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TEORIZAÇÃO DA DEMANDA POR PROFISSIONAIS E USUÁRIOS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: ESPONTÂNEA, PROGRAMADA, REPRIMIDA

RESUMO

Objetivo:

compreender as demandas espontânea, programada e reprimida frente às necessidades de saúde e à acessibilidade, sob a ótica de profissionais e usuários da Estratégia Saúde da Família.

Método:

estudo qualitativo, sob o método da Teoria Fundamentada nos Dados e do referencial teórico Interacionismo Simbólico, com 34 participantes, sendo 16 profissionais de saúde e 18 usuários. As fontes de evidências foram entrevistas aberta, intensiva e individual e memorandos. A coleta de dados ocorreu entre outubro/2016 a maio/2017. A análise dos dados se deu em etapas interdependentes: codificação aberta, axial, seletiva, para o processo.

Resultados:

indicaram 32 códigos in vivo que representam a alocução e os significados dos participantes da pesquisa frente à demanda na Estratégia Saúde da Família, compilados em três códigos teóricos que originaram a categoria central “A teoria da demanda na Estratégia Saúde da Família: espontânea, programada ou reprimida?”. A demanda espontânea se volta à queixa e ao adoecimento, em atendimentos diários sem agendamento prévio, com restrição de horários e como meio de acesso ao serviço de saúde. A demanda programada se estabelece no agendamento de consultas médicas para grupos específicos. A demanda reprimida, cada vez mais frequente no cotidiano dos serviços de saúde, está associada à falta de acesso e de resolutividade.

Conclusão:

as demandas em saúde se configuram em um espaço de falta de acesso e acessibilidade, denotando o principal problema vivenciado pelos usuários e profissionais da ESF.

DESCRITORES:
Necessidades e demandas de serviços de saúde; Acesso aos serviços de saúde; Estratégia saúde da família; Atenção primária à saúde; Judicialização da saúde

ABSTRACT

Objective:

to understand spontaneous, scheduled and suppressed demands in the face of health needs and accessibility, from the perspective of Family Health Strategy professionals and users.

Method:

a qualitative study using Grounded Theory and Symbolic Interactionism, with 34 participants, 16 of whom are health professionals and 18 are users. The sources of evidence were open, intensive and individual interviews and memos. Data collection occurred between October/2016 to May/2017. Data analysis took place in interdependent steps: open, axial, selective coding, for the process.

Results:

thirty-two in vivo codes were indicated that represent the statement and meanings of the research participants regarding demand at Family Health Strategy, compiled in three theoretical codes that originated the central category “The Theory of Demand at Family Health Strategy: spontaneous, scheduled or suppressed?”. Spontaneous demand turns to complaints and illness, in daily appointments without previous scheduling, with restricted hours and as a means of accessing the health service. Scheduled demand is established in scheduling medical appointments for specific groups. Suppressed demand, more and more frequent in the daily routine of health services, is associated with the lack of access and resolution.

Conclusion:

health demands are configured in a space of lack of access and accessibility, denoting the main problem experienced by FHS users and professionals.

DESCRIPTORS:
Health service needs and demands; Health services accessibility; Family health strategy; Primary health care; Health’s judicialization

RESUMEN

Objetivo:

comprender las demandas espontáneas, programadas y reprimidas ante las necesidades de salud y accesibilidad, desde la perspectiva de los profesionales y usuarios de la Estrategia de Salud Familiar.

Método:

estudio cualitativo, utilizando el método de la Teoría Fundamentada y el marco teórico Interaccionismo Simbólico, con 34 participantes, entre ellos 16 profesionales de la salud y 18 usuarios. Las fuentes de evidencia fueron entrevistas y memorandos abiertos, intensivos e individuales. La recolección de datos ocurrió entre octubre/2016 y mayo/2017. El análisis de datos se llevó a cabo en pasos interdependientes: codificación abierta, axial, selectiva, para el proceso.

Resultados:

indicó 32 códigos in vivo que representan el discurso y los significados de los participantes de la investigación sobre la demanda en la Estrategia de Salud Familiar, recopilados en tres códigos teóricos que dieron origen a la categoría central “La teoría de la demanda en la Estrategia Salud de la Familia: ¿espontánea, programada o reprimida?”. La demanda espontánea se convierte en quejas y enfermedades, en citas diarias sin programación previa, con horario restringido y como vía de acceso al servicio de salud. La demanda programada se establece en la programación de citas médicas para grupos específicos. La demanda reprimida, cada vez más frecuente en la vida cotidiana de los servicios de salud, se asocia a la falta de acceso y resolución.

Conclusión:

las demandas de salud se configuran en un espacio de falta de acceso y accesibilidad, denotando el principal problema que viven los usuarios y profesionales de la ESF.

DESCRIPTORES:
Necesidades y demandas de servicios de salud; Accesibilidad a los servicios de salud; Estrategia de salud familiar; Atención primaria de salud; Judicialización de la salud

INTRODUÇÃO

O conjunto de ações e de serviços de saúde deve ser provido para atender ao direito à saúde da população brasileira e às circunstâncias locais a qual se destinam, mediante as necessidades demandadas por cada um e pela coletividade.11. Brasil. Lei no. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. 1990 Set 19 [cited 2018 Feb 20]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
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A organização das demandas em saúde, sejam elas programadas ou espontâneas, é um desafio para a Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil.

No contexto da APS, considera-se a demanda em saúde quando o indivíduo se apresenta ao serviço solicitando acesso e resolutividade de seu problema. Dentre as demandas em saúde, considera-se a demanda espontânea (DE) aquela em que o indivíduo comparece à unidade de saúde de forma inesperada, por eventos agudos ou situações consideradas como necessidade de saúde pelo usuário, sendo este “domiciliado (ou não) ao território”.2:1722. Norman AH, Tesser CD. Access to healthcare in the Family Health Strategy: balance between same day access and prevention/health promotion. Saúde Soc [Internet]. 2015 [cited 2017 Nov 12];24(1):165-79. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000100013
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A Demanda Programada (DP) caracteriza-se pela realização de ações e/ou agendamentos prévios dos serviços de saúde.33. Santos TVC, Penna CMM. Daily demands in primary care: the view of health professionals and users. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013 [cited 2017 Nov 03];22(1):149-56. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-07072013000100018
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A demanda reprimida é constituída por usuários que foram desassistidos em algum momento, o que favorece o aumento da judicialização da saúde.44. Dantas A, Mageste R, Mattos VW, Esteves CB. O fenômeno da judicialização da saúde como estratégia de acesso aos serviços de saúde. CONASS Conselho Nacional dos Secretários de Saúde [Internet]. 2015 [cited 2017 Nov 17]. Available from: https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/colecao2015/conass-direito_a_saude-art_19.pdf
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Assim, as demandas dos serviços de saúde compreendem a tradução das necessidades individuais experimentadas, e essas interferem na forma como os usuários utilizam os serviços de saúde. O principal motivo pela busca de atendimento é o adoecimento, cuja confiança é depositada na realização de exames ou para referência às consultas com especialistas.55. Penna CMM, Faria RSR, Rezende GP. Acolhimento: triagem ou estratégia para universalidade do acesso na atenção à saúde? Rev Min Enferm [Internet]. 2014 [cited 2017 Nov 12];18(4):815-22. Available from: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20140060
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É relevante identificar as principais necessidades da população para que a APS possa se reorganizar, no sentido de responder às necessidades de cada um, das famílias e da comunidade, mediante os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) da universalidade, integralidade e equidade, com fins de garantir o acesso da população a ações e serviços em tempo oportuno e de forma equânime.66. Viegas SMF, Penna CMM. O SUS é universal, mas vivemos de cotas. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [cited 2017 Nov 17];18(1):181-90. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000100019
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A combinação entre a oferta e a demanda por serviços de saúde devem ser analisadas com prioridade, de forma ampliada e consistente, com intuito de que as desigualdades no acesso aos serviços de saúde no SUS sejam minimizadas, proporcionando melhorias nas condições de saúde da população.77. Nascimento AB. Análise da oferta e da demanda por serviços de saúde de um território sanitário como contribuição para a atenção e gestão em saúde. Rev Gestão Sistemas Saúde [Internet]. 2015 [cited 2017 Oct 17];4(2):73-86. Available from: http://www.revistargss.org.br/ojs/index.php/rgss/article/view/162 .
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Com vistas a melhorar o acesso, a continuidade nos cuidados e a coordenação dos serviços, o governo de Quebec, Canadá, iniciou em 2003 uma reforma na saúde. Contudo, um estudo realizado nessa cidade, entre 2003 e 2010, descreve que a equidade do acesso está ligada às condições preliminares para que o indivíduo possa obter e beneficiar dos serviços. Dessa forma, será necessária uma abordagem centrada na equidade para resolver as desigualdades no acesso à APS.88. Ouimet MJ, Pineault R, Prud’homme A, Provost S, Fournier M, Levesque JF. The impact of primary healthcare reform on equity of utilization of services in the province of Quebec: a 2003-2010 follow-up. Int J Equity Health [Internet]. 2015 [cited 2017 Nov 12];14:139. Available from: https://doi.org/10.1186/s12939-015-0243-2 .
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Na China, um estudo realizado em Tibete considerou a importância do fortalecimento da APS na reforma do sistema de saúde local. Evidenciou que a qualidade dos cuidados primários teve uma associação positiva e significativa com o estado de saúde autoavaliado. Participaram da pesquisa 1.386 pacientes provenientes de sete hospitais e de seis centros de saúde de duas prefeituras localizadas no Tibete, Shigatse e Linzhi.99. Wang W, Shi L, Yin A, Mao Z, Maitland E, Nicholas S, Liu X. Contribution of primary care to health: an individual level analysis from Tibet, China. Int J Equity Health [Internet]. 2015 [cited 2017 Nov 12];14:107. Available from: https://doi.org/10.1186/s12939-015-0255-y
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Considerando o contexto das demandas, acesso e acessibilidade, questiona-se: como os profissionais e os usuários da ESF compreendem demanda espontânea, demanda programada e demanda reprimida frente às necessidades de cada um e à acessibilidade? Considera-se relevante esta discussão sobre demandas em saúde e acessibilidade frente às dificuldades de acesso enfrentadas por usuários e profissionais no cotidiano da ESF.66. Viegas SMF, Penna CMM. O SUS é universal, mas vivemos de cotas. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [cited 2017 Nov 17];18(1):181-90. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000100019
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Este estudo teve por objetivo compreender as demandas espontânea, programada e reprimida frente às necessidades de saúde e à acessibilidade, sob a ótica de profissionais e usuários da ESF.

MÉTODO

A Teoria Fundamentada nos Dados (TFD)1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008. e o Interacionismo Simbólico (IS)1111. Blumer H. Symbolic Interactionism: Perspective and Method. Englewood Cliffs (US): Prentice-Hall; 1969. foram os referenciais teórico-metodológicos deste estudo qualitativo para a compreensão da demanda em saúde. A TFD é um método sistemático para determinar o desenvolvimento de uma teoria. É incorporada de hipóteses, considerando-se que os pontos de vista da dinâmica social inter-relacionam ao status humano, e as interpretações das suas ações e perspectivas podem gerar conceitos/códigos teóricos que fundamentam a teorização.1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008.

O IS propõe a tradução do significado como um dos mais importantes elementos na compreensão do comportamento humano e como se manifestam as interações e processos. O IS busca compreender como cada indivíduo lida com os acontecimentos ou a realidade em torno de si, e como isso influenciará em sua vivência.1111. Blumer H. Symbolic Interactionism: Perspective and Method. Englewood Cliffs (US): Prentice-Hall; 1969.

A noção de significado trata-se de um produto social, criada por meio das atividades dos indivíduos à medida que esses interagem entre si. O IS tem como base a análise de três premissas: a primeira trata-se da orientação dos atos do ser humano em direção às coisas em função do que estas significam para ele. A segunda premissa refere que o significado dessas coisas surge em consequência da interação social que cada indivíduo mantém com seu próximo. A terceira descreve que os significados se manipulam e modificam-se por meio de um processo interpretativo desenvolvido ao deparar-se com as coisas que vai encontrando em seu caminho.1111. Blumer H. Symbolic Interactionism: Perspective and Method. Englewood Cliffs (US): Prentice-Hall; 1969.

A coleta de dados foi realizada no período de outubro de 2016 a maio de 2017, em um município de grande porte de Minas Gerais, Brasil, com população estimada de 234.937 habitantes e cobertura da ESF de 47,39%. Utilizou-se como fontes de evidências a entrevista aberta, intensiva e individual, com roteiro semiestruturado, registros em memorandos operacionais direcionados para os procedimentos funcionais da pesquisa e os memorandos iniciais realizados após cada coleta de dados.1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008.

O município possui 32 equipes da ESF que foram classificadas por meio de sorteio. Como critério de inclusão, foram as equipes mínimas completas,1212. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União [Internet] 2017 Set 22. [cited 2017 Nov 12]. Available from: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19308123/do1-2017-09-22-portaria-n-2-436-de-21-de-setembro-de-2017-19308031
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considerando a composição com os seguintes profissionais: médico generalista, enfermeiro generalista, auxiliar/técnico de enfermagem, Agente Comunitário de Saúde (ACS), cirurgião-dentista, auxiliar/técnico saúde bucal; e como critério de exclusão, as Unidades de APS Tradicionais em transição para a ESF.

Das 32 equipes, 12 (37,5%) atenderam aos critérios adotados. Este estudo contemplou cinco unidades da ESF como cenário do estudo, obedecendo-se a um sorteio realizado para ordenar a coleta de dados dentre as 12 equipes da ESF. A amostragem foi por saturação teórica voltada “para o desenvolvimento, a densificação e a saturação das categorias”,10:19710. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008. que ocorreu e foi confirmada nas entrevistas com os profissionais da quinta equipe, obedecendo à saturação dos dados em TFD.1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008. A população cadastrada nas cinco equipes da ESF, cenário do estudo, variou de 2.646 a 7.000 pessoas (Memorando).

O estudo teve 34 participantes, sendo 16 profissionais de saúde das equipes da ESF e 18 usuários. Como critério de inclusão para o profissional de saúde, adotou-se ter o mínimo de seis meses de atuação na equipe e, de exclusão, estar afastado do trabalho por férias ou licença saúde. Para o usuário, os critérios de inclusão foram: ser maior de 18 anos de idade, estar cadastrado e ser acompanhado pela equipe ESF, comparecer à unidade para atendimento na DE ou na DP no dia da entrevista; e de exclusão, pessoas impossibilitadas de responder legalmente por seus atos temporariamente ou permanentemente.

Durante o processo de coleta de dados, foi necessário o acréscimo de quatro perguntas ao roteiro de entrevista dos profissionais e três ao roteiro dos usuários (Memorando), para aprofundamento de códigos que emergiram dos resultados e para contemplar o processo de análise conforme o método da TFD, de modo a atingir a saturação dos dados.1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008. As entrevistas tiveram uma duração média de oito minutos, foram gravadas e transcritas na íntegra para posterior análise. Não houve recusa ou desistência de nenhum convidado-participante deste estudo. A identificação das entrevistas deu-se mediante códigos alfanuméricos: letra “E” para representar todos os entrevistados, acrescida da letra “P” para identificar profissionais de saúde, e da letra “U” para os usuários. A numeração foi descrita, segundo a ordem cronológica da coleta (EP1; EU1; EP2; EU2 ...).

A análise dos dados1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008. se deu em etapas interdependentes: codificação aberta, axial, seletiva, para o processo. A “codificação aberta é o processo analítico por meio do qual os conceitos são identificados e suas propriedades e dimensões são descobertas nos dados; eles são separados e comparados em busca de similaridades e de diferenças e divididos em categorias”.10:104-10510. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008.

A codificação aberta foi iniciada pela leitura minuciosa do texto, analisando “cada frase, para identificação de qual ideia estava revelada, nomeando o(s) conceito(s) e suas propriedades e dimensões, configurando a conceituação ou abstração na microanálise”.10:11910. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008. O texto das entrevistas foi marcado por cores, utilizando cor diversa para cada ideia e formulando os códigos in vivo mediante os conceitos identificados. Esses conceitos foram buscados/identificados, ou não, em cada entrevista analisada, conforme ordem cronológica de sua realização, para cada unidade da ESF. Assim, a codificação nesta fase baseou-se na conceituação, originando os 32 códigos in vivo, segundo os significados que evocaram quando examinados os dados, comparativamente, e dentro do contexto, nomeando-os conforme as ideias, concepções, eventos e fatos/atos relatados nas frases dos informantes. Os acontecimentos que compartilharam algumas características comuns foram posicionados no mesmo código in vivo. Isto é, os dados foram agrupados e classificados em cada código in vivo conforme a similaridade e separados aqueles diferentes. Novos significados foram sendo identificados, originando novos conceitos.

Na codificação axial, ocorreu a definição conceitual das categorias por meio da organização de suas propriedades e dimensões, relacionando as categorias às suas subcategorias. As “categorias representam um fenômeno, ou seja, um problema, uma noção, uma questão, um fato ou acontecimento que foi definido como importante”10:12410. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008. pelos participantes da pesquisa.

O paradigma desse fenômeno “A teoria da demanda na Estratégia Saúde da Família: espontânea, programada ou reprimida?” conduziu todos os componentes da teoria, ou seja, a categoria central tornou explícita a experiência vivenciada e a compreensão dos participantes da pesquisa sobre a demanda em saúde”.1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008. A estrutura disponível e as condições vivenciadas, pelos participantes da pesquisa, no cotidiano da ESF, criam circunstâncias nas quais os problemas, as questões, os fatos ou acontecimentos pertencentes à demanda em saúde surgem e são situados.

A estrutura e as condições foram relacionadas ao processo das estratégias, ações/interações dos participantes da pesquisa em resposta aos problemas e questões vivenciadas e que trazem a DE no cotidiano da ESF. Essas ações/interações advindas das vivências cotidianas dos participantes da pesquisa, o processo da demanda em saúde, foram discutidas segundo o IS.

A codificação seletiva é o “processo de integrar e refinar a teoria”.10:14310. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008. Na integração, as categorias foram organizadas para determinar a categoria central que é o tema principal da pesquisa, o refinamento “consiste em rever o esquema em busca de consistência interna e de falhas na lógica, completando as categorias, pouco desenvolvidas, e validando o esquema teórico”. A codificação para o processo é “representada por acontecimentos e fatos que podem ou não ocorrer em formas ou sequências contínuas”,10:155-6410. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008. é a interação entre estrutura e processo e demonstra a variabilidade da teoria.1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008.

As três categorias originadas foram integradas para formar um esquema teórico, e os dados foram transformando em teoria: a teoria da demanda na Estratégia Saúde da Família: espontânea, programada ou reprimida? Essa teoria apresenta “a essência da pesquisa, significando a ideia central que relaciona os outros conceitos a ela”.10:14910. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008.

A saturação teórica se deu no desenvolvimento da categoria central ao perceber que não surgiram novas propriedades, dimensões ou relações durante a análise. A teoria da demanda na Estratégia Saúde da Família: espontânea, programada ou reprimida? foi validada por meio da “comparação do esquema teórico com os dados brutos”, o esquema foi capaz de explicar fatos e ideias”.10:15710. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, Bockman; 2008.

Todos os participantes voluntários assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Este estudo foi realizado com 34 participantes, sendo 16 profissionais de saúde e 18 usuários. Em relação à caracterização dos profissionais, 13 (81,3%) foram mulheres, a média de idade foi de 48 anos e a média de tempo de trabalho na ESF foi de 9,8 anos. Participaram cinco enfermeiras, quatro médicos, três técnicas de enfermagem, três ACS e uma Auxiliar de Saúde Bucal (ASB). Dos nove profissionais de nível superior, sete possuíam especialização em Saúde da Família. Em relação aos usuários, participaram 13 (72,2%) mulheres, cinco homens e a média de idade foi de 42 anos. Quanto ao nível de escolaridade, nove possuíam nível fundamental incompleto, três com nível fundamental completo, três de nível médio completo, dois possuíam nível superior e um declarou-se analfabeto. Desses, apenas cinco eram provenientes da DP e oito possuíam algum tipo de plano de saúde.

A teorização da demanda na ESF se apresenta em três códigos teóricos: noções de demandas por profissionais e usuários: espontânea, programada e reprimida; Inter-relação da demanda na Estratégia Saúde da Família; Acesso, acessibilidade e demanda na Estratégia Saúde da Família. Os resultados indicaram 32 códigos in vivo que representam alocução e os significados dos participantes da pesquisa frente à demanda na ESF.

O paradigma da análise se constituiu das condições determinantes, do contexto, das estratégias e das consequências inerentes às noções e ao contexto das demandas espontânea, programada e reprimida no cotidiano da ESF, e formam as relações teóricas pelas quais as categorias estão relacionadas uma a outra e à categoria central: a teoria da demanda na Estratégia Saúde da Família: espontânea, programada ou reprimida? Os três códigos teóricos trazem a representatividade e a ocorrência dos dados na amostragem teórica, como apresentado na Figura 1. Este artigo trata-se do código teórico noções de demanda por profissionais e usuários: espontânea, programada e reprimida.

Figura 1 -
Diagrama da representação do fenômeno central da Teoria da Demanda na ESF. Divinópolis, MG, Brasil, 2017.

A TFD e o IS subsidiam, sob a ótica dos participantes da pesquisa, as noções de demandas em saúde frente à vivência de profissionais e usuários no cotidiano da ESF. As noções de demandas em saúde aludem sobre a atenção à queixa e ao adoecimento, a DE associada aos atendimentos diários, a DP relacionada à marcação de consultas, a DR decorrente das restrições de acesso e de resolutividade, da dificuldade de contemplar a equidade que está mais próxima da justiça distributiva do que da igualdade.

Mediante o paradigma de análise da TFD, tornaram-se explícitas as percepções e concepções de demanda dos participantes. As condições determinantes das demandas na ESF, na compreensão dos profissionais de saúde e usuários, são expressas em significados que as determinam pelas condições de vida, de saúde ou de adoecimento agudo ou crônico e que se apresentam de forma espontânea pelo usuário, ou é programada pelos profissionais de saúde ou se torna reprimida.

Demanda? Eu acho que surge dos determinantes e condicionantes do processo saúde-doença do indivíduo. No meio que ele está inserido, os fatores socioeconômicos, desde a questão da habitação dele, quanto a essa assistência que a gente presta, tudo isso, o que ele precisa para promover a saúde dele ou estar ajudando para que ele continue com a saúde (EP1).

Demanda em saúde... Eu nunca pensei nisso, mas acho que é em todas as demandas, de todos os aspectos da saúde, seja por doença aguda, por doença crônica, por tratamento por especialidade. Maior complexidade, internação, fisioterapia. Acho que demanda em saúde é todas as necessidades de saúde do usuário (EP12).

Demanda espontânea todo dia tem. O que seria demanda espontânea? Seria uma urgência, emergência? (EP7)

Demanda espontânea é aquele usuário que vem na unidade sem estar agendado, mas que está precisando de um acolhimento naquele momento (EP16).

Programada? Seriam as consultas agendadas, as ações já pré-estabelecidas pela equipe, de acordo com os condicionantes da região que a gente atende, com a capacidade dos profissionais que tem aqui na unidade. Então, a gente faz uma determinada agenda para tentar atender a essa população (EP1).

Entendo que a demanda programada seria o sistema de agendamento, a disponibilidade de um médico (EU2).

Reprimida é a que não foi atendida, que está esperando para ser atendida. Deve ser muita, imagino que seja. Às vezes, até por falta de conhecimento, sei lá (EU8).

O contexto das demandas espontânea, programada e reprimida perpassa pelo motivo da busca pelo atendimento na ESF, pela disponibilidade de recursos e pelo direito à saúde.

Porque está doente, necessita de atendimento, não é? Se a pessoa vem aqui é porque ela está precisando, então, tem que ser bem atendida! A gente paga imposto caro e quer ser bem atendido, nós precisamos deles, como eles precisam da gente, usuário, para estarem trabalhando, estarem executando a função deles (EU11).

Demanda, varia, têm umas pessoas que não sei se é por falta de entendimento ou por falta de paciência, o pessoal está muito impaciente, chega e quer ser atendido. Tem o profissional para atender, ele é um, têm vários pacientes, o profissional vai atender todos, só que não tem como atender todos ao mesmo tempo. Eu acho que a demanda espontânea é por falta de compreensão, não é? (EU5).

É a pessoa que vem sem hora marcada, vem assim espontânea. O pessoal vem mais cedo, vem das sete e meia às oito e meia, vem na demanda livre (EP10).

A demanda programada é justamente a parte do pré-natal, que a gente acompanha as gestantes, dentro do que é preconizado mesmo [...] busca ativa das faltosas. Demanda programada para puericultura e para os portadores de hipertensão e diabetes (EP14).

Tem a demanda reprimida, que você não consegue atender completamente. Então, por exemplo, a demanda reprimida aqui é o usuário trabalhador. Nós não temos um programa para o usuário trabalhador, não tem um horário para eles, porque quando a gente chega para trabalhar na unidade, eles foram trabalhar, e quando a gente sai da unidade eles estão chegando à casa. Então, isso é uma demanda reprimida (EP15).

As estratégias especificam o que seriam ou deveriam ser os atributos: espontâneo, programado e reprimido, e quais seriam as possibilidades para atendimento a essas demandas na ESF.

Demanda... É complicado, não é? Mas, a demanda, seria a quantidade, você teria que ter um ideal de médicos, um ideal de pessoas para aquele dia. Mas, isso também não funciona por conta dos horários, de tudo (EP6).

A demanda reprimida seriam aqueles pacientes que não têm conhecimento da unidade. É por causa da falta de agente comunitário. A gente sempre divulga aqui na sala de espera, falando um pouquinho desse fluxo, para evitar mesmo essa demanda reprimida (EP2).

Aqui demora, manda esperar, mas você espera e quer ser atendido, não é? Então eu acho que o importante é isso: você chegou, nem que seja demorado, mas que seja atendido (EU16).

A gente orienta se estiver passando mal que venha de manhã, e a gente tenta encaixar de todo jeito (EP4).

As consequências se associam e inteiram às condições, expressam os tipos do escopo do fenômeno “demanda”, significando uma ação/interação entre profissional de saúde e usuário, que foi atendida ou interrompida devido à falta de recurso necessário.

Demanda em saúde são as pessoas que estão doentes e demandam uma quantidade X de ações. Quando a gente usa essa palavra demanda, ela sempre vem acompanhada: a demanda sempre é maior do que a oferta (EP9).

Demanda reprimida são aquelas pessoas que estariam necessitando do atendimento, do cuidado, que não estão tendo o acesso. Então, a nossa unidade de ESF tem um gargalo muito grande, que é a falta de agentes comunitários, nós estamos com esse problema há uns cinco anos com microáreas descobertas (EP14).

Essa é difícil. A parte economicamente ativa, ela está desassistida, porque tem o problema do acesso, do horário. Então, eles procuram as UEAS [Unidades Especializadas de Atendimento] ou UPA, onde não é o lugar adequado para fazer uma consulta, não é? Porque os atendimentos de UEAS são para pequenas urgências e na UPA urgências maiores e emergências (EP15).

Sempre muito lotado e poucas vagas. Às vezes, a gente tem que esperar muitos dias para uma consulta ou exames. Várias vezes tive que pagar para fazer exames, porque o sistema de saúde não tem à disposição os exames necessários. Quando a gente precisa de algo que é realmente necessário, a gente não consegue o atendimento (EU6).

Ah! Isso é demais! A gente vê tantos casos de pessoas na UPA que estão lá há uma semana e não tem os recursos necessários para pessoa. Então ela fica ali esperando sair uma vaga no hospital, eu acho muito sofrido. Acho que os recursos nessa área não estão bons. No caso de problema maior, as pessoas chegam até morrer, porque não têm recurso necessário, isso é trágico para nós. A gente fica horrorizada de ver as pessoas em lugares que não têm acesso à saúde (EU15).

DISCUSSÃO

O código teórico noções de demanda por profissionais e usuários: espontânea, programada e reprimida nos apresenta as concepções individuais acerca das demandas nos serviços de saúde, em especial na ESF.

O IS representa uma perspectiva teórica que possibilitou a compreensão do modo como os profissionais de saúde e usuários interpretam demandas em saúde, como se interagem, e como tal processo de interpretação conduz o comportamento individual frente às demandas. Em relação às três premissas do IS, percebe-se que o ser humano age em relação às suas necessidades em saúde com base nos sentidos que tais necessidades têm para eles. O sentido das demandas em saúde é derivado ou se origina da interação social que o indivíduo estabelece com os outros. Esses sentidos são manipulados e modificados por meio de um processo interpretativo, usado pela pessoa ao lidar com suas necessidades e com as situações em que ela encontra.1111. Blumer H. Symbolic Interactionism: Perspective and Method. Englewood Cliffs (US): Prentice-Hall; 1969.

A análise dos dados permitiu identificar que as noções de demanda aludem sobre o adoecimento e o atendimento médico, uma vez que o conceito de saúde compreendido pelos profissionais e usuários ainda se constitui por a ausência de doenças. Destarte, a DE é fortemente associada aos atendimentos diários em busca de atenção médica, não aos agendados. Por sua vez, a DP é caracterizada pela marcação de consultas para grupos específicos. Já a demanda reprimida, é resultante das restrições de acesso e de resolutividade, assim como a dificuldade de contemplar a equidade.

No contexto das demandas, a busca por atendimento é decorrente de uma necessidade no momento da queixa ou do adoecimento. Inúmeros avanços foram obtidos com a implantação da ESF, principalmente, no que se refere à universalização do acesso na APS brasileira.66. Viegas SMF, Penna CMM. O SUS é universal, mas vivemos de cotas. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [cited 2017 Nov 17];18(1):181-90. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000100019
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No entanto, “o atendimento que se busca ainda é para encontrar respostas ao adoecimento, assegurado pela confiança depositada na realização de exames ou de uma consulta com profissionais de outras especialidades”.3:1513. Santos TVC, Penna CMM. Daily demands in primary care: the view of health professionals and users. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013 [cited 2017 Nov 03];22(1):149-56. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-07072013000100018
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Destarte, a atenção à saúde se faz a partir da DE e não das reais necessidades dos usuários.

As necessidades em saúde podem ser compreendidas como necessidades propriamente humanas e socialmente determinadas, embora, por vezes, sejam apreendidas em sua dimensão individual, e estão relacionadas às condições de vida e de trabalho, à autonomia, liberdade e bem-estar.1313. Campos CMS, Silva BRB, Forlin DC, Trapé CA, Lopes IO. Emancipatory practices of nurses in primary health care: the home visit as an instrument of health needs assessment. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [citado 2018 Dec 13];48(Spe):119-25. Available from: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000600017
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-1414. Ramos PRB. Direito à saúde, necessidades básicas e dignidade da pessoa humana. Rev Jurídica [Internet]. 2016 [citado 2018 Dec 13];3(44): 275-304. Available from: https://doi.org/10.21902/revistajur.2316-753X.v3i44.1747
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Identificá-las permite direcionar as ações da ESF, garantido os princípios da integralidade e equidade do SUS. Porém, as ações e princípios essenciais da ESF de reorientação do modelo assistencial do SUS ainda são pouco exploradas, como a territorialização e adscrição da clientela, a educação para a saúde, o controle social, o planejamento e a avaliação focados nas reais necessidades da população.1515. Silva LA, Casotti CA, Chaves SCL. A produção científica brasileira sobre a Estratégia Saúde da Família e a mudança no modelo de atenção. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [cited 2017 Sept 28];18(1):221-32. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000100023
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Nos resultados surge a cobrança por atendimento digno, resolutivo e de qualidade, independentemente do tipo de demanda apresentada pelo indivíduo. Isso nos remete ao contexto da acessibilidade. Segundo um estudo que analisou as percepções de profissionais e de usuários sobre a qualidade da organização dos sistemas de APS da Estônia, Finlândia, Alemanha, Hungria, Itália, Lituânia e Espanha, a acessibilidade foi descrita como o menor tempo possível para alcançar os serviços de saúde, em especial à Atenção Primária. O estudo identificou que os pacientes solicitam atendimento imediato, cujo significado é a rapidez e a facilidade de acesso em curto tempo de espera. Essa alta expectativa do usuário ocasiona a frustração entre os profissionais de saúde e, consequentemente, leva ao pensamento de que o tempo de espera é fator limitante para seu acesso às ações da APS.1616. Papp R, Borbas I, Dobos E, Bredehorst M, Jaruseviciene L, Vehko T, Balogh S. Perceptions of quality in primary health care: perspectives of patient sand professionals basedon focus group discussions. BMC Fam Pract [Internet]. 2014 [cited 2017 Sept 30];15:128. Available from: https://doi.org/10.1186/1471-2296-15-128
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Na Austrália, um estudo que objetivou analisar o acesso de usuários em áreas rurais e remotas aos cuidados primários, apontou como desafios inerentes à prestação de serviços de saúde, as dificuldades no recrutamento e continuidade de especialistas, a força de trabalho, manutenção e extensão da infraestrutura da saúde. Identificou-se que havia uma sensação de importância em garantir o acesso, a qualidade e a segurança do serviço, assim como a acessibilidade, independente das dificuldades de fornecer um amplo leque de serviços de APS.1717. Thomas SL, Wakerman J, Humphreys JS. What core primary health care services should be available to Australians living in rural and remote communities? BMC Fam Pract [Internet]. 2014 [cited 2017 Oct 17];15:143. Available from: https://doi.org/10.1186/1471-2296-15-143
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A noção de DP foi declarada no agendamento de consultas conforme a disponibilidade de profissionais e de exames. Em um estudo realizado na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, identificou-se que a marcação de consultas é determinada como meio de acesso da população ao atendimento e à rotatividade dos profissionais, principalmente dos médicos e foi descrita como um dos fatores que colaboravam para a dificuldade de marcação.1818. Viegas APB, Carmo RF, Luz ZMP. Fatores que influenciam o acesso aos serviços de saúde na visão de profissionais e usuários de uma unidade básica de referência. Saude soc [Internet]. 2015 [cited 2017 Oct 17];24(1):100-12. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000100008
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Segundo os depoimentos dos profissionais, a DP é voltada, principalmente, para a atenção à saúde materno-infantil e às pessoas em condições de doenças crônicas não transmissíveis, como a hipertensão arterial sistêmica (HAS) e o Diabetes Mellitus (DM). Em outro estudo realizado na cidade de Maceió, Alagoas, Brasil, foram apresentados relatos de usuárias que receberam atendimento hostil por parte de alguns profissionais de saúde, pois esses não consideraram suas fragilidades e dificuldades de acesso ao serviço, como, por exemplo, doença, fome, falta no trabalho, entre outros, e priorizaram grupos de populações específicas, como idosos, pessoas com HAS e DM, crianças e gestantes.1919. Santos DS, Tenório EA, Brêda MZ, Mishima SM. The health-disease processand the family health strategy: theuser’s perspective. Rev Latino-Am Enferm [Internet]. 2014 [cited 2017 Sept 28];22(6):918-25. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-1169.0002.2496
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Dessa forma, identifica-se a necessidade de readequação da assistência à saúde prestada, baseada no contexto social em que as famílias estão inseridas, assim como a valorização da subjetividade dos usuários pelos profissionais de saúde.2020. Pinto AGA, Palácio MAV, Lôbo AC, Jorge MSB. Vínculos subjetivos do agente comunitário de saúde no território da estratégia saúde da família. Trabalho, Educ Saúde [Internet]. 2017 [cited 2017 Dec 02];15(3):789-802. Available from: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00071
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Evidencia-se a demanda reprimida cada vez mais frequente no âmbito do SUS, o que favorece o aumento da judicialização da saúde. Segundo estudo realizado entre 1999 e 2009, no estado de Minas Gerais, Brasil, identificou-se que 64,9% dos procedimentos alvos (93,6%) da judicialização eram cobertos pelo SUS, configurando 28,7% os classificados como internações, cirurgias, exames e tratamento fora do domicílio. O percentual total de cobertura por procedimentos não foi passível de aferição, no entanto, considerou-se que o principal objetivo da judicialização tratava-se da garantia do acesso ao atendimento e não necessariamente da realização do procedimento, já que o acesso que era dificultado pela inexistência de vagas e demais fatores relacionados à administração.2121. Gomes FFC, Cherchiglia ML, Machado CD, Santos VC, Acurcio FA, Andrade EIG. Acesso aos procedimentos de media e alta complexidade no Sistema Único de Saúde: uma questão de judicialização. Cad Saúde Pública [Internet]. 2014 [cited 2017 Sept 28];30(1):31-43. Available from: https://doi.org/10.1590/0102-311X00176812
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As necessidades em saúde não são naturais ou homogêneas, diante disso, estão implicadas ao contexto dos produtos de saúde disponíveis no mercado. A satisfação das necessidades encontra-se vinculada às estruturas sociais, fincadas na consubstancialidade e circularidade entre os interesses do mercado e as escolhas estatais.14:30214. Ramos PRB. Direito à saúde, necessidades básicas e dignidade da pessoa humana. Rev Jurídica [Internet]. 2016 [citado 2018 Dec 13];3(44): 275-304. Available from: https://doi.org/10.21902/revistajur.2316-753X.v3i44.1747
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Em um estudo realizado na província de Quebec, Canadá, aponta que todos os participantes reconheceram a limitação dos recursos do sistema de saúde como empecilhos de acesso ao cuidado. Como problema mais significativo, a falta de médicos de família foi considerada como principal determinante da procura das salas de emergência, uma vez que não foram oferecidas consultas nas clínicas de cuidados primários e suas condições não tratadas se agravaram.2222. Loignon C, Hudon C, Goulet É, Boyer S, Laat M, Fournier N, Bush P. Perceived barriers to health care for persons living in poverty in Quebec, Canada: the EQUIhealThY project. Int J Equity Health [Internet]. 2015 [cited 2017 Oct 17];14:4. Available from: https://doi.org/10.1186/s12939-015-0135-5
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Tal constatação permite estabelecer uma relação entre os depoimentos dos participantes neste estudo, visto que muitos procuram a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) decorrente de agudização, de uma condição crônica que não foi acompanhada na APS, ou devido ao acesso restrito na unidade de saúde de sua referência. Os serviços de urgência “têm sido vistos pela população como um local de tratamento, independentemente do tipo de queixa, por ser um atendimento rápido e resolutivo”.23:223. Roncalli AA, Oliveira DN, Silva ICM, Brito RF, Viegas SMF. Protocolo de Manchester e população usuária na classificação de risco: visão do Enfermeiro. Rev Baiana Enferm [Internet]. 2017 [cited 2017 Dec 05];31(2):e16949. Available from: https://doi.org/10.18471/rbe.v31i2.16949
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Frente a isso, os usuários buscam a UPA não somente em situações de urgência ou de emergência, mas também como uma alternativa de preencher as lacunas deixadas pela precariedade da organização da APS.2323. Roncalli AA, Oliveira DN, Silva ICM, Brito RF, Viegas SMF. Protocolo de Manchester e população usuária na classificação de risco: visão do Enfermeiro. Rev Baiana Enferm [Internet]. 2017 [cited 2017 Dec 05];31(2):e16949. Available from: https://doi.org/10.18471/rbe.v31i2.16949
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Destaca-se a falta de acesso aos demais níveis de atenção como prejuízo à resolutividade na assistência à saúde. Essa situação evidenciada compara-se a de outras realidades em que os cuidados de atenção especializada, como a nutrição, são problemáticos, uma vez que os usuários têm que consultar no sistema público de saúde e aguardar um tempo de espera que, segundo eles, é maior que um ano.2424. Sousa FOS, Medeiros KR, Gurgel JGD, Albuquerque PC. From normative aspects to the reality of the Unified Health System: revealing barriers that curtail access to the health care network. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2014 [cited 2017 Oct 17];19(4):1283-93. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232014194.01702013
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As atitudes dos profissionais, participantes deste estudo, em prover acesso universal, integral e equânime ao usuário, nos levam a uma reflexão dos ideais dos princípios doutrinários do SUS. No que se refere ao princípio da universalidade do acesso, é percebível um distanciamento, visto que o acesso, muitas vezes, está associado à DE; possui restrição de horários de atendimento no período matutino e priorização de alguns grupos populacionais para o agendamento de consultas médicas. Esses atributos analisados ferem o direito à atenção integral e equânime.

Já um estudo realizado no município de Recife, Pernambuco, foi identificado que o acesso à APS é como uma porta estreita e sem acolhimento, devido às marcações de consultas médicas serem disputadas entre os usuários. O agendamento era decorrente de uma fila que se formava durante a madrugada. Além disso, não existia acolhimento aos usuários, e aqueles que não conseguiram uma senha para consulta médica eram excluídos ou tinham seu acesso na ESF adiado para, no mínimo, uma semana. Dessa forma, os usuários com maior vulnerabilidade ficavam em desvantagem na disputa pelas senhas, frente aos casos que apresentavam, potencialmente, menores riscos de saúde e, naturalmente, estavam mais aptos para a disputa.2525. Chagas HMA, Vasconcellos MPC. Quando a porta de entrada não resolve: análise das unidades de saúde da família no município de Rio Branco, Acre. Saude Soc [Internet]. 2013 [cited 2017 Sept 28];22(2):377-88. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-12902013000200010
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A disputa de acesso pelos usuários, em detrimento de senhas ou filas, evidencia que o serviço de saúde se estrutura e se organiza para atender às suas próprias necessidades e prioridades, uma vez que estabelece o fluxo de demanda das pessoas conforme o mais adequado para a realização do trabalho dos profissionais. Desse modo, não há uma preocupação com as necessidades dos usuários, pois é determinado um horário de chegada e não o horário para o atendimento. Isso irá refletir na credibilidade e confiança do usuário e, consequentemente, afetará na construção do vínculo entre equipe e usuário, assim como no comprometimento do acolhimento.2626. Pessoa VM, Rigotto RM, Carneiro FF, Teixeira ACA. Sentidos e métodos de territorialização na atenção primária à saúde. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [cited 2017 Sept 28];18(8):2253-62. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000800009
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Outro aspecto evidenciado por este estudo foi a quantidade insuficiente de ACS, influenciando na organização das ações na ESF, pois o desconhecimento das características de uma população gera ações incipientes e ineficazes devido à sua prática não ser direcionada pelos determinantes e condicionantes da população adstrita. Os “recursos humanos na APS são elemento essencial para as Redes de Atenção à Saúde (RAS), pois os profissionais devem estar capacitados para atuar como protagonistas nos sistemas de governança em prol da comunidade”.27:2627. Gonçalves CR, Cruz MT, Oliveira MP, Morias AJD, Moreira KS, Rodrigues CAQ, Leite MTS. Recursos humanos: fator crítico para as redes de atenção à saúde. Saúde Debate [Internet]. 2014 [cited 2017 Sept 28];38(100):26-34. Available from: https://doi.org/10.5935/0103-104.20140012
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A equidade como princípio do SUS compara-se ao conceito de justiça. O atendimento voltado às disponibilidades da equipe e não às reais necessidades dos usuários leva ao comprometimento da equidade. Um programa de pesquisa canadense-australiano, realizado em um período de cinco anos, identificou que, para melhorar o acesso, é necessário alcançar a equidade em saúde, mesmo que isso seja desafiador. As intervenções que buscam a equidade de acesso podem se expandir quando consideram os determinantes sociais e de saúde, as necessidades específicas dos indivíduos e das populações, bem como a disponibilidade de recursos disponíveis frente aos multiníveis e às abordagens multissetoriais.2828. Richard L, Furler J, Densley K, Haggerty J, Russell G, Levesque JF, Gunn J. Equity of access to primary health care for vulnerable populations: the IMPACT international online survey of in novations. Int J Equity Health [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 17];15:64. Available from: https://doi.org/10.1186/s12939-016-0351-7
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A ESF é essencial para que o princípio da equidade seja alcançado em sua totalidade. Para que a oferta de serviços alcance todos os indivíduos, classificando-os pelas desigualdades, isto é, os que mais necessitam de cuidados, devem receber a prioridade. Considera-se também fundamental uma eficiente execução do trabalho das equipes de saúde.2929. Andrade MV, Noronha K, Barbosa ACQ, Rocha TAH, Silva NC, Calazans JA, Souza MN, Carvalho LR, Souza A. A equidade na cobertura da Estratégia Saúde da Família em Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública [Internet]. 2015 [cited 2017 Oct 17]; 31(6):1175-87. Available from: https://doi.org/10.1590/0102-311X00130414
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A expansão da ESF no Brasil tem favorecido a equidade e a universalidade da assistência, uma vez que as equipes são implantadas, prioritariamente, em comunidades que antes tinham acesso restrito aos serviços de saúde. Entretanto, “não se pode admitir somente pelas estatísticas da expansão do número de equipes que a integralidade das ações deixou de ser um problema no cotidiano da assistência”.30:23930. Viegas SMF, Penna CMM. Integrality: life principle and right to health. Invest educ Enferm [Internet]. 2015 [cited 2017 Sept 28];33(2):237-47. Available from: https://doi.org/10.17533/udea.iee.v33n2a06
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As noções de demanda aqui apresentadas nos remetem à reflexão sobre as experiências vividas pelos participantes das pesquisas, e indicam que compreender o outro, considerando os significados que esse outro atribui às suas experiências e às suas relações, pode nortear novos caminhos para o conhecimento sobre demanda e para a prática profissional. Nesse aspecto, a teorização da demanda na ESF permitiu a descoberta de sentidos e de sentimentos dos profissionais e usuários frente à inacessibilidade em saúde e de novas perspectivas de acesso frente às demandas de saúde.

A interação simbólica permite a interpretação e a definição do processo de interação entre as pessoas e de como isso pode ser modificado, dependendo da adaptação que ocorre nas ações dos atores envolvidos. Dessa forma, o que cada um dos atores faz depende, em parte, do que os outros fazem, em uma interação que gera o que fazemos coletivamente e o que fundamenta as premissas do IS.1111. Blumer H. Symbolic Interactionism: Perspective and Method. Englewood Cliffs (US): Prentice-Hall; 1969.

A partir dessas percepções, tornou-se possível compreender a dimensão e o impacto das demandas em saúde, como elas são compreendidas pelos usuários e como são organizadas pelos profissionais no cotidiano dos serviços de saúde. A Teoria da Demanda na Estratégia Saúde da Família permite explicitar a dinâmica da assistência à saúde, construída, cotidianamente, mediante a vivência e as suas relações.

Não obstante, sabe-se que um estudo com base na TFD não visa ser conclusivo, mas está aberto a novas reformulações a partir de estudos3131. Gabatz RIB, Schwartz E, Milbrath VM, Zillmer JGV, Neves ET. Attachment theory, symbolic interactionism and grounded theory: articulating reference frameworks for research. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 Dec 12];26(4):e1940017. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072017001940017
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que venham a enfatizar esta temática. Apresenta-se a indicação de pesquisas com este método.

Como limitações da pesquisa, considera-se a ausência da participação dos gerentes dos setores sanitários do município devido à rotatividade e não contemplarem o critério de inclusão deste estudo. Dentre as contribuições, propõe-se a replicação da teorização da Demanda na Estratégia Saúde da Família em outras realidades.

CONCLUSÃO

Este estudo desvelou que as intervenções voltadas às necessidades de saúde demandadas, espontaneamente, estão relacionadas à atenção ao adoecimento. Devido a isso, ações importantes consideradas como elementos essenciais para a mudança do modelo biomédico não são contempladas, satisfatoriamente, pelas equipes de Saúde da Família.

As noções de DE foram associadas aos atendimentos diários, sem agendamento prévio, com restrição de horários e como meio de acesso ao serviço de saúde. A DP foi declarada, principalmente, no agendamento de consultas médicas, que são caracterizadas pela priorização de alguns grupos populacionais, o que influencia, negativamente, no acesso pelas populações não priorizadas e perpetua a ação centrada no médico.

Como destaque, evidenciou-se a demanda reprimida cada vez mais frequente no cotidiano dos serviços de saúde. Identificou-se que essa demanda está associada à falta de acesso e de resolutividade e que é a principal causa do aumento da judicialização da saúde, pois esta é vista como instrumento de acesso a determinados serviços e procedimentos que foram reprimidos.

A atuação das equipes de Saúde da Família não contempla as reais necessidades da população e foi associada à falta de planejamento, a quantidade insuficiente de profissionais, em especial o ACS, à falta de equidade na assistência, à assistência que não está intimamente relacionada às intervenções sobre os determinantes e aos condicionantes do processo saúde-doença, sobretudo no atendimento ao adoecimento.

O presente estudo possui subsídios para os profissionais de saúde, usuários e gestores traçarem estratégias de enfrentamento à demanda espontânea e reprimida, de forma a organizar, efetivamente, a DP e ampliar o acesso às ações integrais e equânimes no contexto da ESF de forma participativa.

As demandas em saúde se configuram em um espaço de falta de acesso e acessibilidade, denotando o principal problema vivenciado pelos usuários e profissionais da ESF: “a falta”. O acesso se apresenta limitado pela restrição de horários de atendimento, pela quantidade de consultas estipuladas, diariamente, e pelas cotas mínimas para exames. A acessibilidade é concebida como “esperança” em tempo exorbitante para garantir o acesso ao serviço necessário, ou é significada como repressão do direito à saúde.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído de Trabalho de Conclusão de Residência - Demanda espontânea e programática na Estratégia Saúde da Família: a Teoria Fundamentada nos Dados, apresentada ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu Residência em Enfermagem na Atenção Básica/Saúde da Família, da Universidade Federal de São João del-Rei, Campus Centro-Oeste, em 2018.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São João del-Rei, Campus Centro-Oeste, sob o Parecer nº 1.686.000, CAAE:58465316.1.0000.5545.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2018
  • Aceito
    01 Mar 2019
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