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Internacionalização da educação superior: instituições e diplomacia do conhecimento

Resumo

O debate público, os agentes políticos e a pesquisa acadêmica trouxeram para o centro do debate a questão da internacionalização do ensino superior. Juntamente com questões sobre o que se deve ensinar (e como), sobre a definição e a medida da qualidade do ensino e da aprendizagem, a equidade e diversificação nas instituições de ensino superior, emerge a discussão sobre os significados das tendências e modelos de internacionalização no ensino superior. O que significa internacionalização? Existem medidas ou parâmetros metodológicos para avaliá-la? Quais modelos institucionais se tornam dominantes nos processos de internacionalização? A internacionalização aumentou a importância da ciência para a autonomia das instituições acadêmicas? A diplomacia do conhecimento contribui efetivamente para o fortalecimento institucional? Existem políticas e estratégias globais e locais para internacionalização? Como elas funcionam? Como elas se conectam à democratização do ensino superior? Quais são os principais agentes nos processos de internacionalização: são professores, pesquisadores, funcionários, estudantes ou outras partes interessadas? Essas perguntas formam um amplo programa de pesquisa e algumas delas são discutidas nos artigos deste dossiê. Outras são apenas delineadas, indicando novas direções para estudos nessa área.

Palavras-chave:
internacionalização; ensino superior; modelos institucionais; estratégias

Abstract

The public debate, policy agents and stakeholders, and academic research brought to the center of the debate the issue of internationalization of higher education. Along with questions about what (and how) should be taught, the definition and measure of teaching and learning quality, the equity and diversification on Higher Education Institutions, a discussion emerges as to the meanings of internationalization trends and models in higher education. What does internationalization mean? Are there any measures or methodological parameters to assess it? What institutional models become dominant in the internationalization processes? Did internationalization increase the importance of science for the autonomy of academic institutions? Does knowledge diplomacy effectively contribute to institutional strengthening? Are there global and local policies and strategies for internationalization? How do they work? How do they connect to democratization of higher education? Which are the main agents in the internationalization processes - are they professors, researchers, staff, students, or other stakeholders? These questions form an entire research program. Some of them are already discussed in the dossier articles. Others are only outlined, indicating new directions for studies in this area.

Keywords:
internationalization; higher education; institutional models; strategies

Introdução

O ensino superior, que durante séculos foi um setor pequeno e elitista na maioria das sociedades, transformou-se - no contexto da globalização e da sociedade do conhecimento - numa importante instituição desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento econômico, social e cultural. O reconhecimento da importância social e econômica da educação superior desencadeou um processo de expansão e massificação em escala global1 2 Entre 1970 e 2007, quintuplicou no mundo o número de estudantes de ensino superior, passando de 28,6 para 152,5 milhões. A partir dos anos 2000 foram incorporados 51,7 milhões de novos estudantes, boa parte deles de regiões do globo com uma participação, até então, reduzida no total mundial de matrículas de ensino superior. Em 2014, eram 132 milhões e, em 2018, o número de estudantes universitários no mundo havia ultrapassado a marca de duzentos milhões. Esses estudantes concentram-se na Índia (25%) e na China (32%). Na África, menos de 10% da faixa etária chega ao ensino superior (Altbach; Reisberg, 2018). . A maior qualificação de profissionais passou a ser, cada vez mais, considerada como um fator essencial de competitividade econômica entre os países. Ao mesmo tempo, o acesso à educação superior é visto como um importante mecanismo de redução da desigualdade de oportunidades e como fator de promoção da mobilidade social. Finalmente, mas não menos importante, a produção de novos conhecimentos - científicos, tecnológicos e de inovação - é um desafio permanente às Instituições de Ensino Superior (IES). Todas essas dimensões abriram espaço para a perspectiva que analisa as possíveis contribuições dos sistemas de ensino superior para o aumento da coesão social, principalmente, através do fortalecimento das conexões sociais (o capital social, no sentido de Robert Putnam) e da diversidade cultural que teria lugar no espaço universitário (Marginson, 2016MARGINSON, Simon. Higher education and the common good. Melbourne: Melbourne University Press, 2016.).

Com a expansão e a massificação, as IES tiveram suas funções multiplicadas e tornaram-se organizações complexas, passando a enfrentar novos desafios relacionados a: gestão, governança, administração acadêmica, oferta educacional, serviços aos estudantes, gerenciamento de pesquisas, gerenciamento de instalações de infraestrutura, assuntos financeiros, questões legais e muitos outros. A política de educação superior, neste contexto, tornou-se um campo de grande interesse social e político, bem como de debates e controvérsias. Questões tais como acesso, apoio público, níveis de taxa de matrícula, papel do setor privado, políticas sobre financiamento, orientação para pesquisa e muitos outros temas passaram a ser tópicos de debate (Rumbley et al., 2014RUMBLEY, Laura E. et al. Higher education: a worldwide inventory of research centers, academic programs, and journals and publications. 3. ed. Bonn: Lemmens, 2014. ; Neves et al. 2018NEVES, Clarissa B.; SAMPAIO, Helena; HERINGER, Rosana. A institucionalização da pesquisa sobre ensino superior no Brasil. Revista Brasileira de Sociologia, v. 6, n. 12, 2018. http://dx.doi.org/10.20336/rbs.243
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.203...
). Conforme Neves, Sampaio e Heringer (2018, p. 20), “é desse lugar de reconhecimento da importância da educação superior que ocorrem as suas transformações: são mudanças de escala e de desconcentração global do atendimento, mudanças de configuração da oferta e, especialmente, de legitimidade e de reconhecimento nas sociedades contemporâneas”.

A pesquisa sobre a internacionalização do ensino superior

A reflexão sociológica sobre o desenvolvimento da educação superior vem caminhando pari passu com as transformações que o sistema de ensino superior vive e com as demandas sociais articuladas em torno do sentido a ser atribuído à educação terciária. Os sistemas de educação superior de todos os países têm sido especialmente confrontados com os desafios de democratização do acesso e de equidade social, bem como com as implicações desses desafios para o financiamento de sua operação e crescimento.

Assim, nos anos 1960 e 1970 focalizou-se o problema do acesso, em grande parte fruto das pressões colocadas pelos diversos movimentos sociais, em especial os movimentos negro, de mulheres e dos próprios estudantes. Na última década do século passado, a pesquisa encarou os desafios da massificação e, nos anos 2000, novamente sob o impacto das exigências de transparência, os sistemas de ensino superior passam a ser avaliados também em função da sua eficácia formativa, eficiência econômica e, de forma enfática, da sua capacidade de oferecer maior igualdade de oportunidades educativas e sociais (Trow, 1970TROW, Martin. Reflections on the transition from mass to universal higher education. Daedalus, v. 99, n. 1, p. 1-42, 1970.https://www.jstor.org/stable/20023931
https://www.jstor.org/stable/20023931...
; Gumport, 2007GUMPORT, Patricia J. (Ed.) . Sociology of higher education. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007.; Gripp; Barbosa, 2014GRIPP, Glicia S.; BARBOSA, Maria Ligia O. A sociologia da educação superior: ensaio de mapeamento do campo. In: BARBOSA, Maria Ligia O. (org.). Ensino superior: expansão e democratização, v. 1. Rio de Janeiro: 7Letras, 2014. p. 19-49.).

Mais recentemente, a esses desafios têm-se somado os da internacionalização e da excelência - de certo modo, duas faces de uma mesma moeda. Num mundo cada vez mais globalizado, em que predominam redes e sistemas de conhecimento globais, as universidades se veem desafiadas a tornarem-se internacionalizadas, não mais como mera atividade marginal, mas como atribuição de todos os seus setores. Consequentemente, as IES se veem provocadas a reinventarem-se e a darem respostas a problemas e demandas de grande repercussão.

Com muita frequência, a internacionalização ainda é um produto ocasional, baseado em contatos individuais de professores e pesquisadores. No entanto, vem crescendo de forma acelerada a internacionalização como uma ação planejada das IES, como tarefa estratégica da gestão do ensino superior, com foco definido em conteúdo, métodos, pessoas e estruturas internacionais. Assim, a internacionalização das IES é, cada vez mais, um processo intencional e não apenas uma experiência passiva (De Wit et al., 2015DE WIT, Hans; HUNTER, Fiona; HOWARD, Laura; EGRON-POLACK, Eva. The internationalisation of higher education, Brussels, European Parliament, Committee on Culture and Education, 2015.). Há enormes expectativas em torno da universidade internacionalizada, sua contribuição para o processo de globalização no século XXI e sua capacidade de competição cada vez mais transfronteiriça pelas melhores mentes, recursos financeiros e tecnologias inovadoras.

A importância crescente da internacionalização da educação superior destaca-se em 1995 com a elaboração pela UNESCO do documento preparatório para a Conferência Mundial sobre Educação Superior, realizada em Paris em 1998:

La internacionalización cada vez mayor de la educación superior es en primer lugar, y, ante todo, el reflejo del carácter mundial del aprendizaje y la investigación. Ese carácter mundial se va fortaleciendo gracias a los procesos actuales de integración económica y política, por la necesidad cada vez mayor de comprensión intercultural y por la naturaleza mundial de las comunicaciones modernas, los mercados de consumidores actuales, etc. El incremento permanente del número de estudiantes, profesores e investigadores que estudian, dan cursos, investigan, viven y comunican en un marco internacional es buena muestra de esta nueva situación general, a todas luces benéfica (UNESCO, 1995UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. Policy paper for change and development in higher education. Paris: UNESCO, 1995. Available at: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000098992.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
, p. 42).

A internacionalização da educação superior passou a ser estimulada como um fator estratégico no desenvolvimento das IES, fomentado por agências; e associações de ensino superior, por meio de projetos e serviços2 3 Cabe destacar, na Europa: Unesco, European University Association (EUA); International Association of Universities (IAU); European Association for International Education (EAIE); Horizon 2020, um programa de investigação e inovação da União Europeia (UE); nos Estados Unidos, o Mapping é um projeto do Center for Internationalization and Global Engagement (CIGE) da American Council on Education (ACE) em sua quarta edição; na América Latina, a Conferência Regional de Educação Superior que, já em sua terceira edição - em Córdoba (Argentina), 2018 - teve um dos seus eixos centrado na análise do processo de internacionalização. . Assim, movimentos de internacionalização da educação superior passam a incentivar o debate, como também a influenciar políticas e ações em nível de sistema e nos contextos institucionais, com impacto direto na vida acadêmica.

Refletir sobre as diferentes experiências de internacionalização da educação superior e analisar as diversas dimensões, atores e possíveis consequências desse movimento mundial nas várias regiões é uma tarefa urgente. O dossiê que ora apresentamos trata da internacionalização da educação superior considerando sua relevância, seus agentes, estratégias, tendências e perspectivas futuras.

Uma série de esforços e estratégias institucionais vem se desenvolvendo desde os anos 1980. O trabalho de De Wit (2001) mostra a trajetória histórica (que poderia, segundo Altbach, retroceder até os anos 1950) das práticas e sentidos do processo de internacionalização do ensino superior. Nesse trabalho, que é sua tese de doutoramento, De Wit analisa as quatro razões (rationales, no original) ou orientações possíveis para os principais agentes das políticas de internacionalização. Assim, o autor propõe algumas das dimensões essenciais para uma análise sistemática do processo: política (segurança nacional, política externa, assistência técnica, paz e ajuda mútua), econômica (desenvolvimento, competitividade, mercado de trabalho), social/cultural (identidades regionais e nacionais) e acadêmica (pesquisa e ensino internacionalizados, extensão do horizonte acadêmico, construção institucional, melhoria da qualidade e dos padrões acadêmicos). Analisando a diferença entre as abordagens de autores americanos (mais voltadas para as atividades e competências, além do ethos institucional) e de europeus (compreendendo a internacionalização como processo), De Wit indica como diferentes perspectivas associam-se a determinados momentos históricos:

(d)e uma perspectiva histórica, a “educação internacional” reflete o período entre a Segunda Guerra Mundial e o fim da Guerra Fria, e é observada com mais intensidade nos Estados Unidos do que em outros lugares. A “internacionalização da educação superior” reflete o período que inicia com o fim da Guerra Fria e é mais predominante na Europa, bem como na Austrália e no Canadá. Por essa razão, as diferenças entre os significados acolhidos por autores americanos e por outros podem ser explicadas pelo fato de que a maior parte da prática e da análise no período anterior ao final da Guerra Fria foi realizada por americanos e ainda domina a prática americana, enquanto a maior parte da prática e da análise da dimensão internacional da educação superior acontece hoje fora dos Estados Unidos, especialmente na Europa, no Canadá e na Austrália (De Wit, 2001, p. xi).

Desse ponto de vista, a compreensão e conceituação adequadas do processo de internacionalização demanda alguma definição de temporalidade. Um estudo recente de Gao (2019GAO, Catherine Y. Measuring university internationalization: indicator across national contexts. Melbourne: Palgrave MacMillan, 2019.) apresenta uma periodização importante, com base nas diferentes características e definições formuladas por pesquisadores e especialistas, para compreender as mudanças que têm afetado as universidades com relação à internacionalização.

No período inicial dos anos 1990, internacionalização era entendida como baseada em programas e atividades: tratava-se da internacionalização das IES, através da mobilidade de professores e programas. Em meados da década de 1990 e começo dos anos 2000, internacionalização passou a ser vista como um processo em curso. Definindo os períodos de forma similar à periodização de De Wit, Gao (2019GAO, Catherine Y. Measuring university internationalization: indicator across national contexts. Melbourne: Palgrave MacMillan, 2019.) reafirma a distinção entre as abordagens americanas e aquelas desenvolvidas na Europa, Austrália e Canadá. Destaca-se, neste período, a definição de internacionalização formulada por Knight (1994KNIGHT, Jane. Internationalization: elements and checkpoints. CBIE Research, n. 7, 1994. Available at: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED549823.pdf
https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED549...
, p. 7): “o processo de integração de uma dimensão internacional e intercultural no ensino, pesquisa e serviços prestados pela instituição”. Internacionalização passou a ser reconhecida como uma abordagem institucional: do final dos anos 1990 a meados dos anos 2000, tornou-se um processo integrado, envolvendo todos os aspectos da vida universitária; passou a ser uma estratégia da universidade, planejada e implementada sistematicamente. Diante disso, a própria autora atualizou a definição (Knight, 2004KNIGHT, Jane. Internationalization remodeled: definition, approaches, and rationales. Journal of Studies in International Education, v. 8, n. 1, p. 5-31, 2004. https://doi.org/10.1177/1028315303260832
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 11): “o processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural ou global aos propósitos, funções ou prestação da educação pós-secundária”.

Observa-se, assim, uma mudança na dimensão internacional das IES nas últimas décadas. A internacionalização com ênfase na cooperação internacional, principalmente em projetos de pesquisa, bolsas de estudo para formação de doutores e na mobilidade acadêmica de docentes e discentes, passa a incorporar novas perspectivas. As IES hoje estão envolvidas em atividades de internacionalização at home e abroad. Cada vez mais, crescem as expectativas de que as instituições de ensino superior desenvolvam estratégias abrangentes de internacionalização para a instituição como um todo. A internacionalização passa a ser uma tarefa estratégica de gestão do ensino superior.

Além disso, novas dimensões de internacionalização vêm sendo incorporadas pelas IES, agências e stakeholders. A mobilidade acadêmica transformou-se: de mobilidade de estudantes e acadêmicos para mobilidade de programas e políticas e o currículo vem assumindo cada vez mais uma dimensão internacional. Novas tecnologias de informação e comunicação introduziram inovações no aprendizado à distância e on-line, incluindo a recente introdução de cursos on-line em massa abertos (MOOCs) ao mundo todo. As universidades estão estabelecendo campus em outros países, centros acadêmicos se estabelecem e novas universidades independentes são fundadas por parceiros internacionais. Rankings globais, diplomacia do conhecimento, universidades world class, franquias, programas de co-diplomação etc. são outros desdobramentos desse processo (Knight, 2018KNIGHT, Jane. The international university: models and muddles. In: BARNETT, Ronald; PETERS, Michael A. (ed.). The idea of the university: contemporary perspectives. New York: Peter Lang Publishing, 2018.). Fundamental, portanto, é compreender as razões, significados e abordagens presentes nas estratégias e modelos organizacionais que permitem explicar a importância do tema no início do século XXI.

Com um olhar de gestor institucional, De Wit (2001) DE WIT, Hans. Internationalization of higher education in the United States of America and Europe. Thesis (PhD in Humanities). University of Amsterdam, 2001. Available at: https://dare.uva.nl/search?identifier=7f8def8d-699c-4812-ac69-0ab486926488
https://dare.uva.nl/search?identifier=7f...
analisa comparativamente o desenvolvimento da internacionalização nos EUA e na Europa. A questão da internacionalização tem forte apelo nos estudos de gestão do sistema de ensino superior, como mostram Maringe e Foskett (2012MARINGE, Felix; FOSKETT, Nick. Globalization and internationalization in higher education: theoretical, strategic and management perspectives. London and New York: Continuum, 2012.). Além disso, como indica o estudo de Craciun (2015CRACIUN, Daniela. Systematizing internationalization policy in higher education: towards a typology, Perspectives of Innovations, Economics and Business, v. 15, n. 1, p. 49-56, 2015. http://dx.doi.org/10.15208/pieb
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.152...
), tornou-se importantíssima questão de pesquisa - não apenas para gestores, mas também para o conjunto das ciências sociais - por representar um processo que possivelmente traria benefícios políticos, socioculturais e acadêmicos. Nesse sentido, a internacionalização passa a ser vista como um dos motores essenciais da mudança nos sistemas de ensino superior. Ainda segundo a autora húngara, embora os estudos sobre o tema tenham se multiplicado, restariam importantes lacunas, particularmente no que diz respeito à conceituação e à mensuração adequadas do processo de internacionalização. O dossiê ora proposto visa contribuir para sistematizar e avançar as discussões, apresentando um conjunto de análises empíricas de diferentes regiões do mundo para as quais essa questão tem se mostrado significativa.

O tema da internacionalização como objeto de pesquisa emerge com força, de forma muito associada ao trabalho precursor de Jane Knight (1994KNIGHT, Jane. Internationalization: elements and checkpoints. CBIE Research, n. 7, 1994. Available at: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED549823.pdf
https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED549...
). Em texto de 2007, a autora produziu um marco analítico para a abordagem sociológica da internacionalização do ensino superior, estabelecendo linhas de pesquisa que até hoje orientam os melhores estudos (Knight, 2007). Craciun (2015CRACIUN, Daniela. Systematizing internationalization policy in higher education: towards a typology, Perspectives of Innovations, Economics and Business, v. 15, n. 1, p. 49-56, 2015. http://dx.doi.org/10.15208/pieb
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.152...
) indica o papel decisivo nesse campo da obra de autores como Hans de Wit (2001), Bradenburg e De Wit (2011BRADENBURG, Uwe; DE WIT, Hans. The end of internationalization. International Higher Education, n. 62, 2011. https://doi.org/10.6017/ihe.2011.62.8533
https://doi.org/https://doi.org/10.6017/...
), Knight (2007KNIGHT, Jane. Internationalization: concepts, complexities, and challenges. In: FOREST, James J. F.; ALTBACH, Philip G. (eds). International handbook of higher education, v. 18 Dordrecht: Springer, 2007. ; 2003KNIGHT, Jane. Internationalization of higher education practices and priorities: IAU Survey Report. Paris: International Association of Universities, 2003.; 2018; Knight; Lee, 2014KNIGHT, Jane; LEE, Jack. An analytical framework for educational hubs. In: KNIGHT, Jane (Ed.). International education hubs: student, talent, knowledge-innovation. Dordrecht: Springer , 2014. p. 29-42) e Teichler (2002TEICHLER, Ulrich. Internationalisierung der hochschulen: vergleichende perspektiven und deutsche erfahrungen. Das Hochschulwesen, v. 50, n. 1, p. 3-9, 2002.; 2009TEICHLER, Ulrich. Internationalization of higher education: European experiences. Asia Pacific Education Review, v. 10, p. 93-106, 2009.). Considerando o quadro geral da pesquisa, Gao e colaboradores (2015) indicam que até essa entrada da perspectiva analítica e empírica fornecida pelas ciências sociais, a pesquisa era muito ampla e geral, limitada à descrição do que se poderia chamar de internacionalização. As ciências sociais abrem espaço ao trabalho mais prático de análise empírica sobre os modos de funcionamento do processo, das políticas, estratégias, atores, práticas e disputas ou conflitos.

Historicamente, a universidade aparece como uma instituição de vocação universalista e abrangente, quando se consideram tanto as temáticas quanto a origem de seus professores e alunos. No entanto, a partir do século XX, sob o peso de orientações provenientes do estado-nação já bastante estruturado, surge o conjunto de políticas e estratégias de internacionalização, num contexto histórico muito complexo, diversificado e diferenciado, que conjuga os novos provedores (inclusive comerciais) dos serviços educacionais e a formação de redes transnacionais de produção e distribuição de conhecimento.

Sob o enfoque sociológico, desenvolve-se tanto uma conceituação da internacionalização do ensino superior (distinguindo-a de transnacionalização, globalização e, mesmo, pós-internacionalização, no termo de Hans de Wit) quanto o estudo empírico dos sentidos socialmente atribuídos ao processo, da natureza dos argumentos e valores mobilizados nas disputas sociais, das estratégias e políticas construídas institucional e/ou nacionalmente.

A inclusão da pesquisa empírica destaca as dimensões metodológicas relacionadas, inicialmente, à mensuração das tendências, mas também voltadas para identificação dos agentes/atores e modelos organizacionais e institucionais. Assim, desenvolvem-se formas de medir o grau em que países e instituições participam, mais ou menos ativamente, da formulação e implementação de políticas de internacionalização e de identificar qual o sentido adquirido por essas políticas nas disputas em torno da democratização e diversificação do sistema de ensino superior. Ao mesmo tempo, busca-se compreender quais agentes ou atores sociais se envolvem mais proativamente nesse trabalho de construção institucional.

Um bom exemplo é o Barômetro EAIE produzido pela Associação Europeia de Educação Internacional (EAIE) para conhecer o grau de internacionalização das IES europeias. O Relatório de Internacionalização na Europa, de 2018, resultou da pesquisa em que participaram 2.317 profissionais relacionados com a estratégia, de 1.292 IES de 45 países (Sandström; Hudson, 2018). Os resultados apontam algumas semelhanças quando se trata das abordagens adotadas pelas IES europeias com relação à internacionalização: por exemplo, mais da metade delas tem escritórios responsáveis pelo planejamento dessa estratégia.

Como principais objetivos da internacionalização foram apontados os seguintes: preparar os alunos para o mundo global (76%), melhorar a qualidade da educação (65%), reputação/competitividade institucional (53%), melhorar a qualidade da pesquisa (38%), benefícios financeiros (12%), melhor serviço à comunidade local (11%), responder a mudanças demográficas (8%), outros (2%). Dentre os problemas e desafios foram apontados: orçamento interno insuficiente; falta de comprometimento de alguns funcionários; falta de reconhecimento interno; falta de bolsas de estudo internacionais; falta de alunos/funcionários capacitados em idiomas estrangeiros; falta de estrutura e liderança institucional; falta de expertise da equipe; estudantes não estão buscando uma educação internacional; falta de integração de estudantes internacionais; falta de habilidade com o idioma local por parte do estudante/equipe internacional.

No total, 81% das IES pesquisadas relatou que avalia de forma positiva ou muito positiva o futuro da internacionalização, enquanto apenas 4% mostrou-se cético. Esses números otimistas fornecem evidências de que os indivíduos que atuam no processo de internacionalização nas instituições de ensino superior pertencentes ao Espaço Europeu de Ensino Superior/EEES têm uma visão mais positiva e uma crença no futuro do campo (Sandström; Hudson, 2018SANDSTRÖM, Anna-Malin; HUDSON Ross. The EAIE Barometer: internationalisation in Europe (second edition). Amsterdam: The European Association for International Education (EAIE), 2018.).

Outra pesquisa que merece ser mencionada é a Global Survey on Internationalization of Higher Education, realizada pela International Association of Universities (IAU), desde 2003. Em 2018 foi realizada a 5ª Pesquisa Global da IAU com a participação de 907 instituições de ensino superior de 126 países, buscando investigar as estratégias das IES para a internacionalização (Marinoni, 2018MARINONI, Giorgio. Internationalization of higher education: an evolving landscape, locally and globally. IAU 5th Global Survey. DUZ Medienhaus; International Association of Universities, 2018.). O relatório abrange uma ampla variedade de aspectos da internacionalização: sua importância, os benefícios e os riscos percebidos em relação ao processo, obstáculos, a internacionalização da pesquisa, padrões e metas de mobilidade institucional, bem como questões relacionadas a mudanças curriculares e resultados de aprendizagem, e infraestruturas de apoio implementadas pelas instituições. Os resultados apontaram que as IES elaboraram políticas e estratégias de internacionalização e têm escritório ou equipe dedicada a implementar e monitorar as políticas e estratégias (cerca de 89%) (Marinoni, 2018). São duas pesquisas de fôlego, cujos resultados merecem discussão mais aprofundada. Elas são, por si só, uma indicação da relevância do tema e da similaridade e contemporaneidade dos processos locais - associados, possivelmente, à intensa colaboração entre gestores institucionais no mundo inteiro e à divulgação ampliada dos esforços e políticas que visam internacionalizar o ensino superior.

A constatação da força crescente dos processos de internacionalização em todos os continentes - mas, muito destacadamente, na Europa - tem demandado dos gestores estatais e institucionais um foco muito afinado e cuidadoso na qualidade e finalidade mais puramente acadêmica das ações, estratégias e políticas de internacionalização do ensino superior. A força desse apelo é maior quando se consideram os desafios colocados aos princípios do modelo ocidental de universidade (liberdade de pensamento e expressão, democracia e direitos civis) frente ao surgimento de retóricas nacionalistas, religiosas e antidemocráticas em vários países (Sandström; Hudson, 2018SANDSTRÖM, Anna-Malin; HUDSON Ross. The EAIE Barometer: internationalisation in Europe (second edition). Amsterdam: The European Association for International Education (EAIE), 2018.).

Considerando os avanços e a exuberância dos trabalhos dos dirigentes universitários e aproveitando os embates críticos trazidos pela pesquisa em educação, este dossiê propõe uma abordagem das ciências sociais voltada para a compreensão analítica das tendências de internacionalização que, segundo as distintas regiões geográficas, conjugam agentes sociais diferenciados na produção de políticas e processos razoavelmente variados. Ressalte-se que foi dada ênfase à dimensão regional devido à sua centralidade para o conceito de internacionalização e para os processos institucionais associados.

Internacionalização da educação superior: instituições e diplomacia do conhecimento

Ao ler revistas especializadas no ensino superior e voltadas para um público claramente delimitado como dirigentes institucionais e pesquisadores do tema, percebe-se algumas nuances nas abordagens da internacionalização. Na edição comemorativa dos 25 anos do Boston College Center for International Higher Education, dois editores da revista International Higher Education mencionam os desafios sem precedentes enfrentados pelas universidades mundo afora (De Wit; Altbach, 2020DE WIT, Hans; ALTBACH, Phillip: Unprecedent challenges, significant possibilities. International Higher Education, v. 100, p. 3, winter 2020.). Os editores destacam particularmente o fato - agravado nesses 25 anos - de que as universidades americanas estariam abdicando de sua liderança no plano da internacionalização. Mesmo que o número de estudantes internacionais tenha dobrado nesse período (passando de 450.000 para um milhão) e que o retorno econômico do setor tenha passado de 7 para 40 bilhões de dólares, a participação americana na mobilidade internacional de estudantes e o número de instituições americanas no topo dos rankings vêm caindo significativamente. Aparentemente, o declínio da presença americana pode estar ligado ao surto de nacionalismo e populismo que atingiu o mundo e o próprio país. Embora as consequências numéricas não sejam ruins, elas estão associadas a mudanças nas estruturas curriculares e na distribuição dos estudantes pelas áreas de formação. Perdem, no entanto, as humanidades, o conhecimento de outras línguas e de outras culturas. Enfraquece-se a dimensão cultural da internacionalização.

Esta abordagem evidencia a dinâmica diferenciada da internacionalização, muito variada segundo a posição de agente provedor ou receptor de instituições, de país importador ou exportador de estudantes, professores, pesquisadores, ou ainda de país central ou periférico nas redes de produção de conhecimento e tecnologia. São variações que dependem da geografia e da história de cada país, como em outras dimensões da globalização. O desenvolvimento de uma diplomacia do conhecimento (Knight, 2020KNIGHT, Jane. Knowledge diplomacy: what are the key characteristics? International Higher Education, v. 100, p. 38, winter 2020.), capaz de lidar com situações complexas cada vez mais internacionalizadas (do meio ambiente às epidemias, passando pelas questões dos refugiados), traz o foco para a análise das condições da produção científica, um dos eixos norteadores das políticas de internacionalização.

Tentando capturar tanto as variações regionais da internacionalização da educação superior quanto as novas possibilidades da produção científica, o dossiê traz diferentes perspectivas, sempre buscando análises comparativas que destaquem a entrada do Brasil nessa complexa rede. Nesse quadro, o primeiro artigo, intitulado Challenges for research in higher education: the case of internationalization between the explanandum and the explanans, de Amélia Veiga e António Magalhães, analisa as injunções entre pesquisa científica, orientada pelo arcabouço teórico das disciplinas, e as demandas da agenda e da coordenação política. Observando o caso da pesquisa sobre ensino superior na Europa agitada pelos ventos do Brexit, os autores identificam elementos discursivos na pesquisa, que reificam tanto a noção de Estado quanto a de ensino superior. “Ao focar no momento do Brexit que trouxe para o palco a centralidade dos Estados-nação e sua relação de concorrência/cooperação, este artigo contribui para chamar a atenção às implicações epistemológicas e metodológicas dos ismos”. Ao enfatizar a relação entre Estado e as concepções e funcionamento do ensino superior, o artigo abre espaços para o debate sobre o sentido e os valores dados à universidade e à pesquisa no Brasil. Em particular, para o estudo das políticas de internacionalização, ainda um objeto pouco focalizado no país. O momento político tem deixado marcas difíceis nos ministérios da educação e das relações exteriores, podendo propiciar uma avaliação crítica da sustentabilidade das políticas institucionais de internacionalização. Seria também importante averiguar como nacionalismos de diferentes partes do espectro político partidário chegam (ou não) a interferir na estrutura conceitual e metodológica da pesquisa sobre ensino superior e sobre a participação brasileira no desenvolvimento científico-tecnológico global.

O artigo seguinte, intitulado University, science and the new (and old) academic roles: inner sources of institutional resilience, de Elizabeth Balbachevsky e Vuokko Kohtamäki, examina as transformações na governança universitária associadas à internacionalização, focalizando o papel decisivo da interação entre as normatividades institucional e científica e a resiliência e autonomia da universidade. As autoras comparam a Universidade de São Paulo e a Universidade de Tampere, na Finlândia, mostrando o quanto a universidade pode preservar sua identidade como parte da república da ciência ao resistir à lógica puramente gerencialista de algumas reformas. Isso significa que a universidade se preserva como instituição autônoma ao aninhar a ciência e sua lógica de funcionamento orientada pelas diretrizes disciplinares. Obviamente, trata-se de uma autonomia institucional que vai muito além das condições de financiamento tantas vezes mencionadas nos debates sobre o tema. A comparação com uma instituição brasileira indica a persistência desse valor institucional em contextos social e historicamente muito diferenciados. Além disso, aparece como traço comum nos dois países, um redesenho da profissão acadêmica, no qual perde espaço o catedrático individualizado para abrir oportunidades de trabalho mais coletivo, departamental ou programático, no caso das instituições mais internacionalizadas. Nisso reside uma excelente linha de pesquisa sobre a profissão acadêmica: a de agente fundamental da construção da autonomia universitária, que sofre os impactos da transformação organizacional ligada à internacionalização.

No artigo Política exterior y procesos de internacionalización del sistema científico y universitario: Argentina y Brasil (2003-2019), Daniela Perrota e Andrés Santos Sharpe analisam a internacionalização da educação superior no contexto da política externa dos dois maiores países da América do Sul, ambos participantes do Mercosul. Buscam compreender quais foram os caminhos escolhidos para a internacionalização da ciência e da universidade e através de quais mecanismos institucionais cada país atuou. Os autores destacam, na conclusão, a centralidade, talvez excessiva, dos programas de mobilidade acadêmica, mesmo quando da formação de redes de pesquisa e do aumento de publicações conjuntas. Indicam também que, apesar do início dos processos de reconhecimento de títulos, muito pouco se fez em termos da internacionalização interna aos países (em casa) e da discussão dos currículos. A dificuldade de acesso à informação sobre os processos em pauta também pode ser um indicador da pouca atenção recebida.

Com um enfoque distinto, o artigo Higher education internationalization: excellence or networks? What do BRICS-countries need most? de Maxim Khomyakov, Tom Dwyer e Wivian Weller, focaliza a criação de redes estruturadas horizontalmente, tendo como exemplo a universidade proposta pelos países BRICS. Segundo os autores, “embora os projetos de excelência ajudem a desenvolver uma educação de classe mundial, as redes conseguem responder melhor às necessidades atuais dos países do BRICS”. Tratando das múltiplas dimensões da globalização que, entre outras marcas, imprime um caráter comercial importante às instituições de ensino superior, o artigo mostra que as instituições do chamado Sul Global acabam constrangidas a dois tipos de estratégias: buscar seu lugar na competição acirrada global pela excelência ou construir uma versão alternativa. Essa última é descrita como sendo a produção de redes horizontais. Os autores concluem com a expectativa/esperança de que a criação desse tipo de instituição fortaleça a dimensão normativa num conjunto de países caracterizado por extremo pragmatismo. Trata-se, evidentemente, de uma aposta complexa. Considerando o artigo de Daniela Perrota e Andrés Sharpe, que aponta as dificuldades das políticas de internacionalização, e incluindo o próximo texto, de Clarissa Baeta Neves e Maria Lígia Barbosa, pode-se perguntar em que medida existiriam condições institucionais, ou mesmo histórico-sociais, para a realização de um tal projeto de internacionalização.

O pragmatismo antes mencionado é um fio que conduz a diversos conflitos comerciais e econômicos, além das profundas diferenças culturais entre os países pertencentes ao bloco dos BRICS. É importante mencionar, também, que a qualidade das instituições tradicionalmente bem colocadas nos rankings internacionais é um fator que mobiliza as universidades rumo à internacionalização, sendo a melhoria da qualidade um dos principais objetivos institucionais nesse processo. Um ponto importante é a mobilidade de estudantes dos BRICS em direção às melhores instituições dos rankings tradicionais. Seria importante verificar o quanto esta rede horizontal teria capacidade de mobilizar os estudantes de cada país, assim como professores e pesquisadores.

O artigo seguinte do dossiê, de Clarissa Baeta Neves e Maria Ligia Barbosa, Internacionalização da educação superior no Brasil: avanços, obstáculos e desafios, visa analisar a experiência das IES e das agências de fomento no Brasil com relação ao fenômeno da internacionalização. As autoras fazem um histórico resumido dos principais traços do sistema brasileiro de ensino superior e da pós-graduação, analisando a cooperação e as influências internacionais, bem como as políticas de internacionalização realizadas pelas agências do governo central e o envolvimento das IES com ações institucionais de internacionalização. Constata-se o caráter ainda incipiente da internacionalização do sistema de ensino superior brasileiro e a baixa proatividade das IES no desenvolvimento de políticas internas para recepção e aproveitamento das oportunidades oferecidas no processo. Aproximando-se dos resultados da análise de Daniela Perrota e Andrés Sharpe, verifica-se que as atividades de internacionalização são concentradas em alguns programas de pós-graduação de excelência e ainda profundamente dependentes do fomento das agências governamentais. As instituições brasileiras fazem poucos esforços para incentivar a vinda de estudantes internacionais e estão pouco preparadas para a recepção dos que vierem. Também há dificuldades para a contratação ou falta de recursos para convites a professores e pesquisadores estrangeiros.

Em suma, o quadro que fica da situação brasileira, com as exceções de praxe mencionadas nos artigos, é de uma inserção pouco ativa nos processos de internacionalização. Essa passividade demanda um trabalho de construção institucional e informação ativamente conduzido - talvez pelas próprias agências de fomento -, além da criação de formas de controle das ações internacionais para provimento de instituições e cursos em andamento no país. A caracterização dessa situação nova nos processos de internacionalização é feita no texto de Jane Knight que finaliza esse dossiê.

O artigo de Jane Knight, The internationalization of higher education scrutinized: international program and provider mobility, apresenta uma reflexão sobre a intensa diversificação nos modos de internacionalização em tempos recentíssimos. Fazendo os contrapesos entre vantagens e riscos, Knight propõe uma tipologia para avançar na análise dos fenômenos atuais como a Mobilidade Internacional de Provedores e Programas (IPPM na sigla em inglês) e a revolução produzida pelos avanços tecnológicos que geraram os Cursos Online Abertos de Massa (MOOCs na sigla em inglês). A tipologia proposta se baseia em dois princípios: a natureza da relação entre as instituições de ensino superior provedoras e receptoras, e a forma de prestação do serviço (mode of delivery). Utilizando sua tipologia com seis categorias que permitem classificar algumas experiências em todo o mundo, a autora destaca os países latino-americanos nos quais instituições estrangeiras instalaram campi associados à universidade original. Do mesmo modo que os outros autores participantes deste dossiê, Jane Knight mostra a dificuldade em conseguir dados confiáveis sobre o tema. A elaboração de uma tipologia visaria facilitar e sistematizar a produção de dados pelos estados e instituições nacionais. Entre os tipos de ação analisados, as parcerias e colaborações internacionais oferecem o quadro mais otimista. São as universidades conjuntas, com a participação de diferentes países e a criação de programas de educação à distância junto a parceiros locais. Mas o texto permite também vislumbrar aspectos menos positivos, a começar pela possibilidade de que sejam ofertados cursos de baixa qualidade ou inadequados às necessidades locais. Também alerta para os riscos de comercialização excessiva e para dificuldades no reconhecimento da certificação e equivalência entre currículos. A finalização deste artigo inclui um robusto programa de pesquisa, especificamente voltado para o crescimento dos IPPM nos vários países, estruturando as novas modalidades de internacionalização. Com isso, podem-se alinhar algumas conclusões que projetam linhas de estudo particularmente relevantes no contexto brasileiro e latino-americano.

Caminhos de pesquisa

A variedade de questões e temáticas abordadas neste dossiê permite uma análise crítica das dinâmicas sociais que organizam os sistemas de ensino superior praticamente no mundo todo. Pode-se iniciar a listagem pelas questões conceituais e metodológicas. As políticas de internacionalização do ensino superior significam coisas diferentes para atores diferentes ou em contextos diferenciados. Se esta apresentação procura avançar um conceito compreensivo de internacionalização, não existe a pretensão de que todas as alternativas conceituais tenham sido contempladas. Surgiram críticas em vários momentos sobre o desenvolvimento da internacionalização como arma para imposição dos valores do neoliberalismo ou para a comercialização da educação (Lima; Contel, 2011LIMA, Manolita C.; CONTEL, Fabio B. Internacionalização da educação superior: nações ativas, nações passivas e a geopolítica do conhecimento. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2011.) ou ainda para favorecer o domínio da língua inglesa e do modelo tradicional de universidade (Marginson, 2007MARGINSON, Simon. The public/private divide in higher education: a global revision. Higher Education, v. 53, n. 3, p. 307-333, 2007. https://doi.org/10.1007/s10734-005-8230-y
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). Um estudo que avance - nos planos conceitual e metodológico - uma definição de internacionalização capaz de especificar as características sociais, institucionais, políticas, econômicas e culturais dos modelos vigentes e suas alternativas seria importante. O artigo com a proposta para a criação de instituições em rede entre os BRICS, em oposição às universidades historicamente no topo das classificações internacionais, pode estar apontando um passo inicial nessa direção.

Mais do que isso: o Brasil possui um excelente sistema de coleta de dados educacionais (o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP), que merece uma atenção mais aprofundada de pesquisadores na área para estabelecer formas de colaboração científica que produzam informações adequadas para esse tipo de pesquisa. Em outros países, além dos organismos internacionais, autoridades e pesquisadores podem agir na mesma direção. Algumas das dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores do ensino superior são associadas seja à inexistência de dados adequados, seja ao acesso aos dados existentes. O acesso facilitado aos dados permitiria elaborar medidas e especificar dimensões dos processos de internacionalização refinando os conceitos e as análises. Os avanços metodológicos fortaleceriam as diferentes linhas de pesquisa mencionadas dos textos do dossiê, especialmente o de Jane Knight, fortemente voltado para o aperfeiçoamento conceitual.

A questão das relações entre universidade, internacionalização, ciência e estado abrange quase todo o dossiê. De alguma forma, cada um dos textos tocou nesses pontos. Os processos analisados permitem questionar em que medida essas instituições espalhadas pelo mundo e numa disputa ferrenha por espaços no palco global partilham a mesma identidade (Yonezawa, 2020YONEZAWA, Akiyoshi. Do we share a common university identity? International Higher Education, v. 100, p. 4, winter 2020. ). Ou seja, trata-se de questionar qual universidade se internacionaliza? Como a ciência e a profissão acadêmica podem definir/definem características das universidades internacionalizadas? Que tipo de configuração de valores políticos, mais ou menos democrática, favorece ou desfavorece o desenvolvimento da internacionalização? Compreender a diplomacia da ciência demanda um aprofundamento da análise do funcionamento das instituições nos vários contextos nacionais e nas distintas áreas de conhecimento, uma especificação dos atores envolvidos e recursos disponíveis, uma avaliação dos modos de implementação das políticas de internacionalização, particularmente em suas formas colaborativas. As reflexões iniciadas nos textos de Elizabeth Balbachevsky e Vuokko Kohtamäki, bem como de Daniela Perrota e Andrés Sharpe trabalham com várias dimensões da diplomacia do conhecimento e, pelo menos nesse ponto, fica evidente a necessidade de parcerias entre pesquisadores das ciências sociais e aqueles da gestão e direção de instituições e do sistema universitário.

Num momento de crise gravíssima, gerada pelo COVID-19, a pesquisa científica com colaboração internacional transcende os espaços universitários tradicionais e insere-se na esfera pública e no debate político, alcançando um valor social mais robusto e mais extensamente partilhado. Abre-se um extraordinário espaço de conquista de legitimidade para a pesquisa científica. Ao mesmo tempo, a ciência se torna argumento político, mobilizado especialmente contra a estreiteza das opiniões desinformadas, os preconceitos e a má-fé de ações políticas de cunho populista. Sendo assim, aumenta a importância social da ciência tal como é produzida nos melhores modelos. No entanto, aumenta também a força da ignorância e do ódio. A retomada da vida normal será problemática no plano econômico e, provavelmente, bastante difícil para as atuais instituições universitárias, que deverão rever práticas e modelos, inclusive fortalecendo-se através de decisões e políticas mais fortemente orientadas para sua própria internacionalização.

Finalmente, com a análise de avanços e dificuldades da internacionalização nos países latino-americanos, fica a questão dos atores e protagonistas/stakeholders desse processo: quem são esses atores? Gestores? A profissão acadêmica? Os políticos? Ou, mais provavelmente, combinações distintas de grupos de atores? As respostas a estas questões perpassam todos os temas trabalhados neste dossiê. Abrangem estudos sobre a ciência e as profissões, sobre a política identitária e institucional, chegando à política nacional e aos valores sociais.

De qualquer forma, particularmente no caso de países pouco internacionalizados, ou com pouca participação ativa no processo, talvez o passo inicial mais importante seja produzir o debate que permita aos diferentes atores expor as razões, os riscos e os benefícios da internacionalização do ensino superior. Assim, convencer os diferentes atores individuais e institucionais de que o processo tende a ser inexorável no mundo contemporâneo, mas pode e deve ser controlado internamente para garantir mais benefícios, maior qualidade e menor comercialização para a internacionalização do sistema nacional.

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  • 2
    Entre 1970 e 2007, quintuplicou no mundo o número de estudantes de ensino superior, passando de 28,6 para 152,5 milhões. A partir dos anos 2000 foram incorporados 51,7 milhões de novos estudantes, boa parte deles de regiões do globo com uma participação, até então, reduzida no total mundial de matrículas de ensino superior. Em 2014, eram 132 milhões e, em 2018, o número de estudantes universitários no mundo havia ultrapassado a marca de duzentos milhões. Esses estudantes concentram-se na Índia (25%) e na China (32%). Na África, menos de 10% da faixa etária chega ao ensino superior (Altbach; Reisberg, 2018ALTBACH, Philip G.; REISBERG, Liz. Global trends and future uncertainties, Change: The Magazine of Higher Learning, v. 50, n. 3-4, p. 63-67, 2018. https://doi.org/10.1080/00091383.2018.1509601.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
    ).
  • 3
    Cabe destacar, na Europa: Unesco, European University Association (EUA); International Association of Universities (IAU); European Association for International Education (EAIE); Horizon 2020, um programa de investigação e inovação da União Europeia (UE); nos Estados Unidos, o Mapping é um projeto do Center for Internationalization and Global Engagement (CIGE) da American Council on Education (ACE) em sua quarta edição; na América Latina, a Conferência Regional de Educação Superior que, já em sua terceira edição - em Córdoba (Argentina), 2018 - teve um dos seus eixos centrado na análise do processo de internacionalização.
  • 1
    As contribuições para este dossiê foram elaboradas pelos diferentes autores ao longo do ano de 2019, antes, portanto, da eclosão da pandemia do COVID-19. A sua publicação dá-se, no entanto, em meio ao quadro dessa pandemia com suas duras consequências e só foi possível graças ao trabalho de dedicados profissionais da editoração da revista Sociologias. A eles nossos sinceros agradecimentos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2020
  • Aceito
    10 Maio 2020
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