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Lutas trabalhistas como lutas minoritárias: a questão da dignidade do trabalhador terceirizado

Labor struggles as minority struggles: the issue of the dignity of the outsourced worker

Resumo

Este artigo versa sobre a reconfiguração do sentido de justiça das lutas trabalhistas frente à terceirização. Tais reconfigurações foram identificadas por meio da análise de conteúdo de pronunciamentos de representantes do trabalho em uma audiência pública sobre terceirização, promovida pelo Tribunal Superior do Trabalho em 2011. Por meio dessa análise, identificou-se que, além das tradicionais reivindicações por direitos sociais e regulação da economia pelo Estado, de modo a garantir uma redistribuição mais justa de bens e oportunidades nas sociedades capitalistas, face à terceirização, as lutas trabalhistas enfrentam o desafio de articular demandas pelo respeito à dignidade humana dos trabalhadores terceirizados. A denúncia é que a terceirização cria uma subclasse de trabalhadores que são sistematicamente impedidos de acessar seus direitos, estão endemicamente sujeitos a maiores riscos de acidente e morte no trabalho, são discriminados nos ambientes de trabalho e são colocados na posição de mercadoria nos processos de intermediação de mão de obra. Conclui-se que, ao ter que argumentar sobre a igual humanidade entre trabalhadores diretos e terceirizados, as lutas trabalhistas aproximam-se da lógica das lutas minoritárias. Essa aproximação significa uma expansão do conteúdo de justiça das lutas trabalhistas, que ultrapassam as demandas redistributivas e representativas, tradicionalmente atribuídas a elas, trazendo a questão de classes para o domínio simbólico da moral.** ** Este artigo foi elaborado a partir da tese de doutorado da autora, intitulada “O futuro da humanidade que trabalha”: reconfiguração moral das lutas trabalhistas frente à terceirização, defendida em 2016 junto Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. , *** *** O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Palavras-chave:
Trabalho; Justiça social; Terceirização; Dignidade; Paridade participativa

Abstract

This paper addresses the reconfiguration of labor struggles prompted by the challenges posed by outsourcing. This reconfiguration was identified through the analysis of labor representatives’ pronouncements in a public hearing promoted by the Brazilian Superior Labor Court in 2011. This analysis showed that beyond traditional claims for social rights and fairer distribution of goods and opportunities in capitalist societies, labor struggles also face the challenge of articulating claims for respect for human dignity of outsourced workers. They complain that outsourcing creates a subclass of workers who are systematically prevented from accessing their rights, endemically subject to higher risks of work-related accidents and death, discriminated against in the workplace and placed as merchandise in the processes of labor subcontracting. The analysis showed that the need for arguing that, irrespective of being in-house or outsourced, all workers share equal human dignity makes labor struggles to become closer to the logic of minority struggles. This approach means that the meaning of justice enclosed in labor struggles is widened, exceeding their traditional representative and distributive claims, and bringing class issues to the domain of morals.

Keywords:
Labor; Social justice; Outsourcing; Dignity; Participatory parity

Introdução

Este artigo versa sobre a reconfiguração do sentido de justiça das lutas trabalhistas frente à terceirização. Usualmente, as lutas dos trabalhadores são entendidas como reivindicações de uma redistribuição mais justa dos recursos na sociedade - interpretação cujo fundamento histórico é inquestionável (Honneth, 2015HONNETH, Axel. Le droit de la liberté. Esquisse d’une éthicité démocratique. Paris: Gallimard, 2015.). Todavia, com base em autores como Nancy Fraser (2006aFRASER, Nancy. La justicia social en la era de la política de la identidad. Redistribución, reconocimiento y participación. In: FRASER, Nancy; HONNETH, Axel. ¿Redistribución o reconocimiento? Un debate político-filosófico. Madrid: Ediciones Morata, 2006a, p. 17-88.; 2007FRASER, Nancy. “Reconhecimento sem ética?”. In: SOUZA, J. MATTOS, P. (orgs.). Teoria crítica no século XXI. São Paulo: Annablume, 2007, p. 113-40.; 2008FRASER, Nancy. Scales of justice. Reimagining political space in a globalizing world. Cambridge: Polity Press, 2008.) e Axel Honneth (2015HONNETH, Axel. Le droit de la liberté. Esquisse d’une éthicité démocratique. Paris: Gallimard, 2015.), propõe-se que, atualmente, transformações produtivas, econômicas e político-institucionais, como a terceirização, engendram uma expansão do conteúdo de justiça das lutas do trabalho, aproximando-as das lutas minoritárias.

Essa reconfiguração e expansão do sentido de justiça das lutas trabalhistas foi identificada a partir da análise de conteúdo (Bardin, 2008BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2008.) dos discursos de representantes do “trabalho”1 1 Por “trabalho” entende-se aqui o ator social, coletivo e histórico cujas lutas se opõem ao “capital” (entendido no mesmo sentido). Os representantes do “trabalho”, na audiência pública, são trabalhadores, sindicalistas e especialistas de diversas áreas do conhecimento e do campo jurídico, que demonstram apoio às lutas e aos valores defendidos por este ator social. em uma audiência pública promovida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em 2011. O corpus de análise é formado por 26 pronunciamentos feitos por trabalhadores, sindicalistas e especialistas de diferentes áreas, como sociologia, economia e direito, que debatem a regulamentação da terceirização no Brasil.

Nesses discursos, foram identificados três eixos interdependentes que sustentam as lutas trabalhistas contrárias à terceirização: econômico, jurídico e moral. As denúncias dos eixos econômico e jurídico podem ser sistematizadas pelo conceito de paradigma social de Alain Touraine (2005TOURAINE, Alain. Un nouveau paradigme. Pour comprendre le monde d’aujourd’hui. Paris: Fayard, 2005.), aquele que mobiliza categorias que emergem com a revolução industrial - como classe social, sindicato, desigualdade e redistribuição - para interpretar a vida social. No eixo econômico, os pronunciamentos denunciam a terceirização como uma retomada de formas de exploração do trabalho características do século XIX e constroem o liberalismo como um discurso falso. Aqui, estão mobilizadas as ideias de Estado de bem-estar e de desenvolvimento como ampliação da igualdade social. Por sua vez, no eixo jurídico, os pronunciamentos denunciam a fragmentação da classe trabalhadora e a precarização das condições de trabalho produzidas pela terceirização, entendendo que a organização dos trabalhadores é uma conquista social em termos de cidadania.

Contudo, o eixo moral ultrapassa as categorias do paradigma social (Touraine, 2005TOURAINE, Alain. Un nouveau paradigme. Pour comprendre le monde d’aujourd’hui. Paris: Fayard, 2005.), mas não remete automaticamente ao paradigma cultural ou à luta por reconhecimento da diferença (Fraser, 2006bFRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era “pós-socialista”. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 15, n. 14/15, p. 231-9, jan./dez. 2006b.), como acontece com outros movimentos sociais contemporâneos. O eixo moral se subdivide em duas questões. A primeira delas é a questão do valor social do trabalho, por meio da qual é denunciado o desrespeito da sociedade em relação aos trabalhadores e às suas conquistas históricas. A segunda questão é a da dignidade - objeto da reflexão feita aqui -, que traz as denúncias de desumanização das relações de trabalho e de formação de um grupo de trabalhadores de segunda classe promovidas pela terceirização. Nesse sentido, propõe-se a hipótese de que, ao ter que argumentar sobre a igual humanidade entre trabalhadores diretos e terceirizados, as lutas trabalhistas aproximam-se da lógica das lutas minoritárias.

A fim de demonstrar esta hipótese, este artigo se organiza da seguinte forma. Na primeira parte, serão apresentadas as questões de dignidade presentes nos pronunciamentos analisados, a fim de evidenciar como, do ponto de vista dos trabalhadores, a terceirização significa uma ameaça à dignidade dos trabalhadores terceirizados. Na segunda, partindo-se da demanda por isonomia ampliada presente nos pronunciamentos analisados, será proposto que o sentido de justiça das lutas trabalhistas pode ser interpretado nos termos da paridade participativa (Fraser, 2008FRASER, Nancy. Scales of justice. Reimagining political space in a globalizing world. Cambridge: Polity Press, 2008.). Por fim, será apresentada uma reflexão sobre o potencial normativo e o significado, em termos de justiça social, da aproximação das lutas trabalhistas à lógica das lutas minoritárias.

A terceirização como ameaça à dignidade humana do trabalhador

No corpus de análise, a questão da dignidade é introduzida sob diferentes aspectos, como fundamento a um posicionamento contrário à liberação da terceirização a todos os tipos de atividade no Brasil. Os representantes do “trabalho” denunciam que a terceirização promove uma desumanização das relações de trabalho e produz um grupo de trabalhadores de segunda classe.

A primeira denúncia, da desumanização das relações de trabalho, remete à ausência de tratamento igualitário entre trabalhadores diretos e terceirizados nos ambientes de trabalho em que estes convivem, bem como ao descaso com a vida dos trabalhadores terceirizados, evidenciado nos dados sobre acidentes e mortes no trabalho. Sendo assim, a terceirização produz injustiças não apenas econômicas e legais, mas também morais, porque o trabalhador terceirizado teria um valor moral inerentemente menor do que os trabalhadores diretos, simplesmente por ser terceirizado. Este argumento, presente no discurso dos representantes do “trabalho”, é amparado por três afirmações: a) a vida do trabalhador terceirizado vale menos; b) a terceirização faz do trabalhador uma mercadoria; c) a terceirização expõe o trabalhador ao trabalho análogo ao de escravo. A fim de demonstrar essas afirmações, os oradores mobilizam diferentes facetas e dados sobre a realidade do trabalho terceirizado.

A primeira afirmação, de que a vida do trabalhador terceirizado vale menos, está fundamentada nos dados sobre mortes e acidentes entre trabalhadores terceirizados e sobre as normas de segurança e saúde no trabalho. Na audiência pública, a socióloga Graça Druck (UFBA) traz informações sobre o índice de acidentes de trabalho entre terceirizados: no setor do petróleo, “95 e 100% dos acidentes - inclusive os chamados acidentes fatais, ou seja, com mortes - ocorre entre trabalhadores terceirizados”; no setor elétrico, “esse dado é 75%”. Além disso, uma análise das “fiscalizações do Ministério do Trabalho e ações civis”, feita pela socióloga, demonstra que “100% das empresas terceirizadas vêm desrespeitando normas de saúde e segurança do trabalho”. Esses dados comprovariam o menor valor da vida do trabalhador terceirizado porque são estes que morrem e se acidentam. Assim,

[…] a prática da terceirização impõe aos operários condições de trabalho cada vez mais precárias, sem garantias de seus direitos laborais, expondo-os aos riscos decorrentes dessas atividades. Na questão da indústria da construção civil: ausência de humanidade nas relações de trabalho, não havendo a preocupação de promover a segurança dos trabalhadores. A mais concreta consequência dessa terceirização são os riscos a que ficam submetidos esses trabalhadores em todos os aspectos, culminando com a perda da própria vida em grande número (Rosângela Rassy, Auditora Fiscal do Trabalho).

Por seu turno, a segunda afirmação - de que a terceirização faz do trabalhador uma mercadoria - faz referência aos casos em que terceirização equivale ao marchandage, ou seja, à locação de força de trabalho (o que não significa que toda a terceirização acarreta nesta prática). Como coloca, na audiência, o desembargador Márcio Viana (TRT-MG), terceirização “tem dois sentidos”: o primeiro se refere à situação “por exemplo, [de] uma fábrica de automóveis que usa uma outra fábrica de autopeças para construir o seu veículo”, na qual se tem a fabricação de “um produto acabado, é a empresa em rede”. O segundo sentido diz respeito ao caso de “uma empresa que fornece trabalhadores a outra para fazer conservação e asseio”. Este é o tipo de terceirização “que mais preocupa”, no qual “o que se transfere passo-a-passo é a própria força de trabalho” e não um “produto acabado”. Este tipo de terceirização seria “quase sempre interna”, o que teria por consequência que uma “empresa engole os trabalhadores de outra”.

Pergunto: o que essa forma de terceirização interna, internalizada, significa? Faz muito tempo que o direito cunhou um nome para ela: marchandage, tráfico de pessoas. No discurso, serviria para a empresa concentrar-se no foco de suas atividades, na prática, embora aqui ou ali possa servir para isso, quase sempre serve especialmente para precarizar. Essa terceirização discrimina, cria uma subespécie de trabalhadores, cujos corpos são negociados por um intermediário que os aluga quase como animais (Márcio Túlio Viana, Desembargador TRT-MG).

Nesse sentido, a terceirização teria o potencial de tornar os trabalhadores meras mercadorias a serem deslocadas de uma empresa a outra, de acordo com a necessidade destas, sem respeito à dignidade daqueles. Para Paulo Ortiz (Sindicato dos Eletricitários-SP), “num processo de terceirização”, não fica evidente “esse direito digno de ser homem”.

Por fim, por meio da terceira afirmação, os representantes do “trabalho” alertam aos casos em que “processos de terceirização levam [...] a uma escravidão”. Ainda segundo Paulo Ortiz, grandes empresas buscam custos baixos para a produção de seus artigos, que posteriormente são vendidos a altos preços.

E isso tem um custo, por quê? Porque eles vão buscar exatamente pessoas enfraquecidas socialmente. E aí, aonde que nós precisamos pegar? Essas pessoas não têm condição alguma, se não tiver por trás um grupo de trabalhadores reunidos pra se defender. Dependendo do setor, recebe até um décimo do valor pago pra empresa contratante. Então, isso é cruel demais pra que a gente não coloque em discussão (Paulo Ortiz, Administração/Centro Universitário Salesiano SP, Sind. Eletriciários de SP).

Por sua vez, a segunda denúncia, de que a terceirização produz um grupo de trabalhadores de segunda classe, é fundamentada pela afirmação de que os trabalhadores terceirizados não apenas teriam menos direitos do que os trabalhadores diretos, como também sofreriam discriminação nos ambientes de trabalho. Compartilhando suas experiências como juiz do Trabalho, Renato Sant’Anna (ANAMATRA) afirma que “o trabalhador terceirizado é visto como coisa”:

[…] ele é visto como um empregado de segunda categoria, ele é chamado, como disse o Sebastião Caixeta, de terceirizado. Muitas vezes em audiência, nós ouvindo testemunhas, percebemos que todo mundo tem nome, menos uma determinada pessoa que é chamada de terceirizado. É o terceirizado, a terceirizada, ela perde a identidade, porque ela perde a identidade dela com a empresa, o que é essencial, é da natureza do direito do trabalho (Renato Henry Sant’Anna, ANAMATRA).

Nos espaços de trabalho, o desrespeito inerente à condição de trabalhador terceirizado se evidenciaria por meio de situações de conflito e discriminação, que afetariam a subjetividade e a autoestima do trabalhador. Os trabalhadores terceirizados recebem um tratamento diferente dos trabalhadores diretos, quando no ambiente de trabalho da empresa contratante.

[…] quantas vezes eu vi companheiros terceirizados não poderem pegar o mesmo ônibus - já é uma discriminação -, não poderem comer no mesmo restaurante ou [comerem] lá num cantinho, porque é difícil fazer um restaurante pra terceirizados. Ou os xingamentos. Antigamente, quando alguém ficava com raiva do outro dizia “seu cachorro, seu safado”, dependendo do lugar fala “seu terceirizado!” [risos]. Infelizmente! E o companheiro reage, quando é chamado de cachorro, ele vai pra cima e dá um pau, porque “eu não sou cachorro!”. E quando é terceirizado, “falou isso só porque eu sou terceirizado...”. Veja que tem diferenças profundas. Isso é apenas uma sensível verificação de uma experiência de vida que todos nós já vivemos (Vicentinho, Deputado Federal PT-SP).

As denúncias de que a terceirização fere a dignidade humana repousam em uma noção de dignidade entendida como uma conquista moral. A dignidade tal qual mobilizada na crítica do trabalho não remete, portanto, a noções de honra ou autoridade, mas sim a uma qualidade moral à qual subjaz a noção de respeito. Essa qualidade moral tem o sentido de uma conquista de lutas históricas que, antes mesmo de garantirem uma vinculação entre trabalho e direitos sociais, conquistaram o respeito da dignidade do trabalhador.

Intermediação de mão de obra e os seus danos, eles são muito antigos, são muito antigos. Se nós formos observar as revoluções ocorridas no ano de 1848, chamada de Primavera dos Povos, revoluções ocorridas em toda a Europa em um clima muito parecido com o clima de hoje, instabilidade econômica, falta de representatividade dos políticos em relação à população e principalmente uma superexploração da mão de obra. […] No caso francês, os trabalhadores exigiam contra os excessos uma coisa principal: o fim do marchandage, o fim da intermediação de mão de obra. Isso nós estamos falando de 1848 (Rodrigo L. Carelli, Direito/UFRJ).

A conquista do fim do marchandage asseguraria o respeito da dignidade do trabalhador na medida em que impede que ele desempenhe a função de uma mercadoria a ser servida, alugada nas relações de trabalho. Esse já seria um princípio estabelecido na França, onde “desde 1848 já se percebe o dano que tem um intermediário vendendo mão de obra”, sendo reafirmado “em 1919, no Tratado de Versalhes”. E, “não por acaso”, “a Organização Internacional do Trabalho colocou em seu primeiro princípio”:

O trabalho não pode ser considerado como um artigo de comércio ou uma mercadoria. Ora, eles não desconsideraram que o trabalho é sim uma mercadoria, ele é vendido no mercado, ele considerou que não pode ser tratado juridicamente como uma mercadoria, porque isso vai jogar o trabalhador para as leis de mercado e não será possível garantir um mínimo de dignidade da pessoa humana (Rodrigo L. Carelli, Direito/UFRJ).

A ideia de que trabalho não é mercadoria tem, portanto, um sentido jurídico fundamental. Uma vez estabelecida como princípio jurídico, permite proteger institucionalmente o trabalhador das leis de mercado. Contudo, mais do que importância jurídica, é atribuído ao trabalho um valor normativo, no sentido de que ele contribui para um desenvolvimento orientado à igualdade social e não apenas à acumulação.

Neste eixo moral, pode-se perceber que, do ponto de vista das lutas trabalhistas, além de garantir mecanismos que impeçam a intermediação de mão de obra, é necessário, também, assegurar a igualdade fundamental entre trabalhadores diretos e terceirizados, seja em relação ao tratamento, à remuneração ou aos diretos seus. Assim, observa-se também uma demanda por isonomia ampliada - pensada como igualdade de salários, direitos, segurança e tratamento - que visa evitar o estabelecimento de uma segunda classe de trabalhadores nos processos de terceirização.

Portanto, pode-se afirmar que as lutas trabalhistas são guiadas por um princípio de igualdade que se amplia frente às injustiças produzidas pela terceirização. Como será argumentado a seguir, esse princípio de igualdade ampliado pode ser sistematizado pela concepção de justiça tridimensional de Fraser (2008FRASER, Nancy. Scales of justice. Reimagining political space in a globalizing world. Cambridge: Polity Press, 2008.), na qual a igualdade tem uma dimensão econômica (redistribuição), uma política (representação) e uma cultural (reconhecimento), a qual será repensada aqui em termos morais.

Sentido de justiça da isonomia ampliada: a paridade participativa

Na teoria tridimensional da justiça de Fraser (2008FRASER, Nancy. Scales of justice. Reimagining political space in a globalizing world. Cambridge: Polity Press, 2008.), as demandas engendradas por injustiças econômicas, culturais e políticas devem ser pensadas dentro de uma mesma concepção de justiça: a paridade participativa. Este princípio de justiça consiste numa interpretação radical do princípio do igual valor moral de todos os indivíduos (Fraser, 2008FRASER, Nancy. Scales of justice. Reimagining political space in a globalizing world. Cambridge: Polity Press, 2008., p. 16).Paridade participativa significa, assim, a possibilidade de todo indivíduo contribuir em condição de igualdade para a construção da vida social, o que requer que os arranjos sociais permitam essa participação igualitária de todos. E, para tanto, são necessárias estruturas econômicas que provejam os recursos necessários para a interação com os pares (redistribuição); hierarquias institucionalizadas de valor cultural que não neguem esses recursos (reconhecimento); e uma constituição política que também não os negue a nenhum indivíduo (representação).

Nessa teoria, a dimensão distributiva da justiça diz respeito à alocação de riquezas e de recursos econômicos. Isto implica que a estrutura de classes seria uma ordem de subordinação econômica causada por arranjos de distribuição que privam alguns atores dos meios e recursos necessários à participação paritária (Fraser, 2015FRASER, Nancy. Pour une critique non culturaliste de la culture. Remarques à propos des classes sociales et des statuts sociaux dans le capitalisme globalisé. In: FRÈRE, Bruno (org.). Le tournant de la théorie critique. Paris: Desclée de Brouwer, 2015, p. 323-52., p. 331-2). Por sua vez, a dimensão do reconhecimento diz respeito aos efeitos das normas e significações institucionalizadas das posições sociais relativas dos atores sociais. Desse modo, a existência de uma hierarquia de status em uma sociedade significa que ela institucionaliza sistemas de valores culturais que negam permanentemente a alguns membros a posição social necessária para que eles se tornem parceiros de interação (Fraser, 2015FRASER, Nancy. Pour une critique non culturaliste de la culture. Remarques à propos des classes sociales et des statuts sociaux dans le capitalisme globalisé. In: FRÈRE, Bruno (org.). Le tournant de la théorie critique. Paris: Desclée de Brouwer, 2015, p. 323-52., p. 330-2). Por fim, o político é o palco no qual lutas por redistribuição e reconhecimento se desenvolvem: a dimensão política da justiça diz quem está incluído e excluído do círculo de indivíduos intitulados à redistribuição justa e ao reconhecimento recíproco. A má representação ocorre quando fronteiras políticas (pertencimento) ou regras decisórias (procedimento) negam a alguns a paridade na participação em interações sociais (Fraser, 2008FRASER, Nancy. Scales of justice. Reimagining political space in a globalizing world. Cambridge: Polity Press, 2008., p. 17-8).

Contudo, para uma interpretação apropriada do sentido de justiça das lutas trabalhistas, será necessário ampliar o conteúdo do conceito de reconhecimento empregado por Fraser (2006aFRASER, Nancy. La justicia social en la era de la política de la identidad. Redistribución, reconocimiento y participación. In: FRASER, Nancy; HONNETH, Axel. ¿Redistribución o reconocimiento? Un debate político-filosófico. Madrid: Ediciones Morata, 2006a, p. 17-88.; 2015FRASER, Nancy. Pour une critique non culturaliste de la culture. Remarques à propos des classes sociales et des statuts sociaux dans le capitalisme globalisé. In: FRÈRE, Bruno (org.). Le tournant de la théorie critique. Paris: Desclée de Brouwer, 2015, p. 323-52.). Tendo em vista o conteúdo do corpus de análise, argumenta-se que a dimensão cultural da justiça deve ser substituída, nesta análise, pela dimensão moral, sem que isso implique deixar de falar de reconhecimento e de hierarquia de status (Fraser, 2015FRASER, Nancy. Pour une critique non culturaliste de la culture. Remarques à propos des classes sociales et des statuts sociaux dans le capitalisme globalisé. In: FRÈRE, Bruno (org.). Le tournant de la théorie critique. Paris: Desclée de Brouwer, 2015, p. 323-52.). Assim, ao invés de uma categoria cultural, que visa garantir a possibilidade da diferença (Fraser, 2006aFRASER, Nancy. La justicia social en la era de la política de la identidad. Redistribución, reconocimiento y participación. In: FRASER, Nancy; HONNETH, Axel. ¿Redistribución o reconocimiento? Un debate político-filosófico. Madrid: Ediciones Morata, 2006a, p. 17-88.; 2006bFRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era “pós-socialista”. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 15, n. 14/15, p. 231-9, jan./dez. 2006b.), o reconhecimento será compreendido como uma categoria moral que ultrapassa questões culturais.

A questão do reconhecimento se coloca para as lutas trabalhistas no sentido de respeito à igualdade - entre trabalhadores diretos e terceirizados - e não do respeito à diferença cultural - no sentido de política de identidade habitualmente atribuído à noção (Fraser, 2006aFRASER, Nancy. La justicia social en la era de la política de la identidad. Redistribución, reconocimiento y participación. In: FRASER, Nancy; HONNETH, Axel. ¿Redistribución o reconocimiento? Un debate político-filosófico. Madrid: Ediciones Morata, 2006a, p. 17-88.). Desse modo, as demandas dessas lutas na esfera moral podem ser interpretadas em termos de reivindicações de reconhecimento, em um sentido próximo ao da Teoria do Reconhecimento de Honneth (2009b, 2013), cuja premissa é a de que

[…] o sujeito, para aceder à consciência de si ou para desempenhar um papel na sociedade, tem a necessidade de um reconhecimento que pode ser compreendido como o julgamento generalizado dos outros membros sobre a pertinência de suas realizações cognitivas ou práticas (Honneth, 2013, p. 14).2 2 Esta modificação do conteúdo da categoria reconhecimento não perde de vista a diferença fundamental entre as teses de Honneth e Fraser. Enquanto “Honneth concebe reconhecimento como a categoria moral abrangente fundamental”, tratando “a distribuição como derivativa”, Fraser “considera as duas categorias como dimensões cofundamentais e mutuamente irredutíveis da justiça” (Silva, 2008, p. 94). Além disso, a modificação aqui proposta não significa engajar-se no “monismo normativo” do reconhecimento defendido por Honneth (2006). Assim, a alteração que se opera aqui, com relação à categoria reconhecimento, é especificamente de conteúdo - da cultura à moralidade - e não de amplitude: a dimensão moral não é mais, nem menos fundamental à justiça do que as dimensões política e econômica, e não as engloba ou explica.

Assim, ao aportar uma concepção ampliada de isonomia (salário, direitos e tratamento), o corpus de análise permite afirmar que, frente às injustiças produzidas pela terceirização, a igualdade entre os trabalhadores é demandada tanto em termos estatutários (Fraser, 2015FRASER, Nancy. Pour une critique non culturaliste de la culture. Remarques à propos des classes sociales et des statuts sociaux dans le capitalisme globalisé. In: FRÈRE, Bruno (org.). Le tournant de la théorie critique. Paris: Desclée de Brouwer, 2015, p. 323-52.) quanto em termos de igual valor moral dos trabalhadores terceirizados. Essas duas demandas estão fortemente articuladas, na medida em que o trabalho identifica que a terceirização produz uma ameaça de cisão da classe trabalhadora entre trabalhadores diretos e terceirizados. Enquanto aqueles teriam seus direitos, sua representação e sua remuneração equitativamente garantidos por meio, por exemplo, de convenções coletivas de trabalho, estes, alocados em categorias distintas apesar de desempenharem funções correlatas, não teriam nem mesmo sua dignidade respeitada.

Tem-se, portanto, duas facetas da luta por igualdade entre os trabalhadores: uma faceta operacional, posta em prática por meio da reivindicação de isonomia em três dimensões; e uma faceta normativa, que é acionada pelas demandas de respeito à dignidade do trabalhador terceirizado.

Na faceta operacional, que segue a lógica da paridade participativa, a terceirização seria um mecanismo que impede a paridade entre trabalhadores diretos e terceirizados, na medida em que expõe estes a injustiças redistributivas, representativas e de reconhecimento mais graves. “A terceirização é negativa para os trabalhadores” (Ricardo Antunes, Unicamp), porque os insere em relações de trabalho que lembram modelos pré-industriais, fragmenta sua luta, agrava o processo estrutural de precarização do trabalho e os expõe a um maior risco de acidentes e morte no trabalho, criando uma segunda classe de trabalhadores. Ou seja, a terceirização faz “de certos atores seres inferiores, excluídos, estrangeiros, ou simplesmente invisíveis e, portanto, menos que parceiros de pleno direito na interação social” (Fraser, 2015FRASER, Nancy. Pour une critique non culturaliste de la culture. Remarques à propos des classes sociales et des statuts sociaux dans le capitalisme globalisé. In: FRÈRE, Bruno (org.). Le tournant de la théorie critique. Paris: Desclée de Brouwer, 2015, p. 323-52., p. 328). Se “os sistemas sociais justos devem fazer dos atores sociais presentes verdadeiros pares” (Fraser, 2015FRASER, Nancy. Pour une critique non culturaliste de la culture. Remarques à propos des classes sociales et des statuts sociaux dans le capitalisme globalisé. In: FRÈRE, Bruno (org.). Le tournant de la théorie critique. Paris: Desclée de Brouwer, 2015, p. 323-52., p. 328), a luta dos trabalhadores demanda que a regulamentação da terceirização estabeleça a isonomia aos trabalhadores terceirizados. Desse ponto de vista, a regulamentação da terceirização deveria se constituir em uma política que vise a superar a subordinação social, ao fazer com que os trabalhadores terceirizados sejam considerados como membros “de pleno direito da sociedade, [aptos] a participar desta última em estrito pé de igualdade com os outros membros” (Fraser, 2015FRASER, Nancy. Pour une critique non culturaliste de la culture. Remarques à propos des classes sociales et des statuts sociaux dans le capitalisme globalisé. In: FRÈRE, Bruno (org.). Le tournant de la théorie critique. Paris: Desclée de Brouwer, 2015, p. 323-52., p. 328).

O estabelecimento formal da isonomia seria uma forma de reduzir a subordinação social dos trabalhadores terceirizados, de modo a afirmá-los como membros de pleno direito no espaço público e, sobretudo, no ambiente de trabalho. Nesse sentido, a isonomia se coloca como uma exigência de justiça tridimensional. Na dimensão redistributiva, é necessário que se estabeleça a isonomia salarial entre trabalhadores diretos e terceirizados que cumprem funções análogas. Na dimensão representativa, os mecanismos de transferência de conquistas não visam apenas assegurar aos terceirizados os ganhos da categoria de trabalhadores diretos em termos de direitos e convenções coletivas de trabalho, mas também em termos de estrutura organizativa - construída ao longo de anos de luta coletiva. Assim, a paridade de representação requer que todos os trabalhadores de uma mesma categoria (ou categoria análoga) sejam representados pelo mesmo sindicato. Por fim, na dimensão do reconhecimento, demanda-se a isonomia de tratamento entre trabalhadores diretos e terceirizados, ou seja, que a eles sejam providos os mesmos materiais de segurança, que eles desfrutem das mesmas condições de saúde, que tenham acesso aos mesmos espaços (como refeitórios), e, sobretudo, que eles sejam tratados como iguais no ambiente de trabalho.

Se a regulamentação não for capaz de atender a essas exigências de isonomia, a terceirização seguirá criando um grupo de trabalhadores de segunda classe. Observa-se, assim, que a terceirização coloca em foco uma dimensão particular das lutas trabalhistas no Brasil: a igualdade entre os trabalhadores, incitando o trabalho a articular uma reivindicação de igualdade estatutária entre trabalhadores que são injustamente separados em dois grupos pela terceirização.

Por seu turno, na faceta normativa, observa-se que a demanda por igualdade extrapola os limites do que pode ser alcançado via isonomia estatutária. Sobretudo em relação à questão do tratamento nos espaços de trabalho, a terceirização parece produzir uma hierarquia entre os próprios trabalhadores, da qual decorre um tratamento (e talvez um autoentendimento) dos trabalhadores terceirizados como atores incapazes de interagir com os outros enquanto pares. Na medida em que “terceirizado” se apresenta como uma ofensa indefensável nos ambientes de trabalho - como trazido no pronunciamento do deputado Vicentinho (PT) -, torna-se necessário reivindicar um respeito mínimo entre os próprios trabalhadores.

Assim, mais do que fixar a igualdade formal, estabelecida institucionalmente por meio de mecanismos de representação, de redistribuição e reconhecimento (no sentido mobilizado pela faceta operacional da igualdade), torna-se necessário argumentar pela dignidade do trabalhador terceirizado, na medida em que este está duplamente exposto à condição de ser tratado como uma mercadoria, porque faz parte de uma relação de trabalho triangular. Nesse sentido, a questão da dignidade pode ser entendida como um desdobramento normativo da introdução da dimensão moral na concepção de igualdade mobilizada pelas lutas trabalhistas. No entanto, mais do que isso, a introdução dessa dimensão moral na concepção de igualdade aproxima a luta dos trabalhadores à luta de grupos minoritários.

Dignidade, minorias e lutas trabalhistas

De acordo com Seyla Benhabib (2004BENHABIB, Seyla. Kantian questions, Arendtian answers: statelessness, cosmopolitism, and the right to have rights. In: BENHABIB, Seyla; FRASER, Nancy (org.). Pragmatism, critique, judgment. Essays for Richard J. Bernstein. Cambridge: MIT Press, 2004, p. 171-96., p. 182), a história da modernidade política é a história das lutas dos grupos excluídos do “nós, soberano da nação moderna” - que não incluía os trabalhadores, as mulheres, os sem propriedade, os não brancos e os não cristãos. Trata-se da luta pela sua inclusão nos círculos de destinatários do princípio universal de que “todos os homens são iguais”. Para Benhabib, é a luta social que faz dessa constatação da igualdade universal um princípio histórico, “uma performativa moral e política” (2004BENHABIB, Seyla. Kantian questions, Arendtian answers: statelessness, cosmopolitism, and the right to have rights. In: BENHABIB, Seyla; FRASER, Nancy (org.). Pragmatism, critique, judgment. Essays for Richard J. Bernstein. Cambridge: MIT Press, 2004, p. 171-96., p. 182). O que se observa nas lutas trabalhistas é como essa luta histórica por igualdade se atualiza frente à terceirização no atual cenário econômico do neoliberalismo e no contexto institucional das democracias representativas. E, como sugerido pela hipótese anteriormente sustentada, essa atualização se dá no sentido de uma aproximação das lutas dos trabalhadores à lógica das lutas de grupos minoritários.

O aspecto fundamental para caracterizar as lutas minoritárias - do qual as demandas por isonomia e pelo respeito ao igual valor moral dos trabalhadores terceirizados se aproxima - seria sua inspiração na “[…] ideia de que todos os indivíduos poderiam ser tratados igualmente” (Scott, 2005SCOTT, Joan. O enigma da igualdade. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 11-30, jan./abr. 2005., p. 17). Ou seja, as lutas trabalhistas e as lutas minoritárias compartilham do mesmo substrato moral da igualdade, definido por Benhabib (2004BENHABIB, Seyla. Kantian questions, Arendtian answers: statelessness, cosmopolitism, and the right to have rights. In: BENHABIB, Seyla; FRASER, Nancy (org.). Pragmatism, critique, judgment. Essays for Richard J. Bernstein. Cambridge: MIT Press, 2004, p. 171-96.) como o princípio performativo moral e político da história da modernidade. De acordo com Scott (2005SCOTT, Joan. O enigma da igualdade. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 11-30, jan./abr. 2005.), a igualdade, enquanto um conceito social, significa possuir um grau semelhante de uma qualidade ou atributo implícito ou explícito, estar no mesmo nível em termos de poder, posição e dignidade, ter os mesmos direitos ou privilégios.

Numa comparação entre trabalhadores, estabelecida pelos representantes do “trabalho” na audiência pública analisada, pode-se afirmar que os trabalhadores terceirizados não compartilham da mesma qualidade de seres participantes da vida social e que, portanto, não dispõem do mesmo nível de dignidade e também não têm, na prática, os mesmos direitos e privilégios do trabalhador direto. Trata-se, portanto, assim como para as minorias, de assegurar o tratamento igualitário dos terceirizados tanto na esfera político-institucional, como também na esfera normativa (dos valores e princípios de justiça) da sociedade.

Ainda segundo Scott (2005SCOTT, Joan. O enigma da igualdade. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 11-30, jan./abr. 2005.), no ocidente, a igualdade tem se referido a direitos - considerados possessão universal dos indivíduos, independentemente de suas características sociais - desde as revoluções democráticas do século XVIII. O problema que a terceirização coloca à noção de direitos universais não é que ela reduz direitos formalmente, visto que grande parte do trabalho terceirizado é assalariado formal, mas sim na prática, porque a instabilidade econômica das empresas prestadoras de serviço dificulta o acesso dos trabalhadores terceirizados aos seus direitos trabalhistas. Mas, mais do que isso, a terceirização coloca em jogo a igualdade real entre os trabalhadores, na medida em que usurpa da dignidade de alguns deles ao atribuir-lhes o papel simbólico de uma mercadoria a ser emprestada, realocada conforme necessidades alheias aos trabalhadores.

Assim, os desafios da terceirização fazem com que as lutas do trabalho assumam aspectos próximos aos das lutas minoritárias, na medida em que devem articular demandas por isonomia e por respeito à dignidade do trabalhador terceirizado não apenas ao marco legal e às questões institucionais (por meio da regulamentação da terceirização), como também a uma dimensão de respeito à igual humanidade de todos os trabalhadores. Assim como o movimento feminista precisou e precisa convencer sobre a igualdade entre mulheres e homens, e o movimento negro sobre a igualdade entre negros e brancos, pode-se dizer que as lutas dos trabalhadores precisam convencer sobre a igual dignidade dos trabalhadores diretos e terceirizados. Trata-se, portanto, da luta por uma igualdade que não é apenas jurídica e formal, mas também normativa e moral.

Dessa forma, no nível da igualdade entre os trabalhadores, a articulação de uma dimensão moral nas demandas por isonomia, associadas à questão normativa do respeito à dignidade e ao igual valor moral entre todos os indivíduos, promove uma ampliação da concepção de igualdade que subjaz às lutas trabalhistas. Todavia, a articulação entre esses diferentes níveis e facetas do princípio da igualdade e do conceito de dignidade tem significados diversos para a luta dos trabalhadores.

A noção de dignidade remete à noção kantiana de que o ser humano “não pode jamais ser considerado um meio para se alcançar um fim, uma vez que ele já é um fim em si mesmo” (Rosenfield; Pauli, 2012ROSENFIELD, Cinara L.; PAULI, Jandir. Para além da dicotomia entre trabalho decente e trabalho digno: reconhecimento e direitos humanos. Caderno CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 319-29, maio/ago. 2012., p. 323). Nesse sentido, faz parte do repertório das lutas trabalhistas a denúncia de que a terceirização extirpa do trabalhador sua dignidade, uma vez que produz uma desumanização das relações de trabalho, que vai da ausência de tratamento igualitário nos ambientes de trabalho ao descaso com a vida do trabalhador. Demonstrando que os riscos de acidente, morte e exposição a condições de trabalho análogas à escravidão são maiores entre terceirizados, os representantes do “trabalho” constatam que este trabalhador tem um valor moral inerentemente menor do que o do trabalhador direto.

Contudo, a degradação promovida pela terceirização não se restringe às dimensões do tratamento e dos riscos no ambiente de trabalho, estendendo-se ao desrespeito de um princípio jurídico fundamental para o direito do trabalho: o de que trabalho não é mercadoria. O desrespeito desse princípio nos processos de terceirização que deslocam trabalhadores de uma empresa para outra priva o trabalhador alugado de seu direito mais básico: o de ser tratado como pessoa e não como coisa. Assim, as lutas trabalhistas precisam reivindicar, como exigência de justiça, o respeito à dignidade do trabalhador terceirizado, porque até mesmo este pressuposto moral de qualquer sociedade democrática é perturbado pela terceirização.

Todavia, a questão da dignidade não é nova para as lutas trabalhistas. Como demonstra Honneth (2015HONNETH, Axel. Le droit de la liberté. Esquisse d’une éthicité démocratique. Paris: Gallimard, 2015.), o movimento operário europeu pautou enquanto pôde o reconhecimento da dignidade do trabalho manual e, posteriormente, de todo o espectro do trabalho industrial. Contudo, lá, essas questões se articulam em torno do conteúdo do trabalho: a tarefa executada é degradante e, portanto, é o trabalho (a atividade produtiva) que deve ser reconhecido como digno. Já aqui, quanto à terceirização, não se trata da dignidade do trabalho enquanto atividade produtiva, mas sim da dignidade do próprio trabalhador, que é colocada em risco pela sua inserção em relações de subcontratação. Assim, pode-se afirmar que a terceirização coloca diversas ameaças à dignidade do trabalhador terceirizado. Por tratá-lo como um ser de menor valor e como uma mercadoria, acaba por promover a construção de um grupo de trabalhadores de segunda classe. Assim, o trabalhador terceirizado teria sua dignidade extirpada, porque sua vida tem um valor inerentemente menor em comparação ao trabalhador direto, porque está exposto ao trabalho análogo ao de escravo e ao risco de ser tratado como mercadoria, porque não raro não tem acesso aos seus direitos trabalhistas, e porque é discriminado nos ambientes de trabalho.

Ou seja, do ponto de vista dos trabalhadores que lutam por igualdade, a terceirização criaria uma subclasse de trabalhadores cujos direitos mais fundamentais - da segurança no trabalho ao tratamento igualitário - são desrespeitados. Se o trabalhador terceirizado está exposto ao risco de ser confundido simbolicamente com um objeto nos processos de subcontratação de mão de obra, é porque o entendimento do trabalho como custo a ser reduzido por meio de estratégias como a terceirização atribui ao trabalhador o papel de mercadoria que pode ser comprada, usada e descartada conforme os interesses da empresa em tornar-se flexível e adaptável às transformações do mercado. Assim, a terceirização se utilizaria dos trabalhadores como meios para fins que lhes são alheios. Em relações de trabalho desregulamentadas (ou que desrespeitam a regulamentação), em que os direitos não estão estabelecidos como contrapartida do lucro, a dignidade - no sentido de valor intrinsecamente humano do trabalhador - também não estaria garantida.

Assim, a salvaguarda da igualdade - que se tornaria uma questão urgente frente à criação de um grupo de trabalhadores de segunda classe pela terceirização - passa por uma via institucional, no sentido de garantir a igualdade estatutária entre trabalhadores diretos e terceirizados (faceta operacional), mas também por uma via fundamentalmente moral, que reclama o respeito à dignidade do trabalhador terceirizado (faceta normativa). Essas duas facetas estão fortemente articuladas, e sua inter-relação nas lutas trabalhistas contra a terceirização forja uma aproximação do trabalho à lógica das lutas minoritárias.

Na faceta operacional, observa-se uma ampliação do sentido da igualdade na luta do trabalho contra a terceirização por meio da articulação da dimensão moral do “tratamento” à questão da isonomia: o trabalhador terceirizado não apenas deve ser tratado como igual perante a lei - tendo os mesmos salários e direitos do trabalhador direto que desempenha as mesmas atividades que ele - mas também nos ambientes de trabalho, tendo acesso efetivo a materiais de segurança, a condições de saúde e aos espaços compartilhados, e sobretudo tornando-se visível e sendo tratado como par nos espaços de trabalho. Trata-se, portanto, de isonomia salarial, de direitos, de representação e de tratamento entre os trabalhadores diretos e terceirizados. Com essa demanda alargada de isonomia, a expansão do conteúdo da igualdade reivindicada pelo trabalho se opera, porque a crítica à terceirização ultrapassa dimensões que podem ser formalmente institucionalizadas (como a redistribuição e a representação), alcançando também uma faceta normativa igualmente importante.

A faceta normativa se mostra inevitável para assegurar as demandas por igualdade, na medida em que as injustiças produzidas pela terceirização ultrapassam questões institucionais, uma vez que o trabalho precisa reivindicar o respeito à dignidade do trabalhador terceirizado. A ideia presente nos pronunciamentos analisados é de que as injustiças produzidas pela terceirização alcançam o tecido moral da sociedade, interferindo na produção de novos valores e de novas perspectivas sobre como lutar por uma sociedade mais justa. Aqui, observa-se que a terceirização toca mesmo em direitos fundamentais - moralmente incontestáveis - como a dignidade humana, fazendo com que a luta dos trabalhadores precise ser redirecionada de modo a garantir o respeito ao igual valor moral do trabalhador terceirizado.

Desse modo, posto que a terceirização coloca às lutas trabalhistas o desafio de renegociar não apenas a isonomia entre trabalhadores, mas também a própria dignidade do trabalhador terceirizado, seria possível argumentar em favor da hipótese de que, ao assumir esses desafios, a luta do trabalho se aproxima da lógica das lutas minoritárias. As minorias aqui não devem ser pensadas em sentido numérico - de inferioridade quantitativa -, mas sim qualitativamente, no sentido de uma voz que deve lutar para se fazer ouvir (Sodré, 2005SODRÉ, Muniz. Por um conceito de minoria. In: PAIVA, Raquel; BARBALHO, Alexandre (org.). Comunicação e cultura das minorias. São Paulo: Ed. Paulus, 2005, p. 11-4.; Scott, 2005SCOTT, Joan. O enigma da igualdade. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 11-30, jan./abr. 2005.). De acordo com Muniz Sodré (2005SODRÉ, Muniz. Por um conceito de minoria. In: PAIVA, Raquel; BARBALHO, Alexandre (org.). Comunicação e cultura das minorias. São Paulo: Ed. Paulus, 2005, p. 11-4., p. 11-2), as minorias lutam numa esfera político-institucional e jurídica, ou seja, pela “[…] possibilidade de terem voz ativa ou intervirem nas instâncias decisórias do Poder, aqueles setores sociais ou frações de classe comprometidos com as diversas modalidades de lutas assumidas pela questão social”. Não se trata de afirmar que o trabalho e os trabalhadores seriam em si uma minoria, porque esses atores dispõem de um lugar assegurado na ordem político-institucional, inclusive através dos sindicatos.

Se as lutas do trabalho se aproximam da lógica das lutas minoritárias, é num sentido muito específico, mas substancial: a necessidade de estabelecer o igual valor moral de um grupo que, direta ou indiretamente, é impedido de acessar a ordem político-institucional, apesar de ter direitos sociais formalmente garantidos, combinando assim as facetas operacional e normativa da questão da igualdade. Para Joan Scott (2005SCOTT, Joan. O enigma da igualdade. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 11-30, jan./abr. 2005., p. 17), as minorias seriam compostas por “aqueles que se encontram excluídos do acesso a algo que eles e suas sociedades consideravam um direito”. Para as sociedades ocidentais, a dignidade é um direito humano, e os trabalhadores terceirizados seriam, nas situações de intermediação de mão de obra, excluídos do acesso prático a esse direito, apesar de este ser assegurado formalmente a todos os seres humanos. Nesse sentido, “uma minoria não precisa ser um grupo tradicional com uma longa história de identificação. Ela pode surgir como resultado de definições sociais que se transformam através de um processo de diferenciação política ou econômica” (Scott, 2005SCOTT, Joan. O enigma da igualdade. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 11-30, jan./abr. 2005., p. 18).

De um ponto de vista estratégico, a articulação da dignidade e a aproximação da lógica das lutas minoritárias podem assumir o sentido de um retrocesso, tendo em vista que o trabalho não é uma minoria, dado que dispõe de reconhecimento legal, representação na ordem política e jurídica e um conjunto de direitos sociais para aqueles que trabalham. Entretanto, a garantia formal de direitos do trabalho não tem sido capaz de assegurar o respeito ao igual valor moral de todos os trabalhadores, nem de impedir que a terceirização promova a construção de uma subcategoria de trabalhadores que sistematicamente morrem e se acidentam, são discriminados e não acessam de fato seus direitos trabalhistas. Desse modo, mesmo não sendo um grupo minoritário, o trabalho é impelido a lutar por questões de igualdade numa lógica minoritária.

Em contrapartida, de um ponto de vista moral, não há sentido em lutar apenas pela expansão de direitos, aumento de salários e valorização social do trabalho, se, entre os trabalhadores, um princípio fundamental não está intersubjetiva e efetivamente garantido: a ideia de que todos e todas podem e devem ser tratadas igualmente. Se o trabalho não se engajar nessa luta pela isonomia plena - salarial, representativa, de direitos e de tratamento - entre trabalhadores diretos e terceirizados, ele terá caído na armadilha de divisão da classe trabalhadora. Se o trabalho não inserir em suas pautas a luta pelo respeito à dignidade do trabalhador terceirizado, ele estará sendo conivente com a existência de uma subclasse de trabalhadores, cujas vidas valem menos. Portanto, de um ponto de vista moral, o que se observa não é um retrocesso, mas sim uma atualização e uma ampliação da luta pela igualdade. Se o princípio de justiça imanente às lutas trabalhistas é a ideia de igualdade, o potencial normativo das lutas trabalhistas frente à terceirização consiste em atualizar a luta por igualdade na lógica da paridade participativa e em ampliar a concepção de igualdade com a articulação da dimensão moral às demandas por isonomia, sem perder de vista seus desdobramentos normativos com relação à dignidade dos trabalhadores terceirizados.

Por um lado, o que o trabalho demonstra é que o aspecto formal da igualdade não é suficiente para garantir justiça social. Ou seja, enquanto trabalhadores forem tratados como mercadorias, enquanto “terceirizado” for um insulto, enquanto houver discriminação de trabalhadores terceirizados, não haverá igualdade real e, muito menos, justiça social para os trabalhadores. Por outro lado, o tratamento igualitário dos trabalhadores terceirizados nos ambientes de trabalho pode evitar que eles se acidentem e morram, mas não assegura a isonomia de remuneração, de direitos e de representação entre eles. Portanto, isonomia de tratamento não constrói, nem possibilita sozinha a construção de relações de trabalho justas. Do mesmo modo, se não houver a interdição legal do marchandage, o respeito à dignidade e ao igual valor moral do trabalhador terceirizado não estarão assegurados nem normativa, nem institucionalmente. Há, portanto, uma forte interdependência entre os aspectos institucionais e normativos da igualdade reivindicada pelo trabalho: nenhum deles sozinho é capaz de alcançar relações de trabalho justas para todos trabalhadores.

Além disso, tendo em vista que a terceirização produz injustiças diversas nas relações de trabalho, apresenta-se às lutas trabalhistas a necessidade de formular uma solução para problemas multifacetados em três frentes temáticas: economia, direito e moral. Em termos de justiça, isso significa uma expansão do objeto da luta do trabalho: o conteúdo da igualdade a ser disputada pelo trabalho não é mais apenas econômico (redistribuição) e político (representação), mas também moral (reconhecimento). Essa expansão do objeto da luta tem um duplo significado. Ao mesmo tempo em que a crítica da terceirização evidencia que as questões de classe extrapolam a dimensão material, abrangendo os domínios moral e simbólico das relações sociais, ela também coloca a necessidade de o trabalho rediscutir antigas conquistas, frutos de suas lutas, como um conjunto de direitos trabalhistas fundamentais e a proibição da intermediação de mão de obra.

Assim, de um ponto de vista moral, pode-se responder à questão da reconfiguração das lutas trabalhistas frente aos desafios colocados pela terceirização argumentando-se que a articulação de uma dimensão moral, que passa pelo tratamento isonômico nos ambientes de trabalho, pela dignidade do trabalhador terceirizado e pela valorização social do trabalho, aponta para uma ampliação da concepção de igualdade vinculada às lutas trabalhistas. Observa-se, portanto, uma interdependência entre as dimensões redistributiva, representativa e de reconhecimento para a realização da justiça nas relações de trabalho. Do mesmo modo que redistribuição e representação não fazem sentido ao lado de humilhação e desrespeito, apreço simbólico não se traduz em respeito, se não estiver institucionalizado e formalizado por meio de mecanismos que garantam a paridade participativa.

Referências

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  • TOURAINE, Alain. Un nouveau paradigme. Pour comprendre le monde d’aujourd’hui. Paris: Fayard, 2005.
  • **
    Este artigo foi elaborado a partir da tese de doutorado da autora, intitulada “O futuro da humanidade que trabalha”: reconfiguração moral das lutas trabalhistas frente à terceirização, defendida em 2016 junto Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • ***
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • 1
    Por “trabalho” entende-se aqui o ator social, coletivo e histórico cujas lutas se opõem ao “capital” (entendido no mesmo sentido). Os representantes do “trabalho”, na audiência pública, são trabalhadores, sindicalistas e especialistas de diversas áreas do conhecimento e do campo jurídico, que demonstram apoio às lutas e aos valores defendidos por este ator social.
  • 2
    Esta modificação do conteúdo da categoria reconhecimento não perde de vista a diferença fundamental entre as teses de Honneth e Fraser. Enquanto “Honneth concebe reconhecimento como a categoria moral abrangente fundamental”, tratando “a distribuição como derivativa”, Fraser “considera as duas categorias como dimensões cofundamentais e mutuamente irredutíveis da justiça” (Silva, 2008SILVA, Josué P. Trabalho, cidadania e reconhecimento. São Paulo: Anna Blume, 2008., p. 94). Além disso, a modificação aqui proposta não significa engajar-se no “monismo normativo” do reconhecimento defendido por Honneth (2006HONNETH, Axel. Redistribución como reconocimiento: respuesta a Nancy Fraser; La cuestión del reconocimiento: réplica a la réplica. In: FRASER, Nancy; HONNETH, Axel. ¿Redistribución o reconocimiento? Un debate político-filosófico. Madrid: Ediciones Morata , 2006, p. 89-148; 177-96.). Assim, a alteração que se opera aqui, com relação à categoria reconhecimento, é especificamente de conteúdo - da cultura à moralidade - e não de amplitude: a dimensão moral não é mais, nem menos fundamental à justiça do que as dimensões política e econômica, e não as engloba ou explica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2019
  • Data do Fascículo
    Abr 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2018
  • Aceito
    07 Set 2018
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