Andrew (Ed.). The global dynamics of regenerative medicine. Houndsmill: Palgrave MacMillan, 2013, p. 88-117.; Rosemann; Chaisinthrop, 2016ROSEMANN, Achim; CHAISINTHROP, Nattaka. The pluralization of the international: resistance and alter-standardization in regenerative stem cell medicine. Social Studies of Science, v. 46, n. 1, p. 112-39, 2016.).

Enquanto grande parte das comunidades biomédicas ocidentais promovem caminhos de inovação que, em geral, seguem o processo “farmacêutico” de pesquisa, desenvolvimento e comercialização (ISSCR, 2018aISSCR - International Society of Stem Cell Research. Guidelines for the clinical translation of stem cells. Skokie: ISSCR, 2008. Available at: http://www.isscr.org/home/publications/ClinTransGuide.
http://www.isscr.org/home/publications/C...
), outros têm explorado abordagens de inovação médica totalmente diferentes para terapias com células-tronco (Bharadwaj, 2014BHARADWAJ, Aditya. Experimental subjectification: the pursuit of human embryonic stem cells in India. Ethnos, v. 79, n. 1, p. 84-107, 2014.). Em todo o mundo surgiu uma profusão de centros clínicos oferecendo tratamentos com células-tronco considerados experimentais - tanto em termos de serem terapias ainda em desenvolvimento, de efeitos não comprovados, quanto de lidarem com modelos sociotécnicos, comerciais e legais de inovação biomédica mais amplos. Alarmadas com a onda dessas práticas experimentais, agências reguladoras e associações profissionais têm procurado controlar o mercado de tratamentos não regulamentados, muitas vezes tentando punir clínicas inescrupulosas e reinserir as terapias experimentais baseadas em células-tronco nos regimes regulatórios aplicados à pesquisa e desenvolvimento de fármacos. No entanto, as numerosas tentativas de suprimir tanto a oferta quanto a demanda de tratamentos experimentais com células-tronco têm sido quase sempre malsucedidas em âmbito global (Sipp et al., 2017SIPP, Douglas et al. Marketing of unproven stem cell-based interventions: a call to action. Science translational medicine, v. 9, n. 397, p. eaag0426, 2017.).

No contexto de disseminação dessas práticas irregulares, emergiram diversas formas de resistência ativa contra esta “farmacologização regulatória” (cf. Faulkner, 2012FAULKNER, Alex. Tissue engineered technologies: regulatory pharmaceuticalization in the European Union. Innovation: The European Journal of Social Science Research, v. 25, p. 389-408, 2012.) da MRCT. Enquanto muitas clínicas privadas de terapia com células-tronco tentavam se esquivar das ações regulatórias por meio de táticas diversas, outras clínicas e empresas iniciaram uma batalha, por meio de debates públicos ou processos judiciais, em defesa de sua visão de inovação na MRCT contra o que consideram uma repressora incorporação das células-tronco no complexo farmacêutico-regulatório (Tersal, 2012TERSAL. Stop FDA shutting down adult stem cell research. Care2, 2012. Available at: http://www.thepetitionsite.com/de/1/PetitionforAdultStemCells/.
http://www.thepetitionsite.com/de/1/Peti...
).

Em outros casos, pacientes foram a público, assinaram petições e protestaram nas ruas a fim de interromper o que denunciavam como um “confisco farmacêutico” de corpos e células (Abott, 2013ABBOTT, Alison. Stem-cell ruling riles researchers. Nature, v. 495, n. 7442, p. 418-19, 2013.; PR Newswire, 2013). Logo, uma série de influentes acadêmicos, políticos e centros de estudos (cada um, talvez, por razões próprias) manifestaram apoio à causa e criticaram a aparente relutância das instituições biomédicas e agências reguladoras em responder adequadamente às necessidades e aos desafios específicos relacionados às tecnologias inovadoras emergentes. Além disso, os proponentes dessas abordagens “alternativas” ao desenvolvimento de células-tronco começaram a organizar-se e estabelecer redes e instituições profissionais num esforço para normalizar modelos de inovação não farmacêuticos na MRCT (Rosemann; Chaisinthrop, 2016ROSEMANN, Achim; CHAISINTHROP, Nattaka. The pluralization of the international: resistance and alter-standardization in regenerative stem cell medicine. Social Studies of Science, v. 46, n. 1, p. 112-39, 2016.). Como resultado, nos últimos anos viu-se o surgimento de uma espécie de universo paralelo de instituições alternativas que desenvolvem e propagam padrões concorrentes para controle de qualidade, avaliações éticas e sistemas de certificação para medicina regenerativa baseada em células-tronco (Blasimme, 2013BLASIMME, Alessandro. Translating stem cells to the clinic: scientific societies and the making of regenerative medicine. Quaderni, v. 2, p. 29-44, 2013., Rosemann; Chaisinthrop, 2016ROSEMANN, Achim; CHAISINTHROP, Nattaka. The pluralization of the international: resistance and alter-standardization in regenerative stem cell medicine. Social Studies of Science, v. 46, n. 1, p. 112-39, 2016.).

Rumo a uma forma pós-farmacêutica de saúde?

O argumento inicial deste artigo é que aquilo que parece, na perspectiva da biomedicina ocidental, prática “desviante” ou simples postura antifarmacêutica por parte de setores equivocados ou mal informados dentre as comunidades da MRCT não representa apenas um tipo de problema inicial de um campo biomédico incipiente. Ao contrário, conceitualizar essas contestações aparentemente “antifarmacêuticas” em termos de articulações de um emergente regime pós-farmacêutico de saúde ajuda a discernir questões mais amplas de saúde, valor e subjetividade no início do século XXI.

A partir dessa perspectiva conceitual, a MRCT constitui um espaço importante de articulação e experimentação biopolítica para uma nascente bioeconomia global das ciências da vida, em que o nexo entre saúde e biomedicina está sendo reconcebido e reconfigurado. A tese central deste artigo é que, na MRCT, não apenas produtos inovadores e possivelmente melhores terapias estão sendo desenvolvidos, mas também o próprio significado de saúde está em jogo - isto é, como a saúde é definida e se torna inteligível enquanto objeto de conhecimento, como ela deve ser produzida, promovida, valorizada, comercializada, entregue e consumida como um bem, e quem são os sujeitos nestes processos.

Com base nisso, este artigo oferece uma abordagem teórica sobre os regimes de saúde pós-farmacêuticos emergentes, analisando o nexo entre saúde e valor na MRCT e contrastando-o com aquele dos regimes farmacêuticos. Embora meu argumento esteja fundado em um estudo de caso empírico que formou parte de meu projeto de doutorado (Haddad, 2016HADDAD, Christian. The biopolitics of innovation: (re-)articulating visions and values of research, regulation and experimentation in the making of regenerative stem cell medicine. 2016. Dissertation (Doctor of Philosophy) - Faculty for Social Sciences, University of Vienna, Austria. ), o objetivo deste artigo é essencialmente teórico. Seu foco está em como saúde e valor constituem-se mutuamente na MRCT, e como este regime difere do regime de saúde e valor farmacêutico que a mesma professa suplantar. Para isso, comparo e contraponho os dois respectivos regimes de saúde - farmacêutica e regenerativa - de forma típico-ideal.

O artigo é estruturado da seguinte forma: na seção seguinte, recorro a dois casos exemplo para melhor ilustrar e contextualizar as controvérsias políticas sobre a farmacologização regulatória da MRCT. No entanto, o alcance do problema é mais amplo do que podem sugerir essas análises político-fenomenológicas de articulações antifarmacêuticas, e envolve a própria rede das relações entre poder, conhecimento, subjetividade e valor que constituem e sustentam os regimes de saúde. Portanto, a terceira seção desenvolve o marco teórico e os principais conceitos que norteiam a análise dos regimes de saúde: saúde, valor, conhecimento e subjetividade. Com base nessas discussões, a seção analítica principal deste artigo realiza um estudo teórico e comparativo das saúdes farmacêutica e regenerativa. Comparando-as, é possível discernir diferenças significativas nas formas como saúde e valor são gerados e acumulados na medicina farmacêutica e na regenerativa. Enquanto os regimes farmacêuticos dependem do crescimento incessante de “saúde excedente” através da expansão do consumo de drogas em nível individual e populacional, a medicina regenerativa busca aumentar a “vitalidade excedente” maximizando a extração e a preservação ex vivo de células-tronco somáticas.

Resistência à farmacologização regulatória das terapias com células-tronco

As práticas clínicas e comerciais da MRCT experimental são pelo menos tão diversas quanto as formas de problematização, contestação e resistência à regulação que emergiram globalmente. Assim, embora seja impossível apresentar qualquer caso “modelo”, os pequenos exemplos apresentados a seguir são indicativos de um tipo particular de articulação política que problematiza as relações entre pacientes, seus corpos e suas próprias células-tronco em um discurso expressamente antifarmacêutico.

Articulações antifarmacêuticas

Em torno de 2008, uma clínica ortopédica particular no Colorado (EUA) desenvolveu um tratamento inovador baseado nas próprias células-tronco do paciente e começou a comercializar seu tratamento para pacientes (Cyranoski, 2012CYRANOSKI, David. US drug regulator audits Texas stem-cell company. Nature News Blog, 2012. Available at: http://blogs.nature.com/news/2012/06/fda-hammers-texan-stem-cell-company.html.
http://blogs.nature.com/news/2012/06/fda...
). A meta na visão promissora da clínica era não apenas fornecer tratamentos eficazes para dor crônica nos joelhos e nas costas, mas também revolucionar a ortopedia, desenvolvendo abordagens regenerativas menos invasivas “para além de pílulas e bisturis”. Essas práticas, no entanto, levaram a um conflito com a Agência de Controle de Alimentos e Medicamentos (Food and Drug Administration - FDA) dos EUA. Esta argumentou que tais terapias com células-tronco humanas são análogas a medicamentos e devem ser reguladas do mesmo modo. Sendo assim, as atividades da clínica corresponderiam supostamente a um processo de fabricação e comercialização de medicamentos para os quais a mesma não tinha nem a autorização de comercialização exigida nem a aprovação para ensaios clínicos.

A clínica, por sua vez, argumentou que sua abordagem não implicava desenvolvimento de produtos, mas consistia num procedimento inovador, que se aproximava mais dos campos de prática genuinamente médica - como doação de sangue, inseminação artificial ou transplante de órgãos - do que da produção industrial de medicamentos. Assim sendo, a aplicação de terapias com células-tronco do próprio paciente estaria sob autoridade médica, que é explicitamente protegida da intervenção das agências reguladoras de medicamentos. A competência da FDA, que é democraticamente legitimada pelo Congresso dos EUA, está efetivamente limitada ao controle, em nome da saúde pública e da proteção ao consumidor, da qualidade e segurança dos produtos vendidos no mercado farmacêutico, mas não da maneira como esses medicamentos são prescritos e usados por profissionais médicos nas clínicas (Berry, 1997BERRY, Carol. The dividing line between the role of the FDA and the practice of medicine: a historical review and current analysis. Digital Access to Scholarship at Harvard, 1997. Available at: http://nrs.harvard.edu/urn-3:HUL.InstRepos:8846812.
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).

Com o agravamento da polêmica, a clínica levou a disputa aos tribunais. Seu diretor médico respondeu combativamente, enfatizando que o julgamento resolverá a disputa de uma vez por todas:

[Os] tribunais decidirão se a FDA tem autoridade reguladora sobre as células-tronco adultas que vivem no corpo de todos [...] [e se] o governo tem o direito de impedir um paciente e seu médico de usarem as próprias células-tronco de uma pessoa para tratar doenças. Acreditamos que as células-tronco são partes do corpo e não propriedades do governo ou das Big Pharmas (PR Newswire, 2010PR NEWSWIRE. Colorado medical clinic welcomes opportunity to fight FDA in court. PR Newswire, 9 Aug. 2010. Available at: https://www.prnewswire.com/news-releases/colorado-medical-clinic-welcomes-opportunity-to-fight-fda-in-court-100247969.html.
https://www.prnewswire.com/news-releases...
, grifo nosso).

Grande parte da mídia adotou essa narrativa de Davi contra Golias, conferindo ao litígio uma estética de confronto entre a poderosa reguladora de medicamentos e uma pequena clínica, que definirá o rumo e a direção futuros da medicina regenerativa.

Nesse contexto, o grupo de advocacy Pacientes pelas Células-Tronco (Patients for Stem Cells) lançou uma petição pública na internet para apoiar a causa, intitulada “Não deixe a FDA parar a pesquisa com células-tronco adultas” (Tersal, 2012TERSAL. Stop FDA shutting down adult stem cell research. Care2, 2012. Available at: http://www.thepetitionsite.com/de/1/PetitionforAdultStemCells/.
http://www.thepetitionsite.com/de/1/Peti...
). Sob o lema “Meu Corpo ≠ Medicação!”, a petição soava como um manifesto contra o complexo farmacêutico-regulatório. A crítica dirigia-se principalmente contra a FDA, que foi retratada como uma agência agressiva que teria extrapolado sua competência para o campo da prática médica ao tentar inscrever as terapias com células-tronco no arcabouço legal da pesquisa farmacêutica e em sua economia política de regulação dos mercados de medicamentos. Ao usar essa argumentação, a agência poderia estender sua autoridade não apenas a uma nova classe de substâncias, mas a todo o campo da prática médica:

Esta classificação das células-tronco de uma pessoa como um “medicamento” significa que o governo não apenas está interferindo em tratamentos médicos cientificamente comprovados, como também reivindica jurisdição sobre as células do próprio corpo de uma pessoa. Isso tem amplas implicações no controle da medicina e na perda dos direitos individuais de escolher o tratamento de preferência. A extração e reinserção de células-tronco adultas não é medicamente diferente de uma fertilização in vitro realizada fora do corpo (Tersal, 2012TERSAL. Stop FDA shutting down adult stem cell research. Care2, 2012. Available at: http://www.thepetitionsite.com/de/1/PetitionforAdultStemCells/.
http://www.thepetitionsite.com/de/1/Peti...
).

Uma controvérsia semelhante ocorreu na Itália sobre a Stamina Foundation, uma instituição que oferecia terapias experimentais particularmente para condições pediátricas (Abott, 2013ABBOTT, Alison. Stem-cell ruling riles researchers. Nature, v. 495, n. 7442, p. 418-19, 2013.). Quando as autoridades quiseram interromper os tratamentos experimentais devido à pressão de profissionais de saúde preocupados, ocorreram protestos em massa. Os pacientes e suas famílias exigiam “direito ao tratamento” e autodeterminação médica no contexto de doenças graves. “Il corpore è mio! - O corpo é meu!” era o tom dos protestos contra uma intervenção estatal supostamente ilegítima na privacidade do corpo, autonomia pessoal e relação médico-paciente. Simultaneamente, imagens de caixões infantis tiradas de muitas cidades italianas importantes, de mulheres que apresentavam seus corpos nus no estilo de protesto ativista da organização de direitos das mulheres Femen, bem como de pessoas em cadeiras de rodas enfurecidas com o paternalismo médico-estatal foram divulgadas por vários canais de mídia em todo o mundo. Diante dos protestos, os tribunais italianos suspenderam temporariamente a ação reguladora contra a Stamina e ordenaram que fosse realizado um amplo estudo com financiamento público para verificar a eficácia - e, portanto, a legitimidade - desses tratamentos.

Para além do ativismo de acesso a medicamentos e do espírito antifarmacêutico

Se comparados às experiências de ativismo de pacientes (principalmente ocidentais) e movimentos de “direito ao acesso” (ver, p. ex., Epstein, 1996EPSTEIN, Steven. Impure science: AIDS, activism, and the politics of knowledge. Berkeley: University of California Press, 1996.), esses confrontos em torno de corpos, direitos e medicamentos podem parecer familiares. No entanto, também encontramos diferenças cruciais que vão além do modelo farmacêutico de lutas por pesquisa, regulamentação e acesso a medicamentos.

Primeiramente, há o dilema entre inovação e regulação. Frequentemente, defensores da desregulamentação criticam as instituições que pretendem proteger a saúde e a segurança dos pacientes afirmando que estas, na realidade, os prejudicam com regulamentações excessivas. Embora as críticas expressas nos casos aqui discutidos pareçam reiterar essa linha de raciocínio, na verdade elas vão muito mais longe. Mais do que lamentar regulamentação excessiva, é a própria autoridade das agências reguladoras de medicamentos que é contestada como politicamente ilegítima e cientificamente inadequada para a inovação da MRCT.

Em segundo lugar, esse desafio aos regimes reguladores de medicamentos se assemelha mais aos muitos casos em que pacientes lutavam por acesso a tratamentos experimentais. A partir da década de 1980, a participação em ensaios clínicos foi redefinida como um bem social ruidosamente reclamado, por exemplo, por pacientes com HIV/AIDS que enfrentavam doenças terminais e potencialmente fatais (Epstein, 1996EPSTEIN, Steven. Impure science: AIDS, activism, and the politics of knowledge. Berkeley: University of California Press, 1996.). Mais recentemente, grupos de pacientes com câncer deram um passo à frente e exigiram o direito constitucional de obter medicamentos experimentais que estejam em fase intermediária e final de desenvolvimento clínico, mesmo que haja apenas uma chance mínima de que os mesmos beneficiem pacientes terminais (Annas, 2007ANNAS, George J. Cancer and the constitution - Choice at life's end. New England Journal of Medicine, v. 357, p. 408-13, 2007.). No entanto, os embates em torno da MRCT fundamentalmente extrapolam essa lógica de exceção. Acima de tudo, como no caso da clínica no Colorado, as condições médicas para que as terapias com células-tronco sejam consideradas tratamentos desejáveis ​​não precisam ser consideradas terminais. A visão promissora de uma medicina regenerativa, como discutido no início deste artigo, desloca os fundamentos normativos para intervenções experimentais excepcionais das questões de vida e morte, para a esfera da vitalidade da doença (Wahlberg, 2014WAHLBERG, Ayo. Knowledge of living. Somatosphere, v. 10, 2014. Available at: http://somatosphere.net/?p=9476.
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), isto é, o interesse na melhoria das condições de vida dos enfermos e numa melhor qualidade de vida.

Terceiro, e fortemente relacionado ao anterior, há o fenômeno de pacientes que formam alianças (às vezes rotuladas como “espúrias”) com corporações farmacêuticas, em sua luta contra as regulações opressivas do Estado. Uma diferença pequena, mas relevante aqui, está em como são concebidas as relações entre fabricantes de medicamentos, pacientes-consumidores e o Estado. Na maioria das alianças entre pacientes e a indústria farmacêutica, imagina-se o Estado imiscuindo-se erroneamente entre fabricantes (empresas farmacêuticas) e consumidores (pacientes) ativos de tecnologias farmacêuticas. Este argumento opera com base numa distinção conceitual e normativa entre produção e consumo, que é crucial para problematizações dos direitos de propriedade e acesso. Ao contrário, naqueles casos da MRCT que descrevi acima, o Estado estaria supostamente desempenhando outro papel, mais enérgico: em sua tentativa de farmacologização regulatória (Faulkner, 2012FAULKNER, Alex. Tissue engineered technologies: regulatory pharmaceuticalization in the European Union. Innovation: The European Journal of Social Science Research, v. 25, p. 389-408, 2012.), este é acusado de expropriar as células-tronco pertencentes aos pacientes, despojando-os, assim, de seu biocapital autógeno - os meios de produção de terapias regenerativas originários de seu próprio corpo. O reverso dessa concepção é uma harmoniosa dupla médico-paciente, forçosamente separada pela intervenção estatal.

Tomadas em conjunto, estas observações apontam para o próprio horizonte pós-farmacêutico articulado nas visões promissoras da MRCT. Os interesses em jogo nesta última podem ser captados pelo que Charis Thompson (2018THOMPSON, Charis. Foreword. Good science, better patients. In: BHARADWAJ, Aditya (Ed.) Global perspectives on stem cell technologies. Chams: Palgrave MacMillan, 2018, p. v-x. ) descreve como uma aspiração por “pacientes melhores”, referindo-se tanto ao “esforço moral e epistemológico de pacientes e de seus médicos e defensores, que aprimora a ciência, fazendo, assim, o tratamento funcionar melhor” como ao “sentido de ‘ser, sentir-se ou ficar melhor’ aplicado aos pacientes em vias de recuperação ou que experimentam uma redução e/ou uma melhora na qualidade de vida” (Thompson, 2018THOMPSON, Charis. Foreword. Good science, better patients. In: BHARADWAJ, Aditya (Ed.) Global perspectives on stem cell technologies. Chams: Palgrave MacMillan, 2018, p. v-x. , p. viii-ix).

Em lugar de meras posturas antifarmacêuticas, essas problematizações em torno de corpos, direitos, conhecimentos, autoridade e valor apontam para um regime de saúde incipiente que é, em grande parte, articulado em oposição a noções farmacêuticas de saúde e valor. Porém, antes de explorar esses dois regimes de saúde concorrentes, é preciso primeiro desenvolver o marco conceitual.

Conceitualização da saúde na bioeconomia da medicina regenerativa

Saúde/valor

A saúde apresenta um elevado valor normativo nas sociedades biopolíticas contemporâneas - em termos individual, social e político. Ao mesmo tempo, em sociedades capitalistas, a saúde está sempre incorporada aos regimes de acumulação para produzir valor para o capital (Sunder Rajan, 2017SUNDER RAJAN, Kaushik. Pharmocracy: value, politics, and knowledge in global biomedicine. Durham: Duke University Press , 2017.). Se as estratégias de inovação biomédica envolvem a coprodução de saúde como um valor tanto normativo como econômico, é necessário um conceito crítico de saúde para sua análise. A saúde, portanto, é conceituada como um regime, isto é, um conjunto de relações sociotécnicas que incluem formas de conhecimento, técnicas de intervenção e modos de subjetivação histórica e setorialmente específicos. O que está em jogo analiticamente é a forma de saúde, isto é, sua lógica implícita, ou “racionalidade” prática, constituída por meio de seu regime de valor1 1 Os conceitos de “regime” e “racionalidade” são oriundos de estudos sobre governamentalidade (ver Dean, 2010). . Assim, uma determinada forma de saúde não pode ser analisada independentemente de seu regime específico, que articula - no sentido semiótico-material imbricado de “explicitar” e “juntar” - as lógicas e práticas institucionais, epistêmicas e normativas que permitem a produção da saúde como um valor.

O esforço para analisar o nexo entre saúde e valor exige uma perspectiva que considere “valor” em diferentes dimensões. Para tanto, esta pesquisa se apoia nos estudos sobre valores farmacêuticos desenvolvidos por Joseph Dumit (2012bDUMIT, Joseph. Prescription maximization and the accumulation of surplus health in the pharmaceutical industry: the Biomarx experiment. In: SUNDER RAJAN, Kaushik (Ed.). Lively capital: biotechnologies, ethics, and governance in global markets. Durham: Duke University Press, 2012b. p. 45-92.) e Kaushik Sunder Rajan (2017SUNDER RAJAN, Kaushik. Pharmocracy: value, politics, and knowledge in global biomedicine. Durham: Duke University Press , 2017., p. 16-30) que, de diferentes formas, recorrem a uma crítica marxista do valor. Seguindo a abordagem delineada por Sunder Rajan (2017SUNDER RAJAN, Kaushik. Pharmocracy: value, politics, and knowledge in global biomedicine. Durham: Duke University Press , 2017., p. 17 e seguintes), é fundamental analisar o valor segundo pelo menos três aspectos: em termos de mais-valia para o capital; em termos de normas e ética; e em termos de uma antinomia - uma relação autocontraditória entre suas modalidades inerentes, como entre valor de uso e valor de mercado ou entre valores éticos e valor de capital. É essa última qualidade que torna o valor uma categoria profundamente política, pois tal antinomia nunca pode ser totalmente resolvida. Qualquer regime de valores, portanto, deve ser entendido como um resultado contingente de lutas e negociações de poder que apresenta apenas um arranjo temporalmente estável e intrinsecamente frágil.

É através dessas lentes que exploro como a saúde é articulada e produzida (e contestada) como um valor nos regimes de saúde farmacêutica e regenerativa, respectivamente. O que está em jogo, empírica e conceitualmente, são (1) as maneiras específicas pelas quais os valores reais e projetados de uso da tecnologia (drogas farmacêuticas e células-tronco somáticas, respectivamente) e seus valores reais ou projetados de mercado constituem-se mutuamente em suas formas correspondentes de saúde (farmacêutica e regenerativa, respectivamente), e (2) como as tensões opostas entre a saúde como um valor de capital e como um valor normativo são alinhadas e estabilizadas nos respectivos regimes. São estas diferentes questões e implicações teóricas que busco capturar com a noção de saúde/valor.

Conhecimento, valor e as bioeconomias da ciência da vida

O conhecimento desempenha um papel central nas bioeconomias das ciências da vida, mas assume, como veremos, diferentes formas e funções nas saúdes farmacêutica e regenerativa, respectivamente. Certamente, há um jogo político envolvendo conhecimento, na medida em que há disputas e contestações sobre quais formas de conhecimento contam como válidas nos processos de pesquisa e inovação biomédica. Acima de tudo, essas disputas envolvem tensões entre diferentes “níveis” de evidência, por exemplo, entre conhecimento laboratorial versus clínico, ou o papel de ensaios clínicos de larga escala versus estudos de caso. Mas implicam também se, e em que medida, o conhecimento “leigo” experiencial/incorporado faz parte da inovação biomédica e das práticas de valoração. No campo da MRCT, essa política em torno do conhecimento frequentemente se desdobra na esteira de heranças pós-coloniais e de uma geopolítica do conhecimento de boa ciência ocidental versus má ciência não ocidental (Bharadwaj, 2018BHARADWAJ, Aditya. Stem cell intersections: perspectives and experiences. In: BHARADWAJ, A. (Ed.). Global perspectives on stem cell technologies. Cham: Palgrave MacMillan, 2018, p. 1-24.).

Fundamental para uma compreensão minuciosa da saúde é a relação entre geração de conhecimento e geração de valor. O nexo entre conhecimento e valor na MRCT tem sido frequentemente discutido com relação à “bioeconomia global”. Esta é mais bem entendida como uma narrativa de política dominante e uma visão estratégica do desenvolvimento sociotécnico baseado na valorização de biomateriais renováveis - incluindo desde fontes de energia a células do corpo humano (Lettow, 2015LETTOW, Susanne. Biokapitalismus und Inwertsetzung der Körper. PROKLA - Zeitschrift für kritische Sozialwissenschaft, v. 178, n. 1, p. 33-49, 2015.). Mas as ideias e visões sobre o que é a bioeconomia e como ela pode se desenvolver e gerar valor permanecem em boa parte indefinidas e variam entre países e setores. Assim, a medicina regenerativa é um campo central de articulação e experimentação para a bioeconomia globalmente emergente (Cooper, 2008COOPER, Melinda. Life as surplus. Biotechnology and capitalism in the neoliberal era. Seattle: University of Washington Press, 2008.; Lettow, 2015LETTOW, Susanne. Biokapitalismus und Inwertsetzung der Körper. PROKLA - Zeitschrift für kritische Sozialwissenschaft, v. 178, n. 1, p. 33-49, 2015.), ou seja, um campo no qual uma visão específica da bioeconomia é articulada e concretizada.

Contudo, perspectivas que postulam a bioeconomia como o “novo” e reproduzem acriticamente discursos de política sobre seu caráter inovador revolucionário não percebem continuidades importantes que existem nas genealogias da vida, da ciência e da economia. Retomando o trabalho de Foucault sobre biopolítica e de autores como Lars Thorup Larsen (2007LARSEN, Lars. Speaking truth to biopower: on the genealogy of bioeconomy. Distinktion: Scandinavian Journal of Social Theory, v. 8, p. 9-24, 2007. ), Melinda Cooper (2008COOPER, Melinda. Life as surplus. Biotechnology and capitalism in the neoliberal era. Seattle: University of Washington Press, 2008.) e Kaushik Sunder Rajan (2006SUNDER RAJAN, Kaushik. Biocapital: the constitution of postgenomic life. Durham: Duke University Press , 2006.), abordo a bioeconomia como um campo de problematizações e práticas em que a vida (biologia) e o valor (economia) constituem-se mutuamente e de formas historicamente contingentes. Sob esse ângulo, tanto os regimes de saúde farmacêuticos quanto os regenerativos operam dentro de uma determinada bioeconomia das ciências da vida que precisa ser explorada em suas respectivas especificidades.

A este respeito, Sabina Leonelli e Kaushik Sunder Rajan cunharam o conceito de conhecimento/valor que introduzem em analogia ao conceito de conhecimento/poder de Foucault (Sunder Rajan; Leonelli, 2013SUNDER RAJAN, Kaushik; LEONELLI, Sabina. Introduction: biomedical trans-actions, postgenomics, and knowledge/value. Public Culture, v. 25, p. 463-75, 2013.). Foucault desenvolveu a noção de conhecimento/poder para compreender como regimes concorrentes de conhecimento (as ciências humanas) e de formas de poder (a instituição disciplinar) são de fato coproduzidos - não podem ser entendidos isoladamente. Da mesma forma, conhecimento/valor procura captar a interseção constitutiva de práticas geradoras de conhecimento e práticas geradoras de valor na atual economia baseada em conhecimento. Enquanto o par conhecimento/poder de Foucault resulta em regimes de verdade, conhecimento/valor produz conhecimento móvel, conversível e traduzível - conhecimento que tem valor em diferentes contextos, como no laboratório, no escritório do órgão regulador da ciência, na reunião de acionistas ou na clínica de atendimento. Para este estudo, a noção de conhecimento/valor apura a análise para o exame da coprodução específica de conhecimento e valor no campo da medicina regenerativa em contraste com outras articulações de conhecimento/valor, como a que está no cerne da indústria farmacêutica.

Para tornar isso específico ao campo da MRCT, também utilizo e desenvolvo a noção de “biovalor” de Catherine Waldby (2002WALDBY, Catherine. Stem cells, tissue cultures and the production of biovalue. Health, v. 6, n. 3, p. 305-23, 2002.). Em seus primeiros trabalhos sobre pesquisa com células-tronco, Waldby concebe biovalor como o “rendimento de vitalidade gerado pela reformulação biotecnológica de processos vivos” (Waldby, 2002WALDBY, Catherine. Stem cells, tissue cultures and the production of biovalue. Health, v. 6, n. 3, p. 305-23, 2002., p. 310), isto é, como o excedente de vitalidade que agrega valor. Como esse excedente é gerado no campo da medicina regenerativa de células-tronco, e que forma específica ele toma, precisa ser observado especificamente.

Por fim, as relações sociotécnicas entre vida, conhecimento e valor que sustentam diferentes formas de saúde também conformam e são conformadas por concepções e valorações do corpo humano, bem como do papel dos sujeitos da e na biomedicina. Além dos relatos sobre ativismo e condição de paciente enquanto postura política (Epstein, 1996EPSTEIN, Steven. Impure science: AIDS, activism, and the politics of knowledge. Berkeley: University of California Press, 1996.), trabalhos sobre etopolítica, eu somático e cidadania biológica (Rose; Novas, 2005ROSE, Nikolas; NOVAS, Carlos. Biological citizenship. In: ONG, Andrew; COLLIER, Stephen (Eds.). Global assemblages: technology, politics, and ethics as anthropological problems. Malden: Blackwell Publishing, 2005, p. 439-63. ; Gibbon; Novas, 2008GIBBONS, Sarah; NOVAS, Carlos. Biosocialities, genetics and the social sciences. Making biologies and identities. London: Routledge, 2008.) fornecem noções importantes. Essas literaturas lançam luz sobre processos de subjetivação e construção de identidade em relação a conhecimento e tecnologias biomédicas. No entanto, essas perspectivas sobre as tecnologias neoliberais, de indivíduos e do self, precisam ser complementadas por trabalhos que enfoquem a exploração dos sujeitos e de seus corpos nas relações de trabalho biomédico - como no caso de participantes de ensaios clínicos ou doadores de tecidos (Bharadwaj, 2014BHARADWAJ, Aditya. Experimental subjectification: the pursuit of human embryonic stem cells in India. Ethnos, v. 79, n. 1, p. 84-107, 2014.; Cooper; Waldby, 2014COOPER, Melinda; WALDBY, Catherine. Clinical labor: tissue donors and research subjects in the global bioeconomy. Durham: Duke University Press, 2014.). As práticas que conformam sujeitos e eus biológicos são, portanto, analisadas em relação a formas emergentes de biocapital suscetíveis aos processos de subjetivação e de subjugação, uma perspectiva articulada com perspicácia por Sunder Rajan (2006SUNDER RAJAN, Kaushik. Biocapital: the constitution of postgenomic life. Durham: Duke University Press , 2006.):

Por um lado, que formas de alienação, expropriação e desinvestimento são necessárias para que uma “cultura de inovação biotecnológica” crie raízes? Por outro, como as subjetividades e cidadanias individuais e coletivas são moldadas e conscritas por essas tecnologias que dizem respeito à “própria vida”? (Sunder Rajan, 2006SUNDER RAJAN, Kaushik. Biocapital: the constitution of postgenomic life. Durham: Duke University Press , 2006., p. 78).

Com base nisso, estamos agora preparados para analisar os regimes idiossincráticos de saúdes farmacêutica e regenerativa, respectivamente, e para compará-los pelo prisma das bioeconomias de saúde, valor, conhecimento e subjetividade que os sustentam.

A forma farmacêutica da saúde

O nascimento da saúde farmacêutica foi condicionado, histórica e tecnologicamente, pela ascensão das indústrias química e farmacêutica, a partir do final do século XIX (Abraham, 2010ABRAHAM, John. Pharmaceuticalization of society in context: theoretical, empirical and health dimensions. Sociology, v. 44, p. 603-22, 2010. ). Desde então, os produtos farmacêuticos tornaram-se parte integrante das sociedades contemporâneas e de sua cultura material (Kleinmann; Petryna, 2006KLEINMANN, Arthur; PETRYNA, Adriana. The pharmaceutical nexus. In: PETRYNA, Adriana; LAKOFF, Andrew; KLEINMANN, Arthur (Eds.). Global pharmaceuticals. Ethics, markets, practices. Durham: Duke University Press, 2006, p. 1-32.). Tendo contribuído significativamente para melhorar a saúde pública em todo o mundo, a indústria farmacêutica comprometeu-se a promover e melhorar a saúde. Ela se apresenta como uma indústria baseada em pesquisa focada no bem-estar dos pacientes e na saúde pública. Ao mesmo tempo, todavia, as empresas farmacêuticas estão comprometidas com os imperativos capitalistas de crescimento e acumulação, de modo que precisam gerar lucros e crescer de forma constante - o que significa, acima de tudo, vender a maior quantidade possível de medicamentos. Aqui, defrontamo-nos com uma antinomia dos valores farmacêuticos: como é possível que a indústria farmacêutica avance tecnologicamente e em sua missão (tornar as pessoas mais saudáveis) e, ao mesmo tempo, seja capaz de perpetuar e expandir seu modelo de crescimento econômico (vender mais medicamentos)? Uma resposta tentativa é que ela produz saúde de um modo especial: na forma de uma pílula que, se tomada regularmente, atenua os sintomas. Assim, o interesse comercial preferencial reside em uma forma de terapia que tem um efeito positivo sobre o nível de saúde do maior número possível de pessoas, mas somente enquanto essas consumirem seus medicamentos regularmente e durante um período prolongado - “remédios para toda a vida”, como Joseph Dumit (2012aDUMIT, Joseph. Drugs for life: how pharmaceutical companies define our health. Durham: Duke University Press, 2012a) perspicazmente entende esse modelo de negócios. O lema de uma empresa farmacêutica transnacional resume, involuntariamente, esta lógica: “Queremos pacientes mais saudáveis” - mais saudáveis, sim, mas, ainda assim, pacientes. Pois, quando um medicamento realmente cura uma doença, a indústria farmacêutica perde uma fonte de lucro.

Críticos, portanto, muitas vezes afirmam que a indústria farmacêutica só está interessada em aumentar seus lucros - em forte contraste com seu apelo retórico de “melhorar a saúde” - e sustentam essa afirmação com referências a inúmeros escândalos relacionados a medicamentos, especulação contínua com preços de remédios ou casos de instrumentalização e exploração de sujeitos em ensaios clínicos. Nesta crítica da lógica do lucro farmacêutico, o conceito de saúde é cínico e ideológico - o objetivo declarado de maximização da saúde só se sustenta até entrar em conflito com a maximização do lucro.

Saúde crescente: superando barreiras à medicação

A fim de alcançar uma compreensão mais completa da saúde farmacêutica, tomarei como base o trabalho de Joseph Dumit (2012aDUMIT, Joseph. Drugs for life: how pharmaceutical companies define our health. Durham: Duke University Press, 2012a, 2012bDUMIT, Joseph. Prescription maximization and the accumulation of surplus health in the pharmaceutical industry: the Biomarx experiment. In: SUNDER RAJAN, Kaushik (Ed.). Lively capital: biotechnologies, ethics, and governance in global markets. Durham: Duke University Press, 2012b. p. 45-92.) e explorarei o regime de valor farmacêutico e sua racionalidade. Num esforço para superar a aparente antinomia entre aumentar o valor do capital (o imperativo econômico) e aumentar a saúde (o imperativo moral), a análise de Dumit é inspirada no método de crítica imanente de Marx e de Foucault. Dumit começa sua crítica considerando os discursos e as práticas da indústria farmacêutica - e seu objetivo declarado de, literalmente, cultivar saúde.

O principal problema enfrentado pela indústria farmacêutica é, então, o que Dumit descreve como o problema do “acúmulo de medicamentos no organismo”, o que implica que as barreiras biológicas e normativas à medicação devem ser superadas para aumentar o consumo individual e coletivo de medicamentos.

Uma oportunidade para isso foi criada pelo surgimento de uma epistemologia de fatores de risco e, em particular, de diagnósticos biológicos moleculares. Com a transformação do diagnóstico clínico baseado na genética, comumente chamado de biomedicalização (Clarke et al., 2003CLARKE, Adele et al. Biomedicalization: technoscientific transformations of health, illness, and U.S. biomedicine. American Sociological Review, v. 68, n. 2, p. 161-94, 2003.), desenvolveu-se um novo discurso de verdade sobre saúde deficiente, segundo o qual todos estão potencialmente em risco de adoecer (Lemke, 2011LEMKE, Thomas. Biopolitics. An advanced introduction. New York: New York University Press, 2011.).

Esse novo discurso, que redefiniu saúde e doença como um continuum de potencialidades, formou a base epistêmica para estender o uso de medicamentos da fase clínica para a profilática - isto é, de pacientes reais, que subjetivamente suportam uma carga de sofrimento, para pacientes potenciais ou “em transição”. Em outras palavras, não se trata apenas de melhorar a saúde dos pacientes reais, mas também de intervir na fase pré-sintomática, a fim de retardar ou prevenir o possível aparecimento de uma doença. Essa extensão do tratamento de doenças para enfermidades potenciais, que também expandiu enormemente os mercados de medicamentos da clínica para a sociedade, mudou fundamentalmente o “olhar médico” desde o nascimento da clínica (Foucault, 1963FOUCAULT, Michel. Naissance de la clinique. Une archéologie du regard médical. Paris: Presses universitaires de France, 1963. ) no último século.

O problema que se segue, e que se apresenta simultaneamente como epistemológico, normativo e econômico, é o da determinação de limites, isto é, da definição de um limiar no espectro do risco, em que se justifica o início da medicação profilática para retardar o aparecimento provável de sintomas clínicos ou atenuar o desenvolvimento de uma doença.

A estratégia do marketing farmacêutico, portanto, consistia em grande medida em influenciar as diretrizes de tratamento emitidas, por exemplo, por associações médicas ou órgãos de saúde pública. Estas definem quando e sob que circunstâncias um determinado medicamento é indicado em diagnósticos. Essas diretrizes de tratamento geralmente baseiam-se na opinião de especialistas e nos resultados de ensaios clínicos, e são emitidas pelas especialidades médicas competentes. A estratégia da indústria farmacêutica é redefinir esses limiares, a fim de não só ampliar o leque de indicações possíveis para medicamentos existentes, mas também para antecipar o momento da prescrição do medicamento. Para poder traduzir essa estratégia para a racionalidade dos sistemas de saúde - incluindo usuários e profissionais -, esse objetivo estratégico deve ser justificado racionalmente e, portanto, articulado nos discursos médicos ou econômicos da saúde. É neste ponto que os ensaios clínicos assumem um papel vital nessas políticas de processos de definição de normas baseados em evidências.

Ensaios clínicos e o valor da segurança

Os ensaios clínicos são fundamentais na pesquisa e desenvolvimento de medicamentos (Marks, 1997MARKS, Harry. The progress of experiment. Science and therapeutic reform in the United States, 1900-1990. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.). Eles têm diferentes propósitos em diferentes contextos: sua principal função é produzir conhecimento sobre a segurança e a eficácia de medicações, o que é pré-requisito para a aprovação por parte das autoridades reguladoras. O regime farmacêutico depende de uma separação rigorosa entre pesquisa e tratamento, que é racionalizada tanto em termos científicos como éticos. O desenvolvimento de medicamentos depende cientificamente de pesquisas clínicas em seres humanos, cuja segurança (como sujeitos de pesquisa) constitui a preocupação ética e regulatória dominantes. O debate ético sobre ensaios clínicos, portanto, envolve sempre sua implementação, que está sujeita a rígidos princípios e exigências (Wahlberg; McGoey, 2007WAHLBERG, Ayo; McGOEY, Linsey. An elusive evidence base: the construction and governance of randomized controlled trials. BioSocieties, v. 2, p. 1-10, 2007.). Posteriormente, os medicamentos disponíveis no mercado precisam ser novamente aprovados por meio de avaliação científica, a fim de tornar seu consumo seguro para os usuários (pacientes).

A biopolítica da segurança farmacêutica é, assim, caracterizada por uma sobreposição constitutiva do laboratório e da clínica: somente quando uma droga foi testada em humanos é que ela pode ser usada para tratamento de humanos (Haddad, 2010HADDAD, Christian. Zwischen Labor und Gesellschaft. Zur Biopolitik klinischer Forschung am Menschen. Frankfurt: Peter Lang, 2010.). Embora essa antinomia entre pesquisa e tratamento possa ser característica da medicina moderna como tal, ela foi institucionalizada de maneira específica nos Estados Unidos e na Europa nos anos 1960 e acabou sendo implementada globalmente a partir da década de 1990 (Sunder Rajan, 2017SUNDER RAJAN, Kaushik. Pharmocracy: value, politics, and knowledge in global biomedicine. Durham: Duke University Press , 2017.). A ética desses regimes, agora globais, pode ser entendida principalmente como baseada em uma ética que valoriza predominantemente a segurança, que depende da separação constitutiva entre produção (clínica como laboratório) e consumo (clínica como mercado): a proteção dos sujeitos em ensaios clínicos, por um lado, e a proteção da população de medicamentos perigosos ou não comprovados, por outro.

O paradoxo biopolítico dessa precaução de segurança é que um medicamento se torna tanto mais “seguro” para uso, quanto maior o número de experimentos realizados e quanto maiores e mais representativos são os grupos experimentais envolvidos (Haddad, 2010HADDAD, Christian. Zwischen Labor und Gesellschaft. Zur Biopolitik klinischer Forschung am Menschen. Frankfurt: Peter Lang, 2010.). Evidentemente, essa distinção normativa entre pesquisa e cuidado acabou sendo, muitas vezes, obscurecida na prática e fortemente criticada como antiética por pacientes com doenças terminais, como no caso do movimento dos portadores de HIV/AIDS na década de 1980 (Epstein, 1996EPSTEIN, Steven. Impure science: AIDS, activism, and the politics of knowledge. Berkeley: University of California Press, 1996.). Não obstante, essa separação permanece como norma constitutiva dos regimes de saúde farmacêutica.

Como essa forma de segurança depende de ensaios clínicos em larga escala e, portanto, dispendiosos, essa ética específica da segurança também desempenha um papel econômico crucial. Por um lado, o desenvolvimento demorado devido ao processo de ensaios clínicos em várias fases produz custos significativos para a indústria farmacêutica. Por outro lado, os altos custos organizacionais e financeiros desse processo também beneficiam as grandes empresas que dispõem dos especialistas e da infraestrutura necessários para custear ensaios clínicos. O quase-oligopólio existente das Big Pharma globais justifica-se, pelo menos em parte, pela imprescindível segurança. Ao mesmo tempo, as tensões de valor entre segurança e lucro levaram ao aumento da terceirização de testes clínicos para mercados emergentes em países pobres (Petryna, 2009PETRYNA, Adriana. When experiments travel. Clinical trials and the global search for human subjects. Princeton: Princeton University Press, 2009.). Os regimes internacionais e seus esforços para implementar globalmente padrões universais de “boa prática clínica” servem, assim, para proteger tanto participantes de ensaios clínicos quanto pacientes em todo o mundo e sustentar a economia política da indústria farmacêutica ocidental e seus regimes hegemônicos de valor (Sunder Rajan, 2017SUNDER RAJAN, Kaushik. Pharmocracy: value, politics, and knowledge in global biomedicine. Durham: Duke University Press , 2017.).

Ensaios clínicos como geradores de conhecimento/valor

Os ensaios clínicos, no entanto, desempenham um papel importante também no contexto da estratégia de acumulação farmacêutica de saúde e valor, razão pela qual Dumit (2012bDUMIT, Joseph. Prescription maximization and the accumulation of surplus health in the pharmaceutical industry: the Biomarx experiment. In: SUNDER RAJAN, Kaushik (Ed.). Lively capital: biotechnologies, ethics, and governance in global markets. Durham: Duke University Press, 2012b. p. 45-92., p. 64-9) os descreve como a “engrenagem” da indústria farmacêutica. Numerosos estudos têm sido encomendados para demonstrar que a modificação das diretrizes de tratamento se justifica pela fundamentação das vantagens do tratamento precoce ou de uma dose maior com evidências científicas. O conhecimento que demonstra o contrário não é “suprimido” (embora isso também ocorra), simplesmente não se produz - e, portanto, não faz parte do sistema de conhecimento farmacêutico. No contexto contemporâneo de divisão social do trabalho, em que a maior parte da produção de conhecimento clínico é realizada por corporações capitalistas privadas, esse regime também produz efeitos sistêmicos: a consequente seletividade do conhecimento sobre indicação, medicação, dosagem etc. é impulsionada por uma “ignorância deliberada” estratégica (McGoey, 2012McGOEY, Linsey. Strategic unknowns: towards a sociology of ignorance. Economy & Society, v. 41, n. 1, p. 1-16, 2012.), por exemplo, sobre quando se deve descontinuar ou reduzir a dose de um medicamento. Nesse contexto, os ensaios clínicos não apenas servem como uma sofisticada ferramenta de marketing, mas também constituem a “engrenagem” para a produção de conhecimento/valor farmacêutico, fundamental para a compreensão da saúde no contexto da biopolítica farmacêutica.

Para Dumit, a busca pela saúde preventiva mediada por uma epistemologia de fatores de risco e ensaios clínicos pode ser entendida como a geração de saúde excedente enquanto racionalidade farmacêutica central para o aumento de valor. Em paralelo à análise de Marx sobre o trabalho concreto e abstrato na criação de mais-valia, a saúde excedente apresenta uma categoria abstrata de Saúde (com S maiúsculo) que, embora seja sempre produto da saúde humana concreta, não corresponde exatamente à percepção subjetiva de saudabilidade corporificada. A expansão constante do consumo e a contínua supressão das barreiras naturais e normativas à medicação devem, portanto, ser entendidas como produção de “saúde excedente”, que forma a base da valorização farmacêutica (Dumit, 2012bDUMIT, Joseph. Prescription maximization and the accumulation of surplus health in the pharmaceutical industry: the Biomarx experiment. In: SUNDER RAJAN, Kaushik (Ed.). Lively capital: biotechnologies, ethics, and governance in global markets. Durham: Duke University Press, 2012b. p. 45-92.).

Tomados em conjunto, tornam-se evidentes os contornos do regime farmacêutico da saúde, que persistem não na eliminação da doença, mas no manejo de seus sintomas, que é preferencialmente realizado através de medicação profilática e crônica. Esse regime também se baseia na extensão qualitativa e quantitativa da medicação, justificada por conhecimento produzido por ensaios clínicos e consolidado em diretrizes de tratamento. A ética do regime farmacêutico é uma ética da segurança, baseada na separação institucional entre produção e consumo de produtos padronizados vendidos em mercados regulamentados.

Saúde pós-farmacêutica regenerativa

Tendo a saúde farmacêutica como contraponto, agora quero examinar a lógica da saúde regenerativa na medicina com células-tronco. Se a visão orientadora dessa medicina é a regeneração - isto é, a cura real -, surge então a questão de que lógica de valorização do conhecimento e dos corpos sustenta a lógica da saúde regenerativa, ou: em que se baseia a acumulação de saúde/valor pós-farmacêutica?

Acumulação de biovalor

Pelo menos nos últimos vinte anos, a MRCT gerou um novo discurso de verdade sobre saúde e doença que abalou alguns dos pressupostos básicos da biomedicina convencional. As tecnologias de células humanas permitiram o isolamento e propagação dessas células em laboratório. Em conjunto com diversos instrumentos legais que ajudaram a desvincular as células humanas do corpo dos sujeitos e a torná-las independentemente “apropriáveis” (Cooper; Waldby, 2014COOPER, Melinda; WALDBY, Catherine. Clinical labor: tissue donors and research subjects in the global bioeconomy. Durham: Duke University Press, 2014.), esses avanços abriram caminho para tornar as células vivas viáveis para a circulação (Lettow, 2015LETTOW, Susanne. Biokapitalismus und Inwertsetzung der Körper. PROKLA - Zeitschrift für kritische Sozialwissenschaft, v. 178, n. 1, p. 33-49, 2015.).

Nos primórdios das terapias com células-tronco adultas, a MRCT investiu principalmente em tratamentos experimentais e ad hoc baseados em células-tronco dos próprios pacientes. Nesses procedimentos, os pacientes são tratados com suas próprias células, extraídas pouco antes - normalmente, apenas algumas horas ou dias - de serem reinseridas na região enferma. Os clientes da MRCT, então, eram predominantemente pacientes afetados por intenso sofrimento ou doenças potencialmente fatais, sem perspectiva de terapias eficazes pelo espectro médico convencional estabelecido. Nos últimos anos, no entanto, o campo tem passado por mudanças significativas. Um modelo diferente, voltado para a valorização de longo prazo das terapias com células-tronco, ganhou impulso complementar ao modelo das propostas de tratamento imediato. Nesse modelo emergente, a extração e o armazenamento a longo prazo das células-tronco de um paciente são fundamentais, tanto no aspecto clínico quanto no comercial. Foram fundados bancos biológicos como locais onde células e amostras de tecido são armazenadas sob condições técnicas e regulatórias adequadas, projetadas para manter a qualidade, estabilidade genética e potência biológica das células humanas ex vivo (Hauskeller; Beltrame, 2016HAUSKELLER, Christine, BELTRAME, Lorenzo. The hybrid bioeconomy of umbilical cord blood banking: re-examining the narrative of opposition between public and private services. BioSocieties, v. 11, n. 4, p. 415-34, 2016.). Consequentemente, em lugar do centro de tratamento clínico, o banco biológico tornou-se o ponto central institucional, assumindo um papel crucial para o acúmulo de valor a longo prazo.

Clinicamente, há um pressuposto de que seria melhor dispor não só de uma quantidade maior de células-tronco de um indivíduo jovem e saudável, em comparação às de um indivíduo mais velho afetado pela doença, mas também de que a qualidade dessas células - entendida em termos de sua potência e capacidade regenerativa - é melhor. Assim, do ponto de vista biomédico, faz sentido remover células estaminais o mais cedo possível e armazená-las, para que possam ser usadas como recurso regenerativo no caso de doença.

Esse entendimento tem influência direta na acumulação de valor bioeconômico: o objetivo estratégico-comercial neste caso é obter o maior número possível de clientes para os bancos de células-tronco e administrar a maior quantidade possível de suas células-tronco pelo maior tempo possível - a extração e o armazenamento extracorpóreo da vitalidade. Um processo semelhante ao da troca, na lógica farmacêutica, da doença real pela doença em potencial pode ser observado aqui: a expansão sistemática de pacientes reais para potenciais futuros pacientes. Indivíduos são interpelados simultaneamente como pacientes em potencial, como gerentes proativos de sua futura condição médica e como proprietários de suas células-tronco para armazená-las (e aquelas de seus familiares, ou, no nível empresarial, de seus funcionários) em bancos de células-tronco, para que possam recorrer a elas em caso de doença. Novamente, a epistemologia dos fatores de risco entra em jogo, não para justificar um tratamento pré-sintomático, mas para fundamentar a extração de células-tronco do corpo o mais cedo possível e nas maiores quantidades possíveis.

Nesse contexto, empresas que lidam com células-tronco adultas começaram a posicionar-se não tanto como empresas baseadas em pesquisa ou centros de tratamento clínico no sentido estrito, mas como prestadoras de serviços e “corretoras” biomédicas - intermediários que não apenas organizam clínicas, clientes e suas células, mas também medeiam entre o presente e o futuro biomédicos.

Geração de vitalidade excedente especulativa

Se a valorização farmacêutica da saúde consiste na produção de “saúde excedente” abstrata, baseada na terapia sintomática e crescente medicalização, como se poderia entender a bioeconomia da saúde regenerativa, cuja visão pós-farmacêutica se baseia na promessa de tratamento e recuperação eficazes?

Até agora, vimos que, em seu cerne, está a coleta e armazenamento de células-tronco como biocapital - um recurso para regenerar a vitalidade. Além disso, aplica-se a seguinte lógica: quanto mais jovem for o corpo do qual as células-tronco são extraídas e quanto maior a quantidade armazenada, maior o seu valor de uso potencial. Aqui, encontramos uma dupla lógica especulativa do valor biológico - não apenas subjetiva e pessoal, mas também tecnocientífica. Por um lado, essa bioeconomia da MRCT articula uma lógica de autocuidado antecipado, pois convoca os sujeitos como gestores prudentes de sua vitalidade ao prepararem-se para uma possível emergência no futuro. Por outro lado, em vista do estado atual das efetivas possibilidades da MRCT, que contrastam fortemente com a grande promessa biomédica da MRCT no futuro, especula-se sobre a última: sobre grandes avanços nas opções de tratamento no futuro, o que pode, então, ser traduzido como vitalidade excedente conservada na forma de banco das próprias células-tronco de uma pessoa.

Essa dissolução da fronteira entre produção e consumo também se reflete na subjetivação ética, uma vez que consumidores das próprias células-tronco se tornam (co)produtores de biovalor. Nesse contexto, a questão da saúde regenerativa configura-se como uma questão racional de precaução e de investimento especulativo no biocapital futuro. Ao fazê-lo, os clientes não apenas investem em seu próprio futuro biomédico, mas também no desenvolvimento tecnocientífico do campo da medicina regenerativa, no avanço de sua aplicação clínica e da infraestrutura de conhecimento.

Pelas lentes da noção de biovalor, proposta por Catherine Waldby (2002WALDBY, Catherine. Stem cells, tissue cultures and the production of biovalue. Health, v. 6, n. 3, p. 305-23, 2002., p. 310) como vitalidade excedente agregadora de valor, gerada pela “reformulação biotecnológica de processos vitais”, pode-se agora discernir a forma de biovalor encapsulada na produção de saúde pós-farmacêutica na MRCT. Este biovalor regenerativo é produzido pelo acúmulo de “vitalidade excedente”, cuja lógica reside na extração, armazenamento e preservação de vitalidade no contexto de uma bioeconomia especulativa da medicina regenerativa. De modo semelhante à noção de “Saúde” de Dumit, a vitalidade aqui não deve ser entendida como um estado efetivamente incorporado de bem-estar, força e saudabilidade experimentado por um indivíduo, mas sim como uma abstração material na forma de células-tronco extraídas.

Discussão: rumo a um futuro incipiente de saúde pós-farmacêutica?

Na MRCT, pode-se identificar uma forma incipiente de saúde regenerativa que diverge significativamente, em muitos aspectos, do regime farmacêutico dominante.

Os regimes de saúde do século XX, que em grande parte se baseavam não apenas em produtos farmacêuticos, mas também em lógicas farmacêuticas específicas - econômica, política e ética - de produção e valorização da saúde, são problematizados e desafiados pelo regime emergente da MRCT. No entanto, longe de ser simplesmente “antifarmacêutica”, seria mais acertado sugerir que a MRCT articula uma forma de saúde pós-farmacêutica que não rejeita inteiramente as lógicas dos regimes farmacêuticos de saúde e valor, mas as reconfigura de forma significativa.

Quando comparadas, as saúdes farmacêutica e regenerativa revelam diferenças fundamentais na maneira como a pesquisa, o tratamento e a inovação biomédicos são articulados em regimes de valor. Primeiro, num domínio crescente de terapias com células-tronco somáticas, o conceito de desenvolvimento de medicamentos está sendo questionado em favor de um processo de inovação médica experimental, que transfere o lugar da inovação biomédica do espaço limitado do fluxo farmacêutico para um campo mais difuso entre clínica e mercado. Em seu estado atual de desenvolvimento, vê-se um papel bastante reduzido para ensaios clínicos controlados como a principal tecnologia para gerar conhecimento/valor - conhecimento que produz excedente para o capital. Entre outras coisas, isso provavelmente se deve ao fato de que, nos esforços para acumular excedentes, a saúde regenerativa muda o foco da medicação pré-sintomática (justificada pelas evidências de ensaios clínicos) para a extração pré-desenvolvimento de células-tronco. O fato de que as aplicações de células-tronco são comercializadas não tanto na forma de produtos “padronizados” (como medicamentos), mas como procedimentos - operações realizadas por médicos -, numa economia global de serviços biomédicos que dependem de material biológico do próprio paciente, engendra outra biopolítica de valorização econômica e ética da vitalidade: práticas sociotécnicas de apropriação, expropriação e valorização dos corpos, da saúde e da doença, de um lado; avaliações éticas e direitos a tratamento, propriedade e acesso, de outro.

Como essas observações impactam nossa compreensão da saúde na bioeconomia global emergente? A afirmação de que a bioeconomia não apenas apresenta novos mercados biotecnológicos, mas constitui um novo campo de forças (re)produtivas no capitalismo tecnocientífico contemporâneo é fundamental: as lutas por marcos regulatórios adequados visam toda uma rede de valores hierarquizados e relações de poder entre a biomedicina, a indústria e o Estado que estão simbólica e materialmente inscritos nos corpos de pacientes. Assim, a MRCT não só vai além da indústria farmacêutica ao fornecer um meio diferente - e autodeclarado melhor - de prover saúde, no sentido de uma tecnologia biomédica avançada, mas desafia e altera as próprias formas de definir, valorizar e abordar saúde e doença e de conceber e perseguir processos de inovação biomédica.

Quais são, então, as perspectivas empíricas e políticas gerais dessa forma emergente de saúde pós-farmacêutica? Para começar, como um fenômeno verdadeiramente global, a disseminação de formas clínicas e comerciais de terapias com células-tronco baseadas em pacientes cresce rapidamente, sem sinais de parar. Em grande parte, esse campo é impulsionado pela aplicação de tratamentos experimentais de difícil regulação (Sipp et al., 2017SIPP, Douglas et al. Marketing of unproven stem cell-based interventions: a call to action. Science translational medicine, v. 9, n. 397, p. eaag0426, 2017.). Milhares de pacientes com o poder aquisitivo necessário para pagar por esses onerosos tratamentos num mercado global “simplesmente o fazem”, e podem fazê-lo basicamente devido às relações sociotécnicas que sustentam a bioeconomia global da MRCT, tais como a base tecnológica fácil para terapias autólogas, as discrepâncias regulatórias entre diferentes jurisdições biomédicas, propagação em mídias sociais, voos baratos e enormes assimetrias na assistência à saúde em escala global etc. A abordagem de tratamento direto é cada vez mais complementada por uma indústria crescente de bancos de células-tronco, na maior parte privados, que fornecem um espectro mais amplo de infraestruturas sociotécnicas e institucionais. No entanto, ainda é difícil prever se, e até que ponto, o regime farmacêutico virá, de fato, a perder sua hegemonia. Os atuais desdobramentos apontam antes para uma tendência de pluralização e sobreposição dos dois regimes de saúde em escala global (Rosemann; Chaisinthrop, 2016ROSEMANN, Achim; CHAISINTHROP, Nattaka. The pluralization of the international: resistance and alter-standardization in regenerative stem cell medicine. Social Studies of Science, v. 46, n. 1, p. 112-39, 2016.). Além disso, um número crescente de governos e instituições públicas está apoiando precisamente este campo emergente da MRCT, devido a seu enorme potencial de inovação - muitas vezes, em conflito aberto com comunidades biomédicas dominantes, outros aparatos estatais e facções de biocapital (Haddad, 2016HADDAD, Christian. The biopolitics of innovation: (re-)articulating visions and values of research, regulation and experimentation in the making of regenerative stem cell medicine. 2016. Dissertation (Doctor of Philosophy) - Faculty for Social Sciences, University of Vienna, Austria. ).

Por fim, o que - se é que - a noção de saúde pós-farmacêutica nos possibilita perceber e analisar para além do âmbito da MRCT? Apresentamos a saúde pós-farmacêutica como um conceito provocativo para explorar avanços até hoje dispersos que desafiam a racionalidade farmacêutica de pesquisa, comércio e aplicação de medicamentos. Essas formas práticas e politizadas de crítica têm como alvo a hegemonia global dos interesses estabelecidos das corporações farmacêuticas, perpetuada por marcos regulatórios, regimes de patentes e modelos de inovação específicos. Todavia, como a análise da saúde regenerativa deixa claro, deve-se ter cautela com avaliações normativas da saúde pós-farmacêutica, pois elas reproduzem lógicas diferentes, porém, ainda semelhantes de acumulação por meio da exploração de sujeitos e expropriação de corpos. Futuras pesquisas sociológicas, portanto, poderão examinar formas emergentes de saúde pós-farmacêutica em diferentes campos e espaços, e mapear e analisar criticamente as disputas, conflitos e processos sobre, dentro e à margem das racionalidades farmacêuticas e seus correspondentes regimes de valor.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2019
  • Data do Fascículo
    Abr 2019

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2018
  • Aceito
    30 Out 2018
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