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O debate sobre a autonomia/não-autonomia da tecnologia na sociedade

The debate on the autonomy/non-autonomy of technology in society

Resumos

O artigo apresenta o debate a respeito da autonomia e não-autonomia da tecnologia na sociedade, a partir da discussão empreendida na sociologia da ciência e da recente literatura sobre a produção tecnológica, notadamente a que se inicia com o trabalho de Martin Heidegger, Question concerning technology. Considerando esse trabalho de Heidegger uma reflexão seminal sobre o tema da tecnologia, é proposta uma inversão "ontológica" na relação entre ciência e tecnologia, ao colocar esta última como uma realidade anterior à ciência. O texto procura contrastar diferentes acepções a respeito da tecnologia, mediante recortes analíticos os mais diversos, a saber, diferentes perspectivas teórico-metodológicas, concepções filosóficas e enfoques, entre os quais o econômico, o sociológico e o histórico. É dado destaque especial ao confronto entre o enfoque sociológico e o econômico. Ao final, pretende-se reunir elementos para a argumentação a respeito da não-autonomia da tecnologia na sociedade e do que tem sido chamado o conteúdo social da tecnologia.

Sociologia da tecnologia; Sociologia da ciência; Tecnociência; Geração de tecnologia; Prática tecnológica


This article presents the debate on the autonomy and non-autonomy of technology in society, considering the discussion undertaken in the sociology of science and the recent literature on technology production, especially what came after Martin Heidegger's The question concerning technology. Taking the work of Heidegger as a seminal discussion on the topic of technology, the article proposes an "ontological" reversal in the relationship between science and technology, placing technology before science. The text contrasts different meanings of technology through diverse analytical models, namely, different theoretical and methodological perspectives, philosophical concepts and approaches, including the economic, sociological and historical approaches. Special emphasis is given to the confrontation between the sociological and the economic approach. In the end, the paper offers evidence to support the non-autonomy of technology in society and that which has been called the social content of technology.

Sociology of technology; Sociology of science; Technoscience; Technology production; Technological practice


ARTIGO

O debate sobre a autonomia/não-autonomia da tecnologia na sociedade

The debate on the autonomy/non-autonomy of technology in society

Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro

Sociólogo, mestre e doutor em Sociologia, coordenador da pós-graduação em Sociologia da UnB

RESUMO

O artigo apresenta o debate a respeito da autonomia e não-autonomia da tecnologia na sociedade, a partir da discussão empreendida na sociologia da ciência e da recente literatura sobre a produção tecnológica, notadamente a que se inicia com o trabalho de Martin Heidegger, Question concerning technology. Considerando esse trabalho de Heidegger uma reflexão seminal sobre o tema da tecnologia, é proposta uma inversão "ontológica" na relação entre ciência e tecnologia, ao colocar esta última como uma realidade anterior à ciência. O texto procura contrastar diferentes acepções a respeito da tecnologia, mediante recortes analíticos os mais diversos, a saber, diferentes perspectivas teórico-metodológicas, concepções filosóficas e enfoques, entre os quais o econômico, o sociológico e o histórico. É dado destaque especial ao confronto entre o enfoque sociológico e o econômico. Ao final, pretende-se reunir elementos para a argumentação a respeito da não-autonomia da tecnologia na sociedade e do que tem sido chamado o conteúdo social da tecnologia.

Palavras-chave: Sociologia da tecnologia. Sociologia da ciência. Tecnociência. Geração de tecnologia. Prática tecnológica.

ABSTRACT

This article presents the debate on the autonomy and non-autonomy of technology in society, considering the discussion undertaken in the sociology of science and the recent literature on technology production, especially what came after Martin Heidegger's The question concerning technology. Taking the work of Heidegger as a seminal discussion on the topic of technology, the article proposes an "ontological" reversal in the relationship between science and technology, placing technology before science. The text contrasts different meanings of technology through diverse analytical models, namely, different theoretical and methodological perspectives, philosophical concepts and approaches, including the economic, sociological and historical approaches. Special emphasis is given to the confrontation between the sociological and the economic approach. In the end, the paper offers evidence to support the non-autonomy of technology in society and that which has been called the social content of technology.

Keywords: Sociology of technology. Sociology of science. Technoscience. Technology production. Technological practice.

O questionamento a respeito da natureza da tecnologia e do lugar que ela ocupa na sociedade tem proporcionado amplo debate na literatura, envolvendo diferentes enfoques, posições filosóficas e metodologias. São muitas perspectivas teóricas que se confrontam e se superpõem, evidenciando, a um só tempo, a grande complexidade do fenômeno em discussão, e o relativamente recente peso (nos últimos cinquenta anos) que o assunto passou a ganhar entre os autores que lidam com a problemática do conhecimento.

Certamente que falar de tecnologia não é algo novo, remontando aos antigos gregos, como Platão e Aristóteles, e passando, nos tempos modernos, por Marx, Engels, Rousseau, Bacon, Comte e Simmel (o que constitui a base filosófica e teórica clássica da reflexão em torno da tecnologia). Contudo, o debate começa a se intensificar com a discussão introduzida por Martin Heidegger (1977), cuja versão original foi publicada em alemão, em 1954. Não obstante, são nas discussões a respeito da natureza do conhecimento científico e do papel que ele ocupa na sociedade, particularmente sua relação com a tecnologia, ainda anteriores à década de cinquenta do século passado, que podemos encontrar muitas das questões que passaram a orientar a reflexão mais recente sobre a tecnologia.

A Teoria do Conhecimento, a Filosofia da Ciência e mesmo a Sociologia da Ciência foram impulsionadas, nos finais dos anos 20 do século passado, com a constituição do chamado "Círculo de Vienna" (CARNAP; HAHN; NEURATH, 2006). Esse movimento, conhecido como Positivismo lógico, possuía como principal ambição filosófica combinar o empiricismo de Bacon aos desenvolvimentos obtidos com a lógica matemática no século XX. No esforço em demarcar o campo específico da ciência - considerada por muitos como algo essencialmente racional e isento de quaisquer interferências sociais - e em destinar à tecnologia um lugar secundário (uma mera aplicação dos conhecimentos científicos), os protagonistas do Círculo de Vienna acabam por "aquecer" o debate a respeito da contraposição autonomia/não-autonomia da ciência na sociedade. O que fomentou as bases da moderna Sociologia da Ciência, também inspiradas na obra Ideologia e utopia de Karl Manheim, publicada originalmente em 1929, em sua Sociologia do Conhecimento.

A contribuição da Sociologia da Ciência para a construção de uma teoria sobre a tecnologia

A Sociologia da Ciência, desde os seus primeiros momentos, voltava-se para a compreensão da dimensão social da atividade científica, correlacionando esta atividade a outras esferas da vida social, como a política e a econômica. Nesse sentido, autores importantes como Bernal (1939), Merton (1949), Hagstrom (1965), Kuhn (1970)1 1 Embora não se possa dizer que sua abordagem integre propriamente o "núcleo duro" da Sociologia da Ciência, por seu enfoque propriamente filosófico, não se pode desconhecer a importante obra de Toulmin (1961), introduzindo a noção de "idéias de Ordem Natural", que pode ser considerada uma precursora do conceito kuhniano de paradigma. , Ben-David (1971), Crane (1975) e Bourdieu (1983) contribuíram de maneira destacada para esclarecer o entendimento sobre o papel da Ciência nas sociedades contemporâneas e o modo como ela se organiza e se constitui como uma instituição social.

Não obstante as peculiaridades, verifica-se, entre esses autores e na tradição dominante da Sociologia da Ciência, uma ênfase comum na noção de "comunidade científica" e nas relações entre os cientistas - nos aspectos normativos internos e nos padrões de conduta e principais motivações desses indivíduos. Também se destacam importantes contribuições para o entendimento da formação e consolidação de determinadas comunidades científicas, dentro de uma perspectiva histórica, os trabalhos de Fernandes (1990) e Schwartzman (1979), na Sociologia Brasileira.

Esta ênfase na noção de "comunidade científica" levou a que se estabelecesse, nas análises teóricas e empíricas da tradição dominante da Sociologia da Ciência, uma evidente dicotomia "interno-externo", para abordar as condições de produção do conhecimento científico. Outra dicotomia proveniente dessa tradição é aquela expressa na separação entre os aspectos cognitivos e os sociais da produção científica.

Num extremo, tais separações tendem a acentuar a visão a respeito do valor destacado da verdade científica ou de uma racionalidade técnico-científica, o que aponta para a vertente da neutralidade científica, que se consagra na idéia de "ciência pura" - na linha da defesa preconizada pelo Círculo de Vienna. O exemplo mais marcante dessa última linha pode ser visto, na Sociologia da Ciência, no trabalho de Merton (1949), ao insistir na tese da autonomia da ciência na sociedade.

No outro extremo, autores como Bourdieu e Kuhn, embora ainda dedicando importância decisiva para as relações entre os pares-cientistas - seja através da noção de "campo científico", seja mediante a de "comunidade científica", respectivamente -, como constructos explicativos para a compreensão do modo como se organiza e realiza a atividade científica, apontam para o necessário imbricamento de elementos sociais, culturais e políticos na obtenção dos fatos científicos.

Para Bourdieu, por exemplo, o "campo científico" é uma instância relativamente autônoma da sociedade, sendo condicionado pela estrutura global desta última e pelas suas relações econômicas, políticas e ideológicas; as quais interferem nos aspectos gerais do campo e em sua estrutura de demandas, possibilidades, prioridades e restrições de pesquisa, bem como nos próprios componentes motivacionais dos cientistas, na medida em que eles incorporam valores e expectativas provenientes de sua origem social, de sua socialização. Seguindo nessa linha de argumentação, o autor desenvolve a tese de que o "campo científico" constitui-se em um espaço de lutas entre os cientistas-concorrentes, em busca do monopólio da autoridade e da competência científica; entendida, esta última, como uma junção entre capacidade técnica e poder político. Em suma, os fatos científicos não são realidades "puras", nem resultado exclusivo de uma dimensão cognitiva, mas encerram um conteúdo técnico/instrumental, e outro, social, indistinguíveis.

Thomas Kuhn, por seu lado, nega qualquer caráter de verdade objetiva aos fatos científicos. Para ele, os resultados científicos consistem de consensos socialmente produzidos no interior de uma comunidade científica; consensos, estes, que refletem um contexto sócio-histórico particular, uma época e um lugar determinados. Embora Kuhn se aproxime de Bourdieu quanto à idéia de que os conhecimentos são produtos sociais e não realizações exclusivas de uma racionalidade técnico-científica (e, aqui, não se trata de, meramente, identificar e reconhecer certos condicionamentos ou "obrigações morais", que acabam por apenas circunscrever o cerne da ciência e os fatos científicos, preservando-os e isentando-os de influências "externas" ou sociais, como é típico na abordagem mertoniana), ele se diferencia do segundo, no que concerne à preocupação quanto à objetividade. Para Bourdieu, o cientista deve estar sempre atento (a idéia da "vigilância epistemológica"), para se obter conhecimentos que expressem, o máximo possível, os padrões de determinação da realidade - física e social -, que a expliquem objetivamente. Nesse sentido, ao contrário de Kuhn, que distingue fases de estabilidade consensual e paradigmática, no curso da "ciência normal", de fases revolucionárias (de mudança radical de paradigma), Bourdieu entende o desenvolvimento da ciência como um processo de permanentes revoluções, sejam estas referentes aos conhecimentos gerados, sejam referentes à própria dinâmica das relações de disputa, sempre presentes no campo científico.

A não-autonomia da ciência na sociedade é enfocada, na literatura, sobretudo pela corrente marxista (BUKHARIN, 1971; BRAVERMAN, 1977; COHEN, 1978; BURAWOY, 1978; ARONOWITZ, 1978; THERBORN, 1980; GOONATILAKE, 1984). Dentro dessa tradição, a tendência dominante é aquela que considera a ciência como uma força produtiva; a controvérsia, contudo, gira em torno da ênfase dada às forças produtivas ou às relações de produção no desenvolvimento histórico-social. Também se destacam, nessas discussões, autores como Jürgen Habermas e Herbert Marcuse, e outros membros da "Escola de Frankfurt", que, embora desenvolvendo abordagens não estritamente marxistas, ao combinarem elementos da discussão weberiana sobre o processo de racionalização nas sociedades contemporâneas, apresentam importantes contribuições para uma crítica da ciência e da tecnologia, diagnosticando a politização e ideologização dessas duas atividades humanas no atual contexto do desenvolvimento capitalista; discussões, estas, bem próximas à análise marxista a respeito do "fetichismo" da mercadoria e à tendência alienadora crescente no modo de produção capitalista.

De um lado, as teses da autonomia da ciência na sociedade, ao insistirem nos mecanismos internos de regulação da comunidade científica e das relações entre os pares, ao mesmo tempo em que contribuem para o entendimento de todo o jogo de interações e motivações de cientistas - fundamentais para a organização e condução da atividade científica -, dificultam a análise das novas dinâmicas verificadas entre cientistas e não-cientistas, que passam a fazer parte de uma maneira mais intensa e decisiva na atual prática científico-tecnológica. Por outro lado, as abordagens marxistas, e as teses da não-autonomia da ciência na sociedade, ao insistirem na dimensão econômica e produtiva da ciência, embora apresentem importantes esclarecimentos acerca da natureza (multidimensional) da ciência e de seu papel na sociedade, acabam por restringir os aspectos socioculturais e a dinâmica concreta da produção de conhecimentos científicos, na medida em que enfatizam abordagens macrosociológicas e excessivamente generalizantes.

Outra perspectiva, mais recente, o chamado "Construtivismo" (LATOUR; WOOLGAR, 1997; KNORR-CETINA, 1981 e 1982; LATOUR, 1983, 1990, 1992, 2000; LATOUR; STRUM, 1986; e CALLON, 1987, 1988 e 1989, por exemplo) procura superar determinadas limitações presentes nas abordagens clássicas da Sociologia da Ciência. Essa abordagem surge e se consolida no interior de um grande debate, na esteira de contribuições filosóficas, as mais diversas, apoiadas na obra de Wittgeinstein sobre a filosofia da linguagem, culminando com os trabalhos de Barnes (1974, 1977) e Bloor (1976, 1982), a respeito do que se designou "programa forte". Essa proposta teórico-metodológica consiste numa posição considerada radical na Sociologia da Ciência, levando ao extremo uma perspectiva relativista. Para tais autores, os fatos científicos são construções sociais e devem ser examinados "simetricamente", ou "neutramente"; isto é, tais fatos não devem ser julgados nem como mais nem como menos racionais que outros fatos sociais. Nesse sentido, argumentam os autores, não há qualquer hierarquia entre a ciência e outras formas de conhecimento; todas elas são realizações humanas que fazem sentido dentro de seus próprios contextos sociais, que dispõem de um mesmo universo lógico e linguístico.

Na trilha da visão kuhniana, o Construtivismo se volta radicalmente contra a idéia de uma racionalidade pura, ou de uma verdade objetiva, imputada aos resultados científicos. A realidade externa não é descrita, meramente, por um sujeito epistêmico. Ao contrário, o que se tem são representações dessa realidade, traduzidas em fatos científicos mediante complexos processos de negociação e decisões entre vários atores; decisões, estas, que não se apóiam apenas em critérios estritamente científicos e racionais - numa linguagem e num método científico, que produzam verdades objetivas.

Até aí vão as proximidades com Thomas Kuhn. Mas também as distâncias são evidenciadas, na medida em que, para o Construtivismo, o "social", na produção científica, não decorre apenas de consensos obtidos entre os cientistas - como é verificado na abordagem kuhniana -, mas ultrapassa consideravelmente o âmbito específico das comunidades científicas, incluindo um conjunto bastante diversificado de atores e interesses sociais.

É importante ressaltar que a corrente do Construtivismo é forjada num contexto do desenvolvimento científico-tecnológico muito distinto daquele dos primeiros fundadores da Sociologia da Ciência. Tal corrente não surge, pura e simplesmente, como resultado de debate, no campo das idéias, mas da própria dinâmica entre as idéias e as transformações operadas na realidade concreta, particularmente no modo como os conhecimentos científicos e tecnológicos passam a ser produzidos. Nesse sentido, a sua origem é contemporânea aos principais avanços verificados na ciência e na tecnologia. Em suma, suas referências empíricas são realidades bastante distintas daquele mundo existente, à época dos primeiros escritos de Merton e de outros clássicos da Sociologia da Ciência, como Max Weber, em sua análise a respeito da esfera da ciência e a da política.

Se, de um lado, as preocupações de Merton refletem as ameaças do Nazismo e o medo com as intromissões e invasões no ambiente científico, no contexto da Segunda Guerra Mundial e em seus momentos subsequentes, buscando enfatizar e preservar o espaço autônomo da Ciência, de outro lado, o Construtivismo reflete as necessidades de se pensar um desenvolvimento científico-tecnológico "invadido", não mais por pressões políticas, mas, sobretudo, por interesses e pressões econômicas e sociais, no sentido mais amplo.

O atual estágio do desenvolvimento científico-tecnológico passa, então, a desafiar os estudiosos e teóricos da Ciência, em busca de modelos e esquemas analíticos que permitam dar conta de novas estruturas e relações que configurem esse estágio. O Construtivismo cumpre, em parte, esse papel, ao desenvolver as teses das "redes sociotécnicas", dos "laboratórios expandidos" e das "arenas trans-epistêmicas", como conjuntos de atores e interesses bastante diversificados, envolvendo cientistas e nãocientistas, na atividade científico-tecnológica.

Sem entrar na análise e interpretação sistemática dos diferentes trabalhos que pontuam essa nova corrente na Sociologia da Ciência, o argumento central trazido por eles reside na tese de que a realidade e a natureza (física ou social) não são puramente descritas e captadas pelos cientistas, em seus laboratórios e em suas práticas de pesquisa. Ao contrário, os fatos científicos são "feitos" ou construídos. Assim, para o Construtivismo, entre a realidade e os enunciados ou discursos sobre ela se situa um conjunto complexo de operações, decisões e negociações, que resultam em representações obtidas em nome da natureza ou da realidade.

Em resumo, o Construtivismo admite, de maneira mais ou menos consensual, que os conhecimentos não são reduzidos a simples registros e anotações de resultados fornecidos pela experiência; ainda que não exista acordo, quanto aos mecanismos presentes na construção dos fatos científicos. Outro aspecto comum nessa abordagem é a ênfase nos estudos em laboratórios, apoiados, principalmente, na tradição da etnometodologia. A aproximação com um enfoque mais propriamente antropológico visa a captar, no dia-a-dia da pesquisa, em situações concretas, o modo como efetivamente se dá o processo de fabricação dos fatos científicos.

O laboratório é, assim, um mundo a explorar, um universo a desbravar. O desafio para o antropólogo ou o sociólogo, neste caso, reside na necessidade de se desvencilhar de um conjunto de pré-noções próprias da sua formação científica, para se compreender, o mais fielmente possível, o real significado (ou o mais próximo possível) das relações e decisões presentes no cotidiano dos laboratórios. Para tanto, faz-se necessário partir-se dos fatos científicos e desconstruir significativamente toda uma série de ações, procedimentos e decisões e negociações, metodológicas, teóricas, e também socioeconômicas e políticas, a fim de se compreender o processo que resultou naquele fato científico.

A despeito de diferenças de tratamentos - por exemplo, Latour e Callon seguindo a terminologia das "redes sociotécnicas" e a idéia de "laboratórios expandidos", e Knorr-Cetina analisando o que conceituou as "arenas trans-epistêmicas" -, os principais autores do Construtivismo argumentam contra a idéia de que os fatos científicos constituam realizações estritas de uma racionalidade técnico-científica. O que se choca, tanto contra o "realismo empiricista", ou com os protagonistas do Círculo de Vienna, na tradição de uma discussão epistemológica, quanto contra a conhecida tese weberiana da dicotomia entre "juízo de valor" e "juízo de realidade".

Contudo, se o Construtivismo avança na perspectiva de incorporar novos atores e a influência de não-cientistas no atual processo de produção de conhecimentos científicos e tecnológicos, o que se verifica nas análises sobre as Novas Biotecnologias, não resolve, tampouco progride, na discussão sobre a dimensão cognitiva e de suas possibilidades na busca de conhecimentos válidos (cientificamente) e verdadeiros, nas formulações da Epistemologia. A esse respeito, é importante destacar a contribuição de uma tradição racionalista, na linha, particularmente, de Popper e Habermas, que, embora segundo direções distintas, insistem na idéia de que os conhecimentos científicos são produzidos mediante processos intersubjetivos. O primeiro, dentro de uma perspectiva mais cética em relação às possibilidades de se obter um conhecimento verdadeiro (o fato científico corresponde a uma teoria que sobrevive ou resiste às tentativas para o seu falseamento; é aceita provisoriamente, até que uma nova teoria a suplante); o segundo, admitindo que fato seja tudo aquilo que justificadamente podemos afirmar.

Uma comunidade ampliada de participantes da prática científica (como aponta o Construtivismo) traz, sem dúvida alguma, problemas importantes para a perspectiva formulada originalmente por Habermas (1988), caso se pretenda estabelecer um diálogo entre essas abordagens, na Sociologia da Ciência. Um desses problemas diz respeito precisamente ao fato de que, para Habermas, a ciência (a elaboração de fatos científicos) é coisa restrita a cientistas, não diz respeito a outros atores; a sua aplicação sim.

Não obstante, concordando com a linha Construtivista, novos interlocutores dos cientistas, e não só gestores de ciência e tecnologia e industriais, passam a se imiscuir na ciência, exigindo explicações e um melhor entendimento sobre os novos resultados científicos que passam a interferir na vida dos indivíduos e no planeta, como um todo. Tais novos resultados, conforme demonstrado cotidianamente na grande mídia e nas reações e enfrentamentos sociais, os mais diversos, atingem crenças e convicções, há muito arraigadas, nas sociedades, ensejando um "agir comunicativo reflexivo", segundo a terminologia de Habermas.

Como esclarecer a opinião pública a respeito, por exemplo, dos níveis aceitáveis de "formaldeído" (composto químico-industrial utilizado nos aglomerados que fazem parte da construção de casas populares), ou da camada de ozônio sobre a Terra? Tudo isto leva a que os cientistas saiam da sua comunidade, para ingressarem num novo espaço de discussão, incluindo, também, um público "profano" (CALLON, 1989). Em que medida antigos padrões de conduta das comunidades científicas tendem a se manter em face dessas novas pressões que emergem do interior da sociedade? Até que ponto é sustentável, a não ser por critérios puramente normativos - como defende a Epistemologia tradicional -, a idéia de que ciência é algo apenas da alçada de cientistas, como pretende ainda Habermas? Com que concepção de ciência estamos então lidando? A esse respeito, a demarcação, rígida, do espaço preservado para a racionalidade técnico-instrumental (e para a ciência) é também uma posição de valor, uma posição com consequências políticas, numa linha semelhante à crítica que Marcuse fizera à noção de técnica de Max Weber.

Ao contrário do que pretende Habermas com relação ao lugar que atribui à ciência na sociedade, mas servindo-se de suas próprias categorias analíticas e estratégia metodológica, na formulação de um caminho para a emancipação humana, de seu livramento do "império" da racionalidade técnico-instrumental, o presente trabalho entende que tal padrão de racionalidade tende a ser confrontado por "nichos" de racionalidade comunicativa reflexiva, provenientes de diferentes esferas do "mundo da vida", do contexto das interações diárias, de movimentos sociais organizados e de públicos leigos, que se sentem impelidos a questionar e a interferir, concretamente, no rumo dos acontecimentos que se dão no interior dos laboratórios.

O que se verifica, no campo das Novas Biotecnologias, mais precisamente no debate introduzido a respeito da utilização (ou não) de células embrionárias em pesquisas sobre "células-tronco", é um claro exemplo de tal interferência na ciência. E não se trata apenas de uma pressão social, mantida afastada, fora dos "muros" dos laboratórios. Os fatos revelam que tais pressões têm alterado o curso de determinadas opções técnicas seguidas originalmente pelos cientistas. Foi o que se verificou, quando determinados cientistas buscaram "contornar" fortes pressões sociais contrárias à utilização e o descarte de células embrionárias no estudo de células-tronco.2 2 Em matéria divulgada no jornal Correio Braziliense, do dia 18 de outubro de 2005, no caderno "Mundo", lê-se, a esse respeito: "Um cientista norte-americano e um alemão conseguiram uma façanha que pode provocar uma revolução na genética: criar células-tronco sem precisar destruir o embrião. Robert Lanza e Alex Meissner afirmaram ao Correio que suas pesquisas com ratos podem encerrar os debates éticos e viabilizar a técnica em seres humanos. Desde 1998, a Medicina reconhece o potencial das células-tronco embrionárias, capazes de se transformar em qualquer tecido ou órgão humano, curar doenças e encerrar a agonia de pacientes à espera do transplante".

Obviamente que a ciência, ou melhor, a pesquisa científica é realizada por cientistas, assim como são os padres que celebram as missas, ou os músicos que tocam nas orquestras. Mas isso não significa que cada uma dessas atividades seja imune ao grande público. Aos fiéis ou aos auditórios. O que se está argumentando, aqui, é que o exame do modo como a pesquisa científica é realizada, concretamente, traz à evidência elementos constitutivos de sua atividade, que não se limitam a uma estrita racionalidade técnico-instrumental. Em outras palavras, ao ser condicionada por ampla diversidade de fatores - psicológicos, econômicos, políticos e culturais, de um modo geral -, a ciência, como qualquer outra atividade humana, não é conduzida apenas por esse tipo de racionalidade. Este argumento destaca a dificuldade em sustentar, com base em evidências empíricas, uma rígida separação entre as diferentes formas de racionalidade, ou entre o que seria da alçada estrita da política e o da ciência, como preconizava Max Weber.

Um dos méritos do Construtivismo foi ter propiciado realçar a dimensão normativa presente nas formas clássicas de se explicar e interpretar os acontecimentos científicos. Contudo, como apontado por Winner (2006) e por Fuller (2006), essa mesma abordagem acabou, igualmente, refém do mesmo approach por ela condenado, como se verá mais adiante.

Por ora, é importante, ainda, ressaltar que os elementos analíticos e metodológicos introduzidos pelo Construtivismo, na Sociologia da Ciência, suas idéias a respeito das interrelações entre diferentes esferas do conhecimento e da atividade humana, permitiram avançar bastante na construção do que se poderia chamar uma Sociologia da Tecnologia. São relevantes as contribuições, nesse sentido, dos trabalhos de Pinch & Bijker (1987), Woolgar (1987), Callon (1987) e Law & Hassard (1997) - estes dois últimos, com a organização de uma coletânea de artigos a respeito do que tem sido conhecido, na literatura, como "Actor-Network-Theory" (ANT).

As críticas apresentadas por Fuller (2006) e Winner (2006) ao mainstream do Construtivismo também constituem elementos importantes para a construção de uma teoria sobre a tecnologia ou mesmo para o aprofundamento dos chamados "Estudos Sociais sobre a Ciência e a Tecnologia". Langdom Winner, por exemplo, traz uma das mais relevantes críticas a respeito do Construtivismo. Para ele, essa abordagem negligencia os impactos sociais da tecnologia, e não estabelece pesos diferenciados para as hierarquias entre os diferentes públicos envolvidos na produção científica e tecnológica. O Construtivismo parece permanecer refém da tradição dominante da Sociologia da Ciência ou da Filosofia da Ciência, mantendo forte separação entre "fatos científicos" e "artefatos tecnológicos", e adotando uma atitude de "neutralidade" em sua própria atividade de pesquisa, na linha da isenção pretendida pelos neopositivistas.

Conforme a visão de representantes do Construtivismo, se os valores sociais estão imbricados na produção dos fatos científicos, como eles negligenciam essa condição de valor em suas próprias atividades investigativas? (WINNER, 2006). Como podem se colocar numa atitude de pretensa isenção, ao assumirem integralmente a fala de seus interlocutores como fundamento último e exclusivo de suas análises? Não estariam repetindo a velha máxima positivista, segundo a qual o objeto científico deve ser fielmente descrito (contrariamente ao que defendem), tal e qual se constitui empiricamente? Como eles próprios se colocam como parte de um processo de construção e interação que envolve múltiplos fatores sociais e não sociais? Todas essas são questões que parecem ainda em aberto na abordagem Construtivista, para ficar em consonância com a ideia de simetria proposta por alguns dos inspiradores dessa abordagem, no conjunto das prescrições do programa forte. Segundo Winner (2006), discutir quem são tais ou quais atores (engenheiros, industriais, cientistas), o que realizam e o impacto de seus trabalhos na sociedade e no meio em que desenvolvem suas atividades deve fazer parte da agenda ou do programa de pesquisa proposto pelo Construtivismo.

Tal cobrança pode ser prontamente contestada pelos construtivistas, a partir do questionamento a respeito de qual deve ser, ao final, o papel da ciência e da tecnologia na sociedade. Quanto a isso, argumentariam, por exemplo, pela posição que entende que não é atribuição (um dado a priori) da ciência ou mesmo da tecnologia ter que assumir um ou outro papel de ordem moral. Para muitos, essa questão não permite solução, uma vez que há diferentes acepções de ciência e de tecnologia em jogo e quanto à responsabilidade ou não que cada uma deve assumir, bem como quanto à divisão de tarefas atribuída à ciência e à tecnologia. Quem estabelece tudo isso, poderiam perguntar a seus críticos? No entanto, todas essas questões acabam por evidenciar e dar razão à reflexão proposta por Fuller, a respeito da necessidade de que o debate filosófico seja parte integrante de uma Sociologia da Ciência, de uma Sociologia da Tecnologia ou mesmo dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia.

Na linha de sua argumentação, Fuller (2006, p. 35) faz uma importante diferença entre Construtivismo e Relativismo. Na sua definição, a negação do Universalismo é o Relativismo. Já, o Construtivismo nega que os sujeitos conheçam, do mesmo modo, a mesma realidade. O Construtivismo tanto pode ser compatível com o Relativismo, quanto com o Universalismo. "Para o construtivista, o Relativismo do antropólogo é um Realismo sobre múltiplos mundos sociais" (FULLER, 2006, p. 37). A tese da incomensurabilidade de Kuhn é também Realismo, argumenta o autor.

O debate acerca da ciência, de sua natureza e do papel que desempenha na sociedade, bem como as questões éticas que emergem do cenário das novas áreas da produção do conhecimento evidenciam a necessidade de se evitar respostas simplificadas, abordagens muito herméticas e de se repensar posições bastante consolidadas na tradição hegemônica de como se deve fazer e explicar a ciência e a tecnologia. Procurando seguir nesse desafio, depreende-se das discussões precedentes que a lógica e os valores que orientaram o núcleo dominante da Sociologia da Ciência, embora importantes para a fundamentação de uma teoria sobre a tecnologia - ao discutirem sobre conceitos como comunidades científicas, valores sociais versus fatos científicos, Relativismo versus Realismo ou versus Universalismo, relação entre ciência e economia ou entre ciência e poder -, apontam para a necessidade de se refletir sobre o fenômeno tecnológico. Em outras palavras, pensar a tecnologia pela porta dos fundos da ciência pode ser uma condição ainda limitada na direção da construção de uma teoria sobre a tecnologia.

A esse respeito, é sempre importante ressaltar que a ciência e a tecnologia possuem histórias e objetivos diferentes - ainda que essa mesma proposição seja questionável, como se verifica na abordagem de Martin Heidegger, para quem a tecnologia é um caminho para o desvelamento, o desencobrimento, para, enfim, a verdade, como o é a ciência.

Uma questão importante é: quais as razões, sociais ou no plano da história das idéias, para um tratamento desigual para a ciência e para a tecnologia? Por que uma Filosofia da Ciência e mesmo uma Sociologia da Ciência é mais consolidada que uma Filosofia da Tecnologia ou uma Sociologia da Tecnologia? Por que a tecnologia, em si mesma, não é um problema? Por que ela é apenas vista como um conjunto de meios e instrumentos (uma coisa), em que a principal questão é, fundamentalmente, decidir que fim se pretende alcançar?

O questionamento a respeito da tecnologia

A reflexão sobre a tecnologia é relativamente recente. O questionamento sobre a ciência também não é muito antigo. Tem pouco mais de um século. Entretanto, há importantes diferenças entre as discussões sobre ambas.

Uma Teoria da Ciência surge e se consolida a partir de um campo filosófico específico, que faz parte da Teoria do Conhecimento. A preocupação básica referia-se ao questionamento acerca da validade do conhecimento; o que caracteriza, aliás, o debate filosófico dos tempos modernos, conforme análise de Jürgen Habermas (1982).

De acordo com Habermas (1982, p. 25), "a posição da filosofia moderna diante da ciência, nos umbrais do século XIX, caracterizou-se pela concessão de um espaço legítimo à ciência". Não obstante, "as teorias do conhecimento não se limitavam a explicar o conhecimento científico-experimental, isto é, não desabrochavam em teoria da ciência" (HABERMAS, 1982, p. 25). A discussão feita pela filosofia, a respeito da ciência, transcendia o espaço interno desta, concentrando-se no tema da razão e de suas possibilidades.

Seguindo essa linha de argumentação, o último autor identifica que o distanciamento entre a Filosofia Moderna e uma Teoria da Ciência - já mais autônoma e independente - se acentuou, na medida em que se confrontavam duas grandes correntes do pensamento acerca da razão, a saber: a "autoreflexão fenomenológica do conhecimento", representada por Hegel, e o "questionamento lógico-transcendental", feito por Kant.

Para Habermas, a crítica de Hegel à abordagem kantiana chega mesmo ao paradoxal resultado de a filosofia não apenas mudar de posição frente à ciência, mas, também, de renunciar totalmente a esta última. Daí o argumento desse autor de que a ciência não foi, a rigor, pensada filosoficamente depois de Kant (HABERMAS, 1982, p.26).

Contudo, a ciência passa a se constituir como categoria do conhecimento, pela emergente "Teoria do Conhecimento", propiciando e consolidando, a partir daí, uma Teoria da Ciência. Neste caso, porém, tal teoria, tomando como base os padrões dominantes da ciência positiva moderna, afasta-se radicalmente da idéia de um saber absoluto de uma grande filosofia - típica da tradição filosófica clássica -, bem como evita uma simples "autocompreensão" da rotina investigatória fática.

Mas a reflexão crítica necessitava da eliminação de antigos obstáculos positivistas, a exemplo do programa filosófico introduzido pelo Círculo de Vienna. Entretanto, o desfecho verificado é que a crítica do conhecimento abdicara em favor da Teoria da Ciência, cuja tônica era marcadamente positivista - uma leitura positiva sobre a ciência. Esse Positivismo era manifesto, basicamente, pela reificação da ciência como um saber autodeterminado e autoexplicativo, e pelo esvaziamento de um espaço possível de crítica sobre esta forma científica, na medida em que ela é assumida como única forma válida de se fazer ciência.

Ademais, enquanto uma Teoria da Ciência se consolida, assumindo uma autonomia em relação ao pensamento filosófico que a gerou, uma teoria sobre a tecnologia ficou sendo negligenciada (IHDE, 2006; 1979). De fato, ao longo da história, o pensamento filosófico tem silenciado acerca da tecnologia. Uma das teses a esse respeito é que o status secundário de uma "filosofia da tecnologia" é fruto das características da moderna história intelectual (SCHARFF; DUSEK, 2006).

Para Don Ihde, esse fato é consequência de toda uma tradição idealística, que remonta a Platão, influenciando fortemente a Teoria do Conhecimento e a da Ciência. Nesse sentido, ele demonstra que a ciência e a Teoria da Ciência são "filhas da filosofia", ou de uma base filosófica que privilegia o conceito e a forma (uma "pura conceitualidade"), como entidades abstratas, hierarquicamente superiores, na escala das capacidades humanas. No nível mais baixo, estariam as percepções dos fenômenos, em suas manifestações concretas.

Dentro dessa argumentação, uma particular relação entre a ciência e a tecnologia é análoga à relação mente-corpo, subjacente às discussões filosóficas clássicas. Nesse binômio, a mente teria primazia sobre o corpo. E isso se dá da mesma forma como o puro conceito é superior à percepção ou à corporização, dentro do "Mito da Caverna" de Platão. A mente atinge a forma pura e a essência imutável dos fenômenos; estes são alterados em sua aparência externa, sendo a percepção desse exterior um conhecimento precário e superficial. Analogamente, a ciência associa-se à mente, ao teórico; a tecnologia, ao corpo, à prática (IHDE, 1979).

Esta valorização do teórico (ao científico), em detrimento do prático (tecnológico) explicaria por que a preocupação inicial da filosofia (moderna) era com a ciência e não com a técnica, considerada menor. No melhor dos caminhos, a tecnologia era pensada como ciência aplicada ("neta da filosofia") - uma "engenharia de conceitos" - e não como uma forma de conhecimento própria, mais antiga que a ciência e sempre presente em toda a história humana, na luta que essa espécie trava com a natureza (física e biológica), visando ao seu controle e à dominação. Uma forma de conhecimento que surge da prática concreta dos indivíduos em sua vida diária (uma engenharia material), ainda que assumindo, historicamente, contornos e formas bem específicas, como a da racionalidade científica de hoje; esta mesma, dirigida para fins práticos, pensada a partir do destino final desse conhecimento (ver IHDE, 1979).

Entretanto, mais recentemente, duas grandes tendências filosóficas têm se voltado mais atentamente para a tecnologia como um fenômeno próprio, ao invés de, meramente, um conhecimento sucedâneo da ciência, subsidiário desta. Trata-se, diz o mesmo autor, da Filosofia Analítica - incluindo o Positivismo Lógico (representado pelo Círculo de Vienna), o Formalismo e o Construtivismo -, e da Fenomenologia - incluindo o Existencialismo e filosofias dialéticas; estas últimas ligadas à tradição Hegel-Marx. Se, de um lado, o Positivismo relegou um papel estreito à Teoria da Ciência, como uma área de conhecimentos autônoma, porém acomodada, a Fenomenologia propunha uma nova concepção de ciência, ainda que rejeitando, como o Positivismo, o caráter altamente especulativo da Filosofia Clássica.

A contribuição da Fenomenologia e do Existencialismo sobre a teoria tecnológica é inegável. Fundamentalmente, essas abordagens filosóficas propõem uma inversão no julgamento ontológico acerca da tecnologia, relativamente a uma suposta preferência filosófica pelo platonismo e pela ênfase na dimensão conceitual. Nesse contexto, é crucial a solução materialista dada por Heidegger à tecnologia. Representando a corrente fenomenológica, esse autor defende a primazia da praxis, argumentando que a tecnologia é ontologicamente anterior à ciência, na medida em que ciência é tecnologia.

Para Heidegger, a primazia ontológica é dada ao mundo e não ao conceito, à prática e não à teoria, à tecnologia e não à ciência. Neste sentido, a ciência vem a ser a ferramenta da tecnologia. A inversão operada por ele leva a modificar os termos da relação ciência-tecnologia, para outra, de base materialista, a tecnologia para a ciência.

Assim, a Fenomenologia encerra uma redescoberta da percepção e uma ênfase sobre formas concretas de objetificação. Por outro lado, se uma teoria da ação é o fundamento de uma teoria do conhecimento, se tecnologia é ontologicamente a base da ciência, se praxis é anterior ao conceito, então existe uma difícil conciliação entre a filosofia da praxis e a contraparte idealística, segundo Ihde (1979).

Na abordagem de Heidegger (2006) sobre a tecnologia, "ôntico" é uma certeza que denota apenas algo parcial de uma realidade maior, a condição ontológica. É apenas pelo ôntico que o ontológico pode ser compreendido; embora a dimensão ontológica seja a condição de possibilidade para o ôntico.

A definição instrumental e antropológica de tecnologia (uma atividade humana e um conjunto de meios para se obter um determinado fim) é, para Heidegger, funcionalmente ôntica; correta, mas parcial, limitada a um conjunto subjetivístico de possibilidades. Heidegger inverte esta definição, ao propor uma questão a qual pertence à tradição filosófica: quais são as condições de possibilidades que fazem a tecnologia uma realidade concreta?

Assim, tecnologia, como vê o autor, não é ôntica, mas ontológica. Ou seja, é aquilo que faz com que ela seja o que ela é. Na acepção de Heidegger, a tecnologia é um "modo de desvelamento"; em outras palavras, é "um modo de verdade", "um campo dentro do qual as coisas e as atividades podem aparecer como elas são". Aquilo que faz com que as coisas apareçam. Tecnologia não é um meio, mas um caminho de revelação, ou de "desencobrimento" ou "desvelamento"; é também poiésis (trazer à luz), no sentido que os gregos atribuíam a essa noção. Em suma, a estratégia de Heidegger é tentar localizar o que é ontológico por meio da análise fenomenológica do que é ôntico.

Dois conceitos chaves são apresentados pelo autor para formular sua acepção a respeito da essência da tecnologia, ou de sua condição ontológica: o de standing reserve e o de enframing, mantendo, aqui, a versão inglesa dos termos. Grosso modo, o primeiro conceito consiste naquilo que está presente na natureza (disponível para quaisquer ações humanas transformadoras), em sua forma original, bem como em suas formas modificadas, resultado dessas ações. É, assim, a natureza (original e transformada pela ação humana) e o estoque de conhecimentos disponíveis para posteriores transformações.

Contudo, o autor identifica dois "modos de desencobrimento": o bringing-forth e o challenging-forth. O primeiro, que leva à poiésis, à verdade, a algo produtivo; e o segundo, típico da tecnologia moderna, ligado à exploração, ao contínuo ato de "desafiar" a natureza, forçando-a a expor-se, a colocá-la sempre disponível aos propósitos do progresso técnico. Essa idéia de disponibilidade - outra tradução para a expressão standing-reserve - é a marca da tecnologia moderna, que, aliás, também insere o homem, como parte dessa mesma condição de exploração, em um movimento que se reproduz, continuamente.

É isto que acaba por delimitar o campo de possibilidades dentro do qual deverá se inscrever a tecnologia, como uma praxis. Outros caminhos poderão ser tentados; contudo, tal acervo de objetos, meios, instrumentos e conhecimentos disponíveis, para a exploração, deverá ser determinante na produção de novas tecnologias. É daí que se associa o caráter determinista da abordagem heideggeriana da tecnologia. Ou seja, embora a tecnologia seja também algo a ser revelado, um desvelamento da realidade (no sentido do bringing-forth), uma possibilidade emancipatória que se associa à busca da verdade, não fica claro, na citada obra do autor, como, efetivamente, isso se daria, no contexto contemporâneo, presidido pela lógica da dominação e da exploração. Além disso, não se depreende da abordagem heideggeriana o espaço (possível) para o inusitado, o imprevisto; tudo o que "viesse a ser", ou que fosse "trazido à luz" (em sua remota esperança numa ação consciente por parte dos indivíduos, em prol de sua "libertação" e dignidade), estaria coagido pela condição de sua disponibilidade (em seu standing reserve) para a continuidade da exploração, na tecnologia moderna.

O outro conceito-chave na discussão proposta por Heidegger a respeito da tecnologia é o de enframing. Para o autor, é todo o conjunto de atividades humanas que tornará possível a tecnologia, que consiste na reunião ou composição do conjunto das possibilidades disponíveis (no standing reserve) da tecnologia; é o processo de desvelamento, de desencobrimento do standing reserve. Em outras palavras, a tecnologia moderna é enframing do standing reserve. Na perspectiva de Heidegger, tecnologia, como enframing, é o precursor da ciência, daí a primazia da tecnologia. Ou seja, enframing é o campo de possibilidades dentro do qual também a ciência se dá.

A primazia ontológica dada à tecnologia, por Heidegger, em contraste com a tradição da Teoria do Conhecimento ou da Epistemologia, que atribui à ciência o papel proeminente, é crucial, na presente discussão. Não apenas tal proposta filosófica acaba por quebrar a forte dicotomia ciência-tecnologia presente no núcleo central da Teoria da Ciência e na Sociologia da Ciência (para o autor, tal distinção é meramente arbitrária; tanto a ciência quanto a tecnologia são formas de desencobrimento ou de desvelamento da realidade), quanto leva a destacar a própria materialidade do conhecimento e da ciência, que incorpora todo um conjunto de instrumentos, meios e recursos naturais (do aparatus), sem o que não conseguiria realizar-se.

É o que se evidencia na discussão que faz a respeito da moderna tecnologia. Para Heidegger, não é a tecnologia que incorpora a ciência, mas, ao contrário, é esta última que incorpora a tecnologia. Nessa linha, Heidegger enfatiza que é a moderna física teórica (e não o contrário) que prepara o terreno para a essência da moderna tecnologia.

Pergunta-se e responde, então, o autor: "O que a essência da técnica tem a ver com o desenvolvimento? Tudo. A técnica, portanto, não é simples meio. É uma forma de desenvolvimento. É algo no âmbito do conhecimento. Algo poético. A técnica é uma forma de desencobrimento, ou desvelamento"3 3 Estas citações estão, originalmente, no texto em inglês. Trata-se, aqui, de uma livre tradução, para tentar manter o ritmo na exposição dos argumentos. (HEIDEGGER, 2006: 17-18). Nessa linha, "o desencobrimento que domina a técnica moderna possui, como característica, o pôr, no sentido de explorar; se dá e acontece de um múltiplo movimento: extrair, transformar, estocar, distribuir, reprocessar são todos modos de desencobrimento".

Em resumo, segundo o autor:

A física moderna não é experimental por usar, nas investigações da natureza, aparelhos e ferramentas. Ao contrário, porque, já na condição de pura teoria, a física leva a natureza a expor-se como um sistema de forças, que se pode operar previamente, e que se dispõe do experimento para testar; e a natureza confirma tal condição e o modo como o faz. (...) A técnica moderna só se pôs realmente em marcha quando conseguiu apoiar-se nas ciências exatas da natureza. (...) A teoria da natureza, proposta pela física moderna, não preparou o caminho para a técnica, mas para a essência da técnica moderna. (HEIDEGGER, 2006, p.25)

A citação anterior apresenta um dos focos centrais da atenção de Heidegger, em sua "Questão concernente à tecnologia", e o que tem sido também objeto de maiores controvérsias no campo da Epistemologia e da Teoria da Ciência. Mas, se, por um lado, pode-se inferir dos comentários anteriores certo pessimismo quanto às possibilidades de emancipação humana, pelas vias da tecnologia, uma vez que ela já está quase que inteiramente pré-moldada (o determinismo heideggeriano), em todo o apparatus e no standing reserve - na análise sobre a moderna tecnologia -, no extremo, algo que se nutre de si próprio; por outro lado, tais discussões ensejam amplo debate, com recortes teóricos e filosóficos os mais diversos, abrindo o caminho para a construção de uma teoria da tecnologia que não se restrinja, meramente, à condição de subsidiária da ciência. Em outras palavras, para pensar a tecnologia como uma realidade própria, um fenômeno distinto e um objeto de investigação aberto aos mais variados campos do conhecimento humano. Contribuir para essa condição é um dos principais méritos de Heidegger.

O debate recente em torno da tecnologia é algo bastante instigante, dentro de uma grande diversidade de abordagens, categorias analíticas e posições metodológicas. A intenção deste trabalho é apresentar os principais eixos de discussão em torno da tecnologia. Busca-se extrair desse debate elementos teóricos e filosóficos relevantes para aportar a formulação de um modelo teórico para a análise da tecnologia. Esta tentativa está sintetizada na Figura 1. Grosso modo, são quatro os principais pontos de destaque: posição filosófico-metodológica (fenomenologia, essencialismo, construtivismo e evolucionismo), os principais enfoques metodológicos (sociológico, econômico, filosófico, psicológico, histórico e antropológico), o cerne do debate central (autonomia versus não-autonomia) e a aceitabilidade da tecnologia na sociedade (requer legitimação versus auto-legitimável).


O primeiro aspecto a destacar da Figura 1 são os principais enfoques metodológicos (grandes áreas do conhecimento) que mais têm se dedicado à discussão a respeito da tecnologia. São eles o enfoque sociológico, o econômico, o filosófico, o psicológico, o histórico e o antropológico. Um mesmo trabalho pode utilizar mais de um enfoque. Isto significa que pode apresentar, por exemplo, uma abordagem próxima da filosofia, e se apoiar em argumentações típicas do enfoque histórico.

O enfoque sociológico não é exclusivo do campo da sociologia. Dele fazem parte trabalhos de matemáticos, de biólogos e de todo um conjunto de contribuições da chamada "Economia Política". O enfoque sociológico subdivide-se nas seguintes abordagens: 1) a "Socioeconômica", que procura explicar as inovações tecnológicas a partir de determinações culturais; 2) a abordagem de "Sistemas de Informação", da qual faz parte a conhecida variante mertoniana do "estrutural-funcionalismo" (SOUSA; SINGER, 1984); 3) a da chamada "Sociologia Radical" (SOUSA; SINGER, 1984), que procura desenvolver uma abordagem tipicamente marxista a respeito da tecnologia; 4) a linha Construtivista; e 5) outra, próxima do Construtivismo, mas dele distinguindo-se, por enfatizar os aspectos políticos e aqueles ligados à problemática da legitimação, que ressalta o conteúdo social presente na tecnologia.

O enfoque psicológico tem-se voltado para a investigação do modo como a inteligência, a personalidade e as atitudes influenciam a criatividade dos indivíduos (SOUSA; SINGER 1984, p. 348-349). Já o enfoque econômico tem tratado a tecnologia mediante duas formas diferenciadas: como uma atividade autodeterminada e independente dos acontecimentos sociopolíticos, e como um fator dependente, que responde às forças econômicas e ao ambiente institucional. Nesse enfoque, se inserem, também, os "evolucionistas", na análise da inovação.

O tratamento filosófico procura refletir sobre a condição tecnológica contemporânea, destacando-se um conjunto de autores, seguindo acepções, as mais diversas, como a Fenomenologia e o Essencialismo. O enfoque antropológico tem ganhado importância com os trabalhos dos Construtivistas e com a conhecida abordagem da Etnometodologia. Finalmente, o enfoque histórico está presente na obra de muitos autores, desde os mais antigos, como Marx e Comte, até os mais recentes, como Thomas Kuhn e Lewis Munford. Por isso mesmo, pode ser considerado como um enfoque clássico.

O segundo aspecto contido na Figura são as quatro grandes posições filosóficas ou orientações metodológicas para a análise da tecnologia (Fenomenologia, Essencialismo, Construtivismo e Evolucionismo), as quais não se excluem mutuamente, embora entre algumas a oposição tenha maior rigor. É o caso da contraposição entre as concepções fenomenológica e essencialista. A primeira segue toda uma tradição ancorada nos trabalhos de Edmund Husserl e Alfred Schutz, mas, também, em Martin Heidegger e em muitos outros filósofos da tecnologia, como Don Ihde, Hubert Dreyfus e Charles Spinoza.4 4 Em termos gerais, "a Fenomenologia, nascida na segunda metade do século XX, a partir das análises de Franz Brentano sobre a intencionalidade da consciência humana, trata de descrever, compreender e interpretar os fenômenos que se apresentam à percepção. Propõe a extinção da separação entre 'sujeito' e 'objeto', opondo-se ao pensamento positivista do século XIX. O método fenomenológico se define como uma volta às coisas mesmas, isto é, aos fenômenos, àquilo que aparece à consciência, que se dá como objeto intencional. Seu objetivo é chegar à intuição das essências, isto é, ao conteúdo inteligível e ideal dos fenômenos, captado de forma imediata. Toda consciência é consciência de alguma coisa. Assim sendo, a consciência não é uma substância, mas uma atividade constituída por atos (como percepção, imaginação, especulação, volição e paixão), com os quais visa algo. As essências ou significações (noema) são objetos visados de certa maneira pelos atos intencionais da consciência (noesis). A fim de que a investigação se ocupe apenas das operações realizadas pela consciência, é necessário que se faça uma redução fenomenológica ou Epoché, isto é, coloque-se entre parênteses toda a existência efetiva do mundo exterior. Na prática da Fenomenologia, efetua-se o processo de redução fenomenológica, o qual permite atingir a essência do fenômeno. As coisas, segundo Husserl, caracterizam-se pelo seu inacabamento, pela possibilidade de sempre serem visadas por noesis novas que as enriquecem e as modificam". Em síntese, essa abordagem privilegia a experiência humana, em sua relação com os fenômenos que se apresentam concretamente aos indivíduos. (Wikipédia, 2006) Para essa abordagem, a tecnologia é vista a partir da experiência concreta dos indivíduos, em sua lida com a natureza e o mundo social do qual fazem parte. Por sua vez, o Essencialismo trata a tecnologia como uma coisa em si mesma, como realidade própria, independente de suas relações com a experiência humana e com o contexto no qual se desenvolve.5 5 De um ponto de vista filosófico, "o essencialismo remete para a crença na existência das coisas em si mesmas, não exigindo qualquer atenção ao contexto em que existem. Uma posição essencialista distingue-se facilmente de uma posição dialética: a primeira pressupõe a reflexão de uma coisa em si mesma, a segunda privilegia a reflexão de uma coisa em relação com outras; a primeira confia em que as qualidades de uma coisa revelam-se a si próprias, a segunda defende que as qualidades de uma coisa devem ser sempre discutidas em confronto com outras qualidades e com outras coisas, procurando-se sempre uma explicação lógica para que uma dada qualidade exista ou predomine. O oposto do essencialismo filosófico é o relativismo. Neste confronto, ambos os termos são utilizados com sentido pejorativo e repelem-se mutuamente. O confronto só ameniza quando se substitui o relativismo pela variante eufemística relacionismo. Em suma, o essencialismo contempla a coisa em si mesma; o relativismo exige a conformidade da coisa com aquilo que compõe o mundo que a circunscreve. Se substituirmos a palavra coisa pela palavra texto, teremos encontrado o significado do essencialismo para a literatura". (CEIA, 2005) São representantes dessa abordagem Saul Kripke e Hilary Putnam. Esses autores defendem uma versão particular do Essencialismo, procurando coincidir as propriedades essenciais não triviais dos particulares com as propriedades descobertas pela ciência (MURCHO, 2000). As obras de Jacques Ellul (2006a e 2006b), Bunge (2006) e Borgmann (2006) podem ser relacionadas à perspectiva essencialista, no tratamento da tecnologia.

As duas outras abordagens identificadas são o Construtivismo, discutido na seção anterior, e o Evolucionismo. Esta segunda abordagem origina-se nas teorias biológicas da evolução, a partir de Charles Darwin, mas é identificada, na lida com a tecnologia, entre importantes enfoques econômicos, cujos representantes são exemplificados pelos trabalhos de Dosi & Fagiolo (1998), Dosi & Nelson (1994 e 2002), Dosi (2005, 2000 e 1982), Freeman et al (1982), Freeman (1991 e 1995), Rosemberg (1982), Nelson & Winter (1982), e Nelson (2003 e 1997). Contudo, há outras posições evolucionistas, que não fazem parte da abordagem tipicamente econômica, a exemplo de Maturana (1981), que se insere mais propriamente na discussão a respeito do modo como o conhecimento, em geral, se dá, e de Luhmann (1980, 1985, 1986, 1987 e 1990), cujas obras são muito importantes para uma contraposição aos evolucionistas da abordagem econômica.

O terceiro aspecto contido na Figura 1 refere-se à aceitabilidade social da tecnologia. Este aspecto será designado, aqui, como a problemática da legitimação. Conforme se pretende explicitar melhor nos próximos capítulos, o argumento que se tenciona sustentar é que a tecnologia, como outras atividades humanas, requer, necessariamente, uma base de legitimidade.

A discussão sobre a legitimação da tecnologia é um aspecto que não pode ser negligenciado. Isso é evidente no contexto atual do desenvolvimento científico-tecnológico, sobretudo em áreas de ponta do conhecimento, como nas novas biotecnologias, na área médica, na agropecuária, ou ainda nas tecnologias de informação, que tematizam fortemente questões éticas e ligadas à soberania das nações. Estas questões demandam maior discussão e sua aceitabilidade social não é algo que dependa apenas de critérios de eficácia e êxito, como quer, por exemplo, Jürgen Habermas.

O quarto e último aspecto contido na Figura 1 diz respeito ao cerne do debate central sobre a tecnologia. Nele, identifica-se a contraposição entre as teses da autonomia versus não-autonomia da tecnologia na sociedade, ou entre a autodeterminação ou não da tecnologia na sociedade. Essa é a grande discussão que preside os vários estudos sobre a tecnologia e que melhor pode orientar a construção de uma teoria tecnológica ou de seus modelos explicativos.

A defesa da idéia da autodeterminação da tecnologia, ou de sua autonomia, pode ser algo explícito, como é o caso de Ellul (2006a e 2006b). No primeiro desses textos (página 182), o autor apresenta, como Heidegger, uma definição total de técnica. Mas é em seu segundo trabalho que se verifica o que pode ser uma das defesas mais radicais da noção de autodeterminação tecnológica, na literatura. Para esse autor, nem a economia, nem questões morais interferem no curso tecnológico. A esse respeito, afirma:

Não obstante a importância do fator econômico, eu manterei o conceito da auto-suficiência da tecnologia, no sentido de que a economia pode ser um meio de desenvolvimento, uma condição para o progresso tecnológico, ou, inversamente, um obstáculo, mas nunca determinar, provocar ou dominar esse progresso. (ELLUL, 2006b, p. 392)

Moralidade julga problemas morais. Nada tem a fazer com problemas tecnológicos: apenas os meios e critérios tecnológicos são aceitáveis. (ELLUL, 2006b, p. 394)

Para Ellul, Habermas faz uma análise superficial da relação entre tecnologia e política. Ao desenvolver sua argumentação, Ellul (2006b) assinala que:

O homem moderno toma por base que qualquer coisa científica é legítima, e, em conseqüência, que qualquer coisa tecnológica também o é. Hoje, nós não podemos mais, meramente, dizer 'tecnologia é um fato, nós devemos aceitá-la como tal, nós não podemos ir contra ela'. Isto é uma séria posição que reserva a possibilidade de julgamento. Mas tal atitude é vista como pessimista, antitecnológica e retrógrada. Realmente, nós deveremos adentrar no sistema tecnológico reconhecendo que tudo o que ocorre dentro dele é legítimo 'per si'. Não há, nesse caso, nenhuma referência exterior. (...). Se em determinado instante, alguma coisa é tecnológica, é legítima, e qualquer desafio é suspeito. (p. 395)

Cabe perguntar: o que o autor considera algo legítimo em si mesmo (per si)? No sentido de algo autolegitimável, a posição final acaba coincidindo com a visão habermasiana, que dispensa qualquer discussão moral para a tecnologia. A crítica de Ellul a Habermas deve-se muito mais ao fato de que, embora ambos compartilhem desse mesmo entendimento quanto à idéia de que a tecnologia seja autolegitimável, o primeiro discorda de que a esfera política possa interferir no curso tecnológico, a fim de "corrigir" determinados rumos seguidos pelo desenvolvimento tecnológico, colocando-os sob o crivo e a aprovação da sociedade, de modo que "a dominação da racionalidade técnico-instrumental seja subordinada a uma racionalidade comunicativa reflexiva" - cara ambição iluminista de Habermas.

O que Ellul propõe é compreender o que ele chama a "intrínseca lógica da evolução da tecnologia", uma vez que nada, nem mesmo a política, pode ir contra ou modificar tal desenvolvimento. Caso haja conflito entre política e tecnologia, perde, inevitavelmente, a primeira para a segunda (ELLUL, 2006b, p. 391).

A julgar por essas posições, fica difícil desenvolver uma crítica consequente ao fenômeno tecnológico contemporâneo com base na obra de Ellul. Sua abordagem aponta para a inexorabilidade no curso do desenvolvimento tecnológico. Afinal, qual o "conteúdo intrínseco" da tecnologia? Ao imunizar a tecnologia de toda e qualquer interferência externa, o autor acaba por reificá-la e atribuir-lhe um caráter de neutralidade, difícil de sustentar, teórica e empiricamente.

Outros autores também compartilham a idéia de que a tecnologia é algo autodeterminado, como se pode depreender da contribuição de Borgmann (2006), ao propor, numa visão otimista com relação à tecnologia, que esta deva ser, meramente, ajustada, numa ou noutra situação, para ficar mais adaptada a determinados propósitos humanos, em contextos sociais bem específicos e delimitados.

Borgmann (2006) defende que os novos propósitos para as tecnologias modernas devem ser definidos à luz das coisas focais. Segundo o autor, não se trata simplesmente de mudar fins, mas de discutir o papel da tecnologia na realização da boa vida. Para um de seus críticos, Feenberg (2006a, p. 330), a solução de Borgmann, "saltando da esfera da tecnologia para restaurar a centralidade de sentido", é remanescente da própria estratégia de Habermas, contra quem ele pretende se contrapor.

A tecnologia permanece, nessa última perspectiva, algo misterioso, mágico, dotado de força própria, capaz apenas de ajustar-se a determinados objetivos humanos. Esse lado misterioso e autônomo também se evidencia na obra de Heidegger, ao reificar o standing reserve e ao estabelecer, para a condição ontológica da tecnologia, um poder acima das forças, conflitos e pressões sociais. Algo do qual "somente um Deus poderia nos salvar", nas palavras do próprio Heidegger.

Nessa linha "escatológica", também se poderia localizar as importantes contribuições de Marcuse (2006 e 1982), com sua visão pessimista a respeito dos destinos da tecnologia nas sociedades capitalistas avançadas. Segundo esse autor, não haveria saída para uma ciência e uma tecnologia emancipadoras, dentro das estruturas do modo de produção capitalista. Para se estabelecer uma nova ciência e uma nova tecnologia, seria necessária uma nova estrutura social, uma nova maneira de lidar com a natureza e com a relação entre os indivíduos, livres da dominação e do controle de uns sobre outros.

Contudo, cabe a pergunta: como isso se faria, conforme acertadamente questiona Habermas, se a tecnologia e sua evolução fazem parte do próprio legado da humanidade? Para ele, a tecnologia, tal qual a conhecemos, é parte constitutiva da história e do acervo (não apenas material, mas, também, simbólico), disponível à humanidade. No limite, também se poderia argumentar a respeito da visão autodeterminista da tecnologia, presente na acepção de Marcuse. Para esse último autor, a tecnologia teria assumido uma tão elevada condição de autonomia, que, como observou Heidegger, só um Deus poderia nos salvar. Mas salvar do que? Afinal, a tecnologia não introduz apenas dominação, opressão, aniquilamento da pessoa humana (ROSS, 2006). Há uma dimensão cultural significativa que precisa ser considerada nesse debate. Maciel (1966), por exemplo, aponta múltiplas possibilidades de realização da tecnologia na sua discussão sobre o "milagre italiano" dos anos 1980. Também é importante destacar alguns trabalhos críticos, na perspectiva do chamado feminismo, como os de Haraway (2006), desenvolvendo uma discussão a respeito do Cyborg, no final do século XX, e de Tuana (2006), propondo, de modo bastante original, uma reavaliação da ciência e de sua relação com a tecnologia, a partir da perspectiva da mulher.

Os autores que discordam da idéia da autodeterminação da tecnologia, presentes, por exemplo, no Construtivismo e no Evolucionismo, além dos que insistem na abordagem sociológica do conteúdo social da tecnologia, constituem um conjunto bastante amplo. Tais autores apontam um lado promissor na construção de uma teoria sobre a tecnologia, na medida em que introduzem elementos críticos relevantes para enfrentar a tradição hegemônica na Sociologia da Ciência e na Epistemologia, que relegam a tecnologia a condição de plano secundário, a algo neutro ou passível de meras adaptações a situações sociais específicas.

O Trabalho de Feenberg (2006b) constitui, neste entendimento, uma boa síntese do que pode representar um lado promissor para o tratamento contemporâneo da tecnologia. Ao desenvolver sólida argumentação contra a abordagem dominante na Sociologia da Ciência, e o legado de Max Weber - a respeito de sua teoria sobre a racionalização do mundo moderno, notadamente a isenção de uma "ética de responsabilidade" quanto à esfera da ciência, e a forte demarcação entre a ciência e a política ou a prática -, Feenberg (2006b) apresenta a idéia de "Racionalização Democrática" - um novo modo de racionalização, consentâneo ao atual estágio do desenvolvimento científico-tecnológico - e amplia consideravelmente o entendimento a respeito da natureza, do papel e do lugar da ciência e da tecnologia no contexto contemporâneo.

É inegável que ciência e tecnologia cumprem importante papel no desenvolvimento histórico-social e no avanço das forças produtivas. Entretanto, assim como a ciência e a tecnologia possuem um poder expresso por sua capacidade de controlar forças físicas e sociais, a sociedade, por sua vez, exerce sobre elas outro poder, que se origina, tanto da infraestrutura econômica, como da sociedade política ou da sociedade civil.

Enfim,

São as relações sociais que definem os parâmetros para o estabelecimento de necessidades que conduzirão ao desenvolvimento e uso de determinadas tecnologias. São elas, também, que criam possibilidades diferenciadas para que certos sujeitos (nações, classes sociais ou grupos) conduzam o, e apropriem-se do avanço tecnológico, transformando-o em força produtiva, instrumento de dominação política e/ou fator ideológico de legitimação do Estado. E isso, tendo-se em conta que as novas tecnologias vão se constituir elementos condicionadores das próprias relações sociais. (SOBRAL, 1988, p.12)

É dessa forma que a criação e o uso de novas tecnologias podem dar origem, ao mesmo tempo, a condições de emancipação e de transformação de sujeitos. É nesse sentido, também, que "a tecnologia tanto é fator de transformação como de manutenção de estruturas sociais" (FIGUEIREDO, 1989, p.6). Contudo, cabe a pergunta: de que modo a ciência e, particularmente, a tecnologia desenvolvem essas relações de manutenção e de transformação de estruturas sociais? Sua resposta não é simples. Mas requer atenção por parte daqueles interessados em aprofundar a compreensão do fenômeno tecnológico no contexto contemporâneo. Algo que, certamente, depende de todo o esforço teórico desenvolvido pelas diferentes tradições e contribuições aqui sintetizadas. Apresentar uma visão geral dessa discussão foi um dos objetivos centrais do presente artigo.

Recebido: 28/04/2008

Aceite final: 04/12/2008

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  • 1
    Embora não se possa dizer que sua abordagem integre propriamente o "núcleo duro" da Sociologia da Ciência, por seu enfoque propriamente filosófico, não se pode desconhecer a importante obra de Toulmin (1961), introduzindo a noção de "idéias de Ordem Natural", que pode ser considerada uma precursora do conceito kuhniano de paradigma.
  • 2
    Em matéria divulgada no jornal
    Correio Braziliense, do dia 18 de outubro de 2005, no caderno "Mundo", lê-se, a esse respeito: "Um cientista norte-americano e um alemão conseguiram uma façanha que pode provocar uma revolução na genética: criar células-tronco sem precisar destruir o embrião. Robert Lanza e Alex Meissner afirmaram ao Correio que suas pesquisas com ratos podem encerrar os debates éticos e viabilizar a técnica em seres humanos. Desde 1998, a Medicina reconhece o potencial das células-tronco embrionárias, capazes de se transformar em qualquer tecido ou órgão humano, curar doenças e encerrar a agonia de pacientes à espera do transplante".
  • 3
    Estas citações estão, originalmente, no texto em inglês. Trata-se, aqui, de uma livre tradução, para tentar manter o ritmo na exposição dos argumentos.
  • 4
    Em termos gerais, "a Fenomenologia, nascida na segunda metade do século XX, a partir das análises de Franz Brentano sobre a intencionalidade da consciência humana, trata de descrever, compreender e interpretar os fenômenos que se apresentam à percepção. Propõe a extinção da separação entre 'sujeito' e 'objeto', opondo-se ao pensamento positivista do século XIX. O método fenomenológico se define como uma volta às coisas mesmas, isto é, aos fenômenos, àquilo que aparece à consciência, que se dá como objeto intencional. Seu objetivo é chegar à intuição das essências, isto é, ao conteúdo inteligível e ideal dos fenômenos, captado de forma imediata. Toda consciência é consciência de alguma coisa. Assim sendo, a consciência não é uma substância, mas uma atividade constituída por atos (como percepção, imaginação, especulação, volição e paixão), com os quais visa algo. As essências ou significações (noema) são objetos visados de certa maneira pelos atos intencionais da consciência (noesis). A fim de que a investigação se ocupe apenas das operações realizadas pela consciência, é necessário que se faça uma redução fenomenológica ou
    Epoché, isto é, coloque-se entre parênteses toda a existência efetiva do mundo exterior. Na prática da Fenomenologia, efetua-se o processo de redução fenomenológica, o qual permite atingir a essência do fenômeno. As coisas, segundo Husserl, caracterizam-se pelo seu inacabamento, pela possibilidade de sempre serem visadas por noesis novas que as enriquecem e as modificam". Em síntese, essa abordagem privilegia a experiência humana, em sua relação com os fenômenos que se apresentam concretamente aos indivíduos. (Wikipédia, 2006)
  • 5
    De um ponto de vista filosófico, "o essencialismo remete para a crença na existência das coisas em si mesmas, não exigindo qualquer atenção ao contexto em que existem. Uma posição essencialista distingue-se facilmente de uma posição dialética: a primeira pressupõe a reflexão de uma coisa em si mesma, a segunda privilegia a reflexão de uma coisa em relação com outras; a primeira confia em que as qualidades de uma coisa revelam-se a si próprias, a segunda defende que as qualidades de uma coisa devem ser sempre discutidas em confronto com outras qualidades e com outras coisas, procurando-se sempre uma explicação lógica para que uma dada qualidade exista ou predomine. O oposto do essencialismo filosófico é o relativismo. Neste confronto, ambos os termos são utilizados com sentido pejorativo e repelem-se mutuamente. O confronto só ameniza quando se substitui o relativismo pela variante eufemística relacionismo. Em suma, o essencialismo contempla a coisa em si mesma; o relativismo exige a conformidade da coisa com aquilo que compõe o mundo que a circunscreve. Se substituirmos a palavra coisa pela palavra texto, teremos encontrado o significado do essencialismo para a literatura". (CEIA, 2005)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      12 Abr 2008
    • Recebido
      28 Abr 2008
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