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EDITORIAL

O século XXI tem sido um período de grandes crises e de mudanças. Transformações econômicas, políticas, sociais e culturais profundas que se tornaram uma marca dos tempos atuais. Assinalam, ainda, nossas responsabilidades sociais e intelectuais.

Os artigos reunidos no dossiê "Novas realidades do trabalho – Brasil e Portugal", apresentados por Sônia Larangeira, analisam "desde questões relativas ao trabalho flexível, às relações sindicais, às práticas de gestão, aos modos de trabalhar e de ser na nova situação, até questões de ordem propriamente teórica, como a discussão sobre autonomia no trabalho". Alguns dos artigos seguem uma "perspectiva estrutural", enquanto outros "têm como centro a subjetividade do trabalhador".

A autora ressalta que "a realidade social não se constrói a partir de rupturas, mas de uma dialética entre continuidade e mudança e, também, que não há caminhos predeterminados, mas possibilidades e limites ou impasses, dependendo da capacidade que se tiver de intervir na realidade, que é diversa, múltipla e complexa". Por conseguinte, tais artigos fogem de simplificações sobre o tema, buscando descrever, em sua complexidade, aquilo que ocorre atualmente no mundo do trabalho.

Na seção de Artigos, Renato Saul escreve sobre as raízes ocultas da teoria do capital humano, reconstituindo a trajetória dessa teoria, no contexto da sua sociedade de origem, os Estados Unidos. A partir da identificação de tendências presentes no pensamento social americano – orientadas, de início, para a organização do trabalho industrial através das experiências levadas a efeito por Frederick Taylor e, depois, pela teorização a respeito de um novo conceito de propriedade emergente no processo de organização das grandes empresas de capital acionário – situa a teoria do capital humano no grande dilema, ou ilusão, do liberalismo americano: a institucionalização de uma sociedade sem classes.

Em "A Governamentalização do Estado Contemporâneo: uma cartografia dos mecanismos estatais de controle", Luiz Felipe Rocha Benites analisa o processo de "governamentalização" do Estado. Nutrindo-se de trabalhos genealógicos, procura cartografar caminhos pelos quais os mecanismos de controle e de regulação das populações estão sendo recriados e reorganizados, renovando a capacidade normalizadora do campo estatal. A análise sugere que tal regulação avança no território do trabalho imaterial no serviço público, ao articular o uso de tecnologias telemáticas com a produção de subjetividades "desejantes" de controle.

Alexandre Sant'ana de Brito e Lídio de Souza escrevem sobre as representações sociais de policiais civis, no Estado do Espírito Santo. O estudo identificou representações sociais sobre a profissionalização de policiais civis e suas relações com o Estado democrático, sobre os seguintes temas: 1) a falta de investimento na instituição; 2) a subserviência da polícia aos interesses de grupos políticos conservadores; 3) a profissionalização como aquisição de conteúdos técnicos que objetivam o ganho pecuniário; 4) a categorização criminal de segmentos socialmente excluídos. Segundo os autores, esses elementos atuariam como obstáculos à efetivação do Estado Democrático de Direito.

Na seção Interfaces, Tom Dwyer discute as novas tecnologias de informação, demonstrando seus efeitos no cotidiano do trabalho dos cientistas sociais e as potencialidades e riscos que trazem ao futuro das Ciências Humanas. Ressurge a mesma problemática na resenha escrita por Daniela Alves de Alves – A investigação sociológica em prol de um diagnóstico crítico da sociedade informacional – sobre o livro de Ilona Kovács, intitulado As Metamorfoses do Emprego: ilusões e problemas da sociedade da informação.

Chegamos a um mosaico de estudos sociológicos sobre as transformações do mundo do trabalho, o contexto ideológico das teorias do capital humano e as novas formas de regulação das subjetividades.

Seria a "sociedade informacional" um dos caminhos capazes de produzir mudanças nos modos de trabalhar, de viver e de pensar? Deixamos à sensibilidade teórica e à imaginação sociológica dos leitores tais indagações acerca do tempo social e do espaço das utopias, no Século XXI.

José Vicente Tavares dos Santos

Maíra Baumgarten

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2004
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