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A sociologia econômica da contestação moral

The economic sociology of moral contestation

Resumo

A contínua criação de mercados sob o impulso do capitalismo e de políticas neoliberais que veem neles a instituição capaz de resolver os problemas econômicos e sociais, gerou processos de contestação moral por parte dos grupos impactados por esses mercados. Essa contribuição visa identificar os recursos disponíveis na sociologia clássica, mas também na sociologia pragmática contemporânea, para a análise desses fenômenos. O artigo destaca ainda que as contestações morais também podem ter relação com outros modos de troca, como doações, heranças ou mesmo impostos estatais. Em conclusão, esta contribuição enfatiza a importância da noção polanyiana de duplo movimento e das lutas intelectuais e sociais na determinação dos limites do mercado, da reciprocidade e da redistribuição. Artigo traduzido do francês por Liana Fernandes.

Palavras-chave
Boltanski; contestação moral; Durkheim; mercado; Polanyi; sociologia econômica; Weber

Abstract

The continuous creation of markets under the impulse of capitalism and of neo-liberal policies which see them as the institution capable of solving economic and social problems has generated processes of moral contestation from groups impacted by those markets. This contribution aims to identify the resources that sociologists may find in classical sociology as well as in contemporary pragmatic sociology to analyze these phenomena. The article stresses as well that moral contestations can also concern other modes of exchange, such as gifts, inheritances or even state taxation. In conclusion, this contribution highlights the importance of the Polanyian idea of the double movement and of intellectual and social struggles in determining the boundaries of the market, reciprocity and redistribution.

Keywords
Boltanski; moral contestation; Durkheim; market; Polanyi; economic sociology; Weber

Résumé

La création continue de marchés sous l’impulsion du capitalisme puis des politiques néo-libérales qui y voient l’institution capable de régler les problèmes économiques et sociaux a engendré des processus de de contestation morale en provenance des groupes impactés par ces marchés. Cette contribution vise à dégager les ressources que les sociologues peuvent trouver dans la sociologie classique, mais aussi dans la sociologie pragmatique contemporaine pour analyser ces phénomènes. Cette contribution souligne également que les contestations morales peuvent également concerner d’autres modes d’échange, comme les dons, les héritages ou encore la fiscalité étatique. En conclusion, cette contribution souligne l’importance de l’idée polanyienne du double mouvement et des luttes intellectuelles et sociales pour déterminer les frontières du marché, de la réciprocité et de la redistribution.

Mots clés
Boltanski; Contestation morale; Durkheim; Marché; Polanyi; Sociologie économique; Weber

Resumen

La continua creación de mercados bajo el impulso del capitalismo y luego de las políticas neoliberales que ven en ellos la institución capaz de resolver los problemas económicos y sociales ha generado procesos de contestación moral de los grupos impactados por estos mercados. Esta contribución pretende identificar los recursos que los sociólogos pueden encontrar en la sociología clásica, pero también en la sociología pragmática contemporánea para analizar estos fenómenos. Esta contribución también subraya que los desafíos morales también pueden referirse a otros modos de intercambio, como donaciones, herencias o incluso impuestos estatales. En conclusión, esta contribución destaca la importancia de la idea polanyiana del doble movimiento y de las luchas intelectuales y sociales en la determinación de los límites del mercado, la reciprocidad y la redistribución.

Palabras clave
Boltanski; Contestación moral; Durkheim; Mercado; Polanyi; Sociología económica; Weber

A contestação criou raízes na sociologia econômica contemporânea. Desde Contested Commodities, obra pioneira de Margaret Radin (1996)27 RADIN, Margaret. Contested commodities. The trouble with trade in sex, children, body parts and other things. Cambridge: Harvard university Press, 1996., e da tese de Marie Trespeuch (2011)48 TRESPEUCH, Marie. Le secteur des jeux d’argent à l’heure numérique: émergence et transformation d’un marché contesté. 2011. Tese (Doutorado em Sociologia) – École normale supérieure de Cachan, Paris, 2011. sobre o setor de jogos de azar, o tema da contestação do mundo comercial ganhou força, atraindo a atenção de gestores, economistas, filósofos, juristas, cientistas políticos e sociólogos de diversas doutrinas.1 1 Vários desses encontros deram origem a publicações: Steiner e Trespeuch (2015), Barbosa e Gomes (2016), Wilkinson (2016) e, de forma mais geral, o volume da revista online Antropolítica (2016), Balsiger e Schiller-Merkens (2019), Bertrand e Cato (2020), Bertrand e Panitch (no prelo, 2024). Essa questão de pesquisa foi examinada em diversas ocasiões nos últimos anos: no Brasil (PUC-Rio de Janeiro, Mercados contestados. Negociando fronteiras da moral, da ética, da religião e da lei, 2014), na Suíça (Universidade de Neuchatel, colóquio Moral struggles in and around the market, 2016), em Portugal (Contestation over Markets and Industries: Power Struggles, Moral Shifts and Senses of Repulsion, ISEG, Lisboa, 2019); na França (Universidade Sorbonne, seminário Marchés contestés, 2012-2013 e a jornada Les limites du marché, 2018; Hautes Études Commerciales, colóquio Contested markets: lessons from cannabis legislation, 2018; Pantheon-Sorbonne, Contested markets, 2022) .

A dinâmica do capitalismo contemporâneo é uma das principais causas disso. As políticas neoliberais, segundo as quais os problemas econômicos e sociais encontram sua solução na criação de uma estrutura de mercado bem desenhada, acarretam a criação de mercados em novas áreas. A partir daí, depois de objetos e corpos, são as emoções e a intimidade que são empurradas para as arenas de mercado, algo que inquietou os filósofos (Radin, 199627 RADIN, Margaret. Contested commodities. The trouble with trade in sex, children, body parts and other things. Cambridge: Harvard university Press, 1996.; Satz, 201032 SATZ, Debra. Why some things should not be for sale. The moral limits of markets. Oxford: Oxford university Press, 2010.; Sandel, 201229 SANDEL, Michael. What money can’t buy. The moral limits of market. Nova York: Farrar, Straus, & Giroux, 2012.; Phillips, 201324 PHILLIPS, Anne. Our body, whose property? Princeton: Princeton university Press, 2013.).

Essa não é uma situação inteiramente nova. A economia moral das pessoas, ou mesmo os princípios de justiça que levam populações a interromper, por vezes de forma violenta, o funcionamento do mercado local, mostram que a contestação moral à extensão do mundo comercial já estava ativa na Europa desde o século XVIII (Thompson, 197644 THOMPSON, Edward P. The moral economy of the English crowd in the eighteenth century. Past and Present, v. 50, p. 76-136, 1976.). De modo geral, pode-se propor que a contestação moral do mercado se desenvolve quando uma mudança econômica afeta a vida dos indivíduos:

  • Comercialização de trigo (século XVIII);

  • Comercialização de mão de obra (século XIX);

  • Comercialização de partes do corpo (século XX);

  • Comercialização de intimidade e emoções (século XXI).

Há, portanto, razões profundas para que sociólogos econômicos e, de maneira mais geral, os pesquisadores das várias ciências sociais se interessem pelos limites do mundo do mercado.

Nesta contribuição, três pontos serão abordados. Em primeiro lugar, retomarei recursos oferecidos pela sociologia clássica (seção 1) e contemporânea (seção 2), antes de mostrar que a contestação vai além do mercado, atingindo tanto os impostos quanto as doações (seção 3).

1 Contestação e sociologia econômica clássica

A noção de contestação moral da ordem de mercado tornou-se um tema importante na sociologia econômica. Seria um equívoco acreditar que se trata de um fenômeno novo, decorrente de uma tendência da moda, superficial e efêmera. Parece-me, pois, útil começar retomando noções que darão a devida profundidade ao tema, antes de destacar a existência de correntes de pensamento que procuram caminhos alternativos.

1.1 As contribuições clássicas

Émile Durkheim se opõe à visão dos economistas que justificam as diferenças de remuneração pelas “leis” da economia de mercado. Ao fazer uma avaliação global das sociedades industriais europeias no final do século XIX, Durkheim alude a uma forma ordinária de julgamento sobre a justa remuneração dos atores econômicos: a opinião sobre o que valem, respectivamente, as diferentes funções, os benefícios e a remuneração condizente com cada uma delas. Esse julgamento ordinário não explica a maneira pela qual as remunerações são estabelecidas, como a economia política procura fazer ao mobilizar o comportamento competitivo; antes, serve para expressar a injustiça na distribuição da riqueza, o “excedente” ou o “escasso” que recai sobre determinado grupo social. A opinião pública, diz ele, fica chocada, tanto com a demasiada afluência quanto com a carência ostensiva:

As várias funções são como que hierarquizadas na opinião pública e um determinado coeficiente de bem-estar é atribuído a cada uma de acordo com o lugar que ocupa na hierarquia. [...] Em vão protestam os economistas; será sempre um escândalo para a opinião pública que determinado sujeito possa aplicar em consumos absolutamente supérfluos uma quantidade excessiva de riquezas; e até parece que essa intolerância se afrouxa apenas em momentos de perturbação moral

(Durkheim, 197616 DURKHEIM, Émile. Le suicide. Essai de sociologie. Paris: Presses universitaires de France, 1976/1897./1897, p. 276).

Essa opinião não expressa a verdade, mas o que se sente.2 2 Por exemplo, a pesquisa do International Social Survey Program mostra que, em 1999, eram os franceses que estimavam o rendimento do diretor de uma grande empresa em 16 vezes maior do que o de um trabalhador qualificado, embora desejassem que essa relação não ultrapassasse seis vezes, enquanto a renda média de um diretor no CAC 40 era 177 vezes maior do que a de um trabalhador não qualificado no mesmo período. Essa discrepância entre o que é estimado e o que é atual na realidade do mundo econômico contemporâneo não é específica dos franceses, pois os americanos achavam que essas rendas estavam na proporção de 1 para 12, queriam-na na proporção de um para cinco, enquanto a proporção real era da ordem de um para 300. A avaliação moral da remuneração é diferencial e flutuante: os limites considerados admissíveis dependem da profissão, do estado da economia e das regras morais, que não são imutáveis. Essa avaliação moral não se opõe à desigualdade produzida pelas trocas de mercado, é até, muitas vezes, associada a uma forma de fascínio mesclado de esperança e sonho, mas causa ofensa à opinião pública quando surgem desigualdades “ostensivas”. Finalmente, essa avaliação moral leva à ação, como se pôde ver, a partir de 2011, em movimentos como o dos Indignados, na Espanha, e o Occupy Wall Street, nos Estados Unidos. Essa ação de uma opinião pública indignada cria dificuldades para os agentes do mercado – que sem dúvida não gostam de ver sua legitimidade questionada ­– e, sobretudo, impõe-se aos políticos, que não podem deixar tal situação se resolver sem uma tentativa de resposta, sob o risco de ver essa indignação se refletir mais tarde nas urnas. A força dessa opinião torna-se considerável em tempos de crise econômica: é o que registrou a máxima do presidente americano Barack Obama, que qualificou os bônus de Wall Street como obscenos durante seu “Discurso sobre o Estado da União” em janeiro de 2010, após o resgate com dinheiro público dos bancos endividados.

Aqui, Durkheim se vale do fato de que a argumentação sofisticada do economista vai de encontro à avaliação moral difundida na sociedade. Esta não se formula em termos de oposição à economia de mercado; de fato, perturba-se com seus excessos, ou seja, nos termos de Durkheim, com a anormalidade produzida por remunerações excessivamente altas ou baixas que recaem sobre determinadas profissões. Em outras palavras, Durkheim se vale da ideia de que existe uma regulação moral da troca de mercado, uma regulação moral que, apesar de não ser regida por “leis” definidas tão precisamente como a da “oferta e demanda”, não deixa de ser uma força que pesa fortemente sobre o funcionamento econômico.

O argumento pode parecer muito marcado pelo moralismo durkheimiano, alheio à abordagem de muitos outros sociólogos, como Max Weber, cujas posições assumidas durante o debate sobre o papel dos valores nas ciências sociais mostram que ele rejeitava o que então se chamava de “abordagem ética” nas ciências sociais (Weber, 196553 WEBER, Max. Essai sur le sens de la ‘neutralité axiologique’ dans les sciences sociologiques et économiques. In: WEBER, M. Essais sur la théorie de la science. Paris: Plon, 1965/1917. p. 398-477/1917, p. 405). Mas a abordagem de Weber vai ao encontro da de Durkheim quando ele afirma que a sociologia, como a economia política marginalista, toma “as avaliações subjetivas dos seres humanos como objeto de sua pesquisa” (Weber, 196553 WEBER, Max. Essai sur le sens de la ‘neutralité axiologique’ dans les sciences sociologiques et économiques. In: WEBER, M. Essais sur la théorie de la science. Paris: Plon, 1965/1917. p. 398-477/1917, p. 416). Sobre esse acordo fundamental, que distingue o ponto de vista normativo do sociólogo e a consideração da normatividade intrínseca dos atores da vida social, Weber também abre novos caminhos em dois momentos importantes em que examina as tensões entre o mercado mundial e o mundo dos valores.

A primeira diz respeito às “considerações intermediárias” de sua sociologia da religião, quando examina as diversas tensões entre a esfera religiosa e as esferas familiar, política, militar, econômica, sexual e intelectual. Este é o tema da “guerra dos deuses”, pois os valores são, afinal, mutuamente incompatíveis na medida em que pretendem reinar supremos sobre esta ou aquela esfera, a erupção de um outro mundo de valor gera tensões mais ou menos fortes, dependendo das circunstâncias e do grau de racionalização a que estão sujeitos (Steiner, 201735 STEINER, Philippe. Le concept de tension chez Max Weber. L’Année sociologique, v. 67, n. 1, p. 163-188, 2017.).

A segunda diz respeito ao processo de racionalização que, segundo Weber, caracteriza nossa modernidade. De fato, Weber sempre se esforçou para ressaltar como esse processo assumiu várias formas e, particularmente, ocultou uma forte tensão entre racionalização formal e racionalização material: a primeira lida apenas com a coerência lógica em uma determinada esfera, enquanto a outra leva em conta valores externos que interferem no funcionamento desta esfera. A racionalização do pensamento econômico assume formas muito diferentes, a depender de se o economista se apega à natureza formal da teoria econômica ou leva em consideração os valores que estruturam o pensamento dos atores econômicos. A pluralidade do processo de racionalização se aplica tanto à evolução da própria teoria econômica até os dias atuais (Steiner, 199841 STEINER, Philippe. Sociologie de la connaissance économique. Essai sur les rationalisations de la pensée économique, 1750-1850. Paris: Presses universitaires de France, 1998.) quanto ao estudo de determinados projetos de racionalização da atividade econômica (Espeland, 199817 ESPELAND, Wendy. The struggle for water. Politics, rationality and identity in the american southwest. Chicago: The University of Chicago Press, 1998.).

Seja qual for o nível em que se produz o conflito entre racionalizações, a contestação emerge. A reação dos economistas que defendem a racionalização formal do pensamento econômico pode ser violenta quando outros economistas querem desenvolver uma abordagem baseada em princípios diferentes dos seus, como vimos na França, quando Jean Tirole, então recém-honrado com o prêmio Nobel pelo Banco da Suécia, publica uma carta à Ministra do Ensino Superior, que estava prestes a criar uma seção específica que abria espaço aos economistas heterodoxos – ou seja, que se baseiam mais em dados históricos e ciências sociais afins, como a sociologia ou a ciência política –, a fim de dissuadi-la de ir nessa direção. É também uma contestação que emerge no caso das lutas entre o governo à frente da construção de barragens no sul dos Estados Unidos e diversas populações em cuja vanguarda estão os povos indígenas que viviam nas terras que seriam inundadas pela barragem (Espeland, 199817 ESPELAND, Wendy. The struggle for water. Politics, rationality and identity in the american southwest. Chicago: The University of Chicago Press, 1998., cap. 5).

Mais perto do nosso campo, a noção de contestação também surge na obra de Karl Polanyi. O argumento de Polanyi em A Grande Transformação, pode-se dizer, é minado por uma contradição. Por um lado, ele afirma que, com a abolição das “leis dos pobres” (Poor Laws), o trabalho tornou-se uma pseudomercadoria, o que resulta na dissociação da economia face à sociedade, que, dessa forma, se vê dominada pelas leis do mercado. Por outro lado, afirma que uma sociedade não pode sobreviver a tal dissociação, que coloca o humano, a natureza e o vínculo político sob o controle da sedução do lucro e do medo da fome. Esta consideração ignora a chamada tese do “duplo movimento” desenvolvida por Polanyi em sua obra.3 3 Polanyi (1944, p. 182, 201-202). Sobre a centralidade desta tese em Polanyi, ver Gregory Baum (1996) e Gareth Dale (2010). Segundo esta tese, a dinâmica social decorre de uma oposição entre forças que atuam para fortalecer e ampliar a dominação do sistema de mercado sobre a sociedade e outras que se opõem a ela e buscam limitar a dissociação por meio de diversas formas de regulação. Polanyi ilustra essa tese ao lembrar que, a partir do final da década de 1830, o Parlamento britânico passou a legislar para regulamentar o trabalho das crianças, das mulheres, o trabalho noturno e a jornada de trabalho dos homens. A tese do duplo movimento tem uma base empírica sólida, base esta que, desde então, não foi contrariada, pois se pode, seguindo Gøsta Esping-Andersen (1999)18 ESPING-ANDERSEN, Gøsta. Les trois mondes de l’État providence. Essai sur le capitalisme moderne. Paris: Presses universitaires de France, 1990., assinalar as evoluções do equilíbrio de poder entre os que defendem o livre mercado do trabalho e os que são a favor de sua regulação através da relação entre a parte do salário que está diretamente ligada à atividade laboral e aquela que é socializada, ou seja, que não depende das leis da oferta e da demanda. No entanto, devemos também reter uma lição que decorre da forte tese sociológica defendida por Polanyi (1944, p. 8)26 POLANYI, Karl. The great transformation. The political and economic origins of our time. Boston: Beacon Press, 2001/1944.: “[o]s interesses, no entanto, como as intenções, permanecem platônicos, a menos que sejam traduzidos em política por meio de alguma instrumentalidade social”.

Que impulsos sociais são esses capazes de evidenciar os interesses dos detentores de pontos de vista opostos sobre como construir a relação sociedade-mercado? Eles estão na constituição de organizações políticas ou de movimentos sociais que fazem do enraizamento social do mercado ou, pelo contrário, de sua dissociação, um dos eixos mais importantes de suas ações. Em suma, a contestação assume uma dimensão política mais explícita com Polanyi do que com Durkheim ou Weber. Insistiremos a seguir no fato de que Polanyi faz uma contribuição importante ao conceber a ação econômica de três maneiras apoiadas por três instituições.

2 Sociologia econômica contemporânea

Bourdieu não estava interessado na contestação moral da economia de mercado. Não há dúvida de que ele era um oponente formidável dos economistas e da teoria econômica; porém, no que diz respeito à contestação em seus escritos, é da contestação política que se trata, como mostram suas intervenções nos anos 1990 (Bourdieu, 199810 BOURDIEU, Pierre. Acts of resistance. Against the tyranny of the market. Nova York: The New Press, 1998.). Desde então, Neil Fligstein e Doug MacAdam (2012)19 FLIGSTEIN, Neil; MCADAM, Doug. A Theory of fields. Oxford: Oxford university Press, 2012. enriqueceram a abordagem bourdieusiana ao baseá-la numa teoria dos movimentos sociais. Contudo, desenvolvimentos recentes na sociologia da contestação moral apontam para outras direções.

2.1 Teoria crítica e sociologia pragmática

A ciência social recente adverte contra a “sociologia crítica” de Bourdieu para substituí‑la por uma sociologia da crítica ou por uma teoria crítica. A primeira corrente é desenvolvida particularmente seguindo o trabalho de Luc Boltanski e Laurent Thévenot em sua abordagem pragmática do fenômeno da justificação (Boltanski; Thévenot, 19929 BOLTANSKI, Luc; THEVENOT, Laurent. De la justification. Les économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1992.). Três propostas parecem-me importantes de destacar. Primeiramente, os dois autores operam um deslocamento teórico ao abandonar a sociologia crítica que vigorava na escola de Bourdieu pela sociologia da crítica. Ou seja, ao invés de buscar compreender e retificar o mundo social segundo uma sociologia capaz de distinguir as diferentes formas de dominação social, propõem-se a estudar sociologicamente os processos sociais em que se exerce a crítica. Depois de ter trabalhado por muito tempo na primeira área, Luc Boltanski esclareceu a natureza dessa nova opção (Boltanski, 20097 BOLTANSKI, Luc. De la critique. Précis de sociologie de l’émancipation. Paris: Gallimard, 2009.).

Tabela 1
A matriz da crítica segundo Boltanski e Thévenot

Em segundo lugar, a sociologia da crítica oferece uma generalização dessa noção, produzindo como matriz quadrada as críticas possíveis entre os seis mundos em que eles particionam o mundo social. A crítica moral e política constitui agora apenas um subconjunto das possíveis críticas (coluna cinza na tabela 1) e contracríticas (linha cinza na tabela 1) vindas do mundo comercial sobre os mundos da inspiração, do doméstico, da opinião e do civismo, dos quais a crítica moral pode derivar. Essa simetria, por mais simples e trivial que pareça, é de grande importância. Por um lado, evita pensar a relação entre a moral e o mercado de forma unilateral e incorreta e, por outro lado, amplia a ideia polanyiana de “duplo movimento”, uma vez que existem forças e políticas sociais que pressionam por maior poder de mercado versus aquelas que buscam limitá-lo.

Tabela 2
Compromissos com o mundo comercial

Em terceiro lugar, e este é um ponto de grande importância, a sociologia da crítica destaca o momento, sempre provisório, de apaziguamento da crítica com a figura do compromisso no qual os atores da crítica e da contracrítica concordam em pacificar suas relações, sem que o problema seja resolvido pelo recurso a um único mundo (Boltanski; Thévenot, 19929 BOLTANSKI, Luc; THEVENOT, Laurent. De la justification. Les économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1992., p. 337). Eles acrescentam, com razão, que o compromisso pode se tornar o fulcro da renovação da crítica, precisamente por ser um compromisso inaceitável aos olhos daqueles que Weber chamou de “virtuosos” da racionalização (Boltanski; Thévenot, 19929 BOLTANSKI, Luc; THEVENOT, Laurent. De la justification. Les économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1992., p. 343-344; Steiner, 201735 STEINER, Philippe. Le concept de tension chez Max Weber. L’Année sociologique, v. 67, n. 1, p. 163-188, 2017.).

2.2 Sociologia econômica contemporânea

O ponto essencial parece-me ser o fato de que, ao contrário dos filósofos e juristas, os sociólogos econômicos estão mais interessados no mercado contestado do que na mercadoria contestada. Em outras palavras, a obra então incide sobre uma instituição social e não sobre esta ou aquela mercadoria em particular. Esse deslocamento nos leva do discurso filosófico ou jurídico à pesquisa empírica sobre o funcionamento dos mercados onde ocorre a contestação.

Como parte de uma pesquisa coletiva sobre mercados contestados, Marie Trespeuch e eu enfatizamos o momento de apaziguamento (Steiner; Trespeuch, 201543 STEINER, Philippe; TRESPEUCH, Marie (ed.). Marchés contestés. Quand le marché rencontre la morale. Toulouse: Presses universitaires de Toulouse, 2015., 201942 STEINER, Philippe; TRESPEUCH, Marie. Contested markets: morality, market devices and vulnerable populations. In: BALSIGER, P.; SCHILLER-MERKENS, S. (ed.). Moral Struggles in and out the Market. Oxford: Emerald Publishing, 2019. p. 33-48.), como Boltanski e Thévenot fizeram com o compromisso. De fato, existem muitos mercados onde se compram e vendem bens contestados, como a maconha em certos estados americanos, rins no Irã, tecnologias reprodutivas em certos países europeus ou asiáticos etc. Além disso, existem muitos outros casos em que as mercadorias em disputa não conseguiram chegar ao mercado (crianças para adoção, órgãos humanos para transplante etc.). Para dar conta dessa multiplicidade de situações, propusemos enfatizar o fato de que a contestação do mercado gira em torno da definição de duas populações, uma ameaçada pelo surgimento do mercado, outra ameaçada por sua ausência. Além dessa precisão, nossa abordagem difere da de Boltanski e Thévenot ao especificar o lugar e as modalidades do compromisso: em nossa opinião, é aconselhável concentrar a pesquisa nos dispositivos voltados a “esfriar a contestação”, que introduzem na arena mercadológica proteções para populações moralmente ameaçadas pela criação de um mercado. Por exemplo, no caso dos jogos de azar, seriam aplicadas taxas de retorno suficientemente baixas aos jogadores, a fim de desencorajá-los de tentar compensar suas perdas prolongando o jogo, e seria oferecido tratamento médico a quem se sentir sob a influência de um vício (Trespeuch, 201547 TRESPEUCH, Marie. Moraliser le commerce des jeux d’argent. D’un marché contesté à un autre. In: STEINER, P.; TRESPEUCH, M. (ed.). Marchés contestés. Quand le marché rencontre la morale. Toulouse: Presses universitaires de Toulouse, 2015. p. 184-218.). Na falta de tais dispositivos, o mercado não pode se estabelecer (Steiner, 201038 STEINER, Philippe. La transplantation d’organes: un commerce nouveau entre les êtres humains. Paris: Gallimard, 2010., 201537 STEINER, Philippe. Le don contesté. In: STEINER, P.; TRESPEUCH, M. (ed.). Marchés contestés. Quand le marché rencontre la morale. Toulouse: Presses universitaires de Toulouse, 2015. p. 251-278.).5 5 Desde então, essa abordagem tem sido aplicada ao mercado de restaurantes em praias turísticas no Brasil (Sartore; Pereira; Rodrigues, 2019) e à criação do mercado de poluição (Valiergue, 2019, 2021).

Franck Cochoy (2014)13 COCHOY, Franck. Concerned markets, facing the future beyond “interested” and “contested markets”. In: GEIGER, S. et al. (ed.). Concerned markets. Economic ordering for multiple values. Cheltenham: Edward Elgar, 2014. p. 238-255., por sua vez, propôs a noção de concerned markets (mercados envolvidos) que ele constrói seguindo a sociologia pragmática da teoria ator-rede. O mercado envolvido se opõe ao par mercado interessado (teorizado pelos economistas) / mercado contestado (teorizado pelos sociólogos), ao apresentar o argumento de que o social – e consequentemente o moral – e o econômico não são algo separado, mas ambos são ingredientes necessários da esfera mercadológica. Sendo assim, como é usual nesta abordagem da sociologia, não há mais distinção entre os diferentes mercados; todos provavelmente serão afetados. Mais interessante é a ideia de que as técnicas de marketing funcionam para tornar possíveis mercados cuja dimensão moral é contestada; essas tecnologias desempenhariam, assim, o papel de dispositivos para apaziguar as críticas. A relevância dessa ideia também é reforçada pela observação de Cochoy de que essas tecnologias de marketing também desempenham um papel em elevar a temperatura na arena ao promover o produto, suas qualidades e os benefícios resultantes para o consumidor. Uma dualidade que seria interessante examinar mais de perto, especialmente porque faz a ligação com o papel das organizações, como o trabalho de Philip Balsiger e Simone Schiller-Merkens (2019)1BALSIGER, Philip; SCHILLER-MERKENS, Simone (ed.). Moral Struggles in and out the Market. Oxford: Emerald Publishing, 2019. nos convida a fazer.

A proposta de Cochoy introduz o que se poderia chamar de “crítica fria”, também desenvolvida por Michel Callon (2017)11 CALLON, Michel. L’emprise des marchés. Comprendre leur fonctionnement pour pouvoir les changer. Paris: La Découverte, 2017. em seu último livro sobre os mercados que precisam ser compreendidos para ser transformados. A crítica moral é deixada de lado para recair sob o olhar de Spinoza, que vê nela a marca do desconhecimento, neste caso, das estruturas causais que explicam a evolução do mundo mercadológico. Em oposição às críticas ao mercado, o pragmatismo de Callon (2017, p. 476-7)11 CALLON, Michel. L’emprise des marchés. Comprendre leur fonctionnement pour pouvoir les changer. Paris: La Découverte, 2017. conduz a um ciclo de reconfiguração do mercado (concepção de um novo enquadramento – novo reenquadramento – envolvimento), desarmando a crítica ao devolvê-la como argumento de reconfiguração do mercado, a exemplo da tese desenvolvida por Boltanski e Chiapello (1999)8 BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. Le nouvel esprit du capitalisme. Paris: Gallimard, 1999.. Isso deixa de lado os casos, de fato pouco frequentes, porém interessantes, em que a contestação moral leva à proibição da comercialização, como o que aconteceu com o sangue total após a publicação do livro de Richard Titmuss (1971;46 TITMUSS, Richard. The Gift Relationship. From human blood to social policy. Londres: London School of Economics Books, 1997/1971. Steiner, 200340 STEINER, Philippe. Gifts of blood and organs: The market and “fictitious commodities”. Revue Française de sociologie – English edition, v. 44, p. 147-162, 2003.). Essa abordagem leva a uma forma de aceitação da ordem do mercado, que poderia ser chamada de “confuciana”, no sentido de que se trata de ajustar-se à ordem do mundo do mercado.

Além disso, como a proposta de sociologia crítica empregada por Pierre Bourdieu é rejeitada por posicionar-se acima dos atores sociais, Callon assim como Boltanski contentam-se em expandir a crítica, tornando-a mais forte e mais bem distribuída socialmente (Boltanski, 20097 BOLTANSKI, Luc. De la critique. Précis de sociologie de l’émancipation. Paris: Gallimard, 2009., cap. 6). Afastam-se, assim, dos princípios segundo os quais os atores, preocupados e consternados, engajam-se na contestação moral e política da expansão do mundo mercadológico. Essa abordagem parte da visão clássica de que o compromisso com um movimento social supõe evidenciar as violações da justiça social.

Outra forma de contornar Bourdieu também surge com a teoria crítica reivindicada por Eva Illouz em seu livro sobre commodities emocionais, ou emodities. Trata-se, nesse caso, de interessar-se igualmente pelas críticas ao mercado de bens emocionais como pelos compromissos que permitem sua comercialização. Desvendar esses mercados serve de ponto de referência e suporte empírico para uma crítica pós-normativa do capitalismo neoliberal, evitando uma normatividade pregada pela ciência social para limitar-se a mostrar que tais situações não têm nada de natural e são socialmente construídas (Illouz, 201923 ILLOUZ, Eva (ed.). Les marchandises émotionnelles. L’authenticité au temps du capitalisme. Paris: Premier Parallèle, 2017., p. 357).

3. Comércio, mercado, economia

Neste ponto, é útil esclarecer o vocabulário relacionado à economia, ao comércio e ao mercado.

Por comércio entendo, como nas formas anteriores de uso deste termo, qualquer forma de relação social entre seres humanos: podemos, então, falar de comércio com mulheres, de comércio epistolar, assim como de comércio mercantil. É, portanto, um termo muito geral. A economia designa também um fenômeno muito geral, no qual recursos de natureza variada são encontrados, em proporção adequada, num local e num momento determinados, para produzir um resultado esperado pelos atores no início dessa convergência de recursos. Podemos, assim, falar de uma economia de discurso, de uma economia de exército e até de uma economia de deus. A economia de mercado é, novamente, apenas um dos significados possíveis desse fenômeno tão geral. Por transação entendo qualquer transferência de recurso, material ou não, que ocorra entre indivíduos; uma transação pode ser de mercado – pode-se então dizer que é uma troca de mercado –, mas também pode ser da ordem de uma dádiva. A dádiva é entendida no sentido sociológico definido por Mauss: uma série de obrigações morais em que a “retribuição” permanece sempre incerta quanto à sua materialidade, sua temporalidade ou mesmo sua existência. O comércio por doação pode assumir duas formas, dependendo de ser direto (dádiva maussiana) ou passar por uma organização (doação organizacional). Por fim, por mercado entendo a instituição na qual é possível obter um recurso oferecendo em troca um valor maior do que outros atores. A obtenção do bem depende, portanto, em princípio, do poder monetário ou financeiro dos atores. Essa instituição se resume nas “regras que os homens seguem naturalmente ao trocar mercadorias entre si ou por dinheiro”, parafraseando Adam Smith. As regras organizam a implantação de três mecanismos sociais: o ajuste da oferta e da demanda por aumento ou redução do preço (mecanismo de correspondência); a apropriação de recursos (capital, terra, trabalho) de acordo com a remuneração recebida após a definição dos preços de mercado (mecanismo de alocação); a produção de uma hierarquia de mercado (mecanismo de seleção social). Por fim, especifiquemos que as noções de mercado e escolha não se sobrepõem: o mercado implica a ideia de escolha – escolha entre vários recursos, entre vários fornecedores –, mas a proposição recíproca não é verdadeira, pois há muitas situações de escolha sem a intervenção do poder monetário ou financeiro.

Esse esclarecimento terminológico é útil para uma boa compreensão do objeto tratado pela sociologia econômica da contestação. Se a contestação do mundo comercial ocupa nele um lugar decisivo, ela não pode ser reduzida a esta única instituição da troca. A contestação pode incidir sobre as três instituições de troca, que são o mercado, a doação e o imposto, segundo a tripartição proposta por Polanyi. Focar em mercados contestados não é suficiente; a sociologia econômica da contestação também deve levar em conta a contestação de doações e impostos. A simetria que está em jogo aqui difere daquela encontrada na teoria da justificação.

3.1 A doação contestada

O fato de a instituição do mercado ser contestada não constitui o ponto final de reflexão sobre o tema da contestação. Com efeito, existe a possibilidade de realizar transações segundo princípios diversos da troca comercial e da busca de ganhos monetários. É o caso da doação. Por exemplo, o crescente número de transplantes de órgãos em todo o mundo mostra que tais transações se multiplicaram; baseiam-se no princípio que é descrito como altruísta, porque o ganho é percebido por uma pessoa diferente daquela que cede o recurso.

Essa posição foi defendida desde muito cedo, em reação à proposta do Dr. Harvey Jacobs de criar um mercado de importação de rins para abastecer os hospitais americanos. Os parlamentares americanos reagiram muito rapidamente, sob a direção de Al Gore, com a National Organ Transplant Act (Lei Nacional do Transplante de Órgãos) que proibiu esse tipo de prática em 1984. Essa disposição foi retomada por uma série de legislações, pois ainda não constava da lei – como já era o caso da França desde 1978. Desde então, sob a égide da OMS, a declaração de Istambul de 2004 deu alcance global a essa proibição.

A primeira dimensão da doação contestada diz respeito à falta de eficácia do altruísmo. Com efeito, essa modalidade de transação não cobre as necessidades médicas de órgãos a serem transplantados, ao passo que seria possível abrir um mercado para órgãos duplos (rim, lobo pulmonar) ou que se reconstituem (lóbulo hepático). Como proclama o título de um livro: Altruísmo não basta! 6 6 Este é o título do livro editado por Sally Satel: When Altruism is not Enough. A crítica é, portanto, sobre a eficácia medíocre do altruísmo, que resulta em pacientes em risco nas filas de espera de tratamento (diálise) com custo muito maior do que o transplante. Podemos considerar que essa crítica também tem uma dimensão moral: de fato, é moral não ser eficaz?

Mas isso não é tudo. Além do argumento de melhorar as circunstâncias dos pacientes que aguardam um transplante, os proponentes da criação do comércio de órgãos são confiantes a ponto de inverter o argumento moral que prevaleceu até agora: em nome de que valor pode-se impor uma moralidade da gratuidade a indivíduos que gostariam de vender um rim e que, não podendo fazê-lo, devem aceitar atividades ainda mais arriscadas do que uma nefrectomia, ou que se encontram reduzidos aos piores extremos, oferecendo-se nos mercados negros de recursos físicos humanos? Que justificativas morais podemos dar a esse paternalismo que equivale a impor concepções morais tingidas de aristocracia – de que se cobra a gratuidade e a doação – contra aqueles que estão dispostos a realizar a troca comercial, uma troca historicamente valorizada pela igualdade e independência que proporciona? Por quais razões a liberdade contratual dos indivíduos é restringida? Os pobres não são tão racionais quanto os outros? Eles são incapazes de decidir o que é melhor para eles? Os defensores do biomercado, assim, acusam seus adversários de se arrogarem o direito de impor seus próprios valores ao restante da sociedade e, dessa forma, explorar os pobres:

Os ricos e aptos, ao proibir a venda de órgãos, estariam explorando os pobres a fim de apoiar sua visão particular de propriedade moral, mercantilização imprópria, dignidade humana, negando aos pobres essa oportunidade de escolher livremente com base em seus próprios julgamentos sobre o que é mais vantajoso para si. O resultado é fortemente paternalista

(Cherry, 200612 CHERRY, Mark. Kidney for sale by owner, human organs, transplantation and the market, Washington: Georgetown University Press, 2006., p. 98).

Contra esse paternalismo moral, eles defendem a livre escolha baseada na livre disposição do próprio corpo. Que os altruístas continuem doando, mas não impeçam os outros de comprar e vender! Tal é o credo moral que se opõe à doação.

Esse caso de contestação moral da doação pode parecer estreito em comparação com o escopo da contestação moral do mercado. No entanto, apoiarei a opinião contrária. Num número limitado de casos, a doação de órgãos vai de vivos para vivos; na maioria dos casos, vai de mortos para vivos: é então uma doação intergeracional. Isso a coloca no mesmo caminho de outra doação intergeracional que muitas vezes é esquecida: a herança. Organizada de forma política (Steiner, 201636 STEINER, Philippe. Donner … Une histoire de l’altruisme. Paris: Presses universitaires de France, 2016., cap. 2) e não de forma comercial, a herança opera transferências de riqueza de volume considerável, que os cálculos e simulações de Thomas Piketty avaliam entre 10 e 15% da renda nacional para as próximas décadas na França (Piketty, 201325 PIKETTY, Thomas. Le capital au 21e siècle, Paris, Seuil, 2013., cap. 13). Como essas transferências de patrimônio engendram uma desigualdade muito maior do que a de renda, entendemos que a contestação moral da doação, uma vez que se considera a herança, não pode ser negligenciada. A longa série de críticas à herança (Steiner, 200939 STEINER, Philippe. L’héritage en France au 19e siècle. Loi, intérêts de sentiment et intérêts économiques. Revue économique, v. 59, n. 1, p. 75-97, 2008.; Dockès, 201715 DOCKÉS, Emmanuel. Voyage en misarchie. Paris: Editions du détour, 2017.) são fatos que a sociologia econômica da contestação não pode ignorar.

3.2 Impostos contestados

Se a nobre instituição da reciprocidade trazida pela doação e a retórica do altruísmo podem ser submetidas à crítica moral, é fácil imaginar que o Estado e o princípio da redistribuição sejam também objeto de contestações políticas e morais. A mais bem-sucedida é, sem dúvida, aquela proposta por Friedrich Hayek, cujo volume dois de Law, Legislation and Liberty critica fortemente a “miragem da justiça social” (Hayek, 197622 HAYEK, Friedrich. Droit, législation et liberté. Paris: Presses universitaires de France, 1982/1976. Vol. 2.).

Essa contestação vem de longe. Surge com o papel econômico do Estado de cobrar impostos sobre as transações de mercado e as receitas delas derivadas, ou erguer barreiras alfandegárias para proteger certos atores (os produtores do setor protegido) em detrimento de outros (os consumidores desses produtos). É o que se chama de liberalismo econômico nos séculos 18 e 19, um movimento intelectual que se opõe à economia moral do povo com relação à comercialização de alimentos básicos (trigo). O movimento libertário desempenha o mesmo papel na segunda metade do século 20 no que diz respeito à comercialização de partes do corpo humano e, agora no século 21, quando se trata da comercialização de intimidade, emoções e substituição do compromisso político por parte de mercados específicos, particularmente no que diz respeito à natureza (a técnica da “disposição a pagar” para avaliar danos ambientais (Fourcade, 201120 FOURCADE, Marion. Price and prejudice: On economics and the enchantment (and disenchantment) of nature. In: ASPERS, P.; BECKERT, J. (ed.). The worth of goods. Valuation and pricing in the economy. Oxford: Oxford university Press, 2011. p. 41-62.), mercado de carbono para gerenciar a poluição e o aquecimento global (Tirole, 201645 TIROLE, Jean. L’économie du bien commun. Paris: Presses universitaires de France, 2016.) etc.).

A noção de imposto contestado não se refere principalmente a debates políticos e parlamentares sobre a criação, implementação, mitigação ou abolição de determinados impostos, mas sobretudo às práticas dos atores. Trabalhos recentes sobre evasão fiscal são úteis para medir esse fenômeno.

O trabalho de economistas que trabalham na direção proposta por Thomas Piketty mostrou a extensão desse fenômeno, impulsionado pela ascensão das classes ultra-ricas (ou o agora notório 1%). Assim, Gabriel Zucman estima a evasão fiscal em 5,8 trilhões de euros, ou 8% da riqueza financeira doméstica, o que gera uma perda de 130 bilhões de euros em receitas fiscais para os Estados e os seus cidadãos “comuns” (Zucman, 201355 ZUCMAN, Gabriel. La richesse cachée des nations. Enquête sur les paradis fiscaux. Paris: Seuil, 2013., p. 44, 53). O imposto em disputa não é pouca coisa, para dizer o mínimo. A dimensão político-moral da contestação fica evidente na investigação que Brooke Harrington dedicou aos gestores de fortunas (Harrington, 201621 HARRINGTON, Brooke. Capital without borders. Wealth managers and the one percent. Cambridge: Harvard university Press, 2016.).

Harrington mostra que o papel dos administradores de patrimônio familiar não se limita a desenvolver arranjos legais para desconectar o proprietário de sua propriedade a fim de evitar os impostos, as exigências de credores ou da família. Inclui também lobistas atuando junto a parlamentares e propagadores de um discurso que justifica moralmente práticas que respeitam a letra da lei, mas não seu espírito. Assim, ela cita um administrador que protesta contra o caráter confiscatório da tributação dos criadores de riqueza:

A social-democracia está criando demandas muito grandes para os criadores de riqueza. Agora, não se pode ser eleito a menos que se apoie programas sociais massivos, porque muitas pessoas os recebem. Como resultado, os governos agora precisam de uma parcela cada vez maior do PIB dos produtores para cumprir suas promessas. Então, naturalmente, os criadores de riqueza, como esquilos coletando suas nozes, estão diminuindo; eles mesmos estão dizendo que não querem colher tantas nozes no próximo ano, porque o governo simplesmente as leva... é a natureza, as pessoas não gostam que os frutos de seu trabalho sejam tirados de forma tão arbitrária... Isso leva os criadores de riqueza a se envolverem na economia paralela, e assim por diante

(citado por Harrington, 201721 HARRINGTON, Brooke. Capital without borders. Wealth managers and the one percent. Cambridge: Harvard university Press, 2016., p. 228).

Esse argumento ecoa diretamente a filosofia política de Hayek, apontando para as demandas das classes médias contra os ricos. Mas, para além desse pensamento comum, os administradores constroem dispositivos de evasão fiscal, privando assim os Estados de recursos tributários significativos, ajudados nisso pelo fato de que a classe dos ultrarricos – os High Net Worth Individuals – vive como nos interstícios do sistema político westfaliano, de forma que não pensam que devem arcar com as despesas relativas à vida de um Estado e de sua população, pois vão de um Estado para outro, como se trocassem de hotel.

Face a esse conjunto formado por nichos e brechas fiscais, administradores de patrimônio e países que oferecem tributação vantajosa, encontramos a corrente de pensamento oposta. São muitas vezes as ONGs, como a Attac, na França, que se esforçam para trazer a público os problemas sociais e políticos acarretados por tais práticas.7 7 Nos parágrafos seguintes, coleto as informações sobre a abordagem da Attac no trabalho realizado por Gaspard Richard (2019). No entanto, elas esbarram num grande obstáculo, na medida em que têm dificuldades para isolar uma população específica que sofreria diretamente os efeitos dessas práticas tributárias. Para atingir seu objetivo, os ativistas da Attac realizam um trabalho de enquadramento (Schiller-Merkens, 201333 SCHILLER-MERKENS, Simone. Framing moral markets. The cultural legacy of social movements in an emerging market category. Discussion Paper 13/8. Köln: Max Planck Institut, 2013.), de modo a construir a evasão fiscal como um problema político e moral. Esse enquadramento tem duas dimensões: a primeira diz respeito à quantificação da perda de receitas fiscais devido aos efeitos combinados da fraude e da evasão fiscal, a segunda isola a população ameaçada por essas práticas.

A quantificação dos impostos não recolhidos é um assunto delicado. Entre 1994 e 2018, os vários levantamentos (por parte de parlamentos, órgãos públicos, ONGs etc.) oscilam na faixa de 25 a 100 bilhões de euros para a França. Este último número é o escolhido pela Attac para lançar o debate público sobre o assunto. Mas quem designar como vítima desse déficit? A dificuldade é ainda maior, pois a evasão fiscal dos ultrarricos é agravada pela fraude em pequena escala por muitas profissões pouco ou mal regulamentadas. Para resolver essa dificuldade, a Attac optou por associar esse valor ao da dívida do Estado e às desigualdades econômicas, conforme explica um porta-voz da ONG:

E aí, recentemente, talvez há dez anos, começamos a nos interessar mais pela evasão fiscal, que nos parecia ser um dos fatores mais importantes da injustiça que minava as finanças públicas e, portanto, impedia o financiamento dos serviços públicos. Além disso, lançamos um comitê de auditoria cidadã sobre a dívida para também ter instrumentos para criticar as políticas de austeridade orçamentária que foram aplicadas. E o resultado que obtivemos é que uma das principais causas do aumento da dívida de longo prazo é a erosão das receitas públicas e, em particular, a evasão fiscal. E não o aumento do gasto público, porque vemos que este, como percentual do PIB, têm se mantido relativamente estável, enquanto a arrecadação de impostos tem caído

(citado por Richard, 201928 RICHARD, Gaspard. Histoire d’une ressource en devenir. Enquête sur la mobilisation de deux associations contre l’évasion fiscale, 1998-2018. 2019. Dissertação de Mestrado – Sorbonne université, Paris, 2019., p. 62-3).

A fala do líder da ONG é como uma resposta alheia ao argumento do administrador de patrimônio: é a sonegação que gera as dificuldades financeiras dos Estados e não o contrário. Mas essa passagem também mostra que, diante da dificuldade de isolar precisamente uma população impactada pela evasão fiscal, a Attac leva o caso a um plano geral, o da nação e sua dívida, o das desigualdades excessivas.

Em outros casos, a contestação do imposto é mais fácil de construir, na medida em que diz respeito ao uso do imposto arrecadado. Um bom exemplo dessa situação é dado na pesquisa de Wendy Espeland sobre a construção de uma represa em uma reserva indígena a nordeste do estado de Phoenix, EUA (Espeland, 199817 ESPELAND, Wendy. The struggle for water. Politics, rationality and identity in the american southwest. Chicago: The University of Chicago Press, 1998.). Os grupos oponentes eram de uma composição clássica. De um lado, estavam os povos indígenas que queriam manter sua relação ancestral com aquela terra, assim como os defensores do ecossistema que desapareceria com a construção de uma barragem; do outro, os fazendeiros, empresas usuárias de água, incorporadoras e representantes de muitas prefeituras que buscavam estabilizar seu abastecimento de água. As duas populações que se enfrentavam eram bem definidas, e o equilíbrio de poder era desfavorável aos povos indígenas. É através de uma aliança entre eles e uma nova geração de engenheiros, opostos aos métodos de cálculo utilizados pela geração anterior, que o equilíbrio de poder pôde ser revertido e que o uso contestado do imposto pôde ser vitorioso.

Conclusão

Além do princípio da simetria das críticas, a sociologia econômica dos mercados contestados pode se basear em duas teses. Com Weber, ela faz a ligação entre interesses e valores: os primeiros fornecem os impulsos para a ação, mas eles próprios são orientados por valores considerados desejáveis e legítimos em um determinado momento da vida social.8 8 “São os interesses (materiais e ideais), e não as ideias, que governam diretamente a ação dos homens. No entanto, as ‘imagens do mundo’ que foram criadas por meio de ‘ideias’ muitas vezes desempenharam o papel de indicadores, determinando os meios dentro dos quais a dinâmica dos interesses foi a força motriz da ‘ação’.” (Weber, 2019/1920, p. 349). Com Polanyi, como vimos acima, ela vincula interesse e poder: sem a possibilidade de influenciar as relações de poder por meio do respaldo de instituições, ou seja, de forças sociais capazes de dar-lhes toda a extensão, os interesses têm pouco impacto na vida social. As duas teses combinadas conectam ideias, interesses e instituições em um processo de autofechamento (Diagrama 1).

Diagrama 1
Ideias-interesses-instituições

Ideias ou visões de mundo “dirigem” os interesses, materiais e ideais; e então, estes últimos transformam a vida social uma vez levados por instituições, isto é, comportamentos com valor normativo, e organizações que lhes dão uma maior eficácia na luta política. Por sua vez, uma vez construídas, essas instituições reforçam as ideias e visões de mundo iniciais. Essa sequência tem uma tradução política: as ideias possibilitam a construção de coalizões políticas e da ação coletiva; elas são armas na luta contra as instituições existentes; permitem a concepção de novas instituições, e estas, uma vez construídas, dão-lhes estabilidade (Blyth, 20026 BLYTH, Mark. Great transformations. Economic ideas and institutional change in the 20th century, Cambridge: Cambridge University Press, 2002., p. 34-44).

No entanto, esse processo negligencia as tensões entre visões de mundo e valores; tampouco abre espaço para a ideia de duplo movimento com que Polanyi introduz a dinâmica em A grande transformação. Portanto, é necessário complexificá-lo levando em conta a dimensão conflituosa da vida social.

Numa sociedade livre, a luta ideológica vê os pensadores favoráveis a uma sociedade de mercado confrontando-se com aqueles que, pelo contrário, são a favor de uma economia inserida na sociedade. O “interesse cataláctico” e as perspectivas institucionais que lhe correspondem (mercados mal regulados, Estados a favor da criação de novos mercados em detrimento das administrações públicas, redução da proteção social) opõem-se ao “interesse da sociedade” e às perspectivas institucionais que lhe podem dar substância (regulação dos mercados, reforço das administrações públicas, proteção social). Esse debate de ideias conduz a uma luta política cujo objetivo é colocar em prática as instituições graças às quais o interesse (“cataláctico” ou “social”) se transforma em força política efetiva, tendo como uma consequência o reforço das ideias ao dar-lhes apoio e legitimidade. O todo forma o que Polanyi chama de “duplo movimento” (Diagrama 2), fenômeno cujo sabor “gramsciano” pode ser notado, pois o debate de ideias é uma das condições para o sucesso institucional e político, o que Antonio Gramsci chamou de hegemonia.

Diagrama 2
Ideias-interesses-instituições no “duplo movimento”

Embora as instituições políticas sejam de grande importância para concretizar o elo entre valores e interesses, os primeiros dando significado e legitimidade aos segundos, elas também se baseiam em uma luta intelectual. Essa é a razão profunda pela qual o debate de ideias é importante: ao definir os valores da ordem econômica moderna, o debate de ideias tem seu efeito na orientação dos interesses materiais e na forma de satisfazê-los. Esse é o tema atual da reflexão sobre os mercados contestados, ou seja, sobre o respectivo lugar da troca comercial, da reciprocidade e da redistribuição nas sociedades contemporâneas.

  • 1
    Vários desses encontros deram origem a publicações: Steiner e Trespeuch (2015)43 STEINER, Philippe; TRESPEUCH, Marie (ed.). Marchés contestés. Quand le marché rencontre la morale. Toulouse: Presses universitaires de Toulouse, 2015., Barbosa e Gomes (2016)2 BARBOSA, Livia; GOMES, Laura Graziela. Dossiê Mercados contestados. Antropolítica, n. 41, p. 10-24, 2016., Wilkinson (2016)54 WILKINSON, John. Contested markets: an overview. Antropolítica, v. 41, p. 25-45, 2016. e, de forma mais geral, o volume da revista online Antropolítica (2016), Balsiger e Schiller-Merkens (2019)1BALSIGER, Philip; SCHILLER-MERKENS, Simone (ed.). Moral Struggles in and out the Market. Oxford: Emerald Publishing, 2019., Bertrand e Cato (2020)4 BERTRAND, Elodie; CATO, Marie (ed.). Les limites du marché. La marchandisation de la nature et du corps. Paris: Mare & Martin, 2020., Bertrand e Panitch (no prelo, 2024)5 BERTRAND, Elodie; PANITCH, Vida (ed.). Handbook of commodification. Londres: Routledge, no prelo [2024]..
  • 2
    Por exemplo, a pesquisa do International Social Survey Program mostra que, em 1999, eram os franceses que estimavam o rendimento do diretor de uma grande empresa em 16 vezes maior do que o de um trabalhador qualificado, embora desejassem que essa relação não ultrapassasse seis vezes, enquanto a renda média de um diretor no CAC 40 era 177 vezes maior do que a de um trabalhador não qualificado no mesmo período. Essa discrepância entre o que é estimado e o que é atual na realidade do mundo econômico contemporâneo não é específica dos franceses, pois os americanos achavam que essas rendas estavam na proporção de 1 para 12, queriam-na na proporção de um para cinco, enquanto a proporção real era da ordem de um para 300.
  • 3
    Polanyi (1944, p. 182, 201-202)26 POLANYI, Karl. The great transformation. The political and economic origins of our time. Boston: Beacon Press, 2001/1944.. Sobre a centralidade desta tese em Polanyi, ver Gregory Baum (1996)3 BAUM, Gregory. Karl Polanyi on Ethics and Economics. Montréal: McGill-Queens University Press, 1996. e Gareth Dale (2010)14 DALE, Gareth. Karl Polanyi, the limits of the market. Londres: Polity, 2010..
  • 4
    Boltanski e Thévenot (1992, p. 396)9 BOLTANSKI, Luc; THEVENOT, Laurent. De la justification. Les économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1992. não encontram nenhum compromisso nesse caso específico, apoiando-se nas Leçons de sociologie de Durkheim. Ater-se apenas a este livro é muito simplista, pois é possível basear-se no trecho citado acima do estudo dedicado ao suicídio.
  • 5
    Desde então, essa abordagem tem sido aplicada ao mercado de restaurantes em praias turísticas no Brasil (Sartore; Pereira; Rodrigues, 201930 SARTORE, Marina de S.; PEREIRA, Simone de A.; RODRIGUES, Cae. Aracaju beach bars as contested market: Conflicts and overlaps between markets and nature. Ocean and Costal management, n. 179, p. 1-9, 2019.) e à criação do mercado de poluição (Valiergue, 201950 VALIERGUE, Alice. The creation and development of the voluntary carbon market through moral struggles. In: BALSIGER, P.; SCHILLER-MERKENS, S. (ed.). Moral Struggles in and out the Market, Oxford, Emerald Publishing, 2019. p. 49-66., 202149 VALIERGUE, Alice. Compensation carbone. La fabrique d’un marché contesté. Paris: Sorbonne université Presses, 2021.).
  • 6
    Este é o título do livro editado por Sally Satel31 SATEL, Sally. When altruism isn’t enough. The case for compensating kidney donors. Washington: The American Enterprise Institute Press, 2008.: When Altruism is not Enough.
  • 7
    Nos parágrafos seguintes, coleto as informações sobre a abordagem da Attac no trabalho realizado por Gaspard Richard (2019)28 RICHARD, Gaspard. Histoire d’une ressource en devenir. Enquête sur la mobilisation de deux associations contre l’évasion fiscale, 1998-2018. 2019. Dissertação de Mestrado – Sorbonne université, Paris, 2019..
  • 8
    “São os interesses (materiais e ideais), e não as ideias, que governam diretamente a ação dos homens. No entanto, as ‘imagens do mundo’ que foram criadas por meio de ‘ideias’ muitas vezes desempenharam o papel de indicadores, determinando os meios dentro dos quais a dinâmica dos interesses foi a força motriz da ‘ação’.” (Weber, 201951 WEBER, Max. Economy and Society. Cambridge: Harvard university Press, 2019/1921./1920, p. 349).
  • Artigo traduzido do francês por Liana Fernandes.

Referências

  • 1
    BALSIGER, Philip; SCHILLER-MERKENS, Simone (ed.). Moral Struggles in and out the Market Oxford: Emerald Publishing, 2019.
  • 2
    BARBOSA, Livia; GOMES, Laura Graziela. Dossiê Mercados contestados. Antropolítica, n. 41, p. 10-24, 2016.
  • 3
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  • 4
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  • 8
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  • 9
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  • 10
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  • 19
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  • 23
    ILLOUZ, Eva (ed.). Les marchandises émotionnelles L’authenticité au temps du capitalisme. Paris: Premier Parallèle, 2017.
  • 24
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  • 25
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  • 26
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  • 27
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  • 30
    SARTORE, Marina de S.; PEREIRA, Simone de A.; RODRIGUES, Cae. Aracaju beach bars as contested market: Conflicts and overlaps between markets and nature. Ocean and Costal management, n. 179, p. 1-9, 2019.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2022
  • Aceito
    05 Maio 2023
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