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Apresentação

APRESENTAÇÃO

O volume 47 (2) da Revista Trabalhos em Lingüística Aplicada reúne nove textos que abordam, de diferentes maneiras, questões que envolvem o multiculturalismo e o plurilingüismo na contemporaneidade. Também alinhava os textos aqui contidos o fato de suas autoras pertencerem ao Grupo de Trabalho Transculturalidade, Linguagem e Educação da ANPOLL - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Lingüística. Afinados com a vocação precípua desse GT, que tem como norte a educação para a diversidade, esses textos procuram dar inteligibilidade a práticas e discursos não hegemônicos; desvelar estigmas, preconceitos e estereótipos presentes na sociedade e/ou fazer ouvir grupos sociais ou povos que estão em busca de afirmação cultural e política.

O GT Transculturalidade, Linguagem e Educação agrega pesquisadores, de diferentes áreas do conhecimento, oriundos de universidades dos cinco cantos do país. Neste número temático da revista estão representados quatro deles: o nordeste (UFBA, UNEB, UNIFACS); o centro oeste (UFMT); o sudeste (UNICAMP) e o sul (UNIOESTE e FURB).

O texto que abre este volume é de Maria Inês Pagliani Cox. Nele, a autora focaliza os diferentes sentidos que professoras de Letras constroem acerca de formas outras do português que não aquela considerada padrão quando educam seus alunos, dentro da escola, e seus familiares, fora dela. A concepção de língua portuguesa dessas educadoras acomoda a heterogeneidade e a mudança constitutivas dessa e de qualquer língua ou essa concepção está fixada nos princípios da uniformidade, da estabilidade lingüística? Quais as implicações da resposta a essa pergunta quando se tem em mente a necessidade de uma educação lingüística no país que não se paute pela noção de certo ou errado? Essas são as questões que guiaram as mãos de Cox quando da escrita de seu artigo.

No texto seguinte, Katia Maria Santos Mota, nos convida a entender o que significa ser um imigrante brasileiro hoje nos Estados Unidos. Dando voz a crianças e jovens que se encontram nessa condição, a autora vai pouco a pouco pontuando, em seu texto, os conflitos e as tensões por eles vivenciados no processo de socialização no estrangeiro. Para tanto, Mota examina suas representações acerca da vida no Brasil e no país hospedeiro e do que seria sua "identidade nacional". Em seguida, a autora discute o modo como interpretam o valor social de suas escolhas lingüísticas e seus desejos e motivações para fixar residência em um dos países em pauta.

O que motiva comerciantes brasileiros a fazerem uso, mais e mais, de expressões da língua inglesa ou de traços dessa língua para nomear seus estabelecimentos? O artigo de Ana Antônia de Assis-Peterson, o terceiro deste volume, pretende responder a essa questão, examinando-a à luz dos conceitos de transglossia e transculturalidade. Nesse percurso, a autora vai, além disso, demonstrando - sempre apoiada por fartos dados empíricos - o modo como esses comerciantes, desafiando as fronteiras lingüísticas estabelecidas, apropriam-se do inglês e produzem, audaciosamente, signos mestiços. Assis-Peterson argumenta a favor de que esses signos não sejam interpretados como ameaças à identidade brasileira, mas como evidências de sua inventividade em tempos de globalização.

Na continuidade, o leitor encontrará, no texto de Maristela Pereira Fritzen, uma descrição cuidadosa dos conflitos lingüísticos e identitários presentes em uma pequena escola rural localizada em zona de imigração alemã no sul do Brasil. Tais conflitos, explica Fritzen, advêm do fato de os alunos em questão ainda hoje terem como língua materna uma variedade específica de sua língua de herança, o alemão, e de o seu português trazer em si marcas dessa mesma língua. A autora chama a atenção para a necessidade de que haja investimentos na educação de professores da região, de modo a impedir que o repertório lingüístico desses alunos continue sendo estigmatizado.

O texto escrito por Regina Coeli Machado e Silva direciona nosso olhar para Foz do Iguaçu e para o que é representado como sendo a "comunidade árabe" local. A autora argumenta que, sendo composta, na realidade, por diferentes grupos de imigrantes, a identidade de seus membros não é claramente definida pela sociedade hospedeira. E é esse sentido difuso inscrito no ser árabe em Foz do Iguaçu que faz com que seja possível, ora incluir os membros dessa "comunidade" nas práticas cidadãs locais, ora excluí-los das mesmas. Na conclusão do artigo, Silva aponta as pistas analíticas que podem nos ajudar a entender a complexa reordenação de identidades descrita em seu texto.

Denise Scheyerl e Sávio Siqueira, autores do sexto artigo desse volume, focalizam, em seu texto, representações do que é ser brasileiro, com o intuito de refletir sobre questões pertinentes à constituição da identidade de um povo. Para tanto, eles recorrem, inicialmente, à análise do modo como representações, historicamente construídas, delegaram à brasilidade atributos estereotipados. Em seguida, Scheyerl e Siqueira comparam tais representações com aquelas hoje atribuídas por um grupo de estrangeiros, para concluir que os brasileiros continuam, pouquíssimas exceções à parte, sendo representados de forma bastante engessada e estereotipada, não se considerando a multiplicidade de identidades que compõem a nação brasileira.

O foco de reflexão do texto de Ivani Rodrigues Silva é a língua construída por mães ouvintes e crianças surdas quando essas interagem. A impossibilidade de utilização, nessas interações, da língua materna das mães em questão (o português) e da língua de sinais utilizada por surdos adultos, faz surgir uma alternativa de linguagem, comumente vista como não legítima. A autora argumenta que na base dessa não legitimação está, em primeiro lugar, a noção de língua como entidade idealmente homogênea e, em segundo, o fato de apenas a língua portuguesa e a língua de sinais serem reconhecidas como únicas alternativas válidas quando da interação, na pequena infância, de mães ouvintes com seus filhos surdos.

O penúltimo texto deste volume, de autoria de Terezinha Machado Maher, focaliza o processo de formação de um grupo de professores-pesquisadores indígenas no Acre. Com base em dados empíricos gerados durante esse processo, a autora chama a atenção para necessidade de investimento na descolonização de metodologias, uma vez que procedimentos e instrumentos de pesquisas não são "neutros" e, sim, "produtos culturais". Ainda apoiada nesses mesmos dados, Maher sugere a) que sejamos cautelosos ao nos referirmos ao "local", de modo a não entendê-lo como "consensual" e b) que, como a suspensão de toda e qualquer referência cultural no encontro com a alteridade é impossível - mesmo quando se tem um compromisso político genuíno com o Outro -, conceitos como "grafocentrismo" e "etnocentrismo" nem sempre são produtivos para explicar os conflitos que emergem em diálogos interculturais.

Maria Elena Pires Santos e Marilda do Couto Cavalcanti, autores do texto que fecha este volume, trazem novamente à baila Foz do Iguaçu. Dessa feita, no entanto, o foco de reflexão e análise é outro grupo de imigrantes: os "brasiguaios". As autoras problematizam, inicialmente, essa própria designação, já que ela estigmatiza os brasileiros que, tendo imigrado para o Paraguai, foram forçados a retornar ao nosso país. Em seguida, Santos e Cavalcanti, discutem o modo como alunos que se encaixam nessa categoria de imigrantes recém-retornados tentam escapar, na escola, dessa identidade estigmatizante que lhes é atribuída. A hibridez manifestada em sua escrita ou em sua leitura em voz alta, no entanto, insiste em revelar sua condição de "brasiguaios", não permitindo que eles encontrem refúgio, como tanto almejam, na invisibilidade.

Espero que este volume de Trabalhos em Lingüística Aplicada contribua para aumentar nosso conhecimento acerca da multiplicidade e complexidade das práticas lingüísticas e culturais que compõem, contemporaneamente, a tessitura social. É, minha expectativa, além disso, que os textos aqui incluídos colaborem para que as diferenças neles apontadas possam ser mais respeitadas.

Por fim, agradeço, em nome do GT Transculturalidade, Linguagem e Educação, às editoras chefes desta revista, as professoras Matilde Scaramucci e Maria José Coracini, por terem, generosamente, cedido espaço para que esse Grupo de Trabalho da ANPOLL pudesse tornar público parte de sua produção.

Terezinha Machado Maher

Organizadora

Campinas, setembro de 2008

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2008
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