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VIVÊNCIA DA REVELAÇÃO DO DIAGNÓSTICO PARA O ADOLESCENTE QUE TEM HIV1 1 Estudo extraído da dissertação - Ser-adolescente-que-vivenciou-a-revelação-do-diagnóstico-de-soropositividade-ao-HIV/aids: contribuições para o cuidado de enfermagem e saúde, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), financiado pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), em 2013.

RESUMO

Estudo fenomenológico com o objetivo de compreender o movimento existencial do adolescente no vivido da revelação do diagnóstico do vírus da imunodeficiência humana. A pesquisa de campo ocorreu em um hospital universitário do Sul do Brasil, com entrevista fenomenológica com 12 adolescentes. A análise foi realizada com base no referencial de Martin Heidegger. Os resultados apontaram que o adolescente mostrou que tem regras e limites por ter algo que os outros não têm e aceita tomar o remédio. Mantem-se ocupado com o tratamento devido à solicitude dominadora dos familiares. Com o tempo, aprende a se cuidar. Ao compreender os motivos do tratamento, a partir da solicitude libertadora dos familiares e/ou dos profissionais de saúde, preocupa-se em se cuidar. As ações profissionais precisam contemplar a dimensão biológica e subjetiva, com o intuito de ir além da prescrição, para comprometer o adolescente com o cuidado de si.

DESCRITORES:
Enfermagem; Revelação da verdade; Saúde do adolescente; Síndrome da imunodeficiência adquirida; HIV.

ABSTRACT

Phenomenological study with the objective of understanding the existential movement of teenagers in their experience of the disclosure of the human immunodeficiency virus diagnosis. The field research was undertaken at a university hospital in the South of Brazil, including phenomenological interviews with 12 teenagers. The analysis was based on Martin Heidegger's reference framework. The results appointed that the teenagers showed they have rules and limits for having something that the others do not have and accept taking their medication. They keep busy with their treatment due to family members' dominant solicitude. Over time, they learn to take care of themselves. By understanding the reasons for the treatment, based on the liberating request of their relatives and/or health professionals, they are concerned with taking care of themselves. Professional actions need to contemplate the biological and subjective dimension, with a view to going beyond the prescription, in order to commit the teenagers to their care.

DESCRIPTORS:
Nursing; Truth disclosure; Adolescent health; Acquired immunodeficiency syndrome; HIV.

RESUMEN

Estudio fenomenológico que objetivó comprender el movimiento existencial del adolescente con relación a la revelación del diagnóstico del Virus de Inmunodeficiencia Humana. La investigación de campo se dio en un hospital universitario en el sur de Brasil, con entrevistas fenomenológicas con 12 adolescentes. El análisis fue realizado con base en el referencial de Martin Heidegger. Los resultados mostraron que el adolescente cuenta con normas y límites por el hecho de tener algo que los demás no tienen, complementariamente él se compromete a tomar el medicamento. Él se mantiene ocupado con el tratamiento por causa de la solicitud dominante de los miembros de la familia. Con el tiempo, él aprende a cuidarse. Al comprender los motivos del tratamiento, a partir de la solicitud liberadora de los miembros de los familiares y/o de los profesionales de la salud, se preocupa en cuidarse. Las acciones profesionales necesitan contemplar la dimensión biológica y subjetiva, con el propósito de ir más allá de la prescripción para comprometer al adolescente con el cuidado de sí mismo.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Revelación de la verdad; Salud del adolescente; Síndrome de inmunodeficiencia adquirida; VIH.

INTRODUÇÃO

Os adolescentes que têm o vírus da imunodeficiência humana (HIV) podem compor dois grupos, segundo a categoria de exposição: àqueles que se infectaram por transmissão vertical (de mãe para o filho); e aqueles que se infectaram pela via horizontal (exposição às drogas injetáveis e relações sexuais sem proteção).11. Ministério da Saúde (BR), Programa Nacional de DST e Aids. Boletim Epidemiológico Aids/DST. [Internet] Brasília; 2013. [cited 2014 Oct 01]. Available from: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2013/55559/_p_boletim_2013_internet_pdf_p__51315.pdf
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-22. Souza BB, Vasconcelos CC, Tenório DM, Lucena MGA, Holanda RLT. A Política de AIDS no Brasil: uma abordagem histórica. J Manag Prim Health Care [Internet]. 2010 [cited 2014 set 30]; 1(1):23-6. Available from: http://www.jmphc.com/ojs/index.php/01/article/view/5/6
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No entanto, independentemente de quais sejam as vias, em ambas, o adolescente possui necessidade especial de saúde, principalmente no que se refere à adesão da tecnologia medicamentosa. Essa necessidade resulta em demandas de cuidado específicas, que implicam acompanhamento permanente nos serviços de saúde.33. Paula CC, Padoin SMM. Cuidado de enfermagem ao adolescente com HIV/AIDS. Programa de Atualização em Enfermagem (PROENF). Saúde da Criança e do Adolescente. 2013; 7(4):9-49. Embora prevaleçam questões biomédicas no cotidiano assistencial, ainda enfrentam desafios na esfera psicossocial, tais como a adesão ao tratamento, o preconceito nas relações sociais e a revelação do diagnóstico.44. Ayres JRCM, Paiva V, França I, Gravato N, Lacerda R, Negra MD, Marques HH, Galano E, Lecussan P, Segurado AC, Silva MH. Vulnerability, human rights, and comprehensive health care needs of young people living with HIV/AIDS. Am J Public Health 2006; 96(6):1001-6.

A American Academy of Pediatrics recomenda que as crianças e os adolescentes tenham o direito de saber sobre o seu diagnóstico.55. American Academy of Pediatrics Committee on Pediatrics AIDS. Disclosure of illness status to children and adolescents with HIV infection. Pediatrics. 1999; 103(1):164-6. No entanto, os familiares e/ou cuidadores tendem a postergar esse momento, pois se culpabilizam quanto à transmissão vertical, apresentam receio diante da morte dos familiares com HIV e do preconceito.66. Butler AM, Williams PL, Howland LC, Storm D, Hutton N, Seage GR. Impact of disclosure of HIV infection on health-related quality of life among children and adolescents with HIV infection. Pediatrics [Internet]. 2009 [cited 2012 Nov 5]; 123(3):[11telas]. Available from: http://pediatrics.aappublications.org/content/123/3/935.full.pdf+html
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Estudos indicam que tal revelação deve ser realizada precocemente, sendo a idade média a partir dos nove anos de idade.77. Madiba S, Mokwena K. Profile and HIV diagnosis disclosure status of children enrolled in a pediatric antiretroviral program in Gauteng Province, South Africa. J Trop Med Public Health. 2013; 44(6):1010-20.-88. Abebe W, Teferra S. Disclosure of diagnosis by parents and caregivers to children infected with HIV: prevalence associated factors and perceived barriers in Addis Ababa, Ethiopia. AIDS Care. 2012; 24(9):1097-102. Entretanto, outros estudos apontam que a revelação do diagnóstico acontece na adolescência, com idade média de treze anos.99. Mawn BE. The changing horizons of U.S. families living with pediatric HIV. West J Nurs Res. 2012; 34(2):213-29.-1010. Brown BJ, Oladokun RE, Osinusi K, Ochigbo S, Adewole IF, Kanki P. Disclosure of HIV status to infected children in a Nigerian HIV Care Programme. AIDS Care. 2011; 23(9):1053-8.

A revelação possibilita a descoberta ou a confirmação do diagnóstico pelos adolescentes que viviam, até então, sob o pacto do silêncio.1111. Ribeiro AC, Padoin SMM, Paula CC, Terra MG. The daily living of adolescents with HIV/AIDS: impersonality and tendency to fear. Texto Contexto Enferm [internet]. 2013 [cited 2015 Apr 21]; 22(3):[7 telas]. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n3/v22n3a14.pdf
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-1212. Guerra CPP, Seidl EMF. Crianças e adolescentes com HIV/Aids: revisão de estudos sobre revelação do diagnóstico, adesão e estigma. Paideia. 2009; 19(42):59-65. O segredo repercute no cotidiano, no ingresso na escola, no início da vida sexual, na adesão ao tratamento, especialmente no desenvolvimento da autonomia de cuidado. Revelar o diagnóstico envolve não apenas os familiares e/ou cuidadores, mas aqueles que integram o cotidiano assistencial, como os profissionais da saúde.1313. Domek GJ. Debunking common barriers to pediatric HIV disclosure. J Trop Pediatr. 2010; 56(6):440-2.-1414. Paula CC, Cabral IE, Souza IEO. O (não) dito da AIDS no cotidiano de transição da infância para adolescência. Rev Bras Enferm. 2011; 64(4):658-64.

Assim, tem-se como objetivo compreender o movimento existencial do adolescente diante do vivido da revelação do diagnóstico de HIV.

Diante desse cenário, destaca-se a relevância da utilização da fenomenologia heideggeriana, uma vez que, os demais estudos88. Abebe W, Teferra S. Disclosure of diagnosis by parents and caregivers to children infected with HIV: prevalence associated factors and perceived barriers in Addis Ababa, Ethiopia. AIDS Care. 2012; 24(9):1097-102.

9. Mawn BE. The changing horizons of U.S. families living with pediatric HIV. West J Nurs Res. 2012; 34(2):213-29.
-1010. Brown BJ, Oladokun RE, Osinusi K, Ochigbo S, Adewole IF, Kanki P. Disclosure of HIV status to infected children in a Nigerian HIV Care Programme. AIDS Care. 2011; 23(9):1053-8.,1212. Guerra CPP, Seidl EMF. Crianças e adolescentes com HIV/Aids: revisão de estudos sobre revelação do diagnóstico, adesão e estigma. Paideia. 2009; 19(42):59-65.-1313. Domek GJ. Debunking common barriers to pediatric HIV disclosure. J Trop Pediatr. 2010; 56(6):440-2. têm apontado para uma dimensão biológica da revelação do diagnóstico. Tal referencial oportuniza vislumbrar a dimensão da singularidade e da subjetividade das vivências do adolescente no cotidiano permeado pelo HIV.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa, fenomenológica, consolidada a partir do referencial teórico-metodológico de Martin Heidegger.1515. Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis (RJ): Vozes; 2009. Participaram 12 adolescentes que atenderam aos critérios de inclusão: a) faixa etária de 13 a 19 anos, 11 meses e 29 dias;11. Ministério da Saúde (BR), Programa Nacional de DST e Aids. Boletim Epidemiológico Aids/DST. [Internet] Brasília; 2013. [cited 2014 Oct 01]. Available from: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2013/55559/_p_boletim_2013_internet_pdf_p__51315.pdf
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b) acompanhamento ambulatorial no serviço de doenças infecciosas do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), Rio Grande do Sul, Brasil; c) conhecer o diagnóstico. E aos critérios de exclusão: a) limitação que dificultasse a expressão verbal; b) institucionalização (adolescente que estivesse em situação prisional). O número de sujeitos não foi deliberado previamente, visto que a etapa de campo, realizada concomitante a etapa de análise, mostrou o momento de findar, quando os significados expressos nas entrevistas já haviam respondido ao objetivo da pesquisa.1616. Boemer MR. A condução de estudos segundo a metodologia de investigação fenomenológica. Rev Latino-am Enfermagem. 1994; 2(1):83-94.-1717. Paula CC, Cabral IE, Souza IEO, Padoin SMM. Movimento analítico hermenêutico heideggeriano: possibilidade metodológica para a pesquisa em enfermagem. Acta Paul. Enferm [Internet]. 2012 [citedem 2013 Ago 22]; 25(6):984-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v25n6/v25n6a25.pdf.
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Para tanto, as etapas de campo e de análise foram desenvolvidas simultaneamente.

A produção dos dados foi desenvolvida de novembro de 2011 a fevereiro de 2012, após aprovação pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Maria, sob o número CAAE 0321.0.243.000-11. Os preceitos éticos da Resolução n° 196/1996, foram respeitados, os quais se encontravam vigentes no momento da pesquisa. Os familiares e/ou cuidadores dos adolescentes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); 11 adolescentes firmaram sua participação pelo Termo de Assentimento Livre e Esclarecido e um adolescente assinou o TCLE.

A etapa de campo foi composta de dois momentos: a entrevista fenomenológica e coleta em prontuário para compor a historiografia.1818. Carvalho AS. Metodologia da entrevista: uma abordagem fenomenológica. Rio de Janeiro (RJ): Agir; 1987.-1919. Paula CC, Padoin SMM, Terra MG, Souza IEO, Cabral IE. Modos de condução da entrevista em pesquisa fenomenológica: relato de experiência. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2014 [cited 2014 Oct 04]; 67(3):468-72. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v67n3/0034-7167-reben-67-03-0468.pdf
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A entrevista fenomenológica consiste em um movimento de compreensão do vivido do ser humano, tal como se manifesta em seu cotidiano. Diante disso, fez-se oportuno suspender o entendimento factual daquilo que já se conhecia sobre os fatos, para se lançar no caminho da compreensão existencial do adolescente. A entrevista foi mediada pela empatia e pela intersubjetividade, estabelecidas entre o adolescente e o pesquisador, a partir da redução de pressupostos. Foi realizada a seguinte questão orientadora: como foi para você saber do seu diagnóstico? Quanto à nomeação da condição sorológica do adolescente, respeitou-se a maneira como ele mencionou ou silenciou sobre a sua doença, a qual foi referenciada como isso, coisa, essa doença e vírus.

Foi necessário atentar para os modos de discurso manifestos pelo adolescente, como: os gestos, as pausas, os silêncios, os olhares, entre outros. Esse movimento permitiu apreender o dito e o não dito, determinando um respeito pelo tempo e espaço do adolescente. Com isso, foi possível realizar as adequações na condução da entrevista relevantes para dar continuidade aos encontros.

Para compreender e aprofundar os significados expressos no discurso do adolescente, o qual é permeado de gírias, foi necessário formular questões empáticas a partir das palavras expressas pelos próprios adolescentes.

Os discursos foram audiogravados e transcritos imediatamente após cada entrevista, em conformidade com a fala original do adolescente. As entrevistas foram codificadas com a letra A de adolescente, sucedida dos algarismos arábicos de 1 a 12.

Para coletar informações nos prontuários, utilizou-se um roteiro que contemplou os seguintes itens: sexo; idade; categoria de exposição ao HIV; tratamento antirretroviral; constituição familiar; vivência em casa de apoio; quando soube do diagnóstico, quem revelou. A partir de tais informações, foi plausível desenvolver a historiografia do adolescente, a qual tem o intuito de apresentar a historicidade, ou seja, o quem, do adolescente que tem HIV/aids.

A análise foi desenvolvida a partir dos dois momentos metódicos pautados no referencial heideggeriano:1515. Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis (RJ): Vozes; 2009. análise compreensiva e análise interpretativa. A análise compreensiva, também denominada compreensão vaga e mediana, visa a compreender os significados que os sujeitos atribuem às suas vivências focadas no objeto da pesquisa. Para isso, realizou-se escuta e leituras atentas dos depoimentos dos adolescentes, com o objetivo de destacar as estruturas essenciais. Não se utilizou de categorizações impostas pelo conhecimento prévio, o que exigiu a redução de pressupostos da pesquisadora. Essas estruturas compuseram um quadro de análise e, posteriormente, puderam ser estabelecidas as unidades de significação.

A compreensão interpretativa, também denominada de hermenêutica, foi delineada a partir das unidades de significação. Desvelaram os sentidos, que foram interpretados à luz do referencial de Martin Heidegger.1515. Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis (RJ): Vozes; 2009.

Após a análise compreensiva, a qual se destina a discorrer a dimensão ôntica do adolescente (sobre os fatos, ou seja, sobre o que está posto e, por isso, remete-se ao sujeito da pesquisa como "adolescente"), tem-se o segundo momento heideggeriano. Estes, também denominado de compreensão interpretativa, ocorre por meio do desvelamento dos sentidos do ser, o adolescente passa a ser denominado de ser-adolescente. Esse segundo momento tem o intuito de apresentar a dimensão ontológica do ser (a qual se caracteriza por aquilo que estava velado e que, a partir da análise, acaba sendo elucidado pelos sentidos expressos no referido referencial). Assim, com base nos dois momentos metódicos, da análise da dimensão ôntica e da análise da dimensão ontológica, é que se define o movimento existencial heideggeriano, o qual se encontra centrado nos discursos dos sujeitos. Neste estudo, perpassou do adolescente (ôntico, demarcado pelo fato posto) ao ser-adolescente (onlógico, demarcado pelos sentidos).

Diante disso, é oportuno salientar que o intuito da dimensão ontológica é compreender o sentido do ser, sem se (pre)ocupar com ideias, concepções, opiniões, advindas do conhecimento científico. Mas, tal dimensão tem a pretensão de discutir os sentidos pela compreensão que o próprio ser define como verdade, que neste estudo, está ancorado nos pressupostos do autor de referência teórica.

RESULTADOS

A análise compreensiva constituiu as seguintes unidades de significação: ser-adolescente que vivenciou a revelação do diagnóstico de HIV positivo significa: 1) ter regras e limites por ter algo que os outros não têm; e 2) aceitar tomar o remédio e, com o tempo, se acostumar e aprender a se cuidar.

Os adolescentes sabem que precisam seguir regras de como fazer o tratamento, tomar os remédios, não faltar às consultas, realizar exames e conversar com os profissionais de saúde, pois, quando adoecem, têm que se internar no hospital. Entendem que não podem se vacinar e como devem agir caso se machuquem. Além disso, têm que estudar.

Anunciam que têm limites. Sabem que têm a imunidade baixa e podem ficar doentes. Quando dormem fora de casa, têm que levar o remédio, o que consideram ruim, pois os colegas não o fazem. Querem utilizar o computador até mais tarde e ir às festas, mas não podem devido ao horário do remédio. Não podem ingerir bebida alcoólica, pois pode interferir no efeito dos remédios. Manifestam vontade de ter relação sexual, namorada(o) e filhos, mas têm dúvidas se poderão. Não queriam compromisso e limites. Gostariam de ser como os outros adolescentes que não têm a doença.

Eu aceito tomar os medicamentos, vir aqui [no hospital] quase todos os meses, fazer os exames, não poder me cortar, tenho que higienizar, limpar, não posso deixar ninguém tocar no meu sangue (A2).

[...] a gente quer sair, mas não pode [...]. Mudou! [...] ficava na rua, não tinha que chegar na hora para tomar o remédio. [...] não posso beber, não posso fazer nada, tem que cuidar o horário. Bebia antes de saber do diagnóstico (A3).

Porque tem os limites também. [...] tem regra para tudo, não pode ir à festa, não pode tomar bebida alcoólica [...]. Tenho que levantar tomar o remédio [...] às vezes saio e tenho que cuidar o horário [...] fico no computador. [...] sempre tive que tomar os remédios (A4).

[...] tinha que fazer tratamento, não podia faltar nenhuma consulta [...] Qualquer coisinha que a gente pega a gente tem que ir para o hospital, ficar internada, médico toda hora e injeção, aí fica difícil [silêncio]. [...] eu vou na médica ver como é que tá, vou fazer exame, vou ver se está indo normal, se não está, continuo até curar [...]. Sei lá, daí tinha que aceitar assim tudo organizado [...] sair de noite, tem que voltar sempre cedo. Daí para o outro dia tomar o remédio no horário certo (A5).

Já sei do tratamento que tenho que fazer. Tenho que fazer tudo direitinho para tentar levar uma vida normal. Sem estar no hospital. Não posso tomar as vacinas [...] (A6).

Eu queria ter filho. Por enquanto eu não posso ter filho. Por causa da doença (A7).

[...] ainda nada [mexe com a mão e faz o gesto do ato sexual] só namorando [porque tem a doença] [...] (A8).

[...] tu sai com o pessoal e tal hora tem que tomar o remédio, daí tu já fica com aquela desconfiança de perder o horário [...] tem que ter compromisso, saber que tem limites para as coisas (A10).

[...] no caso se eu for dormir na casa de uma amiga, tem que levar o remédio. E isso é ruim, sendo que se elas vão lá em casa não precisam levar nada (A11).

Os adolescentes referem não gostar de tomar os remédios, mesmo que seja dado pelo familiar. Por vezes, escondem deste que não tomam, inclusive porque sentem náusea e tontura. É quando a família e/ou os profissionais de saúde explicam que ingerir os remédios melhorará sua saúde, sentem necessidade em aderir aos remédios. Sabem que fazer o tratamento depende de si mesmos. Relatam que já se acostumaram, pois precisam tomar sempre. Conhecem situações em que outros não aceitaram o tratamento, adoeceram e, por vezes, morreram.

[A mãe] explicava que era pra minha saúde, [...] era para eu tomar direitinho que iria acontecer tudo bem [...] eu não gostava de tomar, me dava ânsia de vômito, tontura [...] eu fiquei internada, aí comecei a tomar (A1).

[...] É porque ela [a irmã] não se cuidava, ela não aceitava o que os médicos davam para ela [a irmã morreu da mesma doença] (A5).

[...] eu tomo os remédio, me trato. [...] [o médico dizia] que eu tinha que fazer o tratamento direito, que ia depender de mim (A6).

[...] de manhã cedo é a minha irmã que me dá [o remédio] (A7).

Às vezes eu tomo normal, sabe? [remédio] Sem reclamar, me sinto até bem, mas só quando eu estou com vontade [...] porque só sei que a mãe me dava remédio, daí antes ela me dava e eu colocava na boca e tudo, e ia para o quarto e cuspia tudo pela janela (A11).

Os adolescentes anunciam que ficaram assustados com o diagnóstico e com o tratamento; depois que se habituaram, entenderam que seria melhor para sua saúde. Diante disso, tiveram que ingerir os medicamentos, a saúde melhorou e conseguiram se cuidar. Sabem que têm que usar preservativo nas relações sexuais para se proteger, pois podem adoecer ao se infectarem com outras doenças sexualmente transmissíveis e, até mesmo, transmitirem o vírus para outras pessoas.

[...] foi bom [tomar os remédios] porque a minha saúde melhorou [...]. Eu fiquei assustada, mas tive que entender que era para minha saúde, para o meu bem [...] não gosto ainda, mas estou tomando [...] (A1).

[...] após a revelação dessa doença, consegui me cuidar, tomar os medicamentos (A2).

Quando me falaram do diagnóstico foi quando tive que fazer o tratamento (A3).

Se a gente não tratar pode ser que não cure, se não tomar [os remédios] pode ser que não faça efeito para melhorar (A4).

[...] agora me acostumei ter que usar camisinha [...] se proteger (A7).

[...] não se morre mais disso, se tomar o remédio vai ser tudo bem. Daí eu comecei a vim no médico e a me tratar [silêncio] (A8).

[...] eu não achava uma coisa ruim tomar o remédio, porque eu sabia que ia me ajudar a melhorar, ia ajudar a minha imunidade, ia me ajudar a ficar bem (A12).

DISCUSSÃO

O ser-adolescente que possui regras, limites e compromissos por ter essa doença, e quanto a isso, não tem escolhas, o que está determinado pela facticidade de ter uma doença que ainda não tem cura e de precisar de tratamento contínuo e permanente. Assim, revela o caráter de estar lançado a um acontecimento que lhe confere a condição de permanecer em dada situação por não ter escolha. Encontra-se lançado naquilo que está determinado e do qual não se pode evitar,1515. Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis (RJ): Vozes; 2009. ou seja, ter HIV e fazer tratamento.

O ser-adolescente encontra-se lançado no mundo, uma vez que não lhe é possível decidir ter ou não HIV. Não tem escolha quanto à infecção, desde o seu nascimento, nem tampouco quanto ao diagnóstico, já estabelecido devido à relação sexual desprotegida.

A partir da facticidade, o ser-adolescente se manteve preso àquilo que os familiares e/ou os profissionais de saúde diziam para fazer: tomar os remédios, cumprir com os horários, ir ao hospital, fazer o tratamento e os exames. Assim, o ser-adolescente mostra-se ocupado em seu cotidiano, envolvido com aquilo que tem que ser desempenhado. A ocupação é o modo de ser que designa o cumprimento de algo.1515. Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis (RJ): Vozes; 2009.

As ocupações cotidianas de nossos hábitos são conhecidas para os adolescentes, que repetem sempre as mesmas coisas. As regras e os limites que lhes são impostos determinam aquilo que tem que ser feito e os mantêm ocupados. Portanto, o seu ser diante do mundo é essencialmente ocupação.1515. Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis (RJ): Vozes; 2009.

Dessa forma, cumpre o dito ou prescrito, faz porque os outros dizem que assim deve ser e não porque compreendem e decidem agir de tal modo, o que revela que se manteve preso à solicitude substitutiva dominadora. Os familiares e/ou profissionais de saúde, ao se colocarem na posição do ser-adolescente a fim de cuidá-lo, tomam a frente do que deve ser feito, sem permitir a ele alternativas e decisões quanto ao seu cuidado. Essa solicitude refere-se a quando se salta sobre o outro, se toma conta do outro e se coloca na posição de cuidar do outro.2020. Heidegger M. Todos nós... Ninguém: um enfoque fenomenológico social. São Paulo (SP): Moraes; 1982. Diante disso, o ser-adolescente pode se tornar alguém que é dominado e dependente, mesmo que de modo implícito ou oculto.

No entanto, no vivido da revelação do diagnóstico de HIV, o ser-adolescente estabelece uma relação com o familiar e, por vezes, com o profissional de saúde. Nessa relação, mostrou-se assustado e, com apoio, acostumou-se com os limites e as regras e aprendeu a se cuidar. Esse vivido acontece a partir do Ser-com-outro e Ser-consigo.

O ser-com demonstra a natureza relacional do humano, uma vez que o mundo é sempre algo compartilhado com os outros e o viver é sempre convivência.1515. Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis (RJ): Vozes; 2009. Cotidianamente, o ser assume uma atitude de relação que implica na maneira como se posiciona diante do mundo e dos outros.

A partir da relação estabelecida entre familiares e/ou profissionais da saúde com o ser-adolescente, foram explicados os motivos pelos quais precisa tomar os medicamentos. Essa relação possibilitou um movimento existencial em que, incialmente, o ser-adolescente cumpre com aquilo que é determinado pelos outros e, posteriormente, compreende os motivos de se cuidar.

Assim, quando somente cumpriam o que lhes era determinado, mantiveram-se na solicitude substitutiva dominadora; enquanto que a relação (ser-com) incidiu na solicitude antecipadora libertadora, a qual pertence ao autêntico cuidar, isto é, ao invés de saltar sobre o outro, salva-o a fim de torná-lo transparente a si mesmo e livre, inclusive, para cuidar de si.2020. Heidegger M. Todos nós... Ninguém: um enfoque fenomenológico social. São Paulo (SP): Moraes; 1982.

Essa solicitude permite o ser-adolescente preocupar-se com sua saúde, quando ele compreende que os remédios são para a sua saúde. A preocupação permite a relação com as pessoas, ao promover um movimento em direção a tornar-se livre e aberto às suas possibilidades.1515. Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis (RJ): Vozes; 2009. Assim, o ser-adolescente volta-se para si e se compreende como um ser de possibilidades para se cuidar, ao conceber que fazer o tratamento depende dele e que se sente bem ao fazê-lo.

Nesse movimento existencial da ocupação para a preocupação, o ser-adolescente se desvela no ser-com os familiares e ser-com os profissionais da saúde que, ao desenvolverem um cuidado libertador, possibilitam-lhe vivenciar seu cotidiano como um ser de possibilidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da facticidade de ter HIV, o ser-adolescente se mostrou ocupado com ter que manter o tratamento. Por meio da solicitude dominadora dos familiares, mantinha este tratamento porque lhe davam os medicamentos. A partir da solicitude libertadora, quando os familiares e/ou profissionais de saúde explicavam que o tratamento é para a sua saúde, preocupa-se em se cuidar.

Esta facticidade determinou a adesão ao tratamento antirretroviral em seu cotidiano. Para tanto, torna-se imprescindível um cuidado solícito aos adolescentes e sua família, a partir de uma relação dialógica que lhe possibilite compreender-se como corresponsável de seu cuidado. Esta relação possibilita um movimento existencial de ser cuidado-por outros para um cuidado-com, o qual propicie autonomia para o cuidado de si, comprometendo-se com as demandas do tratamento: medicamentos, consultas e exames.

Os familiares e os profissionais da saúde, em especial, o profissional enfermeiro, precisam respeitar o tempo, o espaço, os limites e as possibilidades de cada ser-adolescente no decorrer de seu movimento de revelação do diagnóstico. Indica-se o acompanhamento antes, durante e após a revelação propriamente dita.

As ações do enfermeiro precisam estar voltadas tanto para a dimensão biológica quanto para a dimensão existencial da atenção à saúde a fim de oportunizar apoio no movimento da ocupação para a preocupação, estimulando o ser-adolescente a se reconhecer como corresponsável no cuidado.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2015
  • Aceito
    11 Set 2015
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