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O porto, a alfândega da Colônia do Sacramento e sua relação com o Rio de Janeiro, 1680-1750

The port, the customs of Colônia do Sacramento and its relationship with Rio de Janeiro, 1680-1750

Resumo:

Na primeira metade do século XVIII, os maiores portos de entrada do Brasil eram Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São Luís e Santos. Este artigo tem como objetivo analisar o porto, a alfândega da Colônia do Sacramento e sua relação com o Rio de Janeiro, considerando suas classificações como “colaterais” e “principais”. Como metodologia, tratou-se do conhecimento e das experiências utilizadas por homens de negócio, arrematantes do contrato da dízima em torno do comércio costeiro no Atlântico Sul; analisou-se, também, provisões, cartas e requerimentos de diversos agentes da administração e do comércio, documentos localizados no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa. Foi possível concluir que, apesar da historiografia abordar os temas portos e alfândegas como um bloco único, há diferenças entre a Colônia e a praça carioca.

Palavras-chave:
Portos; Alfândegas; Tributos

Abstract:

In the first half of the 18th century, the major ports of entry in Brazil were Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São Luís and Santos. This article aims to analyze the port and customs of Colônia do Sacramento and its relationship with Rio de Janeiro, considering its classifications as “collateral” and “main”. In this sense, as methodology, it was about the knowledge and experiences used by businessmen who were winners of the tithing contract around the coastal commerce in the South Atlantic; it was also analyzed provisions, letters and requirements of several administration and commerce agents, documents that were located in the Arquivo Histórico Ultramarino, at Lisbon. It can be concluded that although historiography approaches ports and customs as a single block, there are differences between the Colony and the city of Rio de Janeiro.

Keywords:
Ports; Customs; Taxes

As cidades portuárias desempenharam um importante papel na consolidação do poder luso na América, uma vez que eram lugares onde estavam sediadas as alfândegas, instituições responsáveis pelo recolhimento de tributos indispensáveis para o funcionamento da administração e para a proteção do próprio território. Vale lembrar que, em Portugal, a organização fiscal contribuiu para a consolidação das elites e a preeminência da figura real, mantendo, assim, a estabilidade do sistema social. A forma de fiscalidade era semelhante à de Castela,1 1 O desenvolvimento colonial espanhol foi apoiado exclusivamente por fundos coloniais, muitas vezes transferidos de região para região. A monarquia espanhola, uma das mais poderosas no século XVI e início do século XVII, desenvolveu uma espécie de estado fiscal-militar, sendo as alfândegas um desses mecanismos (Pincus; Robinson, 2016, p. 32). na medida em que a maioria das rendas do monarca procedia das suas conquistas e do monopólio sobre os produtos de consumo relevantes e das alfândegas espalhadas pelo império (Casalilla, 2019CASALILLA, Bartolomé Yun. Los imperios ibéricos y la globalización de Europa (siglos XV a XVII). Barcelona: Galaxia Gutenberg, 2019., p. 2545).

É considerada por Wasserman como “fenômeno poliédrico”, em razão de se constituir como uma estrutura política, econômica e institucional. Por consequência social, a fiscalidade permite um leque de práticas que podem ser utilizadas como lentes de observação da relação dos movimentos econômicos com as instituições de nível local. Assim como na América hispânica,2 2 Em Buenos Aires, o fluxo fiscal se revelava maiormente concentrado em um pequeno grupo de funcionários, magistrados, mercadores e militares de patentes superiores que encontravam neste recurso um instrumento para participar com melhores términos de intercâmbio no comércio de longa distância, com o qual boa parte dessa prata que foi para o sítio militar retornava ao circuito do grande comércio (Wasserman, 2016, p. 8). na parte do continente pertencente a Portugal, os tributos eram relacionados às inúmeras instâncias, porém esse fato não anulava o poder do rei (Wasserman, 2016WASSERMAN, Martín L. E. Real situado y gestión patrimonial del recurso fiscal: remesas para la defensa del puerto de Buenos Aires en el siglo XVII. Nuevo Mundo/Mundo Nuevos, Débats, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.4000/nuevomundo.69317.
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, p. 2-3).

Desde o início da colonização, os europeus procuraram impulsionar seus ganhos em áreas com boas condições de ancoragem para os navios e, dessa forma, facilitar o embarque e o desembarque de gêneros. Além disso, a Coroa estipulou que se pagassem “nas terras das ditas capitanias, costa, mares, rios e baías delas, a dízima do que os navios carregavam de mercadorias da terra para fora do Reino e a dízima das importações feitas por quaisquer pessoas estrangeiras, mesmo que cá tenham pago” (Tapajós, 1983TAPAJÓS, Vicente Costa Santos. A política de D. João III. Brasília: Editora UnB, 1983., p. 38; Fernandes, 2010FERNANDES, Valter Lenine. Os contratadores e o contrato da Dízima da alfândega da Cidade do Rio de Janeiro (1726-1743). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Estado do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2010.; Sá, 2016SÁ, Helena de Cassia Trindade de. A alfândega do Rio de Janeiro: da União Ibérica ao fim da Guerra da Restauração (c. 1580-c. 1668). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Estado do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2016.; Carrara, Cavalcante, 2016CARRARA, Angelo Alves; CAVALCANTE, Paulo (orgs.). Alfândegas do Brasil: Rio de Janeiro e Salvador, século XVIII. Estudos de administração fazendária. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2016.). Porém, a Provedoria-mor, a Provedoria das capitanias e, juntamente com elas, as aduanas foram implantadas apenas após a introdução do Governo-geral.

Os maiores portos de entrada do Brasil foram Salvador, Rio de Janeiro, Recife, São Luís e Santos (Russell-Wood, 2021RUSSELL-WOOD, Anthony J. R. História do Atlântico português. Organizado por Ângela Domingues e Denise Aparecida Soares de Moura. São Paulo: Editora Unesp, 2021., p. 126). Por essas características, são considerados portos atlânticos. Tais portos, no século XVIII, assegurando condições adequadas ao ancoradouro de grandes embarcações, mantiveram-se como ponto de apoio para importantes rotas mercantes no mundo atlântico. Também recebiam pequenas embarcações oriundas dos portos continentais (o caso da Colônia do Sacramento, que participava do comércio costeiro com o Rio de Janeiro); além de naus de frotas, embarcações que viajavam soltas e navios negreiros da África (Dias, Volpini, 2020DIAS, Thiago; VOLPINI, Marco. Portos na Colônia e perspectivas transnacionais entre o norte e o sul do Estado do Brasil. In: DIAS, Thiago; VOLPINI, Marco (orgs.). Portos coloniais: estudos de história portuária, comunidades marítimas e praças mercantis, séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 2020. p. 27-79., p. 30-31).

No que diz respeito ao Rio de Janeiro, seu porto era considerado de excelente ancoragem, estando situado em um espaço geográfico favorável, já que era protegido no interior da baía de Guanabara. Desde cedo, ali chegavam produtos da metrópole, de engenhos dos arredores da cidade e, ainda, escravizados vindos dos enclaves africanos, assim como embarcações vindas de Buenos Aires, em busca de mercadorias que tinham como destino final a região das minas de prata do Alto Peru (Sá, 2017SÁ, Helena de Cassia Trindade de. Fiscalidade, alfândega e comércio no Rio de Janeiro no alvorecer do século XVII. Revista Dia-Logos, v. 11, n. 1, p. 1-12, 2017., p. 2).

Ressalta-se que, ao longo do primeiro quartel do século XVII, em virtude do “desenvolvimento do comércio de contrabando, os portugueses conseguiram estabelecer a preponderância comercial do rio da Prata que se transformou num verdadeiro rio português”. (Canabrava, 1984CANABRAVA, Alice P. O comércio português no rio da Prata (1580-1640). Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1984., p. 148). Nesse sentido, a capitania fluminense teve importante participação. Foram seus moradores que dispensaram a ajuda financeira para que o governador Manuel Lobo organizasse uma expedição com cerca de trezentos oficiais e soldados, a fim de estabelecer, em frente a Buenos Aires, uma fortaleza denominada Sacramento. O objetivo era assegurar a participação no lucrativo comércio do rio da Prata e aumentar o poderio lusitano na região (Possamai, 2004POSSAMAI, Paulo César. A fundação da Colônia do Sacramento. Mneme: Revista de Humanidades, v. 5, n.12, p. 32-59, 2004., p. 54; Monteiro, 1937MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. A Colônia do Sacramento (1680-1777). Porto Alegre: Globo, 1937.; Cortesão, 1950CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1950.).

Nessa perspectiva, Paulo Possamai demonstra que a fundação da Colônia do Sacramento na margem norte do rio da Prata conjugava os interesses dos comerciantes do Rio de Janeiro, interessados na retomada do intenso comércio com Buenos Aires, existente na época da União Ibérica, assim como da Coroa portuguesa, que desejava expandir seus domínios para o sul (Possamai, 2010POSSAMAI, Paulo César. De núcleo de povoamento à praça de guerra: a Colônia do Sacramento de 1735 a 1777. Topoi, v. 11, n. 21, p. 23-36, 2010., p. 23).

Já Fábio Kühn e Adriano Comissoli indicam que, enquanto esteve sob o domínio português, a Colônia do Sacramento foi uma localidade singular. Praça forte, marcada pela vista castrense e “ninho de contrabandistas”, a cidadela platina jamais se elevou à condição de vila, nem se constituiu em uma capitania, visto que seu território foi quase sempre muito circunscrito. Situada muito ao sul dos domínios lusos, fundada em 1680, a fortaleza militar marcou a disposição portuguesa de estender seus territórios até o rio da Prata, tornando-se, ao longo do século XVIII, um importante entreposto comercial (Kühn, Comissoli, 2013KÜHN, Fábio; COMISSOLI, Adriano. Administração na América portuguesa: a expansão das fronteiras meridionais do Império (1680-1808). Revista de História, n. 169, p. 58-81, 2013., p. 58).

A presença portuguesa naquela região, segundo Fabrício Prado, visava reanimar o comércio que havia tido forte retração após o fim da União Ibérica, e restabelecer as vias de acesso à prata potosina, tão crucial à economia lusa em crise, com a forte escassez de metal, sentida especialmente nas regiões da costa brasileira (Prado, 2002PRADO, Fabrício Pereira. Colônia do Sacramento: comércio e sociedade na fronteira platina (1716-1753). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2002., p. 32). Para tanto, foram necessários recursos oriundos do Rio de Janeiro, que era a capitania que contribuía efetivamente para a manutenção da fortaleza militarizada do Sacramento.3 3 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Consulta sobre as considerações que apresentara o Bispo nomeado do Rio de Janeiro a respeito da sua partida para o Brasil e das verbas necessárias para as despesas do cabido. Lisboa, 12 de dezembro de 1680.” Rio de Janeiro, Castro e Almeida, cx. 8, doc. 1403.

Para atender ao aumento da despesa militar, em 1698, uma consulta do Conselho Ultramarino solicitou ao governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá e Menezes, que buscasse, pelos meios mais suaves, expedientes para obter os recursos necessários.4 4 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Consulta sobre o aumento da infantaria para a defesa da praça do Rio de Janeiro e a maneira de obter os recursos necessários para a sustentar. Lisboa, 8 de outubro de 1690.” Rio de Janeiro, Eduardo de Castro e Almeida, cx. 12, doc. 2248. Segundo Torres-Sánchez, Brandon e Hart, o conceito de Estado militar-fiscal introduzido por John Brewer sublinhou o papel do Estado, e muitos historiadores usaram essa ideia para explicar as diferenças nacionais na capacidade de captação de recursos (Torres-Sánchez, Brandon, Hart, 2018TORRES-SÁNCHEZ, Rafael; BRANDON, Pepijn; HART, Marjolein. War and Economy. Rediscovering the Eighteenth-Century Military Entrepreneur. Business History, v. 60, n. 1, p. 4-22, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1080/00076791.2017.1379507.
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, p. 9). Na Inglaterra, Brewer aponta que as alfândegas foram utilizadas para criação de direitos adicionais sobre produtos manufaturados importados, a taxa aduaneira global subiu para 15% em 1704-1705, sendo as guerras responsáveis pela produção desse efeito (Brewer, 1989BREWER, John. The Sinews of Power: War, Money and The English State, 1688-1783. London: Unwin Hyman, 1989., p. 173). Do mesmo modo, na América portuguesa e, em princípio, na capitania do Rio de Janeiro, recorreu-se à tributação para a manutenção da força militar na Colônia do Sacramento.

O governador recorreu à Câmara para buscar uma solução para o problema e, logo de início, os oficiais daquela instituição ofereceram 2% nas mercadorias que viessem até a alfândega, mas esse rendimento seria tão tênue que não bastaria para sustentar mais cinquenta homens. Foi sugerido, então, um valor maior, de 4%, que também acabou sendo rejeitado. Por fim, chegou-se a um acordo e foi oferecida a mudança na incidência da dízima, ou seja, um tributo aduaneiro de 10 %, que passaria a ser cobrado sobre todas as mercadorias que entrassem na aduana de qualquer parte que fosse, inclusive oriundas de outras capitanias da América portuguesa e do próprio Reino, que antes encontravam-se isentas.5 5 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Consulta sobre o aumento da infantaria para a defesa da praça do Rio de Janeiro e a maneira de obter os recursos necessários para a sustentar. Lisboa, 8 de outubro de 1690.” Rio de Janeiro, Eduardo de Castro e Almeida, cx. 12, doc. 2248.

A região foi alvo de disputa entre as duas Coroas Ibéricas e, conforme reporta Luís Ferrand de Almeida, uma das consequências da intervenção portuguesa na Guerra da Sucessão de Espanha6 6 Sobre a Guerra de Sucessão, ver Furtado (2011, p. 66-83). foi a perda da Colônia do Sacramento. Cercada e atacada por um exército hispano-guarani, a praça resistiu durante cinco meses, entre 1704 e 1705, até que o governador Sebastião da Veiga Cabral, reduzido à última extremidade em matéria de munições e mantimentos e obedecendo, aliás, às ordens superiores, retirou-se para o Brasil, com a guarnição e os moradores, nos navios enviados ao Prata para esse fim (Almeida, 1990ALMEIDA, Luís Ferrand de. Alexandre de Gusmão, o Brasil e o Tratado de Madrid (1735-1750). Coimbra: Instituto Nacional de Investigação Científica; Centro de História da Sociedade e da Cultura/Universidade de Coimbra; Imprensa de Coimbra, 1990., p. 7).

Em relação à paz entre Portugal e Espanha, assinada no Congresso de Utrecht, em 1715, Ferrand de Almeida aponta que, após demoradas e difíceis negociações, com mediação inglesa e francesa, ficou expresso que Filipe V devolveria à Coroa de Portugal “o território, e a Colônia do Sacramento”, cedendo, “pelos termos mais, e mais autênticos”, toda a ação e direito que neles pretendia ter. Por seu lado, o rei de Portugal se obrigava a não consentir que outra nação da Europa se estabelecesse ou exercesse comércio na dita Colônia, ficando esse também proibido aos portugueses (Almeida, 1990ALMEIDA, Luís Ferrand de. Alexandre de Gusmão, o Brasil e o Tratado de Madrid (1735-1750). Coimbra: Instituto Nacional de Investigação Científica; Centro de História da Sociedade e da Cultura/Universidade de Coimbra; Imprensa de Coimbra, 1990., p. 7).

Além das despesas ordinárias, a Fazenda Real do Rio de Janeiro,7 7 Acerca da importância do Rio de Janeiro, conferir Sampaio (2003); Bicalho (2013). de acordo com Miguel Dantas da Cruz, suportou os custos decorrentes da expedição de Sacramento (sobretudo os relacionados aos fretes), para a qual foi obrigada a contrair um empréstimo de 20 mil réis junto ao provedor da Casa da Moeda. Além disso, teve de fazer frente a um conjunto de gastos inesperados. Arcou com os 26:094$787 réis dos salários dos ministros da alçada - tribunal de caráter temporário criado no Rio de Janeiro para julgar os responsáveis pela ineficaz defesa da cidade em 1711, sem receber qualquer reembolso. Remeteu, ainda, 10 mil réis ao administrador da Junta do Comércio para o custeamento do comboio da frota (retirados da dízima da alfândega) (Cruz, 2015CRUZ, Miguel Dantas da. Um império de conflitos: o Conselho Ultramarino e a defesa do Brasil. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais; Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2015., p. 219).

Do Rio de Janeiro, Simão Pereira de Sá afirmava que eram esperadas, na primeira metade do século XVIII, as continuadas provisões para a subsistência da praça da Colônia do Sacramento,

e como esta esperança também se fez notória ao inimigo emboscaram várias embarcações em Montevideo, para no trânsito se aproveitarem do descuido; mas sabendo se deste desígnio, que se dirigia em ruína grave dos defensores, evitou se a ameaça com a precaução de se mandar atravessar na boca daquela enseada a Nau Penha da França, de que era comandante Cipriano de Matos.8 8 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Em 12 de julho de 1748 Cipriano de Matos solicitava ao Rei Dom João V o posto de capitão de Mar e Guerra da Armada Real com o soldo e assistência na praça do Rio de Janeiro, tendo em vista os serviços na guerra da Praça da Nova Colônia do Sacramento, na costa do Brasil, Costa da Mina e Angola.” Rio de Janeiro Avulsos, cx. 41, doc. 4216.

Foi tão útil esta cautela, que livrou da cilada um riquíssimo iate, que do Rio trazia importantes avisos, e cabedal numeroso para pagamento das tropas. A mesma nau o foi escoltada até as fortalezas da Praça, onde, segura dos riscos, também se livrou dos inimigos.9 9 SÁ, Simão Pereira de. História topográfica e bélica da nova Colônia do Sacramento do Rio da Prata. Porto Alegre: Arcano 17, 1993. p. 96. (Documento impresso).

Não se passou muito tempo para a Colônia do Sacramento conhecer significativo aumento populacional e se transformar em uma cidade-porto. Ali, os negociantes fluminenses eram os protagonistas, atraídos não apenas pela prata e pelos couros, mas também pelo mercado consumidor de seus produtos, em Buenos Aires e em outras partes da América hispânica (Prado, 2005PRADO, Fabrício Pereira. Colônia do Sacramento: comércio, autoridade e redes sociais na fronteira platina do século XVIII. In: Congresso Brasileiro de História Econômica, 6., 2005, Conservatória. Anais... Conservatória: ABPHE, 2005.). Esses personagens, assim como os demais homens de negócio do século XVIII, caracterizaram-se pela não especialização em um único tipo de negócio, mas pela participação em vários ramos distintos que se inter-relacionavam10 10 Ratificando essa afirmativa, Torres-Sánchez, Brandon e Hart apontam que a estrutura dos Estados fiscais-militares poderosos dependia da capacidade de homens de negócio para compensar perdas numa área do seu negócio com lucros em outras áreas (Torres-Sánchez, Brandon, Hart, 2018, p. 11). (Torres-Sánchez, Brandon, Hart, 2018TORRES-SÁNCHEZ, Rafael; BRANDON, Pepijn; HART, Marjolein. War and Economy. Rediscovering the Eighteenth-Century Military Entrepreneur. Business History, v. 60, n. 1, p. 4-22, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1080/00076791.2017.1379507.
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, p. 11).

Nesse aspecto, Simão Sá registrava, na obra História topográfica e bélica da Nova Colônia do Sacramento do Rio da Prata, que a Coroa portuguesa tornou o porto da região franca por dez anos, tempo no qual os gêneros permitidos estariam livres das cobranças. Consequentemente, “concorreram embarcações infinitas de todas as Províncias Brasílicas carregadas, repletas de muitas coisas necessárias para a subsistência e proteção da Praça”.11 11 SÁ, Simão Pereira de. História topográfica e bélica da nova Colônia do Sacramento do Rio da Prata. Porto Alegre: Arcano 17, 1993. p. 54. (Documento Impresso).

Isso posto, este artigo tem como objetivo analisar a estrutura e a dinâmica do porto e da alfândega na Colônia do Sacramento e sua importância para o comércio costeiro com o Rio de Janeiro, na primeira metade do século XVIII.

No plano da organização, o texto divide-se em três partes além desta introdução. A primeira visa definir os conceitos de alfândegas principais e colaterais e analisar a relação comercial da região da Colônia do Sacramento com o Rio de Janeiro nos estudos dos portos atlânticos e continentais. Já na segunda, a intenção é verificar como se operacionalizava a cobrança dos tributos alfandegários do comércio costeiro entre os dois portos. Por último, conduzimos as considerações finais.

Alfândegas principais e colaterais: o caso do Rio de Janeiro e da Colônia do Sacramento

As alfândegas na América portuguesa, como aponta Valter Lenine Fernandes, foram criadas no princípio da colonização, juntamente com a instalação do Governo-geral e da Administração Fazendária. O regimento do provedor-mor, entregue a Antônio Cardoso de Barros e aos provedores das capitanias, determinou a implantação dessas instituições, visando à tributação das mercadorias. Com o passar do tempo, à medida que a economia foi crescendo, suas estruturas sofreram modificações e a administração da alfândega colonial foi tomando feições próprias. Isso demonstra que, paralelamente ao processo de colonização, o caráter institucional da alfândega ia adquirindo formas de acordo com os recursos humanos presentes nas terras americanas e as diferentes conjunturas (Fernandes, 2019FERNANDES, Valter Lenine. O porto e a alfândega do Rio de Janeiro setecentista. In: MICHELI, Marco Volpini; DIAS, Thiago (orgs.). Portos coloniais: estudos de história portuária, comunidades marítimas e praças mercantis, séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 2020. p. 363-391., p. 44).

No caso do Rio de Janeiro, a alfândega foi criada após a expulsão dos franceses, na década de 1560. Com uma estrutura modesta, contava com provedor que exercia cumulativamente a função de juiz, escrivão e almoxarife, porteiro, guardas e meirinho. A dízima era cobrada seletivamente, ficando as mercadorias oriundas do Reino isentas do seu pagamento. No século XVIII, a instituição teve como alterações a criação de novos cargos, a desvinculação da função de juiz e ouvidor da alfândega do cargo de provedor da Fazenda Real, a utilização de uma pauta para cobrança da dízima e a arrematação do imposto por particulares (Fernandes, 2020FERNANDES, Valter Lenine. O porto e a alfândega do Rio de Janeiro setecentista. In: MICHELI, Marco Volpini; DIAS, Thiago (orgs.). Portos coloniais: estudos de história portuária, comunidades marítimas e praças mercantis, séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 2020. p. 363-391., p. 366-367).

Em 1728, foram criados vários ofícios na alfândega da Colônia do Sacramento, utilizando como base de conhecimento a estrutura aduaneira do Rio de Janeiro.12 12 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733)”. Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275. A Colônia serviu como porta de entrada do comércio e para o símbolo da materialização do Estado e do poder Real luso naquela região (Prado, 2002PRADO, Fabrício Pereira. Colônia do Sacramento: comércio e sociedade na fronteira platina (1716-1753). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2002., p. 86). Entretanto, seu funcionamento pleno se deu somente em 1729, ano a partir do qual puderam ser verificadas as cifras da dízima com certa regularidade, ainda que não fossem oficiais. No ano anterior à dízima, ela somente era cobrada de mercadorias trazidas por navios que excepcionalmente não haviam pagado os tributos devidos em outras aduanas da costa brasileira (Prado, 2002PRADO, Fabrício Pereira. Colônia do Sacramento: comércio e sociedade na fronteira platina (1716-1753). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2002., p. 131).

Russel-Wood aponta que os portos eram os principais pontos de saída da colônia e neles foram instaladas alfândegas por esse motivo. Em resumo, os portos desempenharam uma função essencial como polos de atração de commodities e pessoas que ingressavam no Brasil. O mesmo princípio se aplicava a commodities e pessoas que partiam da América portuguesa. Salvador e Recife ocuparam essa função para a região Nordeste, e o Rio de Janeiro, para o centro-sul (Russell-Wood, 2021RUSSELL-WOOD, Anthony J. R. História do Atlântico português. Organizado por Ângela Domingues e Denise Aparecida Soares de Moura. São Paulo: Editora Unesp, 2021., p. 147).

Joaquim Romero Magalhães destaca que muitas embarcações frequentavam o porto da Colônia do Sacramento, levando mercadorias do Brasil, e retornavam carregadas de prata e couro (Magalhães, 2011MAGALHÃES, Joaquim Romero. Labirintos brasileiros. São Paulo: Alameda, 2011., p. 73). Nesse aspecto, a Colônia do Sacramento possuía características de porto continental. Na definição de Marco Volpini e Thiago Alves Dias, distribuídos pela porção continental da América portuguesa, portos desse tipo eram pequenos trechos de terra junto ao mar ou aos rios com profundidade para atracarem pequenas e médias embarcações. Apesar desses autores afirmarem que tais portos tinham ausência de estrutura alfandegária ou simples casa de arrecadação para o comércio externo (Dias, Volpini, 2020DIAS, Thiago; VOLPINI, Marco. Portos na Colônia e perspectivas transnacionais entre o norte e o sul do Estado do Brasil. In: DIAS, Thiago; VOLPINI, Marco (orgs.). Portos coloniais: estudos de história portuária, comunidades marítimas e praças mercantis, séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 2020. p. 27-79., p. 29-30), isso não se aplicou de forma generalizada na primeira metade do século XVIII, já que a Colônia do Sacramento possuía aduana, ainda que se verificasse ausência de rotas diretas para Portugal, uma vez que as embarcações vindas do Reino eram obrigadas a parar no Rio de Janeiro.

Na primeira metade do século XVIII, os negociantes da Colônia reclamavam da cobrança de emolumentos na alfândega. Segundo eles, as mercadorias já haviam sido tributadas nos portos principais: Rio de Janeiro, Bahia ou Pernambuco. Dessa forma, a análise em torno dos conflitos a respeito da tributação das mercadorias na Colônia do Sacramento demonstra a dinâmica da circulação e dos conhecimentos práticos alfandegários e contribui para um aprofundamento das tipologias dos portos da América portuguesa e do reino, na primeira metade do século XVIII.

O governador da Colônia do Sacramento, Antônio Pedro de Vasconcelos, em carta ao rei dom João V, em 1733, afirmava que os oficiais aduaneiros dessa praça cobravam os emolumentos das fazendas de forma semelhante à do Rio de Janeiro. Por sua vez, verificou-se um conflito de jurisdições de uma alfândega localizada em um porto considerado continental, almejando a mesma prática de fiscalidade em um porto atlântico.

Domingos Alvares Calheiros13 13 Domingos Alvares Calheiros, em 1753, possuía negócios e foi nomeado pelo governador e oficiais da Câmara, a pedido do rei Dom José, tesoureiro da alfândega do Rio de Janeiro. A justificativa informada no requerimento é que ele era um homem de negócio que recebia em todas as frotas um cabedal grande de fazendas e tinha vários correspondentes do reino, mantendo igual comércio em todos os portos do Brasil, de que vinha pagando avultadas quantidades de direitos para o rei. Conferir: “Requerimento de Domingos Alvares Calheiros, negociante da Praça do Rio de Janeiro e Tesoureiro da alfândega da mesma cidade, em que pede o ordenado anual de 1:000$000 rs e 200$000 para um fiel contador. (1753). (Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1753).” Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Rio de Janeiro, Eduardo de Castro e Almeida, cx. 71, doc. 16439. e mais mercadores da Colônia do Sacramento descreviam que foram criados vários ofícios na alfândega daquela praça e que boa parte deles tinha ligação com o serviço militar. Na concepção dos mercadores, o funcionalismo da aduana nessa praça foi criado com o intuito de despachar as fazendas e explicavam que a maioria desses agentes pertencia ao corpo de oficiais do ramo militar da administração.14 14 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733).” Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275.

Rodrigo Ricupero aponta que o funcionário colonial, com poucas exceções, não representava uma camada autônoma na colônia, antes confundia-se com os grupos poderosos locais, sendo, muitas vezes, ao mesmo tempo, funcionário régio, senhor de engenho ou proprietário de terras, soldado e, ainda, eventualmente, também se envolvia em atividades mercantis (Ricupero, 2009RICUPERO, Rodrigo. A formação da elite colonial: Brasil, c.1530-c.1630. São Paulo: Alameda, 2009., p. 152).15 15 Conferir também Fragoso (2000, p. 45-122); Bicalho (2005).

Os referidos mercadores alegavam que, até março de 1729, os oficiais da alfândega da Colônia do Sacramento não cobravam os emolumentos dos gêneros que já tinham sido tributados em outros portos da América. Esse fato, segundo eles, foi iniciado com a posse do selador Clemente da Silva Paz, que rebatia os selos das fazendas que já haviam sido despachadas em outros portos, cobrando o valor de 10 réis de cada novo selo. Nessa perspectiva, o porteiro, Francisco Ferreira, alferes de infantaria, decidiu cobrar 320 réis de cada capa16 16 A capa seria um papel que servia como embalagem dos fardos (mercadorias secas). Conferir palavras capa e fardo. SILVA, Antonio de Morais; BLUTEAU, Rafael. Dicionário da Língua Portuguesa composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e acrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. 1. ed. Lisboa: Simão Tadeu Ferreira, 1789. p. 340 [verbete ‘Capa’, v. 1]; p. 12 [verbete ‘Fardo’, v. 2]. (Documento Impresso). e volume pequeno ou grande, somando a isso mais 80 réis de bilhete e 320 réis de cada marca.17 17 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733)”. Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275.

Nesse aspecto, a análise dessa petição possibilita categorizar as aduanas na América portuguesa, na primeira metade do século XVIII, como alfândegas principais, tais quais as do Rio de Janeiro, da Bahia e de Pernambuco e as alfândegas colaterais, como, por exemplo, as da Colônia do Sacramento e da Vila de Santos, na parte sul da América. As primeiras eram classificadas como centros de destino e tributação das mercadorias vindas nas frotas originárias da metrópole. Já as segundas possuíam a função de ofertar amparo e abrigo de navios que traziam mercadorias das cidades que estabeleciam o contato principal com o reino.18 18 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733)”. Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275.

Em vista das diferenças funcionais das alfândegas na América portuguesa, em 14 de junho de 1730, o grupo mercantil reivindicou a suspensão do pagamento dos emolumentos das mercadorias, realizado nas aduanas principais. Nesse contexto, o mercador Domingos Alvares Calheiros acusou o governador de beneficiar os oficiais alfandegários, pois ele permitiu a continuidade da cobrança e do rebate dos selos no estilo da aduana do Rio de Janeiro. Informava, ainda, ao monarca que:

Há gêneros que a fim de se lhe buscar saída tem entrado igual a três, quatro mais vezes na alfândega daquela praça os quais não fazendo caso dos riscos e fretes das viagens tem rendido aos seladores, porteiros e mais oficiais das alfândegas muito mais do seu próprio valor. Capitães de embarcações se obrigam a transportar e pagar em caso de avaria volumes de grossas importâncias pelo tênue frete de mil réis cujos volumes na alfândega fizeram de gasto só de rebater os gêneros de que se compunham para cima de vinte mil réis obrigados ou extorquidos dentro do meio quarto de hora como se mostrou distinta e claramente ao governador daquela Praça. Arque vocalmente o mesmo governador aos suplicantes dizendo-lhe que o estilo que se pratica na alfândega do Rio de Janeiro há de ser a norma da alfândega daquela Praça a que os suplicantes podem que sim e que por essa mesma razão se cumpra a informação e despacho do Juiz da mesma alfândega cuja se deve observar inteiramente por ser do superior e principal Ministro do Tribunal de que se que a norma e não fazer caso da certidão do oficial inferior passa com frivolíssimos pretextos como dela se vê cujas razões entra o dito Governador desfazer as negações inúteis acomodadas a favor dos oficiais justificadas só com o respeito e autoridade do cargo.19 19 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733)”. Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275 (destaque nosso).

Diante dessa contenda, foi consultado Manoel Correa Vasques,20 20 Valter Lenine Fernandes afirma que Manoel Correa Vasques foi o primeiro a ocupar o cargo de juiz e ouvidor após a separação da Provedoria da Fazenda Real. Um dos mais importantes senhores de engenho do Rio de Janeiro era também o detentor dos maiores rendimentos com o comércio de fazendas realizado nos arredores do porto dessa capitania. Fidalgo da Casa Real, bacharel formado em Coimbra em 1701, serviu no desembargo do Paço. Filho legítimo de Martim Correa Vasques, mestre de campo na Capitania do Rio de Janeiro e de dona Maria Guiomar de Brito, natural da cidade de Lisboa, era neto por via materna de Manoel Correa, natural de Vila Nova de Famalicão e de sua mulher dona Maria de Mariz, natural do Rio de Janeiro. Ver Fernandes (2019, p. 50-51). juiz e ouvidor da alfândega do Rio de Janeiro. Esse informou que os gêneros que vinham do reino para essas conquistas só pagavam os tributos na alfândega de entrada do primeiro porto. Na concepção dele, era “desnecessário e consequentemente injusto que em qualquer outra alfândega onde se apresentavam para exame se repita outro selo”.21 21 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733)”. Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275. A análise das ações dos funcionários de diferentes alfândegas na América portuguesa fornece importantes subsídios à justiça real para distinguir a legalidade e a ilegalidade dos oficiais na Colônia do Sacramento. Arno e Maria José Wehling descrevem que, no cotidiano da justiça colonial, são muitas as manifestações de preocupação nas consultas do Conselho Ultramarino a respeito de problemas como a impunidade, a inobservância da legislação ou a corrupção, que surgem como contrafação de um Estado ideal segundo os critérios de uma “justiça equitativa” (Wehling, Wehling, 2004WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Direito e justiça no Brasil Colonial: o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004., p. 32).

Em 1730, a certidão do José Ribeiro de Andrade, escrivão da alfândega e da Fazenda Real da Vila de Santos,22 22 Thiago Alves Dias e Marco Volpini apontam que, ao longo do século XVIII, o porto de Santos passou de porto com predominância de navegação de cabotagem a consistir, a despeito da proeminência do Rio de Janeiro, em porto de importante ligação com o continente europeu, configurando um novo porto atlântico na costa brasileira. Conferir: Dias, Volpini (2020, p. 68). declarava as seguintes questões:

certifico que nesta alfândega não pagam direitos nenhuma das fazendas que a ela vem despachar vindo seladas com selo das mais alfândegas dos portos desta América e que trazem cartas de guia e delas constam haver pago os direitos devidos a S. Majestade que Deus Guarde também não pagam emolumentos aos oficiais desta dita alfândega mais que já acostumada; e o que serve nesta mesma alfândega a serviço do pedido na petição acima e em cumprimento do despacho retro do provedor da fazenda Real Juiz da alfândega Thimoteo Correa de Goes passei a presente certidão que vai selada com o selo real que serve neste tribunal por mim feita e assinada.23 23 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733)”. Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275.

Como se pôde observar por essas petições, as alfândegas na América lusitana na primeira metade do século XVIII possuíam distinções, não sendo todas classificadas de forma homogênea: as principais estavam situadas nos portos atlânticos e tributavam as mercadorias que vinham na frota da metrópole; e as colaterais, que tinham o papel de fiscalizar o que já havia sido tributado e, no caso da constatação do não pagamento, fazer a devida cobrança, estavam estabelecidas em portos denominados continentais.

Cobrança de tributos nas alfândegas da Colônia do Sacramento e do Rio de Janeiro

Vitorino Magalhães Godinho explica que, a partir do princípio do século XVIII, as frotas que iam para Lisboa, oriundas do Rio de Janeiro, na sua carga levavam prata e couros provenientes de Buenos Aires. O couro tinha um papel muito importante no Atlântico dos Setecentos. É necessário não perder de vista o enorme desenvolvimento da criação de gado nas regiões de Buenos Aires - precisamente, para alimentar esse comércio exportador e o crescimento das indústrias europeias do couro. Por conseguinte, os portugueses conseguiam prata e couros na Colônia do Sacramento, ou melhor, no fundo, em Buenos Aires (Godinho, 1978GODINHO, Vitorino Magalhães. Ensaios sobre história de Portugal II. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1978., p. 440-441). Tal informação é ratificada em uma consulta de 1749 do rei Dom João V, que solicitava explicação ao escrivão da Fazenda Real, André Francisco, a respeito do arrendamento dos couros da Colônia. O escrivão registrou que a origem desse gênero era de Buenos Aires e Santa Fé.24 24 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Certidão do Escrivão da Fazenda André Francisco Xavier, sobre os diplomas relativos aos quintos dos couros da Nova Colônia do Sacramento, que se encontrava, registrados nos livros da Provedoria Fazenda Real. Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 1749.” Rio de Janeiro Eduardo de Castro e Almeida, cx. 57, doc. 13226.

Logo após a recuperação e refundação, em 1716, da Colônia do Sacramento, o novo governador, Manuel Gomes Barbosa (1715-1722), já observava grande desenvolvimento com prósperas atividades e bons lucros. Consequentemente, houve um crescimento populacional resultante do desenvolvimento comercial e do intenso tráfego marítimo. O espaço urbano da região refletia uma forte relação com o “comércio dentro dos marcos do Império português (demais portos do Brasil, Lisboa), o comércio direto com outros povos europeus (especialmente os ingleses) e finalmente o comércio realizado dentro do estuário platino” (Prado, 2002PRADO, Fabrício Pereira. Colônia do Sacramento: comércio e sociedade na fronteira platina (1716-1753). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2002., p. 117). De acordo com Fabrício Prado, “a comunidade de mercadores do Rio de Janeiro, com características de uma elite mercantil estruturada na primeira metade do século XVIII, mantinha importantes relações com Sacramento” (Prado, 2002PRADO, Fabrício Pereira. Colônia do Sacramento: comércio e sociedade na fronteira platina (1716-1753). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2002., p. 136). Esses negociantes se conectavam a Lisboa e tinham interesses naquela região de fronteira25 25 Discussões sobre fronteiras e territorialidades, ver Romani, Menegat, Aranha (2019). com o rio da Prata, que já há muito tempo despertava atenção em virtude de lucrativas trocas comerciais e, sobretudo, por causa da prata, que era de suma importância para a metrópole.

As fortificações do porto e a criação de uma alfândega local são indícios que revelam a disposição da Coroa portuguesa em garantir a proteção “da praça enquanto entreposto comercial” (Prado, 2002PRADO, Fabrício Pereira. Colônia do Sacramento: comércio e sociedade na fronteira platina (1716-1753). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2002., p. 85), porque as alfândegas e a política alfandegária a que obedecem, segundo Joaquim Romero Magalhães, tiveram um papel fundamental no provimento da Fazenda régia. Ao longo do período moderno (séculos XVI-XVIII), a percentagem que representam nos ingressos da Coroa é de aproximadamente 20% do total da sua renda. Daí que os governantes tenham sempre estado bem atentos a essa fonte de receitas, procurando evitar qualquer desvio ou baixa nos rendimentos que daí lhes advinham (Magalhães, 2016MAGALHÃES, Joaquim Romero. Labirintos brasileiros. São Paulo: Alameda, 2011., p. 13).

Em uma provisão de 22 de maio de 1722, o rei Dom João V informava a Aires Saldanha de Albuquerque, governador e capitão-general do Rio de Janeiro, em vista de uma carta de setembro de 1719, enviada por Manoel Gomes Barbosa, governador da Nova Colônia do Sacramento, que as embarcações que navegavam do porto do Rio de Janeiro para o da Colônia eram muito pequenas e não podiam levar os mantimentos necessários para os moradores. Assim, pequenas embarcações dificultavam o torna-viagem com mercadorias de particulares para o Rio de Janeiro. Diante disso, o monarca ordenava, para o referido porto no extremo sul da América portuguesa, o despacho de um navio que fosse de 350 toneladas para que todos pudessem carregar pessoas e cargas.26 26 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador do Rio de Janeiro, Aires Saldanha de Albuquerque, ao Rei Dom João V, em resposta à provisão de 4 de maio de 1722, sobre a publicação de editais a respeito do transporte de pessoas e cargas nos navios da frota daquela capitania com destino à Nova Colônia do Sacramento, impedindo o seu conveniente abastecimento, registrando-se tal ordem nos livros da Secretaria desse Governo, da Fazenda e alfândega.” Rio de Janeiro Avulsos, cx. 12, doc. 1393.

Em relação aos direitos, os moradores do Sacramento alegavam que eram tributados duas vezes no Rio de Janeiro, pois pagavam a dízima da alfândega e o quinto na Fazenda Real. Em relação ao pedido da isenção de ambos (feito pelos povoadores da Colônia), Dom João V, em ordem régia de 1699, destinada ao governador Arthur de Sá e Menezes, determinava que se pagasse o quinto tanto dos couros feitos na Colônia como dos comprados junto aos castelhanos, pois isso assegurava os rendimentos da Fazenda Real. Em relação ao pedido de isenção do direito da dízima dos couros do Sacramento, alegava já ter sido concedida a isenção, por cinco anos, na alfândega do Rio de Janeiro.27 27 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador do Rio de Janeiro, Aires Saldanha de Albuquerque, ao Rei Dom João V, em resposta à provisão de 4 de maio de 1722, sobre a publicação de editais a respeito do transporte de pessoas e cargas nos navios da frota daquela capitania com destino à Nova Colônia do Sacramento, impedindo o seu conveniente abastecimento, registrando-se tal ordem nos livros da Secretaria desse Governo, da Fazenda e alfândega.” Rio de Janeiro Avulsos, cx. 12, doc. 1393.

Em carta de 18 de fevereiro de 1734, o governador da Colônia do Sacramento, Antônio Pedro de Vasconcelos, prestou contas do rendimento da dízima da alfândega daquela localidade. Alegava ter recolhido o valor de 17:403$341 réis, justificando o aumento em relação a períodos anteriores à chegada da galera Nossa Senhora do Bom Despacho e Santo Antônio, cujo capitão era Francisco Xavier da Cruz, que havia tido autorização de forma excepcional para ir direto de Lisboa para Sacramento, em virtude da demora para se formar comboio aos principais portos atlânticos do Rio de Janeiro e da Bahia.28 28 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Provisão pela qual se concedeu licença a Antônio Rodrigues Vaz para enviar diretamente à Colônia do Sacramento o navio Nossa Senhora do Bom Despacho e Santo Antônio de que era capitão Francisco Xavier da Cruz (Lisboa, 7 de maio de 1733).” Rio de Janeiro Eduardo de Castro e Almeida, cx. 33 doc. 7755. Solicitava, ainda, reiterando pedidos anteriores, que se fizesse sempre a cobrança da dízima sobre todas as mercadorias que nela se carregasse.

Nessa mesma correspondência, solicitava mercê para que Domingos da Costa Araújo arrematasse os rendimentos da dízima da alfândega daquela localidade, por tempo de três anos e, em preço, por cada um deles, de 14 mil cruzados, com as condições inclusas que oferecesse. A fim de prestar maiores esclarecimentos em relação aos valores arrecadados desse tributo pela Fazenda Real, o desembargador da Relação afirmou que o rendimento dos anos anteriores de 1731 e 1732 havia sido, respectivamente, de 3:958$074 e 6:062$091 réis, sendo relatada a mesma causa da desigualdade, anterior à chegada de uma galera em direitura àquela alfândega.29 29 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do governador da Nova Colônia do Sacramento, Antônio Pedro de Vasconcelos, ao rei D. João V, prestando contas dos rendimentos da alfândega da Colônia (Nova Colônia do Sacramento, 18 de fevereiro de 1734).” Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx.3, doc. 277.

O governador alegava, ainda, ser o requerimento do suplicante conveniente à Coroa, uma vez que era sabido que os contratos reais arrematados tiveram melhor arrecadação, rendendo mais do que os administrados diretamente pela Fazenda Real, em que havia muitos descaminhos. Sugeriu também que não se admitisse lance fechado, porque esses deveriam ser feitos por quem o rei indicasse e, depois, revistos e examinados pelos procuradores da Fazenda, além de conferidos pelo Conselho Ultramarino.30 30 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do governador da Nova Colônia do Sacramento, Antônio Pedro de Vasconcelos, ao rei D. João V, prestando contas dos rendimentos da alfândega da Colônia (Nova Colônia do Sacramento, 18 de fevereiro de 1734).” Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx.3, doc. 277.

Aventou-se que, no caso do contrato da dízima, fosse mais conveniente se fazer em Lisboa, como era feito nos demais portos da América portuguesa onde havia alfândegas. A razão era que as pessoas e assistentes na Colônia do Sacramento não tinham condições de dar um preço conveniente como os da capital do reino que poderiam aumentar os direitos daquela alfândega com carregações. Mesmo que a Fazenda Real, em uma primeira arrematação, não tivesse grande lucro, certamente, o teria na segunda.31 31 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do governador da Nova Colônia do Sacramento, Antônio Pedro de Vasconcelos, ao rei D. João V, prestando contas dos rendimentos da alfândega da Colônia (Nova Colônia do Sacramento, 18 de fevereiro de 1734).” Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx.3, doc. 277.

Valter Lenine Fernandes aponta que uma das preocupações da Coroa era as fianças dos contratos, já que na sua opinião os fiadores deveriam possuir bons cabedais para assegurarem o pagamento anual à Fazenda Real do valor arrematado. Outro fato importante é que apesar de a dízima ser arrematada por particulares, não era o contratador que realizava sua cobrança, e sim o juiz e ouvidor da alfândega, juntamente com o escrivão, pois, segundo o rei, isso propiciaria a boa arrecadação das rendas reais. O autor destaca que, no Rio de Janeiro, o contratador cuidava dos custos dos guardas e oficiais eleitos por ele, das lanchas e das pessoas que faziam a vigilância durante o processo de despacho das fazendas. O rei considerava que, devido a esse investimento, a arrecadação não poderia ser feita diretamente pelo homem de negócio, pois isso poderia gerar uma ausência de cumprimento dos valores arrematados. A Coroa portuguesa apresentava, por meio das condições contratuais, um estudo do controle da alfândega e, assim, preservava primeiro os rendimentos reais para, depois, acertar os ganhos e perdas com quem fazia o investimento (Fernandes, 2019FERNANDES, Valter Lenine. O porto e a alfândega do Rio de Janeiro setecentista. In: MICHELI, Marco Volpini; DIAS, Thiago (orgs.). Portos coloniais: estudos de história portuária, comunidades marítimas e praças mercantis, séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 2020. p. 363-391., p. 87-88). Portanto, a Colônia do Sacramento, gradativamente, como outros portos, foi inserida no sistema de arrematação da dízima.

Na dinâmica da tributação do comércio costeiro entre a Colônia e o Rio de Janeiro, a cobrança da dízima gerou conflitos entre particulares arrematantes do contrato. Nesse sentido, o rei Dom João V, em 1729, decidiu pela isenção do direito da dízima dos couros vindos da Colônia do Sacramento.32 32 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Requerimento do Contratador da dízima da alfândega do Rio de Janeiro que leve em conta a importância da dízima que se pagavam pelos couros. (Rio de Janeiro, dois de abril de 1729).” Rio de Janeiro Avulsos, cx. 22, doc. 2377. Diante disso, o contratador desse tributo alfandegário do Rio de Janeiro, Francisco Luís Sayão,33 33 João Fragoso e Maria de Fátima Silva Gouvêa destacam que, no final da década de 1720, os Almeida Jordão começavam a desempenhar poderes no Rio de Janeiro que eram frutos das estratégias de casamentos com reinóis de menor qualidade, porém, com posição-chave na economia da cidade. Francisco Luís Sayão era considerado um grande contratador de impostos e associado aos Almeida Jordão. Cf. Fragoso, Gouvêa (2006, p. 43-47). e seus procuradores, Inácio de Almeida Jordão34 34 Inácio de Almeida Jordão, membro de uma importante família da elite mercantil fluminense, filho mais jovem de Francisco Almeida Jordão, foi um dos principais homens de negócio carioca de seu tempo. Cf. Sampaio (2006, p. 51-76). e João Martins Brito,35 35 Este era reinol, natural de São João de Brito, arcebispado de Braga, e tinha vários negócios no Rio de Janeiro, atuando como procurador do contrato da Dízima da Alfândega, arrematado no Conselho Ultramarino por Francisco Luiz Sayão, procurador de Henrique Pedro Dauvergne, junto ao contrato de saída dos escravos do Rio de Janeiro para as Minas e sócio de negócios ultramarinos com a importante família Almeida Jordão. Cf. Sá, (2021, p. 136). solicitaram a diminuição do valor total do contrato arrematado no Conselho Ultramarino. Na argumentação, o grupo de homens de negócio utilizou como retórica que a tributação do comércio sustentava a monarquia portuguesa. Esse pleito serve como exemplo para demonstrar o jogo relacional mantido pelos diferentes atores que circulavam entre os portos continental (Sacramento) e atlântico (Rio de Janeiro).

O pedido de diminuição do contrato da dízima também acontecia por outras razões, e uma delas o atraso das frotas do Porto e de Lisboa. Somado a esse fato, também utilizavam nos requerimentos o argumento da isenção ou revisão do imposto concedido aos moradores da Colônia do Sacramento que faziam o comércio de couro com o Rio de Janeiro. Portanto, a solicitação de diminuição da dízima era práxis dos contratadores para garantir uma maior rentabilidade dos seus negócios na alfândega da cidade do Rio de Janeiro. O rendimento fiscal dessas transações garantia a defesa de parte da América portuguesa e a inserção gradativa de um grupo de homens de negócio na arrematação de diferentes contratos fiscais.

Francisco Luís Sayão justificava que a decisão de alterar os valores constantes na pauta do couro produzido na Colônia do Sacramento ocorreu após a arrematação do contrato no Conselho Ultramarino. Na sua concepção, o contrato não poderia sofrer modificações, ou seja, a Coroa portuguesa teria que proteger os interesses particulares do contratador e de seus procuradores.36 36 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Requerimento do Contratador da dízima da alfândega do Rio de Janeiro que leve em conta a importância da dízima que se pagava pelos couros. (Rio de Janeiro, 02 de abril de 1729).” Rio de Janeiro Avulsos, cx. 22, doc. 2377.

A alteração na avaliação dos couros na pauta causou questionamentos no grupo de arrematantes do contrato do imposto aduaneiro. Tais objeções mencionavam os prejuízos que tiveram durante a administração da cobrança da dízima da alfândega do Rio de Janeiro. O privilégio concedido aos homens de negócio moradores da Colônia não poderia prejudicar a boa arrecadação dos rendimentos do contratador e de seus procuradores. Diante da solicitação de revisão da isenção de uma mercadoria, o Conselho Ultramarino coletava diferentes informações e, na maioria das vezes, realizava um parecer final para o monarca. A partir desse movimento, o rei Dom João V avaliava a decisão em torno dos conflitos entre diferentes grupos sociais.

O sistema de exploração do contrato da dízima tinha uma dinâmica própria e, muitas vezes, as condições redigidas no Conselho Ultramarino não davam conta das especificidades do comércio do Rio de Janeiro com outras regiões da América portuguesa ou com Lisboa (Fernandes, 2019FERNANDES, Valter Lenine. Império e colonização: alfândegas e tributação em Portugal e no Rio de Janeiro (1700-1750). Tese (Doutorado em História Econômica), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2019., p. 106).

Nesse sentido, o supracitado contratador contestava o privilégio de isenção dado ao couro da Colônia do Sacramento e tentava, com as condições do contrato, convencer as autoridades no reino que não poderia ter seus rendimentos prejudicados. Além disso, acusava a Coroa portuguesa de cobrar um valor superior no contrato, já que a dízima do couro não estava sendo cobrada de acordo com a pauta estipulada no Conselho Ultramarino. Diante do problema exposto, o contratador e seu procurador Inácio de Almeida Jordão sugeriam a diminuição do contrato da dízima.37 37 Miguel Dantas indica que a dízima, arrendada, todos os anos, para além de servir para cobrir a folha civil, a folha eclesiástica e outras despesas menores e relativamente incertas (decorrentes de provisões especiais passadas pelo monarca), era também empregue no pagamento das fardas dos soldados (um terço do valor total). Cf. Cruz, (2015, p. 163).

É importante citar que, a todo instante, o quadro jurídico do Estado Moderno português sofria alterações de acordo com as necessidades locais. “Na verdade, as normas jurídicas, as máximas doutrinais e as decisões judiciais constituíam as regras da vida cotidiana. Normalmente, cumpriam bem o seu papel. No entanto, elas não constituíam o critério último de normação” (Hespanha, 2006HESPANHA, António Manuel. Porque é que existe e em que é que consiste um direito colonial brasileiro. In: PAIVA, Eduardo França (org.). Brasil-Portugal: sociedades, culturas e formas de governar no mundo português (séculos XVI-XVIII). São Paulo: Annablume, 2006. p. 21-41., p. 31). Aqui temos dois casos: os dos homens de negócio, moradores da Colônia do Sacramento e dos contratadores no Rio de Janeiro.38 38 Os diferentes segmentos de mercadores (procedentes dos portos continentais ou dos portos atlânticos) tinham negócios em diferentes regiões da América portuguesa. A título de exemplo temos o homem de negócio Feliciano Velho Oldemberg, que tinha negócios na Bahia, no Rio de Janeiro, na Colônia do Sacramento, em Goa e em Macau. Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Cartas de José Viene para Diogo de Mendonça Corte Real, sobre os litígios entre Manuel de Oliveira Braga, José de Araújo Gomes, Feliciano Velho Oldemberg e os Castelhanos José de Villanueva Pico e D. José Bayo Ximenes. (Buenos Aires, 12 de abril de 1752).” Rio de Janeiro, Castro Almeida, cx. 70, doc. 16857-16261. Ambos tiveram privilégios concedidos por Dom João V, com a finalidade de preservar o comércio e o bom rendimento dos seus negócios.

Assim, o monarca, como um grande negociante, foi favorável ao contratador e a seus procuradores, julgando que a Fazenda Real deveria reparar os danos que sofreram durante a administração do triênio da dízima.39 39 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Requerimento do Contratador da dízima da alfândega do Rio de Janeiro que leve em conta a importância da dízima que se pagava pelos couros, (Rio de Janeiro, 02 de abril de 1729).” Rio de Janeiro Avulsos, cx. 22, doc. 2377.

Enfim, o rei Dom João V compensou Francisco Luís Sayão, concedendo uma mercê com a intenção de reparar os danos causados pela diminuição da dízima do couro produzido na Colônia do Sacramento. Dessa forma, podemos depreender que o contrato se configura como uma forma de aumento das rendas reais, ao mesmo tempo em que se constatou um quadro político e econômico em que a Coroa portuguesa agia para manutenção da empresa colonial. Em suma, a alfândega do Rio de Janeiro, a partir da cobrança da dízima sobre todas as mercadorias, oriundas de qualquer parte que fossem, era o espaço privilegiado de conhecimento da configuração desses negócios e do comércio costeiro do Atlântico Sul na primeira metade do século XVIII.

Considerações finais

Neste artigo procurou-se demonstrar como as cidades portuárias, com destaque para as da região sul do continente, desempenharam papel relevante na consolidação do poder e da economia na América portuguesa. Também foi identificado que, paralelamente ao processo de colonização, o caráter institucional da alfândega da Colônia do Sacramento se baseava na experiência da aduana do Rio de Janeiro.

Nesse sentido, a análise permitiu verificar que as “alfândegas principais” (Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco), classificadas como os pontos primários de destino e tributação das mercadorias, recebiam as frotas vindas da metrópole. Por sua vez, as “alfândegas colaterais” - Colônia do Sacramento - tinham como objetivo central oferecer amparo e abrigo de navios que entravam nas cidades-portos classificadas como atlânticas.

Constatou-se que os portos considerados principais - “atlânticos” - possuíam requisitos geográficos adequados ao ancoradouro de vultosas embarcações e, oficialmente, eram responsáveis pelo recebimento das frotas, enquanto os portos apontados como “continentais” estabeleciam um comércio costeiro entre regiões do Brasil. Entretanto, na Colônia do Sacramento, foram identificadas exceções, já que alguns donos de navios, que não queriam aguardar o tempo de formação de comboios de Lisboa para os portos principais da Bahia e/ou do Rio de Janeiro, foram autorizados a seguirem diretamente e despacharem pela sua aduana.

Também foi possível apreender os conflitos dos contratadores da dízima da alfândega do Rio de Janeiro em torno da tributação do comércio de couros. Percebe-se que, de acordo com a situação de contendas, os homens de negócio se utilizavam do conhecimento de experiências de contratadores anteriores para garantir uma maior rentabilidade dos seus negócios nas alfândegas.

Como síntese das conclusões do artigo, destaca-se a análise do conhecimento do porto e da alfândega da Colônia do Sacramento e sua relação com a cidade do Rio de Janeiro em torno da tributação do comércio regional no centro-sul.

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  • WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Direito e justiça no Brasil Colonial: o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808) Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
  • 1
    O desenvolvimento colonial espanhol foi apoiado exclusivamente por fundos coloniais, muitas vezes transferidos de região para região. A monarquia espanhola, uma das mais poderosas no século XVI e início do século XVII, desenvolveu uma espécie de estado fiscal-militar, sendo as alfândegas um desses mecanismos (Pincus; Robinson, 2016, p. 32).
  • 2
    Em Buenos Aires, o fluxo fiscal se revelava maiormente concentrado em um pequeno grupo de funcionários, magistrados, mercadores e militares de patentes superiores que encontravam neste recurso um instrumento para participar com melhores términos de intercâmbio no comércio de longa distância, com o qual boa parte dessa prata que foi para o sítio militar retornava ao circuito do grande comércio (Wasserman, 2016, p. 8).
  • 3
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Consulta sobre as considerações que apresentara o Bispo nomeado do Rio de Janeiro a respeito da sua partida para o Brasil e das verbas necessárias para as despesas do cabido. Lisboa, 12 de dezembro de 1680.” Rio de Janeiro, Castro e Almeida, cx. 8, doc. 1403.
  • 4
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Consulta sobre o aumento da infantaria para a defesa da praça do Rio de Janeiro e a maneira de obter os recursos necessários para a sustentar. Lisboa, 8 de outubro de 1690.” Rio de Janeiro, Eduardo de Castro e Almeida, cx. 12, doc. 2248.
  • 5
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Consulta sobre o aumento da infantaria para a defesa da praça do Rio de Janeiro e a maneira de obter os recursos necessários para a sustentar. Lisboa, 8 de outubro de 1690.” Rio de Janeiro, Eduardo de Castro e Almeida, cx. 12, doc. 2248.
  • 6
    Sobre a Guerra de Sucessão, ver Furtado (2011, p. 66-83).
  • 7
    Acerca da importância do Rio de Janeiro, conferir Sampaio (2003); Bicalho (2013).
  • 8
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Em 12 de julho de 1748 Cipriano de Matos solicitava ao Rei Dom João V o posto de capitão de Mar e Guerra da Armada Real com o soldo e assistência na praça do Rio de Janeiro, tendo em vista os serviços na guerra da Praça da Nova Colônia do Sacramento, na costa do Brasil, Costa da Mina e Angola.” Rio de Janeiro Avulsos, cx. 41, doc. 4216.
  • 9
    SÁ, Simão Pereira de. História topográfica e bélica da nova Colônia do Sacramento do Rio da Prata. Porto Alegre: Arcano 17, 1993. p. 96. (Documento impresso).
  • 10
    Ratificando essa afirmativa, Torres-Sánchez, Brandon e Hart apontam que a estrutura dos Estados fiscais-militares poderosos dependia da capacidade de homens de negócio para compensar perdas numa área do seu negócio com lucros em outras áreas (Torres-Sánchez, Brandon, Hart, 2018, p. 11).
  • 11
    SÁ, Simão Pereira de. História topográfica e bélica da nova Colônia do Sacramento do Rio da Prata. Porto Alegre: Arcano 17, 1993. p. 54. (Documento Impresso).
  • 12
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733)”. Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275.
  • 13
    Domingos Alvares Calheiros, em 1753, possuía negócios e foi nomeado pelo governador e oficiais da Câmara, a pedido do rei Dom José, tesoureiro da alfândega do Rio de Janeiro. A justificativa informada no requerimento é que ele era um homem de negócio que recebia em todas as frotas um cabedal grande de fazendas e tinha vários correspondentes do reino, mantendo igual comércio em todos os portos do Brasil, de que vinha pagando avultadas quantidades de direitos para o rei. Conferir: “Requerimento de Domingos Alvares Calheiros, negociante da Praça do Rio de Janeiro e Tesoureiro da alfândega da mesma cidade, em que pede o ordenado anual de 1:000$000 rs e 200$000 para um fiel contador. (1753). (Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1753).” Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Rio de Janeiro, Eduardo de Castro e Almeida, cx. 71, doc. 16439.
  • 14
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733).” Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275.
  • 15
    Conferir também Fragoso (2000, p. 45-122); Bicalho (2005).
  • 16
    A capa seria um papel que servia como embalagem dos fardos (mercadorias secas). Conferir palavras capa e fardo. SILVA, Antonio de Morais; BLUTEAU, Rafael. Dicionário da Língua Portuguesa composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e acrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. 1. ed. Lisboa: Simão Tadeu Ferreira, 1789. p. 340 [verbete ‘Capa’, v. 1]; p. 12 [verbete ‘Fardo’, v. 2]. (Documento Impresso).
  • 17
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733)”. Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275.
  • 18
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733)”. Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275.
  • 19
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733)”. Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275 (destaque nosso).
  • 20
    Valter Lenine Fernandes afirma que Manoel Correa Vasques foi o primeiro a ocupar o cargo de juiz e ouvidor após a separação da Provedoria da Fazenda Real. Um dos mais importantes senhores de engenho do Rio de Janeiro era também o detentor dos maiores rendimentos com o comércio de fazendas realizado nos arredores do porto dessa capitania. Fidalgo da Casa Real, bacharel formado em Coimbra em 1701, serviu no desembargo do Paço. Filho legítimo de Martim Correa Vasques, mestre de campo na Capitania do Rio de Janeiro e de dona Maria Guiomar de Brito, natural da cidade de Lisboa, era neto por via materna de Manoel Correa, natural de Vila Nova de Famalicão e de sua mulher dona Maria de Mariz, natural do Rio de Janeiro. Ver Fernandes (2019, p. 50-51).
  • 21
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733)”. Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275.
  • 22
    Thiago Alves Dias e Marco Volpini apontam que, ao longo do século XVIII, o porto de Santos passou de porto com predominância de navegação de cabotagem a consistir, a despeito da proeminência do Rio de Janeiro, em porto de importante ligação com o continente europeu, configurando um novo porto atlântico na costa brasileira. Conferir: Dias, Volpini (2020, p. 68).
  • 23
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador da Nova Colônia do Sacramento, António Pedro de Vasconcelos, ao Rei Dom João V, sobre o pagamento dos emolumentos da alfândega da Colônia pelos negociantes daquela praça. (Nova Colônia do Sacramento, 28 de novembro de 1733)”. Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx. 3, doc. 275.
  • 24
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Certidão do Escrivão da Fazenda André Francisco Xavier, sobre os diplomas relativos aos quintos dos couros da Nova Colônia do Sacramento, que se encontrava, registrados nos livros da Provedoria Fazenda Real. Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 1749.” Rio de Janeiro Eduardo de Castro e Almeida, cx. 57, doc. 13226.
  • 25
    Discussões sobre fronteiras e territorialidades, ver Romani, Menegat, Aranha (2019).
  • 26
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador do Rio de Janeiro, Aires Saldanha de Albuquerque, ao Rei Dom João V, em resposta à provisão de 4 de maio de 1722, sobre a publicação de editais a respeito do transporte de pessoas e cargas nos navios da frota daquela capitania com destino à Nova Colônia do Sacramento, impedindo o seu conveniente abastecimento, registrando-se tal ordem nos livros da Secretaria desse Governo, da Fazenda e alfândega.” Rio de Janeiro Avulsos, cx. 12, doc. 1393.
  • 27
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do Governador do Rio de Janeiro, Aires Saldanha de Albuquerque, ao Rei Dom João V, em resposta à provisão de 4 de maio de 1722, sobre a publicação de editais a respeito do transporte de pessoas e cargas nos navios da frota daquela capitania com destino à Nova Colônia do Sacramento, impedindo o seu conveniente abastecimento, registrando-se tal ordem nos livros da Secretaria desse Governo, da Fazenda e alfândega.” Rio de Janeiro Avulsos, cx. 12, doc. 1393.
  • 28
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Provisão pela qual se concedeu licença a Antônio Rodrigues Vaz para enviar diretamente à Colônia do Sacramento o navio Nossa Senhora do Bom Despacho e Santo Antônio de que era capitão Francisco Xavier da Cruz (Lisboa, 7 de maio de 1733).” Rio de Janeiro Eduardo de Castro e Almeida, cx. 33 doc. 7755.
  • 29
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do governador da Nova Colônia do Sacramento, Antônio Pedro de Vasconcelos, ao rei D. João V, prestando contas dos rendimentos da alfândega da Colônia (Nova Colônia do Sacramento, 18 de fevereiro de 1734).” Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx.3, doc. 277.
  • 30
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do governador da Nova Colônia do Sacramento, Antônio Pedro de Vasconcelos, ao rei D. João V, prestando contas dos rendimentos da alfândega da Colônia (Nova Colônia do Sacramento, 18 de fevereiro de 1734).” Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx.3, doc. 277.
  • 31
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Carta do governador da Nova Colônia do Sacramento, Antônio Pedro de Vasconcelos, ao rei D. João V, prestando contas dos rendimentos da alfândega da Colônia (Nova Colônia do Sacramento, 18 de fevereiro de 1734).” Colônia do Sacramento e Rio da Prata, cx.3, doc. 277.
  • 32
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Requerimento do Contratador da dízima da alfândega do Rio de Janeiro que leve em conta a importância da dízima que se pagavam pelos couros. (Rio de Janeiro, dois de abril de 1729).” Rio de Janeiro Avulsos, cx. 22, doc. 2377.
  • 33
    João Fragoso e Maria de Fátima Silva Gouvêa destacam que, no final da década de 1720, os Almeida Jordão começavam a desempenhar poderes no Rio de Janeiro que eram frutos das estratégias de casamentos com reinóis de menor qualidade, porém, com posição-chave na economia da cidade. Francisco Luís Sayão era considerado um grande contratador de impostos e associado aos Almeida Jordão. Cf. Fragoso, Gouvêa (2006, p. 43-47).
  • 34
    Inácio de Almeida Jordão, membro de uma importante família da elite mercantil fluminense, filho mais jovem de Francisco Almeida Jordão, foi um dos principais homens de negócio carioca de seu tempo. Cf. Sampaio (2006, p. 51-76).
  • 35
    Este era reinol, natural de São João de Brito, arcebispado de Braga, e tinha vários negócios no Rio de Janeiro, atuando como procurador do contrato da Dízima da Alfândega, arrematado no Conselho Ultramarino por Francisco Luiz Sayão, procurador de Henrique Pedro Dauvergne, junto ao contrato de saída dos escravos do Rio de Janeiro para as Minas e sócio de negócios ultramarinos com a importante família Almeida Jordão. Cf. Sá, (2021, p. 136).
  • 36
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Requerimento do Contratador da dízima da alfândega do Rio de Janeiro que leve em conta a importância da dízima que se pagava pelos couros. (Rio de Janeiro, 02 de abril de 1729).” Rio de Janeiro Avulsos, cx. 22, doc. 2377.
  • 37
    Miguel Dantas indica que a dízima, arrendada, todos os anos, para além de servir para cobrir a folha civil, a folha eclesiástica e outras despesas menores e relativamente incertas (decorrentes de provisões especiais passadas pelo monarca), era também empregue no pagamento das fardas dos soldados (um terço do valor total). Cf. Cruz, (2015, p. 163).
  • 38
    Os diferentes segmentos de mercadores (procedentes dos portos continentais ou dos portos atlânticos) tinham negócios em diferentes regiões da América portuguesa. A título de exemplo temos o homem de negócio Feliciano Velho Oldemberg, que tinha negócios na Bahia, no Rio de Janeiro, na Colônia do Sacramento, em Goa e em Macau. Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Cartas de José Viene para Diogo de Mendonça Corte Real, sobre os litígios entre Manuel de Oliveira Braga, José de Araújo Gomes, Feliciano Velho Oldemberg e os Castelhanos José de Villanueva Pico e D. José Bayo Ximenes. (Buenos Aires, 12 de abril de 1752).” Rio de Janeiro, Castro Almeida, cx. 70, doc. 16857-16261.
  • 39
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), “Requerimento do Contratador da dízima da alfândega do Rio de Janeiro que leve em conta a importância da dízima que se pagava pelos couros, (Rio de Janeiro, 02 de abril de 1729).” Rio de Janeiro Avulsos, cx. 22, doc. 2377.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2021
  • Aceito
    08 Fev 2022
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