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Os intermediários anônimos da autoria: Raízes do Brasil e o aparecimento difuso do nome “S(é)rgio Buarque de Hol(l)anda”

The anonymous intermediaries of authorship: Raízes do Brasil and the diffusion of the name “S(é)rgio Buarque de Hol(l)anda”

Los intermediarios anónimos de la autoría: Raízes do Brasil y el aparecimiento difuso del nombre “S(é)rgio Buarque de Hol(l)anda”

RESUMO

Analisar as resenhas propagandísticas e/ou sem identificação de autoria divulgadas à época do surgimento, em 1936, do livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, é o objetivo do presente artigo. Tais papéis se materializaram, sobretudo, na imprensa, e circularam de forma majoritária por inúmeras cidades do território nacional. Atento aos vestígios por vezes aparentemente insignificantes da documentação, o estudo ora apresentado visa a compreender a recepção e os percursos da lenta emergência da figura-autor em destaque.

Palavras-chave:
resenhas; autoria; Raízes do Brasil; Sérgio Buarque de Holanda; recepção

ABSTRACT

This article analyzes the propagandistic and/or anonymous reviews of Sérgio Buarque de Holanda’s 1936 book Raízes do Brasil. These reviews were published in the press and circulated in numerous cities across the country. Attentive to the sometimes seemingly insignificant vestiges of documentation, this study aims to understand the pathways through which the featured author-figure slowly emerged.

Keywords:
reviews; authorship; Raízes do Brasil; Sérgio Buarque de Holanda; reception

RESUMEN

Analizar las reseñas propagandísticas y/o sin identificación de autoría divulgadas en la época del surgimiento, en 1936, del libro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, es el objetivo del presente artículo. Tales papeles se materializaron, sobre todo en la prensa y circularon mayoritariamente en innúmeras ciudades del territorio nacional. Atendiendo a los vestigios muchas veces insignificantes de la documentación, el estudio presentado pretende comprender la recepción y las trayectorias de la lenta emergencia de la figura-autor en destaque.

Palabras clave:
reseñas; autoría; Raízes do Brasil; Sérgio Buarque de Holanda; recepción

Figura 1:
Parte superior da contracapa do livro Raízes do Brasil, 1. ed, 1936

Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas - sinais, indícios - que permitem decifrá-la.

Carlo Ginzburg

A fotografia que escolhi para abrir este artigo1 1 Este texto é uma síntese do capítulo 1 de minha tese de doutorado, ainda inédita, que recebeu financiamentos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), via bolsas de estudos para realizar pesquisas no Brasil e na França. , a contracapa da primeira edição de Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, contém um tipo de detalhe representativo dos vestígios aos quais procurei atentar ao longo da presente reflexão. Isso porque, embora eu possa apostar que o livro, quase octogenário quando o ganhei (2015), custara uma pequena fortuna, o que se vê registrado, a lápis, no canto superior direito da página é um valor bem abaixo de sua cotação atual ou ao tempo do seu lançamento.

Algo se processara entre aquele momento e os dias de hoje, de modo que defendo ser isto uma pista instigante a qualquer pesquisa interessada no capital cultural/científico de determinada obra e autoria junto ao poder de negociação que ela tem para fazer seus lances no desequilibrado jogo social.2 2 Há duas espécies básicas de capital científico: o temporal ou político e o do prestígio ou simbólico, no interior do Campo de lutas no qual estão inseridos os agentes que traçam táticas e estratégias para melhorarem ou manterem suas posições, mas cujo êxito depende das forças que conseguem mobilizar para lhes garantir largo trânsito nas relações de poder. Quanto ao capital cultural, este se desdobra em incorporado (habitus familiar), institucionalizado (diplomas escolares, títulos e postos acadêmicos) e objetivado (bens concretos) que tendem a reproduzir as mesmas estruturas que os sustentam e/ou melhoram os seus lugares de distinção (BOURDIEU, 2007). Daí a minha atenção a esse tipo de detalhe, além dos paratextos editoriais, isto é, os espaços que circundam a palavra impressa (GENETTE, 2009GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009.).

Frente ao extraordinário sucesso editorial, então consolidado, de Raízes do Brasil, os estudiosos tentaram situar o escrito de Sérgio Buarque transformado em livro em seu ambiente social, político, econômico e cultural de produção. Entretanto, as alternativas mais ou menos convincentes que por muitos anos domina(ra)m o debate - clássico de nascença, weberiano, modernista, gestado na Alemanha... - deixaram de lado as mutações que incidiram sobre o criador e a criatura. Igno(ra)ram os múltiplos quadros receptivos por que passou o impresso, os diferentes status e valores agregados pelas casas editoriais e coleções por onde ele transitou, bem como, por consequência, o universo heterogêneo de sua(s) comunidade(s) de leitores.3 3 Atentar à comunidade de leitores consiste em observar as formas por meio das quais os textos são recebidos e podem ter seus sentidos reelaborados pelas diferentes apropriações que se manifestam nas práticas desse exercício criativo que é a leitura (Cf. FISH, Stanley apud CHARTIER, 1994).

De forma adicional, é comum verificar as largas utilizações de categorias como “obra” e “autor”. A naturalidade com que elas são empregadas para se referir só aos livros em si e a um certo “eu” buarqueano como totalidades coerentes e acabadas desde e para todo o sempre, impressiona. Mal se pergunta se à primeira suposta unidade corresponderia a tudo escrito por alguém ou só uma parte? O limite estaria no que foi publicado ou se inclui aí os originais e os rascunhos? E os herdeiros intelectuais, leitores, ex-alunos etc. entrariam no sentido lato da expressão por se apropriarem e ajudarem a perpetuar determinados pensamentos ao lado das instituições voltadas à cultura e/ou educacionais que tendem a desempenhar esse papel? (Cf. FOUCAULT, 1992FOUCAULT, Michel. O que é um autor?Lisboa: Passagens, 1992.).

De outro lado, são desconhecidas, no caso em apreço, interrogações cuja prioridade consiste em discutir de maneira sistemática a importância da publicação do título de estreia do escritor no formato de livro, como meio que lhe assegurou o estatuto da autoria.4 4 Esta foi uma das metas de minha tese que não desenvolverei aqui, mas a aponto para demarcar alguns problemas históricos e historiográficos com os quais lidei. No presente estudo apresento o primeiro andaime da argumentação. Abdica-se de todo um debate sobre a dupla condição dependente-e-reprimido, que deixa marcas profundas em suas identidades gráficas e, ainda, parece inexistir dúvidas quanto às instabilidades que também atingem a emergência do nome próprio como princípio fundamental da determinação dos escritos. Afinal, como Sérgio Buarque de Holanda tornou-se Sérgio Buarque de Holanda?5 5 Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) nasceu em São Paulo capital e morreu nesta mesma cidade. Em 1921 transferiu-se para o Rio de Janeiro, então Distrito Federal (DF), e iniciou seus estudos na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil (UB), formação que mal exerceu. Envolveu-se em debates do movimento modernista e passou a colaborar na imprensa, sobretudo a do eixo Rio-São Paulo. No fim dos anos 1920 partiu para a Alemanha como enviado especial d’O Jornal. De volta ao país, retornou às redações e, em 1936, teve publicado seu primeiro texto em forma de livro, Raízes do Brasil, cuja recepção me ocupo aqui. Logo, não avançarei sobre os dados de sua trajetória, evitando antecipar seus futuros passados. Para acompanhar trabalhos com viés biográfico, ver, entre outros, Carvalho (2017).

A resposta para tal questionamento não é simples. Mas um percurso que vise desvelar este processo de constituição autoral passa, necessariamente, pela análise das fortunas críticas coevas ao lançamento do pensamento buarqueano impresso, negligenciadas em demasia entre os estudiosos do intelectual polígrafo em destaque.6 6 Nesse sentido, cito a referência de Castro (2002). Entre os que inicialmente se debruçaram sobre parte da fortuna crítica relativa ao lançamento do livro de “estreia” buarqueano, essa pesquisa teve o mérito de mobilizar algumas resenhas assinadas. O intuito de Castro consistiu em destacar o viés indeciso e moderno das reflexões presentes no texto de 1936, que determinados avaliadores dessa publicação realizaram. No caso do artigo que ora apresento, ao mobilizar a totalidade dos textos saídos na imprensa e salvos no Fundo Sérgio ­Buarque de Holanda (SBH), do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas ­(Siarq-UNICAMP), opto por registros sem identificação autoral, anônimos ou só difusores. Aí reside a diferença do que proponho, pois viso salientar a contribuição desses paratextos editoriais na ainda instável autoria buarqueana.

Por isso, nos limites da presente reflexão, investigarei uma parcela das resenhas situadas na série Produção de Terceiros do Fundo Sérgio Buarque de Holanda (SBHFUNDO Sérgio Buarque de Holanda(SBH). Série: Correspondência. Subsérie: Passiva. 254 - Carta de Gilberto Freyre a Sérgio Buarque de Holanda felicitando-o pelo Ano Novo. Recife, 13 jan.1934. as. ileg. 1p. Cp 32 P5. Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas (Siarq-UNICAMP).), do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas (Siarq-UNICAMP). Embora ela reúna documentos saídos em periódicos, do país ou do exterior, a propósito dos livros que ele assinou como autor principal, meu interesse se voltará aos 44 registros sobre o lançamento de Raízes do Brasil, em 1936, de caráter propagandístico e/ou sem identificação de autoria.7 7 A preferência pelo termo propaganda se liga ao esclarecimento de que, como na difusão de ideias políticas, ele era usado nos anos 1930 para se referir às mercadorias de ordem cultural e não era “intercambiável com a atual noção de publicidade” (SORÁ, 2010, p. 187). Convém sublinhar que a subsérie Resenhas (Fundo SBH), é composta de 181 textos, vindos de 104 registros, publicados entre 1936 e 1981, relativos às avaliações sobre as várias edições dos livros Raízes do Brasil, Cobra de vidro (1944), Monções (1945), Caminhos e fronteiras (1957), Visão do paraíso (1959), coleção HGCB (1960-1984) e Tentativas de mitologia (1979). Especificamente acerca da “obra” de estreia buarqueana, vale dizer que, no caso da edição princeps, correspondem a 78 artigos. Desse montante, 34 resenhas possuem alguma identificação de autoria e 44, às quais voltar-me-ei a partir de agora, não. Atentarei às especificidades de cada um de seus detalhes, sobretudo os de aparente insignificância, quase imperceptíveis - ou que foram desprezados - em investigações precedentes.8 8 Eis outra distinção que apresento, pois busco paradigmas indiciários aplicados à História do Livro, da Edição e da Leitura, procurando “formas de saber tendencialmente mudas [...]. Nesse tipo de conhecimento entram em jogo [...] elementos imponderáveis: faro, golpe de vista, intuição” (GINZBURG, 2007, p. 179). Afinal, nenhum trabalho que tenha usado algumas resenhas, com ou sem identificação dos críticos de Raízes do Brasil, considerou a forma de grafar seu nome como indício de uma autoria indefinida ou que tratasse, sobretudo, os processos editoriais e receptivos. Mesmo quanto ao já citado Castro (2002) ou do estudo seminal de Carvalho (2003).

As 44 resenhas circularam entre 1936 e 1938. Entre elas sobram exemplos de rápidas notas difusoras, ao passo que outros textos teceram duras críticas, feito juízes do gosto, atuando no sentido de avaliar a edição através de um rigoroso arbítrio que acabava por classificá-la. Via de regra, a ênfase dos anúncios recaía sobre três principais aspectos: a marca editorial de progressivo reconhecimento, a Livraria José Olympio Editora (LJOE); a sua recém-criada coleção que foi chamada de Documentos Brasileiros; e o coordenador escolhido para dirigi-la, a saber, o pernambucano Gilberto de Mello Freyre.9 9 Ao contrário do que se poderia imaginar - ou a sugerir -, as resenhas da série Produção de Terceiros concernentes à edição princeps de Raízes do Brasil não poderiam ser enquadradas em reflexões sobre a construção da memória, conforme se costuma fazer diante dos acervos pessoais. É claro que, hoje, tais papéis integram o espólio buarqueano no arquivo Siarq-UNICAMP e na Biblioteca Central César Lattes (BCCL) da mesma universidade, na condição de coleção especial. Mas, quanto às críticas, assinadas ou não, da “obra” de estreia, faz-se necessário destacar que sua existência se prestava antes a um gesto de caráter reverencial, pois os registros foram coligidos, em Álbum, pela irmã do intelectual, Cecília Buarque de Holanda (1908-?), na contemporaneidade mesma do surgimento do texto em livro. Portanto, sua essência primeira correspondia mais a homenagem marcada por orgulho e admiração familiar do que propriamente um gesto deliberado visando à posteridade de uma imagem.

Do primeiro elemento, é sabida a sua história, pois se confunde com a de seu idealizador. Paulista de Batatais, José Olympio Pereira Filho nasceu no ano de 1902. Apadrinhado por Altino Arantes - conterrâneo de maior prestígio e então governante do estado de São Paulo - em 1918 foi para a capital com um emprego na Casa Garraux assegurado pelo político (Cf. HALLEWELL, 1985HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil. São Paulo: Edusp, 1985.).10 10 Este mundo livresco indiferenciado era fruto de negócios iniciados por franceses (Garnier e Briguiet), portugueses (Francisco Alves) e alemães (Laemmert), de grande sucesso em fins do oitocentos. Magasin que se fixara desde a segunda metade do século XIX, frequentada pela alta sociedade, ali se vendia de tudo, sendo os livros uma das mercadorias. Ao iniciar suas atividades em serviços gerais, ele chegou ao posto de gerente, em 1926, com a saída de um antigo funcionário.

Quatro anos depois, com a morte de Alfredo Pujol - membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), advogado e político - sua biblioteca particular, uma das maiores do Brasil na ocasião, com cerca de 10 mil exemplares e muitas raridades, foi posta à venda. Naquele momento, ao mobilizar a arte da amizade e as redes de sociabilidade urdidas no exercício de suas funções, José Olympio reuniu fundos e arrematou o precioso acervo, que lhe permitiu abrir a sua própria livraria, na Rua da Quitanda, 19A, em 29 de novembro de 1931 (SORÁ, 2010VENANCIO, Giselle. Oliveira Vianna entre o espelho e a máscara. Belo Horizonte: Autêntica , 2015., p. 74-75).

Não demoraria para logo revelar que suas ações seriam distintas dos gestos típicos de livreiros-impressores atuantes no país. Porque não só comercializaria livros, mas também os publicaria, evidenciando-se mais tarde como editor, num processo de diferenciação no qual o produto nativo teria vez e sendo a coleção Documentos Brasileiros um ambicioso desafio.11 11 No Brasil, a autonomia de tais atitudes, desapegadas de uma livraria ou quaisquer outros tipos de comércios que não a produção de livros, cabe a Monteiro Lobato, cuja “casa” passou a funcionar em 1918, com o lançamento de seu livro Urupês. O êxito de vendas deste impresso o levou a se arriscar com novos estreantes, primando pelo cuidado gráfico e criando tarefas sem relação com as de natureza livreiras. Isto serviu para firmar a figura do editor, cujo ciclo atinge contornos mais definidos nos anos 1940 (Cf. MICELI, 2001).

Outro traço marcante de José Olympio Pereira Filho à frente dos negócios foi a habilidade no estreitamento das relações afetivas com poderosos da cena política, mas, sobretudo, por agradar os escritores que se vinculavam à “casa”.12 12 E isso tinha conjunturalmente sua razão de ser, pois, até a Primeira Grande Guerra (1914-1918), o ritmo da produção de livros no país era diminuto em termos quantitativos, quase limitado a títulos didáticos ou jurídicos (os únicos de boa vendagem). O boom da década seguinte não transformaria no todo o estado da arte, porque restrito às capitais e com sistemas de distribuição precários (Cf. BRAGANÇA, 2000).

Portanto, numa configuração marcada pela dependência do campo intelectual e por um mercado de bens simbólicos ainda pálido, quem tinha amigos, dispunha de oportunidades. Daí que o último elemento-chave das 44 resenhas propagandísticas relativas ao título de Sérgio Buarque de Holanda era representado pelo destaque que se reservou ao coordenador da Documentos Brasileiros, ou seja: Gilberto Freyre.13 13 O pernambucano Gilberto de Mello Freyre (1900-1987) atuou sobretudo como escritor. Formado nos Estados Unidos da América (EUA) em Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais e em Letras, lançou o Manifesto regionalista em 1926. Com a ascensão de Getúlio Vargas, exilou-se na Europa, indo residir em Portugal, quando foi lecionar como professor visitante na Stanford University (EUA) no ano de 1932. Considero estes dados como os mais significativos antes que ele passasse a dirigir o projeto da Livraria José Olympio Editora (LJOE). Sua proximidade com José Lins do Rego, já escritor de dois romances, o qual conheceu em Recife dos anos 1920, foi decisiva para lhe conectar às editoras sediadas na então capital federal.14 14 Até a emergência de Raízes do Brasil, José Lins do Rego (1901-1957) teve publicados Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934) e O moleque Ricardo (1935). Nascido em Pilar (Paraíba), filho de grandes latifundiários, formou-se em Direito. Em 1925 foi nomeado promotor em Manhuçu (MG). Depois foi para Maceió (AL), sendo fiscal de bancos e de consumo, até 1935, atuando também na imprensa. Neste ano, nomeado fiscal do imposto de renda, fixou-se na capital do país, onde obteve seus livros publicados.

No Rio de Janeiro, aliás, em 3 de julho de 1934 a LJOE tinha concluído sua transferência e inaugurado a sede em um ilustre endereço: a Rua do Ouvidor, 110, ponto central da cidade. O gesto é visto como fator essencial na curva da trajetória e no projeto de diferenciação da marca. Porque em um só ato deixava a movediça São Paulo um pouco para trás - abatida que estava pelos efeitos do colapso da crise de 1929 -, e rumava em direção aos ares cariocas, cujos ventos concentravam parcela significativa da crítica dos anos 1920 e 1930. Outro aspecto se ligava à estrutura e ao gosto do mercado nascente. As instâncias produtivas se reuniram na chamada região Centro-Sul,15 15 Essas mudanças integram o processo de substituição de importações, alavancado pela recessão que se abateu sobre as economias no fim dos anos 1920, mas dando um impulso à indústria nacional de livros. Afinal, não fazia muito que eles eram adquiridos e produzidos sobretudo no exterior (Portugal e França), com tiragens pouco maiores que mil exemplares e custeadas, muitas vezes, pelos interessados (Cf. MICELI, 2001). que detinha 59% das gráficas e 61% das editoras do país.16 16 Observo tais dados sem pretender realçar uma imagem exclusiva de crise no setor pelo viés político (como quer HALLEWELL, 1985) a não ser como um elemento entre muitos.

Mesmo assim, mantinha-se o livro didático como o carro-chefe dos negócios, devido às reformas de Francisco Campos e Gustavo Capanema. Porém, saíam um pouco de cena os títulos jurídicos, por razões que ficariam nítidas na década seguinte, dando espaço à ficção.

Foi desta última seara que emergiu a figurade José Lins do Rego e, com ele, alguns de seus amigos, como Gilberto Freyre. Claro que o prestígio deste para dirigir a coleção Documentos Brasileiros não emanou só da conexão paraibana vinculada ao Grupo de Maceió (Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Valdemar Cavalcanti etc.). Mesmo porque, como ele se tornara conhecido face ao estrondoso sucesso de Casa-grande & senzala, lançado em 1933, por Maia e Schmidt (Rio de Janeiro), e único do catálogo classificado como Antropologia, é provável que José Olympio já o visasse. Mas é certo que foi o romancista quem os colocou em contato.17 17 As trocas de cartas entre o escritor e o empresário evidenciam o caso (SORÁ, 2010, p. 184).

E, tal como Freyre conhecera Rego nos anos 1920, a década também teria sido o palco de outros encontros e amizades. O cenário descrito é um café, no bairro carioca do Catete, onde o pernambucano, de passagem pela capital do país, conta que conheceu Alfredo ­Viana da Rocha Filho (Pixinguinha), Ernesto Joaquim dos Santos (Donga) e Sérgio Buarque, quando, entre outros, varavam noites em rodas de conversas, servindo-se de chopes e do embalo de canções.

Isto pessoalmente, pois, em realidade, já tinham ouvido falar um do outro por meio da revista Estética, que o agora estreante de Raízes do Brasil tinha editado com Prudente de Morais, neto, a partir de 1924, como espécie de sucursal carioca do modernismo. O caso envolvia a possibilidade de publicação de um artigo sobre James Joyce por Buarque de Holanda, no periódico que dirigia com Prudente, mas que não se efetuou. Entretanto, o anúncio na quarta-capa do primeiro número teria despertado o interesse de Freyre, que se antecipou com um texto sobre Ulysses - o romance mais famoso do irlandês - na imprensa de Recife.18 18 Cf. o episódio em Wegner (2005).

Contudo, a despeito de uma aproximação pelo nível de disputas, o fato é que cresceria aí uma boa relação. Numa correspondência que endereçou a Buarque de Holanda após cerca de um decênio, Freyre lhe desejou felicidade pelo ano novo e contou sua suspeita quanto ao surgimento de Casa-grande & senzala. Dizia ainda que, se isso estivesse confirmado, um exemplar o esperaria junto aos editores e que ele recebesse com enorme “abraço de seu amigo”. No fecho, com uma intimidade que atesta os encontros na cidade maravilhosa, anotou: “Quando passar pela rua de S. José e vir alguma colegial mais romântica, lembre-se do Gilberto”.19 19 Série: Correspondência. Subsérie: Passiva. 254 - Carta de Gilberto Freyre a SBH felicitando-o pelo Ano Novo. Recife, 13 jan. 1934. as. ileg. 1p. Cp 32 P5. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP. Sabe-se que, mais tarde, tal amizade se converteria em oposição (Cf. ROCHA, 2012).

Neste vai-e-vem incessante de papéis que engendrava todo um circuito letrado pelos correios e, ao endossar a informação de que fora José Lins do Rego o responsável por conectar José Olympio Pereira Filho com Gilberto Freyre, pouco mais de dois anos depois, este enviaria uma nova missiva importante aos nexos que aqui se fazem representativos. “Caro JO”, dizia ele e continuava: “em resposta a sua carta de 13 do corrente, tenho o prazer de comunicar-lhe que aceito dirigir a coleção ‘Documentos Brasileiros’ [...]. Concordo com as condições da proposta que v. me fez - quinhentos mil-réis mensais e 2% sobre o preço de capa dos volumes”.20 20 Arquivo Livraria José Olympio Editora. Adm. 193. Pasta Correspondência. Carta de Gilberto Freyre a José Olympio, Rio de Janeiro - 26 maio 1936. Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB).

O tom objetivo e respeitoso denotava uma relação restrita ainda à questão profissional, diferente do feliz 1934 enviado ao amigo Sérgio das andanças pelo Rio. Aceito o convite, logo o coordenador iria impor seus planos sobre o empreendimento, apesar das tentativas do romancista em se manter como intermediário ativo. É o que se observa numa carta, de 4 de julho, na qual Freyre responde à sugestão de José Lins para a Documentos Brasileiros ser inaugurada com o diplomata Alberto Rangel. Isso lhe pareceu uma boa ideia, mas o volume de abertura deveria “ser o de Sérgio - por ser um estudo inteiro, sério e profundo sobre um só assunto, e por já figurar como o primeiro na introdução que escrevi” (FREYRE apudFRANZINI, 2006FRANZINI, Fábio. À sombra das palmeiras: a coleção Documentos Brasileiros e as transformações da historiografia nacional (1936-1959). Tese (Doutorado em História). USP, São Paulo, 2006., p. 105),21 21 Segundo este trabalho, José Olympio Pereira Filho acatou a decisão do diretor do projeto sem demonstrar suspeita quanto ao êxito de vendas. Explicou, porém, que preferia o próprio texto que Gilberto Freyre vinha escrevendo, Nordeste, para abrir a Documentos Brasileiros, e que sairia, em 1937, como o 4º volume da série. ou seja, o Prefácio.

Em outubro, era o empresário que lhe escrevia para acompanhar os trabalhos, pois o texto do “Sergio”, dizia, “sairá finalmente no dia 20 do corrente. [...]. Mandei fazer (e mandarei fazer sempre de cada livro) vinte exemplares fora de comércio, sendo dez para a casa e dez para o autor, além dos que ele já tem dos exemplares em papel comum”.22 22 Arquivo Livraria José Olympio Editora. Adm. 193. Pasta Correspondência. Carta de José Olympio a Gilberto Freyre, Rio de Janeiro - 10 out. 1936. FCRB. “Sergio” foi escrito sem acento agudo.

E assim foi. Portanto, face ao exposto e da preferência pelo escrito de Sérgio Buarque ao de Rangel, é plausível supor que quem o ligou à LJOE foi o coordenador da coleção, apesar do pouco tempo entre o seu aceite e o lançamento de Raízes do Brasil (cerca de cinco meses).

Seja como for, aquilo que se pode afirmar respeita as suas tentativas de conferir visibilidade à envergadura que o catálogo prometia, veiculando a informação segundo a qual, depois do volume de abertura, estavam previstos ainda os títulos Nordeste, de Freyre, “‘Os tipos étnicos do Brasil’ de Oliveira Vianna, ‘Memórias’ e ‘D. João VI no Brasil’ de Oliveira Lima, ‘Senhor de engenho’ de Júlio Bello, ‘Memórias do almirante Custodio de Melo’ e ‘A unidade brasileira’ de Afonso A. de Mello Franco”.23 23 01. “No mundo dos livros”, s/ref. In: Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2191 - Álbum coligido por Cecília Buarque de Holanda, irmã de SBH, com resenhas de diversos autores sobre o livro Raízes do Brasil, publicadas em diversos jornais do país. 1936-1938. (78 artigos). Pt 176 P61. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP. Saliento que a numeração “01” corresponde a uma iniciativa minha, orientada pela sequência de aparições dos recortes no Álbum, para estabelecer um mínimo de identificação dos trechos analisados.

Nem todos sairiam na coleção com os títulos anunciados - a exemplo daquele de Bello, transformado depois em Memória de um senhor de engenho, quando se editou, enfim, na condição de décimo primeiro volume, em 1938 - ou sequer seriam publicados em lugar algum - como se deu no caso do texto de Vianna.24 24 Sobre a trajetória deste último e sua prática de prometer livros que nunca viriam a público (Cf. VENANCIO, 2015). Ao repetir parte dessas referências, houve quem conferisse ênfase, pela rádio, às traduções vindouras, como Viagem a S. Paulo, de Auguste de Saint-Hilaire,25 25 14. “O livro do dia”. Rádio Difusora, 3 nov. 1936. Siarq-UNICAMP. embora neste caso o livro não tenha sido publicado na Documentos Brasileiros.

Diversas chamadas preferiam enfatizar impressos dos demais empreendimentos do selo LJOE, fazendo com que o estudo de Sérgio Buarque figurasse, por exemplo, entre a segunda edição d’O moleque Ricardo, de José Lins do Rego, e a História da Amazônia, de Peregrino Junior.26 26 Cf. as resenhas 11. “Registro de livros”. Monitor Campista, Campos (RJ), 3 nov. 1936, s.p.; & 17. “Os livros novos da semana”. Diário Carioca, Rio de Janeiro (RJ), 8 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. Outros textos nem chegavam a tanto, limitando-se a anunciar a publicação numa frase.27 27 18. Sem título. Diário da Manhã, Recife (PE), 8 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. Alguns a inseriam até no entremeio da divulgação de lançamentos produzidos por grupos concorrentes, como se deu a respeito da Viagem militar ao Rio Grande do Sul, do Conde d’Eu, impressa nos volumes da coleção Brasiliana, da Companhia Editora Nacional.28 28 27. “Bibliografia”. O Estado de S. Paulo, São Paulo (SP), 11 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. Sobre a primeira fase da Brasiliana (Cf. DUTRA, 2013).

Apesar de todos os riscos e, conforme o recibo assinado por Sérgio Buarque de Holanda, com a quantidade de três mil exemplares - rompendo a prática tipográfica/impressora corrente de não passar de mil - José Olympio lançou Raízes do Brasil em outubro de 1936, vendido a dez mil-réis. Mas o título de abertura da Documentos Brasileiros levaria muito tempo para se converter em fenômeno comercial. Mesmo assim, cumprindo suas obrigações que, aliás, distinguiriam a marca de suas concorrentes, também naquele mês o escritor paulista recebeu “3:000$000 (três contos de réis) dos direitos autorais da primeira edição”29 29 Cf. a Série: Vida Pessoal. 18 - Recibo de SBH a José Olympio Pereira Filho referente aos direitos autorais da primeira edição de “Raízes do Brasil”. Rio de Janeiro, [ ] out. 1936. c. as. 1p. (fotocópia). Vp 18 P1. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP. do livro.

Isso representava um adiantamento incomum à época, porque não dependia das vendas e representava cerca de 10% em direitos. Era um excelente começo para alguém que, por muitos anos, ficaria à sombra da palmeira-imperial, símbolo da coleção - que creditou muito prestígio a outros -; e que igualmente era eclipsado pelo Ulysses de Pernambuco, como o poeta Manuel Bandeira apelidara o diretor da iniciativa, pelo êxito retumbante de Casa-grande & senzala (BANDEIRA apudFRANZINI, 2006FRANZINI, Fábio. À sombra das palmeiras: a coleção Documentos Brasileiros e as transformações da historiografia nacional (1936-1959). Tese (Doutorado em História). USP, São Paulo, 2006., p. 94).

Da Documentos Brasileiros em si, após referenciarem os volumes seguintes ao de abertura da coleção - apresentados como promessas -, as resenhas registravam que eles eram o bastante para lhe assegurar certo ineditismo face a outros projetos, dado o caráter de seus trabalhos “sempre documentados”.30 30 35. “Documentos Brasileiros”. A Nação, Rio de Janeiro (RJ), 17, nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.

Outra característica sinalizava que o leitor não precisaria mais andar à caça das obras raras, pois o empreendimento coordenado por Freyre as reuniria. Daí a repetição frequente das frases do pernambucano escritas no Prefácio (FREYRE, 1936FREYRE, Gilberto. Prefácio. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Coleção “Documentos Brasileiros”, v. 1. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936.). A despeito de suas disputas, frisavam-se os esforços das casas editoras para elevar o nível dos debates sobre a terra e a gente, do passado, do presente e do futuro. Um impresso apontou que tudo começara com Monteiro Lobato, em São Paulo, e que agora se desenvolvia no Rio de Janeiro e em Porto Alegre.31 31 37. “Dois livros em registro”. A Federação, Porto Alegre (RS), 18 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.

A menção é interessante por convergir com os dados apresentados e ser cara às 44 resenhas anônimas, porque mais da metade (59,09%) circulou nas seguintes cidades das regiões Centro-Sul: 13 no Rio de Janeiro, 4 em São Paulo, 2 em Belo Horizonte, 2 em Porto Alegre, 1 em Campos, 1 em Santo Anastácio, 1 em Curitiba, 1 em Florianópolis e 1 em Rio Grande. 9 não tinham localidade e outras 9 foram assim distribuídas: 2 em Recife, 2 em Salvador, 2 em Maceió, 1 em Aracajú, 1 em João Pessoa e 1 em Fortaleza. Ilustro abaixo o domínio carioca (sede da LJOE e parte do coração tipográfico/impressor do país), mas que já denota a expansão sobre o espaço mais tarde conhecido como Nordeste.32 32 Isso porque o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) só se criaria no Estado Novo (1937-1945) e a região era mais conhecida como Norte. Muitos trabalhos já debateram o tema, como Albuquerque Jr. (2009). Apesar disso e do estabelecimento do termo ainda na primeira metade do século XX, em meio à consagração dos romancistas e por ações governamentais como as da Sudene, estudos recentes questionam a suposta hegemonia de imagem unitária, face às lutas por identidades regionais através do folclore, em decênios posteriores (Cf. NEGREIROS, 2016).

Figura 2:
Circulação das 44 resenhas de Raízes do Brasil por cidades (1936-1938)

A despeito dessa constatação, é preciso atentar à cartografia, pois duas questões saltam aos olhos no mapa. A primeira se refere à preponderância absoluta da cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal (DF), como espaço que concentrou a maior parte das resenhas e noticiário sobre o volume recém-lançado, Raízes do Brasil. A segunda se liga à presença e, logo, à circulação, também majoritária desses textos não apenas na região Centro-Sul, mas, nela - e exclusivamente nela -, transitando igualmente no interior de apenas dois estados: o fluminense e o paulista. Isso porque foram publicados artigos em periódicos de Campos - RJ (círculo roxo claro) e de Santo Anastácio - SP (destaque alaranjado escuro).

Observados tais pontos, é preciso demonstrar agora, em síntese, as características da reputação que Gilberto Freyre gozava à época. Descrito como diretor do projeto, as publicações na imprensa o situavam como nome incontornável, pois “ninguém melhor que o grande sociólogo de ‘Casa-grande & senzala’”33 33 01. “No mundo dos livros”. S.ref. Siarq-UNICAMP. para conduzi-la.

Embora se tratasse majoritariamente de apreciações vindas de propagandas, o fato é que o pernambucano reunia um enorme prestígio. À boa vendagem do livro de sua autoria - que já seguia para a segunda edição -, somava-se uma fortuna crítica que, mesmo não consensual, reconheceu sua posição de vanguarda no tema da miscigenação e como inaugurador de uma era de pesquisas científicas no país (Cf. FONSECA, 1985).34 34 Apesar de não atingir posição unânime, Freyre despertou a atenção dos principais críticos de então, como Agripino Grieco, Eloy Pontes e João Ribeiro. Houve quem o enxergasse como “extraordinário sociólogo”35 35 24. “No mundo dos livros”. Estado de Sergipe, Aracajú (SE), 10 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. cuja direção da Documentos Brasileiros era garantia de sucesso, pois o público estava diante do “autor da Casa-grande & senzala, Sobrados e mucambos, Nordeste”.36 36 68. “Livros e periódicos”. Seara Nova [?], 193[?], s.p. Siarq-UNICAMP.

Por si só, a menção desses títulos apresenta outra possibilidade de inferir sobre o capital simbólico acumulado pelo diretor da coleção, uma vez que foram publicados em curto espaço de tempo (cerca de quatro anos) e em diferentes casas editoriais: a Livraria Schmidt, a Companhia Nacional e a própria LJOE, respectivamente.

Na condição de voz reconhecida e autorizada, eram as suas falas do Prefácio de Raízes do Brasil que pululavam nos artigos difusores do negócio recém-inaugurado: “O característico mais saliente dos trabalhos a ser publicados nesta coleção” - registrava um deles - “será a objetividade”.37 37 13. “Raízes do Brasil”. Correio de São Paulo, São Paulo (SP), 3 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.

Evocando de forma privilegiada as áreas da Sociologia e da História junto dos verbos interpretar, analisar, explicar, compreender e as ideias das causas, origens, processos etc., as resenhas se inseriam em um universo semântico cujo intuito visava construir as ferramentas para a intelectualidade estudar a chamada realidade brasileira. Residia aí o núcleo de sua preocupação, de modo que o advento das universidades e, nelas, das faculdades de filosofias com o auxílio de professores estrangeiros, participaram decisivamente desses movimentos (CARVALHO, 1997CARVALHO, Raphael. Sérgio Buarque de Holanda, do mesmo ao outro: escrita de si e memória (1969-1986). Tese (Doutorado em História). UFPR, Curitiba, 2017.).

Portanto, sem recusar as mil possibilidades desses fatores, mas evitando um realce indevido de sua presença, convém mobilizá-los enquanto trocas letradas e desde que pertinentes às leituras coevas ao lançamento do livro.38 38 Inquietos com o uso indiscriminado de uma palavra de matriz astrológica, historiadores da arte propuseram uma digressão contra a ideia de Influência, sugerindo verbos que servem para minimizar o viés unidirecional das relações de um indivíduo ou circunstância A agindo sobre B, invertendo os sinais dessa ação (BAXANDALL, 2006). Mesmo porque um exame detalhado do conjunto documental relativo à primeira recepção de Raízes do Brasil aponta uma profusão de teses sobrepostas cujos enquadramentos são irredutíveis a classificações rígidas.

Quaisquer que fossem os resquícios das correntes de pensamento naqueles artigos, a ênfase dos impressos recaía sobre os títulos nacionais. E embora a dimensão da crítica coeva seja muito negligenciada pelos especialistas em Sérgio Buarque, é ela que confere sentido aos livros e fixa os gêneros para classificá-los.39 39 Refiro-me aos especialistas que mais recentemente têm surgido junto aos novos trabalhos sobre a temática de Raízes do Brasil, em particular, ou Sérgio Buarque de Holanda, em geral, como referências. São eles: Waizbort (2011), Feldman (2016) e Mata (2016). No caso do segundo, em estudo de maior fôlego (minha tese de doutorado), apontei que, embora Feldman cite parte das resenhas saídas entre 1936 e 1938, ele não se preocupa em recompor as pautas dos quadros receptivos. Isso porque seu interesse visou mapear tudo o que mudou nas três primeiras edições de Raízes do Brasil, o que fez com maestria no lastro de Rocha (2008). Tanto que se concentrou em mostrar o uso que Almir de Andrade fez do texto de Buarque de Holanda em seu livro Força, cultura e liberdade (1940). Contudo, querer enxergar em Andrade a síntese das preocupações buarqueanas - como se nele residissem todos os motivos das mudanças operadas sobre o impresso quando da segunda edição, em 1948 -, é reduzir como eminente e exclusivamente brasileiros os debates nos quais seu autor se envolveu, e os medos das apropriações talvez indevidas do livro por agentes e/ou apoiadores do Estado Novo. A respeito do primeiro e do terceiro, Waizbort e Mata - que têm resultados semelhantes na descrição de um Sérgio Buarque mais à direita no campo político -, busca-se revelar os nexos da “obra” de estreia com o conservadorismo e, sobretudo, o irracionalismo filosófico mobilizado a posteriori pelo Nazismo. Ocorre, porém, que tais estudos supervalorizam certa “influência” da “fase alemã” ou de autores germânicos em Raízes do Brasil e tentam enquadrar as reflexões do intelectual paulista em operações historiográficas que só teriam validade se cotejadas com os sistemas classificatórios da época (o que não fazem dadas as predileções intertextuais de suas análises). Nesse sentido, trabalhos como os de Rollemberg (2017) demonstram que os movimentos de inspirações e aspirações totalitárias italiano e alemão se mostravam inicialmente como terceiras vias políticas, tentando rechaçar, ao menos discursivamente, tanto os modelos da democracia liberal, quanto o comunismo soviético. Assim, até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), era praticamente impossível saber os rumos nefastos que tais fenômenos tomariam e mesmo quais nomes mobilizariam para conformar suas bases ideológicas. Portanto, é razoável supor que as referências porventura utilizadas por Sérgio Buarque de Holanda não podem ser lidas como adeptas dessas ideias a priori, num momento em que elas estavam em debate e ainda não eram inseridas - muitas de forma arbitrária, distorcida e indevidamente -, nos programas de Benito Mussolini e/ou Adolf Hitler. Assim, os leitores do volume de estreia da Documentos Brasileiros listaram os nomes de João Capistrano de Abreu, Paulo Prado, José de Alcântara Machado, Francisco de Oliveira Vianna etc.

A objetividade a que se referiam as resenhas propagandísticas de Raízes do Brasil propunha a busca de uma percepção avessa ao olhar romantizado sobre a realidade. Produzir uma pesquisa objetiva consistia em apreender o tema de estudo, cercá-lo por todos os lados com a mobilização de saberes distintos, mas convergentes no sentido de compreender a vida nacional. Talvez estes motivos figurem entre as razões que levaram o volume inaugural a adotar o ensaísmo, por não requerer algum fecho programático, tampouco o viés de panaceia, ainda que a metáfora do título pudesse sugerir um remédio nativo.

Apesar disso - e aqui há um contraste com os atuais intérpretes, responsáveis por carregar nas tintas quanto à força atribuída às queixas sobre a ausência de conclusões assim formalizadas em Raízes do Brasil -, o que se observa é até um certo elogio a esta suposta falta.40 40 É claro que tal avaliação contrasta com vários intérpretes - tanto pioneiros, como Castro (2002) e Carvalho (2003); quanto atuais, a exemplo de Feldman (2016), Sanches (2013) etc. - e poderia resultar apenas de uma diferença de material consultado. Mas ocorre que em minha tese também avaliei as resenhas com identificação de autoria e posso afirmar, com segurança, que mesmo nesses últimos textos veiculados na imprensa o incômodo com a falta de um fecho conclusivo no livro não era uma pauta dominante. Logo, realçá-la indevidamente seria dotar de força discursiva uma agenda intelectual que não possuía tanto poder. Até porque, às vezes, o tema surgia como virtude da obra, tratando-se de um convite ao debate. Para alguns de seus agentes difusores, importava mais o registro do fato em si e a sua averiguação como fator de confiabilidade dos dados, para que fosse legado ao público um estudo conduzido pela lógica e exposto com a devida clareza.

Logo, se realizado com método e precisão, o trabalho teria o status de “autoridade que não pode[ria] ser discutida”, de modo que o ponto final desse registro foi dos mais positivos de uma incipiente propaganda. Até porque ao impresso em destaque era atribuído o caráter de obra nacional e, enquanto fruto do esforço de uma nova inteligência oriunda do modernismo, a ela se reservava o qualificativo de “grande realização da nossa cultura”.41 41 06. “Nota bibliográfica”. A Rua, Rio de Janeiro (RJ), 31 out. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.

Se existia uma ausência flagrante, esta premissa só é válida do ponto de vista do texto em si.42 42 Sanches (2013) é quem insiste nesse ponto com análise de discurso sem ampla base empírica. Ademais, o universo descortinado pela materialidade das resenhas nos periódicos foi mais extenso e complexo do que é permitido ver àqueles que os devassam agora como documentos. As configurações pretéritas que deram vida aos quadros receptivos representam uma experiência fugidia e, se ingênua ou literalmente lidas, acabam distantes de análises que as perceba como artigos de propaganda, sim, mas também como partícipes de circunstâncias mediante as quais seus registros se configuraram, num só tempo, como frutos e produtores.43 43 Atentei a este tema, pois “Muito se aprenderia sobre as atitudes em relação aos livros e o contexto de sua utilização estudando a maneira como eram apresentados - a estratégia do apelo, os valores invocados pelo discurso empregado” (DARNTON, 1990, p. 124).

Face à instabilidade da fortuna crítica, houve entendimentos diametralmente opostos quanto à ausência formal de conclusões em Raízes do Brasil. E a contrariedade correspondeu em avaliar o livro como grande acontecimento “pela profundeza das suas observações, pela sua copiosa documentação, pela justeza dos conceitos emitidos e das conclusões alcançadas”.44 44 11. “Registro de livros”. Monitor Campista, Campos (RJ), 3 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.

As resenhas anônimas também classificaram o livro e o escritor. Anunciava-se com entusiasmo “uma nova série de ‘Estudos brasileiros’”45 45 02. “Letras e artes”. O Jornal, Rio de Janeiro (RJ), 25 out. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. e se grafava o sobrenome de seu autor com duas letras l, fazendo constar Hollanda, conforme aparecia na capa da primeira edição de Raízes do Brasil. Entendiam-no como um conhecido escritor de São Paulo, dotado de uma “capacidade tão lúcida e analista, servida por uma sólida cultura, o que lhe faculta[va] a interpretação lógica dos motivos”46 46 06. “Nota bibliográfica”. A Rua, Rio de Janeiro (RJ), 31 out. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. examinados.

O lançamento o colocava, na maioria das propagandas, entre os mais esclarecidos intérpretes que honravam “a nossa cultura”,47 47 11. “Registro de livros”. Monitor Campista, Campos (RJ), 3 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. visto como analista perspicaz e “intelectual paulista”.48 48 22. “Livros novos”. Diário da Bahia, Salvador (BA), 9 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. Daquelas “inteligências moças do Brasil mais dedicadas às questões de pesquisas e análises do material de nosso passado”,49 49 26. “Livros novos”. A Tarde, Salvador (BA), 11 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. que se afirmava na área dos “problemas sociais”.50 50 32. “Livros novos”. Jornal de Alagoas, Maceió (AL), 15 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.

O pronome que insistia em aparecer, não deve ficar na penumbra. Sua presença é sintomática da busca por tudo que fosse genuinamente nacional.51 51 Nesse tempo, a realidade brasileira se tornou uma expressão-chave (Cf. ARAÚJO, 1994). A procura das profundezas do país, consubstanciada no termo nosso(a)s, torna-se a expressão máxima das pautas, basilar e sequer desapareceria nos anos subsequentes.

Além disso, já era possível sentir entre os méritos do volume de 1936 a revelação de “um novo sociólogo, forte e cultíssimo”,52 52 55. “Panorama. Literatura brasileira. O que se publica”. S.ref., 24 dez. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. do qual se poderia esperar muito a propósito do mesmo assunto. Embora grafando seu sobrenome com um “l” só, na forma errônea para a sua identificação autoral do período, a ele se concedeu o tratamento de “brilhante ensaísta”.53 53 67. “Livros”. O Oeste Paulista, Santo Anastácio (SP), 11 jul. 1937, s.p. Siarq-UNICAMP. Friso que a editora não errou a grafia do livro, pois os dois “ll” seguem a maior parte dos documentos pessoais do autor. A adoção de um “l” se estabiliza na obra dele e na crítica em fins de 1950.

Pelo menos este foi o esforço propagandístico do projeto editorial, cujas publicações de teor valorativo contribuíram para semear um pouco o terreno de onde brotariam grande parte da fortuna crítica identificada. É por isso que não se pode ignorar as imagens germinadas nos registros dessa natureza, pois elas podem definir traços incontornáveis nos itinerários dos agentes ou, como no caso em apreço, revelar uma miríade de possibilidades.54 54 Isso porque “as sanções positivas ou negativas que uma obra ou produção cultural recebe podem contribuir para redefinir os espaços dos possíveis” (tradução livre. No original: “Plus largement, les sanctions positives ou negatives que reçois une œuvre ou une production culturelle peuvent contribuer à redéfinir l’espaces des possibles”) (SAPIRO, 2014, p. 93) da trajetória intelectual, do estilo narrativo, da direção dos debates etc.

As representações foram muitas: autor, pesquisador, intelectual, novo sociólogo, ensaísta, intérprete etc., e não faltou anúncio para caracterizar Buarque de Holanda junto às práticas letradas condizentes com suas atividades a partir de então, ou seja: “crítico literário”.55 55 04. Sem título. A Nação, Rio de Janeiro (RJ), 25 out. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.

Assim, enquanto lhe recaía um leque eclético de identificação a conformar certos futuros de outrora em suas vicissitudes biográficas e para os quais ele poderia, muito bem, ter rumado com o objetivo de fixar aí a sua existência, Freyre, por outro lado, caminhava para alguma estabilidade. Isso porque, no seu caso, pesou uma tendência geral nas descrições que o caracterizavam como sociólogo. Salvo raras exceções, apesar das referências inevitáveis às artes de Clio, se não era difícil atrelar o livro à história, o autor só raramente se identificava como historiador, talvez em face dos aspectos por meio dos quais essa área de saber era compreendida naquele momento.

No panteão que vigoraria aproximadamente até meados dos anos 1940, estavam títulos de autores mortos e majoritariamente nascidos na segunda metade do oitocentos. Para compor essa galeria, os esforços de agentes e instituições se voltavam para a criação de fronteiras entre os estudos históricos, os político-sociais, os filosóficos e os da literatura, muito embora os nomes mais canônicos tivessem desempenhado atividades em diversas esferas (GOMES, 2013GOMES, Angela de Castro. História e historiadores. Rio de Janeiro: FGV, 2013.).

Sobre Raízes do Brasil, nas vezes em que foi referido como ensaio, era raro se incutir à obra um alarde ou grande insistência no ponto, pois ele sequer era uma pauta decisiva à época: nem determinante e tampouco estável.

Algumas notas apontavam o livro como ótimo trabalho, ufanista das fundas raízes do país que nada mais eram que “as da velha alma nobre e generosa do nosso Portugal”.56 56 68. “Livros e periódicos”. Seara Nova [?], 193[?], s.p. Siarq-UNICAMP. E aqui emerge a tensão que mantinha a centralidade do colonizador, contrastando com as tentativas antes apontadas de abrasileirar o passado. Contudo, a despeito desse tipo de registro, pode-se dizer que nem tanto os laços com o elemento luso, em particular, ou o Velho Mundo, em geral, chamava muita atenção das resenhas. Importava-lhes sobretudo os capítulos finais - Novos Tempos & Nossa Revolução -, pois discorriam “sobre as agitações políticas na América Latina, as transformações da vida agrária, o aparelhamento do Estado no Brasil etc.”.57 57 38. “Movimento dos livros”. Correio da Manhã, Rio de Janeiro (RJ), 20 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.

Todas essas notícias circularam em vários jornais, sobretudo do eixo Rio-São Paulo. Mas foi em um artigo sem referências - distante, entretanto, do traço propagandístico - que se pôde encontrar a retomada da temática latino-americana. Ao corroborar as teses do livro segundo as quais 1888 desferiu um golpe na grande propriedade e nos senhores rurais, processo este em curso pela urbanização levada adiante naquele decênio, concordava o leitor com o seu resultado: a concentração do poder estatal. Entretanto, suas figuras de proa - continuava - não poderiam cair no despotismo, no Fascismo ou no Integralismo, para não contradizer a doçura do gênio nacional. Deveriam construir uma organização que não minasse o personalismo, pois ele havia sido, até então, o fator “mais fecundo em nossa América. Pod[ia]-se, portanto, asseverar que a adoção de princípios democráticos e liberais, não só aqui como nos outros países do continente, resultou de um mal-entendido”,58 58 59. “Livros novos”. S.ref. Siarq-UNICAMP. mas que isso não provava a sua inviabilidade. Logo, era necessário respeitar o pensamento latino-americano, em quase tudo avesso aos obstáculos à autonomia individual. Desse modo, brindava a LJOE pela escolha do volume de abertura do projeto, obrigando a um olhar introspectivo e não desterrado.

O apelo nessa direção era tamanho que se chegou a anunciar Raízes do Brasil em uma listagem com 11 capítulos, a saber: “‘Fronteiras da Europa’, ‘Trabalho e Aventura’, ‘O Passado Agrário’, ‘O Homem Cordial’, ‘Novos Tempos’, ‘A Nossa Revolução’, ‘Agitações Po­líticas da América Latina’, ‘Iberismo e Americanismo’, ‘Falta de Espírito Militar’, ‘Aparelhamento do Estado’, ‘Perspectivas’”.59 59 02. “Letras e artes”. O Jornal, Rio de Janeiro (RJ), 25 out. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. Como se sabe, os seis primeiros apareceram em 1936, mas em sete partes, pois o terceiro foi desdobrado em dois. Os demais se acham na edição princeps apenas como pautas. Portanto, em se tratando de uma informação saída logo no lançamento do livro, seria plausível supor que tais dados circularam antes de sua impressão e leitura final de provas.

A propaganda era muito substanciosa para não denotar temas que rondaram a concepção do texto, pois suas expressões o integraram e, no último caso, remetia a uma colaboração buarqueana na Estética, a revista modernista dos anos 1920. E se instabilidades atingiram a estrutura do volume, cabe inferir o uso ou a ausência de acento agudo em Sergio e de um l a mais ou a menos para grafar Hollanda, como outros indícios de sua tímida constituição autoral e seu baixo (re)conhecimento entre o público na época de sua estreia em livro.

Inclusive internamente havia dúvidas. Em carta a José Olympio, o romancista Jorge Amado, que à época se ocupava de um embrionário setor de divulgação, escrevia ao chefe para ajudá-lo a pensar saídas face aos volumes abacaxis - o termo foi dele -, que arruinariam os lucros dos grandes sucessos ou promessas de êxito. Entre os problemáticos, listou o de Júlio Bello, os de Afonso Arinos de Mello Franco, o de Octávio Tarquínio de Sousa, com reclamação especial sobre os “heróis” do modernismo, pois alertava que estes o encheriam de propostas, deixando claro que a triagem passava pelo diretor da coleção, Gilberto Freyre.

Amado foi além, anotando existir aí algumas figuras “inteligentes (nem todas aliás)”. Mas que se uniam em “grupinhos”, arvoravam-se o epíteto “donos da literatura” e seguiam, porém, “totalmente desconhecidos do público”. Ao que ele finalizou a missiva à boca pequena: “aqui para nós: o livro do Sergio está correspondendo à sua expectativa?”.60 60 Arquivo Livraria José Olympio Editora. Adm. Pasta Correspondência passiva. Carta de Jorge Amado a José Olympio, s.l., s.d. FCRB. Pelos títulos mencionados, é provável que o ano seja o de 1937. A resposta, por certo, dispensava-se. Mas é claro que tais circunstâncias podem soar feito meros detalhes, típicos dessas negociações. Por isso, convém salientar ainda um último ponto. No mês seguinte ao surgimento da Documentos Brasileiros, dois jornais cariocas deram vivas à Livraria José Olympio Editora e ao coordenador do projeto. Em um deles, seus nomes foram grafados corretamente, porém o motivo do júbilo não poderia ter sido mais prosaico: as felicitações eram amplamente justificadas porque eles deram a ler o título de estreia “do consagrado escritor Sergio Buarque de Macedo”.61 61 35. “Documentos Brasileiros”. A Nação, Rio de Janeiro (RJ), 17 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. Embora o segundo artigo (46) também tenha se equivocado quanto ao nome de Freyre, escrito com i, o maior erro surgiu no próprio título da nota onde se lia: “Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Macedo”. Beira-mar, Rio de Janeiro (RJ), 28 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. Este, sem dúvida, indício certeiro de que o processo de consagração da autoria Buarque de Holanda apenas se iniciava em meados dos anos 1930.

Fontes documentais

  • ARQUIVO Livraria José Olympio Editora. Adm. 193. Pasta Correspondência. Carta de Gilberto Freyre a José Olympio, Rio de Janeiro -26 maio 1936. Fundação Casa de Rui Barbosa(FCRB).
  • ARQUIVO Livraria José Olympio Editora. Adm. 193. Pasta Correspondência. Carta de José Olympio a Gilberto Freyre, Rio de Janeiro- 10 out. 1936. Fundação Casa de Rui Barbosa(FCRB).
  • ARQUIVO Livraria José Olympio Editora. Adm. Pasta Correspondência passiva. Carta de Jorge Amado a José Olympio, s.l., s.d. Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB).
  • FUNDO Sérgio Buarque de Holanda(SBH). Série: Correspondência. Subsérie: Passiva. 254 - Carta de Gilberto Freyre a Sérgio Buarque de Holanda felicitando-o pelo Ano Novo. Recife, 13 jan.1934. as. ileg. 1p. Cp 32 P5. Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas (Siarq-UNICAMP).
  • FUNDO SBH. No mundo dos livros, s.ref. In: Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2191 - Álbum coligido por Cecília Buarque de Holanda, 936-1938. (78 artigos). Pt 176 P61. Siarq-UNICAMP
  • FUNDO SBH. Série: Vida Pessoal. 18 - Recibo de Sérgio Buarque de Holanda a José Olympio Pereira Filho referente aos direitos autorais da primeira edição de Raízes do Brasil Rio de Janeiro, [ ] out. 1936. c. as. 1p. (fotocópia). Vp 18 P1. Siarq-UNICAMP
  • FUNDO SBH. Registro de livros. Monitor Campista, Campos (RJ), 3 nov.1936, s.p.Siarq-UNICAMP
  • FUNDO SBH. Os livros novos da semana. Diário Carioca, Rio de Janeiro (RJ), 8 nov.1936, s.p. Siarq-UNICAMP
  • FUNDO SBH. Letras e artes. O Jornal, Rio de Janeiro (RJ), 25 out. 1936, s.p.Siarq-UNICAMP
  • FUNDO SBH. Sem título. A Nação, Rio de Janeiro (RJ), 25 out. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP
  • FUNDO SBH. Nota bibliográfica. A Rua, Rio de Janeiro (RJ), 31 out.1936, s.p. Siarq-UNICAMP
  • FUNDO SBH. Registro de livros. Monitor Campista, Campos (RJ), 3 nov.1936, s.p. Siarq-UNICAMP
  • FUNDO SBH. Raízes do Brasil. Correio de São Paulo, São Paulo (SP), 3 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP
  • FUNDO SBH. O livro do dia. Rádio Difusora, 3 nov. 1936. Siarq-UNICAMP
  • FUNDO SBH. Sem título. Diário da Manhã, Recife (PE), 8 nov. 1936, s.p.Siarq-UNICAMP
  • FUNDO SBH. Livros novos. Diário da Bahia, Salvador (BA), 9 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP
  • FUNDO SBH. No mundo dos livros. Estado de Sergipe, Aracajú (SE), 10 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP
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  • FUNDO SBH. Bibliografia. O Estado de S. Paulo, São Paulo (SP), 11 nov. 1936, sp. Siarq-UNICAMP
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Referências

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  • ROCHA, João Cezar de Castro. Sergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre: raízes de uma rivalidade literária. Dicta&Contradicta, São Paulo, v. 9, p. 10-28, 2012.
  • ROLLEMBERG, Denise. Revoluções de direita na Europa do entre guerras: o fascismo e o nazismo. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 30, n. 61, p. 355-378, maio./ago. 2017.
  • SANCHES, Dalton. Entre “formas hesitantes e bastardas”: ensaísmo, modernismo e escrita da história em Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda. Dissertação (Mestrado em História). UFOP, Mariana, 2013.
  • SAPIRO, Gisèle. La sociologie de la littérature Paris: La Découverte, 2014.
  • SORÁ, Gustavo. Brasilianas: José Olympio e a gênese do mercado editorial brasileiro. São Paulo: Edusp / Com-Arte, 2010.
  • VENANCIO, Giselle. Oliveira Vianna entre o espelho e a máscara Belo Horizonte: Autêntica , 2015.
  • WAIZBORT, Leopoldo. O mal-entendido da democracia: Sérgio Buarque de Hollanda, Raízes do Brasil, 1936. RBCS, São Paulo, v. 26, n. 76, p. 39-62, jun. 2011.
  • WEGNER, Robert. Da genialidade à poeira dos arquivos. Sérgio Buarque de Holanda nos anos 1940. In: SENTO-SÉ, João; PAIVA, Vanilda (orgs.). Pensamento social brasileiro São Paulo: Cortez , 2005.
  • 1
    Este texto é uma síntese do capítulo 1 de minha tese de doutorado, ainda inédita, que recebeu financiamentos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), via bolsas de estudos para realizar pesquisas no Brasil e na França.
  • 2
    Há duas espécies básicas de capital científico: o temporal ou político e o do prestígio ou simbólico, no interior do Campo de lutas no qual estão inseridos os agentes que traçam táticas e estratégias para melhorarem ou manterem suas posições, mas cujo êxito depende das forças que conseguem mobilizar para lhes garantir largo trânsito nas relações de poder. Quanto ao capital cultural, este se desdobra em incorporado (habitus familiar), institucionalizado (diplomas escolares, títulos e postos acadêmicos) e objetivado (bens concretos) que tendem a reproduzir as mesmas estruturas que os sustentam e/ou melhoram os seus lugares de distinção (BOURDIEU, 2007).
  • 3
    Atentar à comunidade de leitores consiste em observar as formas por meio das quais os textos são recebidos e podem ter seus sentidos reelaborados pelas diferentes apropriações que se manifestam nas práticas desse exercício criativo que é a leitura (Cf. FISH, Stanley apud CHARTIER, 1994).
  • 4
    Esta foi uma das metas de minha tese que não desenvolverei aqui, mas a aponto para demarcar alguns problemas históricos e historiográficos com os quais lidei. No presente estudo apresento o primeiro andaime da argumentação.
  • 5
    Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) nasceu em São Paulo capital e morreu nesta mesma cidade. Em 1921 transferiu-se para o Rio de Janeiro, então Distrito Federal (DF), e iniciou seus estudos na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil (UB), formação que mal exerceu. Envolveu-se em debates do movimento modernista e passou a colaborar na imprensa, sobretudo a do eixo Rio-São Paulo. No fim dos anos 1920 partiu para a Alemanha como enviado especial d’O Jornal. De volta ao país, retornou às redações e, em 1936, teve publicado seu primeiro texto em forma de livro, Raízes do Brasil, cuja recepção me ocupo aqui. Logo, não avançarei sobre os dados de sua trajetória, evitando antecipar seus futuros passados. Para acompanhar trabalhos com viés biográfico, ver, entre outros, Carvalho (2017).
  • 6
    Nesse sentido, cito a referência de Castro (2002). Entre os que inicialmente se debruçaram sobre parte da fortuna crítica relativa ao lançamento do livro de “estreia” buarqueano, essa pesquisa teve o mérito de mobilizar algumas resenhas assinadas. O intuito de Castro consistiu em destacar o viés indeciso e moderno das reflexões presentes no texto de 1936, que determinados avaliadores dessa publicação realizaram. No caso do artigo que ora apresento, ao mobilizar a totalidade dos textos saídos na imprensa e salvos no Fundo Sérgio ­Buarque de Holanda (SBH), do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas ­(Siarq-UNICAMP), opto por registros sem identificação autoral, anônimos ou só difusores. Aí reside a diferença do que proponho, pois viso salientar a contribuição desses paratextos editoriais na ainda instável autoria buarqueana.
  • 7
    A preferência pelo termo propaganda se liga ao esclarecimento de que, como na difusão de ideias políticas, ele era usado nos anos 1930 para se referir às mercadorias de ordem cultural e não era “intercambiável com a atual noção de publicidade” (SORÁ, 2010, p. 187). Convém sublinhar que a subsérie Resenhas (Fundo SBH), é composta de 181 textos, vindos de 104 registros, publicados entre 1936 e 1981, relativos às avaliações sobre as várias edições dos livros Raízes do Brasil, Cobra de vidro (1944), Monções (1945), Caminhos e fronteiras (1957), Visão do paraíso (1959), coleção HGCB (1960-1984) e Tentativas de mitologia (1979). Especificamente acerca da “obra” de estreia buarqueana, vale dizer que, no caso da edição princeps, correspondem a 78 artigos. Desse montante, 34 resenhas possuem alguma identificação de autoria e 44, às quais voltar-me-ei a partir de agora, não.
  • 8
    Eis outra distinção que apresento, pois busco paradigmas indiciários aplicados à História do Livro, da Edição e da Leitura, procurando “formas de saber tendencialmente mudas [...]. Nesse tipo de conhecimento entram em jogo [...] elementos imponderáveis: faro, golpe de vista, intuição” (GINZBURG, 2007, p. 179). Afinal, nenhum trabalho que tenha usado algumas resenhas, com ou sem identificação dos críticos de Raízes do Brasil, considerou a forma de grafar seu nome como indício de uma autoria indefinida ou que tratasse, sobretudo, os processos editoriais e receptivos. Mesmo quanto ao já citado Castro (2002) ou do estudo seminal de Carvalho (2003).
  • 9
    Ao contrário do que se poderia imaginar - ou a sugerir -, as resenhas da série Produção de Terceiros concernentes à edição princeps de Raízes do Brasil não poderiam ser enquadradas em reflexões sobre a construção da memória, conforme se costuma fazer diante dos acervos pessoais. É claro que, hoje, tais papéis integram o espólio buarqueano no arquivo Siarq-UNICAMP e na Biblioteca Central César Lattes (BCCL) da mesma universidade, na condição de coleção especial. Mas, quanto às críticas, assinadas ou não, da “obra” de estreia, faz-se necessário destacar que sua existência se prestava antes a um gesto de caráter reverencial, pois os registros foram coligidos, em Álbum, pela irmã do intelectual, Cecília Buarque de Holanda (1908-?), na contemporaneidade mesma do surgimento do texto em livro. Portanto, sua essência primeira correspondia mais a homenagem marcada por orgulho e admiração familiar do que propriamente um gesto deliberado visando à posteridade de uma imagem.
  • 10
    Este mundo livresco indiferenciado era fruto de negócios iniciados por franceses (Garnier e Briguiet), portugueses (Francisco Alves) e alemães (Laemmert), de grande sucesso em fins do oitocentos.
  • 11
    No Brasil, a autonomia de tais atitudes, desapegadas de uma livraria ou quaisquer outros tipos de comércios que não a produção de livros, cabe a Monteiro Lobato, cuja “casa” passou a funcionar em 1918, com o lançamento de seu livro Urupês. O êxito de vendas deste impresso o levou a se arriscar com novos estreantes, primando pelo cuidado gráfico e criando tarefas sem relação com as de natureza livreiras. Isto serviu para firmar a figura do editor, cujo ciclo atinge contornos mais definidos nos anos 1940 (Cf. MICELI, 2001).
  • 12
    E isso tinha conjunturalmente sua razão de ser, pois, até a Primeira Grande Guerra (1914-1918), o ritmo da produção de livros no país era diminuto em termos quantitativos, quase limitado a títulos didáticos ou jurídicos (os únicos de boa vendagem). O boom da década seguinte não transformaria no todo o estado da arte, porque restrito às capitais e com sistemas de distribuição precários (Cf. BRAGANÇA, 2000).
  • 13
    O pernambucano Gilberto de Mello Freyre (1900-1987) atuou sobretudo como escritor. Formado nos Estados Unidos da América (EUA) em Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais e em Letras, lançou o Manifesto regionalista em 1926. Com a ascensão de Getúlio Vargas, exilou-se na Europa, indo residir em Portugal, quando foi lecionar como professor visitante na Stanford University (EUA) no ano de 1932. Considero estes dados como os mais significativos antes que ele passasse a dirigir o projeto da Livraria José Olympio Editora (LJOE).
  • 14
    Até a emergência de Raízes do Brasil, José Lins do Rego (1901-1957) teve publicados Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934) e O moleque Ricardo (1935). Nascido em Pilar (Paraíba), filho de grandes latifundiários, formou-se em Direito. Em 1925 foi nomeado promotor em Manhuçu (MG). Depois foi para Maceió (AL), sendo fiscal de bancos e de consumo, até 1935, atuando também na imprensa. Neste ano, nomeado fiscal do imposto de renda, fixou-se na capital do país, onde obteve seus livros publicados.
  • 15
    Essas mudanças integram o processo de substituição de importações, alavancado pela recessão que se abateu sobre as economias no fim dos anos 1920, mas dando um impulso à indústria nacional de livros. Afinal, não fazia muito que eles eram adquiridos e produzidos sobretudo no exterior (Portugal e França), com tiragens pouco maiores que mil exemplares e custeadas, muitas vezes, pelos interessados (Cf. MICELI, 2001).
  • 16
    Observo tais dados sem pretender realçar uma imagem exclusiva de crise no setor pelo viés político (como quer HALLEWELL, 1985) a não ser como um elemento entre muitos.
  • 17
    As trocas de cartas entre o escritor e o empresário evidenciam o caso (SORÁ, 2010, p. 184).
  • 18
    Cf. o episódio em Wegner (2005)WEGNER, Robert. Da genialidade à poeira dos arquivos. Sérgio Buarque de Holanda nos anos 1940. In: SENTO-SÉ, João; PAIVA, Vanilda (orgs.). Pensamento social brasileiro. São Paulo: Cortez , 2005..
  • 19
    Série: Correspondência. Subsérie: Passiva. 254 - Carta de Gilberto Freyre a SBH felicitando-o pelo Ano Novo. Recife, 13 jan. 1934. as. ileg. 1p. Cp 32 P5. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP. Sabe-se que, mais tarde, tal amizade se converteria em oposição (Cf. ROCHA, 2012).
  • 20
    Arquivo Livraria José Olympio EditoraARQUIVO Livraria José Olympio Editora. Adm. 193. Pasta Correspondência. Carta de Gilberto Freyre a José Olympio, Rio de Janeiro -26 maio 1936. Fundação Casa de Rui Barbosa(FCRB).. Adm. 193. Pasta Correspondência. Carta de Gilberto Freyre a José Olympio, Rio de Janeiro - 26 maio 1936. Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB).
  • 21
    Segundo este trabalho, José Olympio Pereira Filho acatou a decisão do diretor do projeto sem demonstrar suspeita quanto ao êxito de vendas. Explicou, porém, que preferia o próprio texto que Gilberto Freyre vinha escrevendo, Nordeste, para abrir a Documentos Brasileiros, e que sairia, em 1937, como o 4º volume da série.
  • 22
    Arquivo Livraria José Olympio EditoraARQUIVO Livraria José Olympio Editora. Adm. 193. Pasta Correspondência. Carta de José Olympio a Gilberto Freyre, Rio de Janeiro- 10 out. 1936. Fundação Casa de Rui Barbosa(FCRB).. Adm. 193. Pasta Correspondência. Carta de José Olympio a Gilberto Freyre, Rio de Janeiro - 10 out. 1936. FCRB. “Sergio” foi escrito sem acento agudo.
  • 23
    01. “No mundo dos livros”, s/ref. In: Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2191 - Álbum coligido por Cecília Buarque de Holanda, irmã de SBHFUNDO SBH. No mundo dos livros, s.ref. In: Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2191 - Álbum coligido por Cecília Buarque de Holanda, 936-1938. (78 artigos). Pt 176 P61. Siarq-UNICAMP., com resenhas de diversos autores sobre o livro Raízes do Brasil, publicadas em diversos jornais do país. 1936-1938. (78 artigos). Pt 176 P61. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP. Saliento que a numeração “01” corresponde a uma iniciativa minha, orientada pela sequência de aparições dos recortes no Álbum, para estabelecer um mínimo de identificação dos trechos analisados.
  • 24
    Sobre a trajetória deste último e sua prática de prometer livros que nunca viriam a público (Cf. VENANCIO, 2015).
  • 25
    14. “O livro do diaFUNDO SBH. O livro do dia. Rádio Difusora, 3 nov. 1936. Siarq-UNICAMP.”. Rádio Difusora, 3 nov. 1936FUNDO SBH. Registro de livros. Monitor Campista, Campos (RJ), 3 nov.1936, s.p.Siarq-UNICAMP.. Siarq-UNICAMP.
  • 26
    Cf. as resenhas 11. “Registro de livros”. Monitor Campista, Campos (RJ), 3 nov. 1936FUNDO SBH. Registro de livros. Monitor Campista, Campos (RJ), 3 nov.1936, s.p. Siarq-UNICAMP., s.p.; & 17. “Os livros novos da semanaFUNDO SBH. Os livros novos da semana. Diário Carioca, Rio de Janeiro (RJ), 8 nov.1936, s.p. Siarq-UNICAMP.”. Diário Carioca, Rio de Janeiro (RJ), 8 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 27
    18. Sem títuloFUNDO SBH. Sem título. Diário da Manhã, Recife (PE), 8 nov. 1936, s.p.Siarq-UNICAMP.. Diário da Manhã, Recife (PE), 8 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 28
    27. “Bibliografia”. O Estado de S. Paulo, São Paulo (SP), 11 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. Sobre a primeira fase da Brasiliana (Cf. DUTRA, 2013).
  • 29
    Cf. a Série: Vida Pessoal. 18 - Recibo de SBH a José Olympio Pereira Filho referente aos direitos autorais da primeira edição de “Raízes do Brasil”. Rio de Janeiro, [ ] out. 1936. c. as. 1p. (fotocópia). Vp 18 P1. Fundo SBHFUNDO SBH. Série: Vida Pessoal. 18 - Recibo de Sérgio Buarque de Holanda a José Olympio Pereira Filho referente aos direitos autorais da primeira edição de Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, [ ] out. 1936. c. as. 1p. (fotocópia). Vp 18 P1. Siarq-UNICAMP.. Siarq-UNICAMP.
  • 30
    35. “Documentos Brasileiros”. A NaçãoFUNDO SBH. Sem título. A Nação, Rio de Janeiro (RJ), 25 out. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP., Rio de Janeiro (RJ), 17, nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 31
    37. “Dois livros em registro”. A Federação, Porto Alegre (RS), 18 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 32
    Isso porque o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) só se criaria no Estado Novo (1937-1945) e a região era mais conhecida como Norte. Muitos trabalhos já debateram o tema, como Albuquerque Jr. (2009). Apesar disso e do estabelecimento do termo ainda na primeira metade do século XX, em meio à consagração dos romancistas e por ações governamentais como as da Sudene, estudos recentes questionam a suposta hegemonia de imagem unitária, face às lutas por identidades regionais através do folclore, em decênios posteriores (Cf. NEGREIROS, 2016).
  • 33
    01. “No mundo dos livros”. S.ref. Siarq-UNICAMP.
  • 34
    Apesar de não atingir posição unânime, Freyre despertou a atenção dos principais críticos de então, como Agripino Grieco, Eloy Pontes e João Ribeiro.
  • 35
    24. “No mundo dos livros”. Estado de Sergipe, Aracajú (SE), 10 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 36
    68. “Livros e periódicos”. Seara Nova [?], 193[?], s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 37
    13. “Raízes do BrasilFUNDO SBH. Raízes do Brasil. Correio de São Paulo, São Paulo (SP), 3 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.”. Correio de São Paulo, São Paulo (SP), 3 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 38
    Inquietos com o uso indiscriminado de uma palavra de matriz astrológica, historiadores da arte propuseram uma digressão contra a ideia de Influência, sugerindo verbos que servem para minimizar o viés unidirecional das relações de um indivíduo ou circunstância A agindo sobre B, invertendo os sinais dessa ação (BAXANDALL, 2006).
  • 39
    Refiro-me aos especialistas que mais recentemente têm surgido junto aos novos trabalhos sobre a temática de Raízes do Brasil, em particular, ou Sérgio Buarque de Holanda, em geral, como referências. São eles: Waizbort (2011)WAIZBORT, Leopoldo. O mal-entendido da democracia: Sérgio Buarque de Hollanda, Raízes do Brasil, 1936. RBCS, São Paulo, v. 26, n. 76, p. 39-62, jun. 2011., Feldman (2016) e Mata (2016). No caso do segundo, em estudo de maior fôlego (minha tese de doutorado), apontei que, embora Feldman cite parte das resenhas saídas entre 1936 e 1938, ele não se preocupa em recompor as pautas dos quadros receptivos. Isso porque seu interesse visou mapear tudo o que mudou nas três primeiras edições de Raízes do Brasil, o que fez com maestria no lastro de Rocha (2008). Tanto que se concentrou em mostrar o uso que Almir de Andrade fez do texto de Buarque de Holanda em seu livro Força, cultura e liberdade (1940). Contudo, querer enxergar em Andrade a síntese das preocupações buarqueanas - como se nele residissem todos os motivos das mudanças operadas sobre o impresso quando da segunda edição, em 1948 -, é reduzir como eminente e exclusivamente brasileiros os debates nos quais seu autor se envolveu, e os medos das apropriações talvez indevidas do livro por agentes e/ou apoiadores do Estado Novo. A respeito do primeiro e do terceiro, Waizbort e Mata - que têm resultados semelhantes na descrição de um Sérgio Buarque mais à direita no campo político -, busca-se revelar os nexos da “obra” de estreia com o conservadorismo e, sobretudo, o irracionalismo filosófico mobilizado a posteriori pelo Nazismo. Ocorre, porém, que tais estudos supervalorizam certa “influência” da “fase alemã” ou de autores germânicos em Raízes do Brasil e tentam enquadrar as reflexões do intelectual paulista em operações historiográficas que só teriam validade se cotejadas com os sistemas classificatórios da época (o que não fazem dadas as predileções intertextuais de suas análises). Nesse sentido, trabalhos como os de Rollemberg (2017) demonstram que os movimentos de inspirações e aspirações totalitárias italiano e alemão se mostravam inicialmente como terceiras vias políticas, tentando rechaçar, ao menos discursivamente, tanto os modelos da democracia liberal, quanto o comunismo soviético. Assim, até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), era praticamente impossível saber os rumos nefastos que tais fenômenos tomariam e mesmo quais nomes mobilizariam para conformar suas bases ideológicas. Portanto, é razoável supor que as referências porventura utilizadas por Sérgio Buarque de Holanda não podem ser lidas como adeptas dessas ideias a priori, num momento em que elas estavam em debate e ainda não eram inseridas - muitas de forma arbitrária, distorcida e indevidamente -, nos programas de Benito Mussolini e/ou Adolf Hitler.
  • 40
    É claro que tal avaliação contrasta com vários intérpretes - tanto pioneiros, como Castro (2002) e Carvalho (2003); quanto atuais, a exemplo de Feldman (2016), Sanches (2013) etc. - e poderia resultar apenas de uma diferença de material consultado. Mas ocorre que em minha tese também avaliei as resenhas com identificação de autoria e posso afirmar, com segurança, que mesmo nesses últimos textos veiculados na imprensa o incômodo com a falta de um fecho conclusivo no livro não era uma pauta dominante. Logo, realçá-la indevidamente seria dotar de força discursiva uma agenda intelectual que não possuía tanto poder. Até porque, às vezes, o tema surgia como virtude da obra, tratando-se de um convite ao debate.
  • 41
    06. “Nota bibliográfica”. A Rua, Rio de Janeiro (RJ), 31 out. 1936FUNDO SBH. Nota bibliográfica. A Rua, Rio de Janeiro (RJ), 31 out.1936, s.p. Siarq-UNICAMP., s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 42
    Sanches (2013) é quem insiste nesse ponto com análise de discurso sem ampla base empírica.
  • 43
    Atentei a este tema, pois “Muito se aprenderia sobre as atitudes em relação aos livros e o contexto de sua utilização estudando a maneira como eram apresentados - a estratégia do apelo, os valores invocados pelo discurso empregado” (DARNTON, 1990DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. São Paulo: Companhia das Letras, 1990., p. 124).
  • 44
    11. “Registro de livros”. Monitor Campista, Campos (RJ), 3 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 45
    02. “Letras e artes”. O Jornal, Rio de Janeiro (RJ), 25 out. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 46
    06. “Nota bibliográfica”. A Rua, Rio de Janeiro (RJ), 31 out. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 47
    11. “Registro de livros”. Monitor Campista, Campos (RJ), 3 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 48
    22. “Livros novos”. Diário da Bahia, Salvador (BA), 9 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 49
    26. “Livros novos”. A Tarde, Salvador (BA), 11 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 50
    32. “Livros novos”. Jornal de Alagoas, Maceió (AL), 15 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 51
    Nesse tempo, a realidade brasileira se tornou uma expressão-chave (Cf. ARAÚJO, 1994ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz: Casa-grande & senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. São Paulo: Editora 34, 1994.).
  • 52
    55. “Panorama. Literatura brasileira. O que se publica”. S.ref., 24 dez. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 53
    67. “Livros”. O Oeste Paulista, Santo Anastácio (SP), 11 jul. 1937, s.p. Siarq-UNICAMP. Friso que a editora não errou a grafia do livro, pois os dois “ll” seguem a maior parte dos documentos pessoais do autor. A adoção de um “l” se estabiliza na obra dele e na crítica em fins de 1950.
  • 54
    Isso porque “as sanções positivas ou negativas que uma obra ou produção cultural recebe podem contribuir para redefinir os espaços dos possíveis” (tradução livre. No original: “Plus largement, les sanctions positives ou negatives que reçois une œuvre ou une production culturelle peuvent contribuer à redéfinir l’espaces des possibles”) (SAPIRO, 2014SAPIRO, Gisèle. La sociologie de la littérature. Paris: La Découverte, 2014., p. 93) da trajetória intelectual, do estilo narrativo, da direção dos debates etc.
  • 55
    04. Sem título. A Nação, Rio de Janeiro (RJ), 25 out. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 56
    68. “Livros e periódicos”. Seara Nova [?], 193[?], s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 57
    38. “Movimento dos livros”. Correio da Manhã, Rio de Janeiro (RJ), 20 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 58
    59. “Livros novos”. S.ref. Siarq-UNICAMP.
  • 59
    02. “Letras e artesFUNDO SBH. Letras e artes. O Jornal, Rio de Janeiro (RJ), 25 out. 1936, s.p.Siarq-UNICAMP.”. O Jornal, Rio de Janeiro (RJ), 25 out. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.
  • 60
    Arquivo Livraria José Olympio EditoraARQUIVO Livraria José Olympio Editora. Adm. Pasta Correspondência passiva. Carta de Jorge Amado a José Olympio, s.l., s.d. Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB).. Adm. Pasta Correspondência passiva. Carta de Jorge Amado a José Olympio, s.l., s.d. FCRB. Pelos títulos mencionados, é provável que o ano seja o de 1937.
  • 61
    35. “Documentos Brasileiros”. A Nação, Rio de Janeiro (RJ), 17 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP. Embora o segundo artigo (46) também tenha se equivocado quanto ao nome de Freyre, escrito com i, o maior erro surgiu no próprio título da nota onde se lia: “Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Macedo”. Beira-mar, Rio de Janeiro (RJ), 28 nov. 1936, s.p. Siarq-UNICAMP.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2019
  • Aceito
    13 Jul 2020
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