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Relato pessoal ou primazia da estrutura? Da história oral à história estrutural como modelo para a sociologia histórica - o caso da história institucional da USP1 1 O presente artigo é uma versão modificada do primeiro capítulo da minha tese de doutorado (Carlotto, 2014). Uma versão ampliada foi apresentada no Grupo de Trabalho “Sociologia História: rumos e diálogos atuais” no 18˚ Congresso Brasileiro de Sociologia da SBS.

Personal report or primacy of structure? From oral history to structural history as a model for historical sociology - the case of USP’S institutional history

Resumo

O presente artigo pretende analisar, sociologicamente, a historiografia sobre a Universidade de São Paulo, destacando os padrões de escrita e publicação das diferentes “histórias da USP” e mostrando como cada um deles corresponde a uma posição social distinta no interior da instituição. Contrapõe-se particularmente a história oficial, escrita desde posições privilegiadas de poder e marcada pela primazia do relato pessoal e finalista, à história dos vencidos, de cunho filosófico, marcada pela defesa do projeto “original” da USP, ancorado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Por fim, mostramos como a história estrutural, que permite realizar a operação analítica central do artigo, também corresponde a uma tradição historiográfica própria, ligada às ciências sociais, em especial à sociologia, que também tem um lugar próprio na instituição.

Palavras-chave:
Universidade de São Paulo; Sociologia histórica; História oral; História estrutural; História institucional

Abstract

The present article intends to analyze, sociologically, the historiography about the University of São Paulo, highlighting the writing and publication patterns of the different “USP’S history” that corresponds to a different social position within the institution. In this sense, the “official history” of USP, written from privileged positions and marked by the primacy of personal and finalist reports, is contrasts with the “history of losers”, of a philosophical nature, marked by the defense of USP’s “original” project, anchored at the Faculty of Philosophy, Sciences and Letters. Finally, we show how the structural history, which allows the central analytical operation of the present article, also corresponds to a specific historiographical tradition, linked to the social sciences, especially sociology, which also has its own place in the institution.

Keywords:
University of São Paulo; Historical sociology; Oral history; Structural history; Institutional history

Introdução

A história institucional é, sem dúvida, uma das áreas mais importantes e desafiadoras da sociologia histórica. Isso porque a reconstrução histórica da gênese e transformação de instituições sociais é objeto de enormes disputas, a começar por aquelas que buscam definir quais instituições merecem ter suas histórias contadas ou quem está autorizado a contar a “verdadeira” história de uma instituição, sobretudo quando ela mesma, pela sua importância social, está interessada em preservar certa versão da sua história.

Ao tentar reconstruir, sociologicamente, a história da Universidade de São Paulo (USP), deparei-me com esse e outros desafios postos para a sociologia histórica que tem, por objeto, instituições (Carlotto, 2014CARLOTTO, Maria. (2014), Universitas semper reformanda? A Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social. 570f. São Paulo, tese de doutorado em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.). Partindo do pressuposto de que reconstruir a trajetória de uma instituição - esforço que estou nomeando, aqui, de história institucional - não implica assumir, necessariamente, o ponto de vista dominante nessa instituição - que é chamado de “perspectiva institucional” ou “história oficial” -, desenhei uma metodologia de pesquisa que consistia em identificar os diferentes padrões de reconstrução histórica da USP, mostrando como eles correspondem a diferentes posições sociais no interior da instituição2 2. Para mais detalhes sobre a estrutura social da USP, ver o terceiro capítulo da minha tese de doutorado, intitulado “A transformação estrutural da USP: dominantes e dominados no contexto universitário” (Carlotto, 2014, pp. 295 ss). Nesse capítulo dedico-me a reconstruir o padrão de organização e de recrutamento das diferentes unidades de ensino e pesquisa da USP, procurando mostrar como a universidade se desenvolveu a partir de uma oposição essencial entre um polo profissional tradicional, constituído pelas unidades da USP mais antigas e voltadas às formações profissionais socialmente valorizadas, e um polo acadêmico-científico, composto pelas unidades voltadas à formação científica e pedagógica, fundadas sobretudo entre 1934 e 1968. . Esse exercício - de considerar a perspectiva histórica uma tomada de posição associada a um lugar específico na hierarquia institucional - permitiu evidenciar o valor de se adotar uma perspectiva estrutural para reconstruir a história institucional em detrimento de outras abordagens, em especial a que privilegia o relato pessoal e predomina na história oficial da USP. Assim, o objetivo principal deste artigo é apresentar uma leitura sociológica das diferentes histórias da USP, como parte fundamental do esforço de formulação de uma história estrutural da instituição. Subsidiariamente, pretende-se sistematizar uma proposta metodológica para a pesquisa crítica de instituições, em particular de universidades, que reconheça que tanto a história oficial quanto a sua suposta contestação crítica correspondem a visões de lugares sociais específicos no interior da instituição. Para tanto, divide-se em três partes, para além da introdução e da conclusão.

Na primeira, intitulada “História oficial: relato pessoal e perspectiva finalista”, apresento, em linhas gerais, o padrão de reconstrução histórica que predomina na historiografia oficial da USP, produzida a partir do polo dominante da instituição. Na segunda seção, chamada “A instituição vista a ‘certa distância’: da história oral à história estrutural”, resumo a discussão teórica que me permite contrapor a ideia de uma história estrutural à aposta na história oral, como forma de responder à tendência predominante na historiografia oficial da USP, marcada pela primazia dos relatos pessoais. Na terceira parte, “A história dos vencidos: em defesa do projeto ‘original’”, procuro identificar sociologicamente o padrão historiográfico oposto à história oficial, marcado pela crítica do desenvolvimento institucional da USP à luz dos conceitos filosóficos originais que teriam embasado o projeto de criação da USP em 1934UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. (1934), Decreto de fundação. USP., derrotado ao longo da sua implementação. Na conclusão, retomo o debate teórico e concluo delineando o que seria o terceiro e último padrão de reconstrução histórica da USP, que é, justamente, a história estrutural que fundamenta a operação realizada ao longo do presente artigo.

História oficial: relato pessoal e perspectiva finalista

Ao se propor a reconstruir a história de uma instituição, sobretudo daquelas socialmente valorizadas, o cientista social invariavelmente se depara com expressões mais ou menos acabadas da sua “história oficial”. Somatória de materiais produzidos diretamente pela instituição ou por pessoas e grupos encarregados por ela de recontar sua história, em geral por ocasião de datas comemorativas, a história oficial é parte da própria construção institucional.

Um dos seus traços mais marcantes é o predomínio de uma perspectiva finalista que concebe o desenvolvimento institucional como “um conjunto coerente e orientado que pode e deve ser apreendido como expressão unitária de uma ‘intenção’ subjetiva e objetiva, [isto é,] de um projeto” (Bourdieu, 1986BOURDIEU, Pierre. (1986), “L’illusion biographique”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 62-63: 69-72., p. 69). Não por acaso, portanto, ao enfatizar a intencionalidade, a história oficial confere uma forte primazia ao relato individual como fonte de reconstrução histórica.

No caso da USP, essa perspectiva finalista, que concebe a história como o resultado da ação consciente de homens que dirigem a instituição para um dado sentido, marca de modo significativo a sua história oficial. Em função disso, um traço característico dessa historiografia oficial é a primazia dada ao relato dos homens envolvidos com a direção da instituição, seja diretamente - sob a forma de memórias, diários, relatórios administrativos ou individuais de dirigentes - seja indiretamente - sob a forma de depoimentos dados por esses a encarregados por reconstruir a história da instituição. Em ambos os casos, são trabalhos escritos a partir de posições de poder e que repercutem, nas suas reconstruções históricas, as visões inerentes a esse lugar institucional.

Pode ser incluído nessa categoria o primeiro livro que se pretende “uma história da USP”, escrito pelo ex-reitor Jorge Americano, um catedrático da Faculdade de Direito com extensa carreira política que, logo após deixar a reitoria da USP em 1946, resolveu elaborar um compêndio de “dados, problemas e planos” para orientar “o trabalho dos futuros administradores da instituição” (Americano, 1947AMERICANO, Jorge. (1947), A Universidade de São Paulo: dados, problemas e planos. São Paulo, Empresa Revista dos Tribunais., p. 5). A reconstrução histórica proposta por Jorge Americano visava a legitimar o ideal de autonomia universitária, nos termos concebidos pelo ex-reitor, que liderou politicamente um amplo movimento que culminou na transformação da USP em autarquia estadual (Americano, 1947AMERICANO, Jorge. (1947), A Universidade de São Paulo: dados, problemas e planos. São Paulo, Empresa Revista dos Tribunais.). Americano parte dessa perspectiva finalista - em que a autonomização da universidade nos termos propostos pela sua direção se torna um fim legítimo e natural - para celebrar uma série de fatos que assume, então, um sentido coerente.

Na mesma linha, estão as diferentes Memórias e Recordações do também ex-reitor Miguel Reale (1986aREALE, Miguel. (1986a), “Recordações da Universidade de São Paulo”. Revista da Universidade de São Paulo, 3: 91-101., 1986bREALE, Miguel. (1986b), Memórias: destinos cruzados. São Paulo: Saraiva, 1986b, vol. 1., 1987REALE, Miguel. (1987), Memórias: a balança e a espada. São Paulo, Saraiva, vol. 2. e 1994). O jurista que, por sua posição de liderança na Ação Integralista Brasileira, conseguiu, durante o Estado Novo, tornar-se catedrático da Faculdade de Direito e membro do Conselho Administrativo do Estado3 3. Miguel Reale precisou mobilizar toda a sua influência pessoal e política para validar, junto ao governo federal, através do seu Conselho Nacional de Educação, o concurso que prestou para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 1941, que foi questionado e invalidado no âmbito da Faculdade de Direito (Reale, 1986b). , também dedicou particular atenção ao episódio narrado por Jorge Americano, de concessão de autonomia universitária à USP em 1944, mas reivindicando para si o mérito da medida que elevou a USP ao estatuto de “autarquia estadual” (Reale, 1994REALE, Miguel. (1994), “Minhas memórias da USP”. Estudos Avançados, 8 (22): 25-46, 1994., pp. 25-26).

Assim como esses, outros altos dirigentes da USP também escreveram sobre a sua história, seja sob a forma de cronologias institucionais, seja sob a forma de memórias pessoais. No primeiro caso, podemos incluir o artigo do ex-reitor da USP João Grandino Rodas, intitulado “História da Universidade de São Paulo” e escrito em parceria com Shozo Motoyama (Rodas e Motoyama, 2011RODAS, João Grandino & MOTOYAMA, Shozo. (2011), História da Universidade de São Paulo. Educação Brasileira: Revista do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, 33 (66): 11-48.). No segundo caso, estão as memórias do ex-reitor Hélio Lourenço de Oliveira, publicadas em volume de homenagem a ele (Oliveira, 1995OLIVEIRA, Hélio Lourenço de. (org.). (1995), USP 1968-1969: Hélio Lourenço de Oliveira. São Paulo, Edusp.), ou ainda o diário do ex-reitor Jacques Marcovitch, publicado com o título Universidade viva, diário de um reitor (2001MARCOVITCH, Jacques. (2001), Universidade viva, diário de um reitor. São Paulo, Mandarim.). É nessa linha de trabalhos que se localiza, também, a obra intitulada Universidade de São Paulo: súmula de sua história, de Josué Camargo Mendes, que foi vice-reitor da USP de 1973 a 1977 (Mendes, 1977MENDES, Josué Camargo. (1977), Universidade de São Paulo, súmula da sua história. São Paulo, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia; Academia de Ciências do Estado de São Paulo.).

Também fazem parte da história oficial da USP o livro Universidade de São Paulo: subsídios para uma avaliação, organizado pela professora Eunice Lacava Kwaniscka, da Faculdade de Economia e Administração da USP, a pedido do engenheiro e então reitor Hélio Guerra Vieira (Kwaniscka, 1985KWANISCKA, Eunice Lacava. (org.). (1985), Universidade de São Paulo: subsídios para uma avaliação. São Paulo, Universidade de São Paulo.). Ou, ainda, o volume preparado pela assessora da reitoria, Rosana Oba, chamado Universidade de São Paulo: seus reitores e seus símbolos - um pouco da história (Oba, 2006OBA, Rosana. (2006), Universidade de São Paulo seus reitores e seus símbolos. Um pouco da história. São Paulo, Edusp.), publicado pela Edusp e prefaciado pelo governador Geraldo Alckmin. Esses dois livros testemunham claramente que a história oficial da USP é escrita não só por aqueles que ocupam diretamente cargos de direção, mas também por especialistas a quem os dirigentes delegam essa função.

Nesse sentido, vale notar que as duas obras mais significativas de “história oficial” da USP foram escritas justamente por autores que, sem assumirem diretamente altas posições de poder institucional, acabaram designados pela direção universitária para escrever a história da instituição. São elas: o compêndio História da Universidade de São Paulo escrito por Ernesto de Souza Campos (1954)CAMPOS, Ernesto de Souza. (1954), A história da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo. e o volume USP 70 anos, imagens de uma história vivida, organizado pelo historiador Shozo Motoyama (2006). O primeiro foi redigido em 1954 a pedido do Conselho Universitário por ocasião da comemoração do IV Centenário da cidade de São Paulo e das duas décadas de fundação da USP. O segundo foi concluído em 2006, como forma de comemorar os setenta anos da USP, em mais um volume produzido pelo Centro Interunidades de História da Ciência, ligado à reitoria da USP.

O livro de Souza Campos, ao conceber a fundação e o crescimento da USP como um percurso coerente e bem-sucedido, reflete, sem mediações, o discurso socialmente enraizado do seu narrador, que fez toda a sua trajetória acadêmica na instituição cuja história relata e cuja direção, por muito tempo, integrou (Campos, 1954CAMPOS, Ernesto de Souza. (1954), A história da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo.). Formado originalmente pela Escola Politécnica, Ernesto de Souza Campos ingressou, em 1913, na primeira turma da Faculdade de Medicina de São Paulo. Como aluno mais velho e oriundo de uma família influente de São Paulo, ganhou posição de destaque na nova faculdade, sendo escolhido pelo então diretor, Arnaldo Vieira de Carvalho, para tornar-se presidente do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (Caoc), depois da suspensão do primeiro ocupante do cargo, por motivos políticos, logo no primeiro ano de funcionamento da nova escola4 4. A história da greve estudantil de 1913 na Faculdade de Medicina de São Paulo, que resultou na expulsão do primeiro presidente do Caoc e de dezenas de outros estudantes, é muito significativa para a compreensão do funcionamento das faculdades tradicionais da USP na sua primeira fase. Ao iniciar suas atividades didáticas em 1913, por imposição da Lei Rivadavia Corrêa (1911), que reinstituiu o ensino livre, a Faculdade de Medicina não selecionava seus estudantes nem impunha um limite de vagas. Consequentemente, iniciou o primeiro ano de Medicina uma quantidade de alunos elevada para os padrões da época, muitos dos quais com uma formação considerada, pela direção da faculdade, aquém do esperado para um aluno de medicina. Entre esses “maus alunos” estavam muitos filhos de imigrantes, pois os relatos da época referem-se ao fato de que, nas provas, “o nosso idioma era horrivelmente maltratado” (Campos, 1954, p. 362). A solução para essa “má frequentação” (Bourdieu, 1989, pp. 101 ss) foi aumentar as exigências do curso a fim de reprovar grande parte da turma. A consequência dessa reprovação em massa foi uma greve estudantil que levou ao fechamento da Faculdade e à suspensão - que, na prática, significou a expulsão - da grande maioria dos alunos da primeira turma de medicina, incluindo o então presidente do Caoc, Waldomiro Guilherme de Campos. Nesse contexto, Ernesto de Souza Campos foi escolhido para presidente do Caoc inicialmente pelo próprio diretor, Arnaldo Vieira de Carvalho, com quem tinha uma relação muito próxima. . Seguindo uma trajetória “natural”, Campos tornou-se catedrático e diretor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Por sua participação nos órgãos dirigentes da Faculdade, assumiu a interlocução com a Fundação Rockefeller5 5. No seu estudo sobre a atuação da Fundação Rockefeller na USP, Maria Gabriela Marinho afirma que Ernesto de Souza Campos, mais do que um interlocutor, era o verdadeiro “ideólogo dessa parceria, sobretudo a partir de sua adesão aos valores da cultura norte-americana, no bojo da qual a Fundação Rockefeller exerceu o papel de uma poderosa agência de promoção daquela organização social” (2001, p. 6). , que financiou a construção do Hospital das Clínicas e da atual sede da FMUSP (Marinho, 2001). Com a fundação da USP em 1934UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. (1934), Decreto de fundação. USP., Campos passou a assumir posições de destaque na incipiente burocracia acadêmica, chegando a dirigir os trabalhos de planejamento e construção do campus da Cidade Universitária (Xavier, 1999), depois de ter sido diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras entre 1937 e 1938, quando os diretores eram nomeados pelo governador/interventor do estado (Antunha, 1971ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.). Reconhecendo essa trajetória, em 1954, o Conselho Universitário decidiu atribuir ao “filho espiritual da Escola Politécnica e da Faculdade de Medicina” a tarefa de escrever a história da universidade de São Paulo (Leme, 1954LEME, Ernesto Moraes. (1954), “À guisa de prefácio”. In: CAMPOS, Ernesto de Souza. História da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo, n.p., n.p.).

De fato, a relação de Ernesto de Souza Campos com a USP, particularmente com a sua Faculdade de Medicina, era ainda mais profunda do que a sua trajetória institucional inicialmente sugere. Seguindo a sua narrativa, descobre-se que o “grande historiador da USP” era filho de um “homem bom de São Paulo”, “republicano de primeira hora”, o médico Antônio de Souza Campos, senador da República durante o governo Floriano Peixoto (Campos, 1954CAMPOS, Ernesto de Souza. (1954), A história da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo., p. 345). Além de médico “de prestígio”, o senador era, ainda, “amigo dileto” de Américo Brasiliense de Almeida Mello, bacharel em direito que fundou o Partido Republicano Paulista e se tornou, por ele, presidente da província de São Paulo. Inserido nessa rede de relações políticas e sociais privilegiadas, o pai de Ernesto de Souza Campos teria desempenhado um papel importante na promulgação da lei n. 19 de 1891, que criou, no papel, a Academia de Medicina e Farmácia de São Paulo. Ao contar a história da relação de seu pai com Américo Brasiliense e a Faculdade de Medicina, Ernesto de Souza Campos conclui:

Esta digressão, irreprimível nota sentimental e simultaneamente homenagem a dois homens bons de São Paulo, tem o objetivo de trazer nosso testemunho pessoal sobre o interesse que o presidente Américo devotava à criação da sua projetada “Academia de Medicina e Farmácia” (Campos, 1954CAMPOS, Ernesto de Souza. (1954), A história da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo., p. 345; grifos meus).

O relato histórico presente no livro de 1954 é todo ele marcado por um tom de “testemunho pessoal” de um membro da elite paulista, orgulhoso desse pertencimento. Não por acaso, ocupam um lugar central na obra de Campos as pequenas biografias, sempre de caráter consagrador, pelas quais o autor reconstrói as personagens heroicas que, segundo ele, protagonizaram a história da USP e das suas unidades constitutivas, revelando, por detrás de suas atitudes “nobres” e “altivas”, uma vertiginosa cadeia de ascendência aristocrática. Ao longo das mais de quinhentas páginas que compõem o luxuoso volume de 1954, reimpresso integralmente e em alto padrão em 2004, são constantes as referências à grandeza de São Paulo e de sua elite dirigente, da qual a fundação da USP constitui, para o autor, “exemplo máximo”6 6. É nessa chave, por exemplo, que Souza Campos descreve o principal assessor de Arnaldo Vieira de Carvalho, o médico Ovídio Pires de Campos: “No seu amor por São Paulo, no seu discreto orgulho de descendente de autêntica família bandeirante, revelava-se, sempre, o homem cioso da grandeza do seu berço. Essa grandeza não a queria assentada apenas no poderio econômico. Desejava-se projetada para o alto, no esplendor de uma civilização realçada por esplêndida cultura” (Campos, 1954, p. 347). Com as mesmas tonalidades, narra a criação da USP e da sua unidade central, atribuindo tal decisão a outro “grande paulista”: Armando Salles de Oliveira (Campos, 1954, p. 425). .

Diferentemente do que pode parecer à primeira vista, o estilo historiográfico de Campos não representa a expressão despropositada de um elitismo pessoal ou de um arcaísmo descontextualizado. Tampouco o pressuposto finalista e o tom consagrador resultam do caráter amador da história escrita pelo engenheiro-médico. Ao contrário, durante a redação da sua História da Universidade de São Paulo, Ernesto de Souza Campos ocupava o cargo de presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), instituição cuja sede, ainda hoje, preserva o seu nome. E, de fato, todos os elementos distintivos do estilo historiográfico do IHGSP encontram-se presentes na obra de Ernesto de Souza Campos: o recurso a pequenas biografias como estratégia de consagração de grupos da elite local, o modelo bandeirante como exaltação da grandeza paulista e, particularmente, a idealização do passado colonial que tem, como contrapartida, a projeção de um futuro igualmente idealizado, necessariamente “civilizado”, “branco” e “moderno”. A intenção, no caso específico da obra de Campos, é construir uma narrativa histórica para a USP que fosse capaz de forjar uma tradição7 7. É significativo, nesse sentido, que o livro de Ernesto de Souza Campos sobre a USP se abra com a reprodução de símbolos que buscam definir uma “tradição uspiana”, tais como a imagem colorida do brasão d’armas da universidade seguido da sua explicação, uma versão da flâmula oficial da Universidade, a foto em preto e branco da medalha feita pela USP em comemoração ao quarto centenário da cidade de São Paulo, e um desenho da torre do relógio, “símbolo da cidade universitária da USP”, seguido pelo poema em prosa intitulado “A torre e o sino”, escrito pelo próprio autor e em que se lê: “A Torre é a síntese. O Sino é a alma. Exprimem pela imagem e pela vibração a estática e a dinâmica da Universidade - a forma e o espírito. […] Eis a abertura do nosso ensaio histórico, situando, na Torre e no Sino, a mística sublime de um símbolo” (Campos, 1954, n.p.; grifo meu). que não se limitasse apenas a ressignificar o passado, mas também que determinasse, de antemão, todo o futuro, na forma de um devir inevitável.

É, portanto, à luz dessa corrente e dos seus temas, estilos e pressupostos que se deve compreender, em um primeiro momento, o trabalho histórico de Ernesto de Souza Campos. Longe de representar um erro ou um desvio, a História da Universidade de São Paulo escrita por Souza Campos reflete essa “forma bem específica de se fazer história”, “pautada em nomes e personagens”, como forma de consagração e legitimação das “elites agrárias” (Schwarcz, 1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. (1993), O espetáculo das raças: cientistas, instituições e a questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo, Companhia das Letras., pp. 109-110). Esse discurso historiográfico encerra, como Lilia Schwarcz sugere, verdadeiros “sistemas de classificação” que orientam a construção de uma história épica e otimista, na qual o passado idealizado se presta à projeção de um futuro “insofismavelmente branco” e, portanto, moderno e civilizado (1993, pp. 132-137).

Mas além de incorporar os traços distintivos da historiografia paulista da primeira metade do século XX, a obra de Souza Campos não deve ser considerada um “desvio” também porque expressa de modo paradigmático o padrão que prevalece em parte importante dos trabalhos sobre a história da USP: a descrição de uma trajetória coerente e bem-sucedida cujo sentido, pressuposto já no ato de fundação das escolas profissionais no século XIX, desdobra-se a cada momento da vida institucional. O autor reconstrói a história da USP, portanto, a partir da história das suas unidades profissionais isoladas, todas elas, segundo ele, portadoras de um mesmo objetivo: contribuir para o desenvolvimento do estado bandeirante e a felicidade, prosperidade e bem-estar do seu povo (Campos, 1954CAMPOS, Ernesto de Souza. (1954), A história da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo.)8 8. Esta análise mais detalhada da obra de Ernesto de Souza Campos se deve, sobretudo, ao fato de essa obra ter se constituído, ao longo do tempo, como uma das principais, senão a principal referência para a história da Universidade de São Paulo escrita em diferentes perspectivas (Antunha, 1971; Fernandes, 1984; Fétizon, 1986; Kwaniscka, 1985; Limongi, 1989; Lopes e Santos, 2005; Motoyama, 2006). . Para Souza Campos, esse projeto inerente à fundação da universidade era o ideal paulista de ensino superior, que já se expressara na Faculdade de Direito, criada ainda no período imperial, desdobrando-se nas sucessivas faculdades profissionais que vão integrando o ensino superior paulista para, “no momento certo”, congregarem-se na Universidade de São Paulo.

Do ponto de vista da forma, o compêndio de Ernesto de Souza Campos sobre os vinte anos e o livro de Shozo Motoyama sobre os setenta anos da USP se aproximam muito. Ambos são volumes extensos, publicados em edição luxuosa, de caráter comemorativo, e repletos de imagens e ilustrações simbólicas de edificações e personagens considerados importantes para a história da instituição, marcadamente seus dirigentes, representados por pinturas oficiais a óleo dispostas ao longo de ambos os livros. Além disso, o fato de tanto a obra de Campos quanto a de Motoyama terem sido apresentadas pelos reitores da época - Ernesto Moraes Leme e Suely Vilela - só reforça o caráter de história oficial e consagradora que as distingue.

Essas semelhanças de forma correspondem, como é possível supor, a aproximações de conteúdo entre os dois trabalhos. Apesar da variação de estilo, é possível dizer que a estrutura geral da narrativa histórica de Motoyama é a mesma da que organiza a de Souza Campos: os dois trabalhos assumem um mesmo caráter teleológico ao postularem um sentido único que, incorporado de modo consciente por uma elite local engajada na construção do ensino superior paulista, determina o “passado, presente e futuro” da USP (Motoyama, 2006).

Mas, ao contrário de Souza Campos, que remete tal fundação ao período colonial, Motoyama a localiza diretamente na Primeira República, que abriu espaço para o “empreendedorismo” da elite liberal paulista, treinada e socializada nas Arcadas da Faculdade de Direito. Esses “aprendizes do poder” (Adorno, 1988ADORNO, Sérgio. (1988), Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra.), atuando com outros “construtores da modernidade” (Motoyama, 2006, p. 93), iriam, a partir da concessão de autonomia estadual pela República em 1889, fundar instituições de ensino e pesquisa que dariam suporte aos processos de industrialização e de urbanização que despontavam no estado de São Paulo. Nesse sentido, depois de constatar que o Brasil praticamente não criara instituições de ensino superior entre o Império e a República, o autor afirma:

A exceção ficava por conta do estado paulista porque, após a Proclamação da República, o governo bandeirante fundara a Escola Politécnica (1893), a Escola de Farmácia e Odontologia (1898), a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (1901), a Faculdade de Medicina (1912), entre outros. Essas entidades contribuíram enormemente para a riqueza e a grandeza de São Paulo (Motoyama, 2006, p. 21).

É nessa chave, de uma instituição fundada pelo processo de desenvolvimento paulista e para ele voltada, que Motoyama interpreta toda a história da USP, cuja origem remonta, assim como postulado por Campos, à criação das suas escolas profissionais tradicionais, em particular as Faculdades de Direito, Engenharia e Medicina. A coerência dessa história é dada, portanto, pela realização de um mesmo “projeto original”, qual seja: o de um conhecimento a serviço da modernização paulista que, não obstante conduzida por um grupo da elite local, beneficia a nação brasileira em seu conjunto.

Assim como no caso da obra de Souza Campos, a perspectiva inerente ao livro de Motoyama não deve ser lida como erro ou desvio. Nesse sentido, é importante notar que a obra sobre os setenta anos da Universidade de São Paulo foi produzida no interior do Centro Interunidades de História da Ciência (CHC) que, fundado em 1988 como órgão ligado à reitoria, é, até hoje, oficialmente encarregado por escrever a história da ciência e da tecnologia no Brasil e, principalmente, no estado de São Paulo, testemunhando o processo de profissionalização e institucionalização da chamada história oficial das instituições de ciência e tecnologia. Nesse sentido, reflete a visão dessa historiografia da ciência e tecnologia inspirada pelo determinismo tecnológico que termina por naturalizar o papel do conhecimento e da técnica no desenvolvimento social (Forman, 2007).

Em suma, os trabalhos de história oficial analisados nesta seção, a despeito das suas diferenças internas, assumem uma mesma perspectiva historiográfica ao eleger o discurso dos dirigentes universitários como fonte privilegiada, tendo em vista legitimar a criação da USP como um projeto da elite paulista que se desdobra desde a criação das escolas profissionais tradicionais de onde, vale notar, a maioria desses dirigentes provém (Carlotto, 2014CARLOTTO, Maria. (2014), Universitas semper reformanda? A Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social. 570f. São Paulo, tese de doutorado em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.).

Em alguns casos, a primazia do relato pessoal é incontornável porque reconstrução histórica e memória individual se confundem. Em outros, porém, trata-se de uma escolha metodológica consciente, de inscrever a historiografia institucional na tradição da “história oral”, como forma privilegiada de escrita histórica. É este o caso, por exemplo, do historiador Shozo Motoyama, que opta deliberadamente por “deixar os próprios atores e atrizes, desse drama chamado universidade, falarem por si mesmos” (Motoyama, 2006, p. 68).

Ao reconstruir o argumento presente nas duas principais referências (Thompson, 1992THOMPSON, Paul. (1992), A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro, Paz e Terra.; Prins, 1992PRINS, Gwyn. (1992), “História oral”. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo, Editora da Unesp, pp. 163-198.) mobilizadas por Motoyama (2006) para inserir seu trabalho na tradição da “história oral”, nota-se que o grande objetivo dessa corrente historiográfica forjada no pós-guerra era defender, por influência direta da antropologia e da sociologia9 9. Paul Thompson, considerado por muitos como o grande teórico da história oral, começa a trabalhar com registros falados no Departamento de Sociologia da Universidade de Essex na década de 1960 (Thompson, 1992). , a possibilidade de uso de registros orais como fonte para a reconstrução histórica. Conferindo lugar de destaque às representações subjetivas da história, a corrente da história oral, ao mesmo tempo que democratizava a reconstrução histórica - ao dar voz a quem tradicionalmente não tinha voz -, também terminava por enfatizar a vivência subjetiva dos processos históricos, em uma espécie de fenomenologia histórica.

Assim, Paul Thompson, considerado um dos grandes expoentes do movimento da história oral, sustenta que a recusa dos “historiadores tradicionais” em reconhecer os relatos individuais como fonte legítima para a historiografia deve-se essencialmente à opção teórica e política por escrever uma história ligada à perspectiva dos dominantes (1992). Nesse sentido, a estratégia de dar voz aos silenciados pela historiografia tradicional tornava-se um instrumento de crítica do comprometimento dos historiadores com o exercício da dominação.

Assumindo esse sentido político e epistemológico original, o recurso a fontes orais representou, na prática, a ampliação dos horizontes da história com a inclusão de novos temas e problemas. Essa abertura de campos de investigação está particularmente ligada à emergência, por exemplo, de uma historiografia feminista e pós-colonial na segunda metade do século XX (Patai, 2010PATAI, Daphne. (2010), História oral, feminismo e política. São Paulo, Letra e Voz.; Vansina, 1985VANSINA, Jan. (1985), Oral tradition as history. Oxford, Marston Book.). Mas a principal contribuição da história oral, segundo Thompson, é de natureza metodológica. O recurso ao relato individual confere à narrativa histórica uma maior confiabilidade, uma vez que, se a maioria dos registros escritos mobilizada pelos historiadores “tradicionais” reflete o ponto de vista da autoridade, a história oral permite um julgamento mais imparcial ao evocar suas testemunhas também entre as classes subalternas (Thompson, 1992THOMPSON, Paul. (1992), A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro, Paz e Terra., p. 26).

O historiador Gwyn Prins - também citado por Motoyama como referência para o seu trabalho - promove uma defesa menos enfática e mais criteriosa do registro falado como fonte historiográfica (1992). Para ele, as fontes orais também apresentam limitações que é preciso considerar, sem prejuízo de reconhecer que os historiadores, particularmente os das sociedades modernas, industrializadas e alfabetizadas, são em geral excessivamente céticos quanto à validade das fontes orais para a reconstrução do passado pelo seu caráter supostamente “fluido” e “subjetivo” (Prins, 1992PRINS, Gwyn. (1992), “História oral”. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo, Editora da Unesp, pp. 163-198., pp. 163-165). Esse preconceito, ancorado na experiência intelectualizada, impediu os historiadores de tratarem o registro oral como fonte de pesquisa válida, limitando, assim, o alcance das suas reconstruções históricas.

Tanto na argumentação de Paul Thompson quanto na de Gwyn Prins, a questão essencial é legitimar os registros orais como fontes para o trabalho historiográfico. No entanto, para além dessa defesa puramente metodológica, encontramos um pressuposto teórico mais profundo: o de que a reconstrução dos discursos subjetivos - sob a forma do relato pessoal - permitiria restituir o lugar quase absoluto das representações individuais excluídas pelo historiador no seu trabalho de objetivação histórica. Para essa perspectiva claramente fenomenológica, é como se a verdade dos acontecimentos históricos estivesse guardada na percepção íntima dos indivíduos que os vivenciaram - pressuposto que explica, por exemplo, o subtítulo da obra de Motoyama, “USP 70 anos: imagens de uma história vivida”. É, portanto, a experiência individual, singular, única que transformaria os indivíduos em portadores dos sentidos e dos significados dos acontecimentos históricos.

A instituição vista a “certa distância”: da história oral à história estrutural

De uma perspectiva sociológica, em geral, e de uma sociologia histórica estrutural, em particular, a defesa metodológica do registro falado como fonte de pesquisa, operada pelo movimento da história oral, soa um tanto quanto desnecessária, uma vez que o relato pessoal - em especial, as narrativas de história de vida, os registros subjetivos dispersos e as entrevistas mais ou menos estruturadas - já é amplamente legitimado como instrumentos de pesquisa na sociologia. Do mesmo modo, parece ingênua a aposta de que a subjetividade individual seja portadora da verdade histórica, ainda que as representações subjetivas constituam objeto privilegiado da sociologia.

É nesse sentido que, ao criticar a perspectiva memorialista predominante na historiografia das grandes escolas francesas, Pierre Bourdieu ressalta que o grande problema desses testemunhos pessoais não é, como argumentam os historiadores “tradicionais”, o seu caráter “fluido” ou “subjetivo”, mas a incapacidade dos analistas, particularmente daqueles responsáveis pela reconstrução histórica, de objetivar as condições sociais em que tais narrativas são produzidas (Bourdieu, 1989BOURDIEU, Pierre. (1989), La noblesse d’état. Grandes écoles et esprit de corps. Paris, Les Éditions de Minuit.). Em outras palavras, o problema não estaria no relato pessoal em si, mas na falta de vigilância epistemológica ao utilizá-lo. Isso porque tanto os formuladores diretos desses discursos quanto os analistas que os mobilizam para reescrever a história institucional permanecem inconscientes dos interesses e sentidos específicos de que são portadores, e que se explicam justamente pela relação social determinada que esses sujeitos estabelecem com a instituição cuja história relatam (Bourdieu, 1989BOURDIEU, Pierre. (1989), La noblesse d’état. Grandes écoles et esprit de corps. Paris, Les Éditions de Minuit., pp. 185-186).

Para Bourdieu, portanto, a questão essencial não é negar a validade do registro falado, do relato pessoal ou da memória subjetiva como instrumentos de reconstrução histórica, mas interpretá-los a partir do lugar em que são enunciados, sendo esse lugar pensado como uma posição social (Bourdieu, 1984BOURDIEU, Pierre. (1984), Homo academicus. Paris, Les Éditions de Minuit., 1986BOURDIEU, Pierre. (1986), “L’illusion biographique”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 62-63: 69-72. e 1989). Assim, é da primazia das posições sociais que parte a história estrutural, como uma expressão específica da sociologia histórica.

A proposta de realizar uma história estrutural do ensino superior foi desenvolvida de modo sistemático por Pierre Bourdieu nas duas obras que dedicou ao tema nos anos 1980: Homo academicus, publicada em 1984 e que trabalha a transformação do campo acadêmico partindo da análise da transformação das faculdades de letras e ciências humanas, e La noblesse d´État, publicada em 1989 e centrada mais especificamente no campo das grandes escolas francesas. Em ambas, o autor defende a história estrutural do ensino superior como uma forma privilegiada de elucidar o sentido das transformações no interior desse campo (Bourdieu, 1984BOURDIEU, Pierre. (1984), Homo academicus. Paris, Les Éditions de Minuit., pp. 176 ss; 1989, pp. 279 ss).

A opção de Bourdieu de nomear a sua história de “estrutural” não implica, no entanto, uma filiação direta ao estruturalismo, particularmente o de inspiração linguística que, nas ciências sociais, encontrou expressão acabada na antropologia de Claude Lévi-Strauss (Bourdieu, 1980BOURDIEU, Pierre. (1980), Le sens pratique. Paris, Les Éditions de Minuit., pp. 9 ss). Na verdade, os anos 1970 marcam um progressivo afastamento de Bourdieu em relação ao estruturalismo, o qual foi motivado por uma crítica sistemática que, originalmente metodológica, resultou em inflexões teóricas importantes, tal como explicitado em Le sens pratique, obra que antecede diretamente os estudos bourdieusianos sobre o ensino superior francês (Bourdieu, 1980BOURDIEU, Pierre. (1980), Le sens pratique. Paris, Les Éditions de Minuit.; 1984; 1989).

O cerne da crítica dirigia-se à “redução estruturalista” que, ao determinar a ação social a partir da estrutura, definia os sujeitos como simples autômatos. Não obstante essa crítica, Bourdieu não deixa de reconhecer, e ressaltar, a contribuição essencial do estruturalismo: ter introduzido nas ciências sociais o método relacional de pensar que, rompendo com toda a forma de substancialização e funcionalismo, caracteriza cada elemento do sistema a partir da relação que ele estabelece com outros, dela extraindo o seu significado e a sua função (Bourdieu, 1980BOURDIEU, Pierre. (1980), Le sens pratique. Paris, Les Éditions de Minuit., p. 11). É esse pensamento relacional assumido pela perspectiva estrutural que confere primazia à estrutura social, pensada como um conjunto de posições hierarquizadas às quais correspondem condições materiais, simbólicas e políticas essencialmente distintas e, mais do que isso, desiguais. Assumir esse pressuposto estrutural não implica, no entanto, recair no determinismo cego que nega, como mero erro, as representações subjetivas e imediatas do mundo.

Assim, é importante frisar que o afastamento de Bourdieu em relação à perspectiva fenomenológica, na qual podemos incluir o movimento da história oral, é acompanhado de um distanciamento simétrico em relação ao estruturalismo determinista. Portanto, o esforço para superar tanto o subjetivismo fenomenológico que pressupõe a pura liberdade dos agentes, quanto o objetivismo estruturalista que se reverte em determinismo mecanicista, sustenta a teoria da ação que fundamenta, por sua vez, uma história estrutural do ensino superior (Bourdieu, 1980BOURDIEU, Pierre. (1980), Le sens pratique. Paris, Les Éditions de Minuit.; 1984; 1989).

Esse duplo afastamento confere enorme versatilidade à perspectiva de Bourdieu, que possibilita que o analista privilegie a primazia do relato individual ou da estrutura segundo uma leitura metodológica do seu contexto particular de investigação. Isso porque essas tendências retiram a sua força específica da relação particular que o pesquisador estabelece com os objetos que se propõe a analisar. Nesse sentido, o problema que se coloca para o sociólogo que pretende estudar o ensino superior em geral, e o campo universitário em particular, é oposto ao que se impõe, por exemplo, ao etnógrafo que busca compreender formas de organização social que inicialmente desconhece. Se no esforço etnográfico o maior desafio é superar a distância que impede o analista de acessar as representações subjetivas que possibilitam e decorrem do engajamento prático, na análise do mundo acadêmico é o excesso de proximidade que induz o analista a aceitar tacitamente os sentidos imanentes a esse mundo, particularmente a valorização de uma história finalista voltada à exaltação das realizações individuais. A valorização do relato individual, vale dizer, é atitude típica de um universo social como a universidade, que se move em torno do objetivo de inscrever, na história, as contribuições particulares de natureza intelectual, tal como expresso na aspiração, da qual praticamente ninguém escapa, de “construir um nome” (Bourdieu, 1984BOURDIEU, Pierre. (1984), Homo academicus. Paris, Les Éditions de Minuit., p. 11).

Assim, no caso em que a relação de pesquisa é de imersão, a do analista que pretende entender o próprio universo universitário, o movimento metodológico tem que ser essencialmente reflexivo e de afastamento: não se trata de problematizar a distância social que o impede de apreender as categorias inerentes ao engajamento prático, mas é o próprio engajamento prático que impede a construção de uma distância capaz de viabilizar a apreensão minimamente objetiva do objeto - a universidade, no caso.

É nesse contexto que a reconstrução das hierarquias sociais que estruturam o espaço universitário torna-se tão relevante. A análise estrutural permite, através da reconstrução das diferentes posições sociais, construir uma posição analítica capaz de enxergar a universidade a “certa distância” e, a partir disso, romper com a illusio essencialmente subjetivista que marca a historiografia dominante sobre essa instituição (Carlotto, 2014CARLOTTO, Maria. (2014), Universitas semper reformanda? A Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social. 570f. São Paulo, tese de doutorado em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.; 2018). É justamente essa ruptura que possibilita à análise estrutural ir além do “recito anedótico dos fatos e dos gestos dos agentes singulares, célebres ou desconhecidos, ao qual se sacrifica de boa vontade a história, nova ou velha” (Bourdieu, 1984BOURDIEU, Pierre. (1984), Homo academicus. Paris, Les Éditions de Minuit., p. 12).

Essa tendência de valorização de realizações e interpretações individuais - visão encantada do mundo acadêmico que inspira grande parte das histórias da universidade - torna-se ainda mais explícita quando o objeto é a trajetória das instituições socialmente dominantes, como é inegavelmente o caso da USP. Tomadas isolada e independentemente das relações objetivas que as definem, essas instituições motivam “discursos de celebração declarados ou disfarçados […] que são uma das manifestações mais evidentes dos efeitos de consagração conferidos pela agregação dos corpos de elite” (Bourdieu, 1989BOURDIEU, Pierre. (1989), La noblesse d’état. Grandes écoles et esprit de corps. Paris, Les Éditions de Minuit., p. 185).

É para contornar tanto as armadilhas do engajamento do/a pesquisador/a com o seu objeto quanto os equívocos historiográficos dos que privilegiam “fatos e feitos” (Carlotto, 2014CARLOTTO, Maria. (2014), Universitas semper reformanda? A Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social. 570f. São Paulo, tese de doutorado em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.) que a análise precisa reconstruir as estruturas sociais que determinam as posições determinantes do espaço acadêmico para, a partir disso, dar sentido aos diferentes padrões historiográficos que predominam no interior da instituição. Assim, o esforço de construir uma história estrutural pressupõe, em primeiro lugar, romper com as reconstruções históricas parciais que hegemonizam a historiografia da instituição. Mas essa ruptura não significa mera negação. Ao contrário, o abandono de percepções “encantadas” do mundo acadêmico precisa ser acompanhado pela restituição metodológica dessas mesmas percepções que, excluídas como meras referências bibliográficas, devem reaparecer na análise como parte do objeto. As reconstruções históricas parciais, formuladas a partir de posições bem definidas do espaço social, devem ser consideradas, assim, como elemento constitutivo do problema de investigação, enquanto práticas produtoras de sentido que expressam visões e representações que ajudam a produzir e reproduzir as estruturas de que são produto, por meio de processos de legitimação e naturalização. Mas a análise estrutural pressupõe, como foi dito, um esforço essencialmente relacional, de modo que o conteúdo profundo da historiografia oficial da USP, formulada a partir das posições dominantes da instituição, só se revela plenamente quando relacionado com as visões que emanam das posições institucionalmente dominadas.

A história dos vencidos e a normatividade filosófica do projeto “original”

Ao construir uma análise relacional da historiografia sobre a Universidade de São Paulo, é preciso reconhecer que ela não se resume ao conjunto de trabalhos escritos a partir de posições de poder, sob a forma de uma história oficial. Uma linha distinta de reconstrução histórica merece destaque, justamente por ter sido produzida em um lugar institucional diametralmente oposto: o dos estudos acadêmicos em filosofia e história da educação oriundos da Seção de Pedagogia da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (FFLC-USP). Os dois trabalhos mais significativos dessa linha são a tese de livre-docência de Heládio Gonçalves Antunha intitulada Universidade de São Paulo: fundação e reforma (1971) e a tese de doutorado em três volumes de Beatriz Alexandrina de Moura Fétizon chamada Subsídios para o estudo da Universidade de São Paulo (1986).

Não por acaso, esses trabalhos desenvolveram-se no âmbito da cadeira de Filosofia e História da Educação. Criada com o Instituto de Educação em 1933, incorporada à USP em 1934 e transformada em Seção de Pedagogia da FFCL-USP em 1938, essa cadeira transformou-se, a partir da Reforma Universitária de 1968, na atual Faculdade de Educação da USP, onde está concentrada toda a atividade de formação de professores para o ensino básico e médio, por meio das licenciaturas e do curso de pedagogia. Como procurei mostrar em trabalhos anteriores (Carlotto, 2014CARLOTTO, Maria. (2014), Universitas semper reformanda? A Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social. 570f. São Paulo, tese de doutorado em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo., 2018CARLOTTO, Maria. (2018), A universidade vista ‘a certa distância’: a estrutura social da USP e sua representação simbólica. Política & Sociedade, 17 (38): 224-255.), os cursos de formação de professores, ao lado dos de caráter estritamente técnico, criados a partir dos anos 2000, são os que atraem os alunos de perfil socioeconômico mais baixo da USP quando comparados com cursos de perfil mais científico - academicamente dominantes - ou, principalmente, profissionais tradicionais - politicamente dominantes. É deste lugar, acadêmica e politicamente dominado, que saem os trabalhos que analiso nesta seção.

Ao contrário das obras de história oficial, redigidas quase que exclusivamente por ocasiões comemorativas e publicadas em edições esmeradas e luxuosas com amplo apoio institucional, os estudos ligados à área da educação foram escritos originalmente como teses acadêmicas e não alcançaram uma publicação posterior de destaque: a livre-docência de Heládio Antunha foi divulgada apenas em 1974 como documento de trabalho na coleção “Documentos e Estudos” do Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Inep, sem alcançar grande distribuição, ao passo que o doutorado de Beatriz Fétizon nunca chegou a ser publicado10 10. É interessante notar, ainda, que, enquanto os livros de Ernesto de Souza Campos (1954) e Shozo Motoyama (2006) se encontram disponíveis em todas as bibliotecas da USP e têm destaque nas salas de altos dirigentes entrevistados ao longo da pesquisa (Carlotto, 2014, p. 118), as obras de Beatriz Fétizon (1986) e Heladio Antunha (1971) estão acessíveis apenas na biblioteca da Faculdade de Educação. . Essa fragilidade editorial testemunha o fato de que tal linha de interpretação histórica pode ser lida, em grande medida, como uma “história dos vencidos”.

Em termos gerais, o traço distintivo dessa perspectiva subjugada é o seu caráter marcadamente idealista. O termo idealista, nesse caso, não assume um sentido filosófico forte, buscando identificar uma historiografia cujo problema principal é analisar a realização de uma “ideia de universidade”, conscientemente postulada pelos formuladores e reformadores da USP nos momentos essenciais de consolidação do seu projeto.

Para compreender o significado dessa historiografia marcadamente filosófica é preciso analisar, na chave de uma história estrutural, o lugar específico dos estudos educacionais no âmbito da USP e como esse lugar determina seus traços essenciais. Como os próprios autores ressaltam (Antunha, 1971ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo., pp. 98-100; Fétizon, 1986FÉTIZON, Beatriz Alexandrina de Moura. (1986), Subsídios para o estudo da Universidade de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 3 vols., p. 450) e como uma linha subsequente de trabalhos desenvolve (Andrade, 1989; Bontempi Junior, 2007BONTEMPI JÚNIOR, Bruno. (2007), “O ensino e a pesquisa em história da educação brasileira na cadeira de filosofia e história da educação (1933-1962)”. História da Educação, 21: 79-105. e 2011BONTEMPI JÚNIOR, Bruno. (2011), “Do Instituto de Educação à Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo”. Cadernos de Pesquisa, 41 (142): 188-207.; Tomazetti, 1998TOMAZETTI, Elisete. (), “A disciplina filosofia da educação entre os anos 40 e 70 em algumas universidades brasileiras”. I Conferência Internacional de Filosofia da Educação Diversidade e Identidade, 1998, Porto. Diversidade e Identidade. Actas da 1ª Conferência Internacional de Filosofia da Educação. Porto, Universidade do Porto, 1: 519-28.; Carlotto, 2014CARLOTTO, Maria. (2014), Universitas semper reformanda? A Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social. 570f. São Paulo, tese de doutorado em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.), os estudos de educação realizados inicialmente na Seção de Pedagogia da FFCL-USP e, posteriormente, na Faculdade de Educação da mesma universidade ocupam, como dito, um lugar inferior tanto na hierarquia de poder institucional, associada principalmente ao prestígio social das diferentes profissões universitárias, quanto na hierarquia essencialmente acadêmica, marcada pela escala de prestígio científico. Conforme o próprio Heládio Antunha argumenta, a incorporação do Instituto de Educação pela USP em 1934 transformou um curso de aperfeiçoamento de professores, originalmente de nível secundário, em ensino pedagógico de nível superior, elevando à categoria de docentes universitários, portadores dos direitos vitalícios da cátedra, antigos professores secundários, muitos dos quais sem nem mesmo possuir diploma de nível superior. O resultado desse processo foi a formação de uma faculdade que não gozava do mesmo prestígio das suas congêneres de caráter mais tradicional11 11. É interessante como Fernando Limongi demonstra que, não obstante essa posição mais baixa na hierarquia de prestígio profissional, o Instituto de Educação ocupou um lugar de destaque na criação e organização da USP (1989, pp. 154-145). . Isso porque:

Embora fosse também uma escola superior profissional, o seu caráter misto (normal e superior), a sua situação de transitoriedade e o tipo de profissional que se propunha formar (e que indiscutivelmente não eram, na época, tão conceituados) não lhe permitiram ombrear-se com outras escolas superiores de São Paulo (Antunha, 1971ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo., p. 98).

De fato, praticamente todos os trabalhos dedicados à análise das condições sociais que determinaram a fundação da USP ressaltam a importância da dualidade que, desde a sua origem, opôs o padrão de ensino das faculdades profissionais tradicionais ao projeto de universidade apoiado pelo novo Instituto de Educação (Cardoso, 1982CARDOSO, Irene. A universidade da comunhão paulista. São Paulo, Cortez, 1982.; Fernandes, 1975FERNANDES, Florestan. (1975), Universidade brasileira: reforma ou revolução. São Paulo, Alfa-Ômega. e 1984; Hey e Catani, 2006HEY, Ana Paula & CATANI, Afrânio. (2006), “A USP e a formação de quadros dirigentes”. In: MOROSONI, Marília (org.). A universidade no Brasil: concepções e modelos. Brasília, Inep, pp. 295-312.; Limongi, 1988LIMONGI, Fernando. (1988), Educadores e empresários culturais na construção da USP. 1988. 279f. Campinas, dissertação de mestrado em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. e 1989; Miceli, 1989MICELI, Sergio. (1989), “Condicionantes do desenvolvimento das ciências sociais”. In: MICELI, Sergio (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Vértice/Editora Revista dos Tribunais/Idesp, pp. 72-110.; Nadai, 1981NADAI, Elza. (1981), Ideologia do progresso e ensino superior (São Paulo 1891-1934). 1981. 417f. São Paulo, tese de doutorado em História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.). Segundo esses autores, a raiz dessa oposição é claramente social, remetendo, portanto, para fora da universidade que surgia. Dessa perspectiva interpretativa, foi uma configuração socialmente específica que levou setores educados, porém política e economicamente dominados da sociedade paulista das décadas de 1920 e 1930, a projetar a criação de instituições de ensino superior voltadas à formação de uma elite propriamente intelectual.

Essa configuração social se delineava a partir do fechamento dos canais de participação política, consequência da profissionalização do Partido Republicano Paulista, e da ascensão econômica dos setores imigrantes, em especial de origem italiana, ambos processos que rebaixavam social e politicamente as camadas médias urbanas de São Paulo. Diante disso, esse grupo passou a se autoproclamar membro de uma “elite cultural”, distante tanto dos “políticos profissionais” quanto dos “imigrantes materialistas” (Limongi, 1989LIMONGI, Fernando. (1989), “Mentores e clientelas na Universidade de São Paulo”. In: MICELI, Sergio. (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Vértice/Editora Revista dos Tribunais/Idesp, 1989, vol. 1, pp. 111-186.). Essa estratégia de diferenciação implicou um esforço pela criação de novas posições sociais, fundadas na expansão da educação prolongada e do mercado de trabalho cultural e de bens imateriais que essa expansão incentivava. A construção desse “novo lugar social” pressupunha a afirmação de “uma escala de valores […] própria, em que o poder e o dinheiro [fossem] termos acessórios e subordinados” (Limongi, 1989LIMONGI, Fernando. (1989), “Mentores e clientelas na Universidade de São Paulo”. In: MICELI, Sergio. (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Vértice/Editora Revista dos Tribunais/Idesp, 1989, vol. 1, pp. 111-186., p. 123). É por isso que a criação de novas instituições de ensino superior, voltadas à valorização da cultura “pura” e do conhecimento “desinteressado”, assume um lugar tão importante para esse grupo, afinal é um movimento que “traz consigo a inegável tentativa de autovalorização de camadas intelectuais dedicadas ao ensino, projetando para si próprios um mundo em que possam estar protegidos das exigências e azares do mercado” (Limongi, 1989LIMONGI, Fernando. (1989), “Mentores e clientelas na Universidade de São Paulo”. In: MICELI, Sergio. (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Vértice/Editora Revista dos Tribunais/Idesp, 1989, vol. 1, pp. 111-186., p. 149). Desse modo, a reforma educacional defendida por essa elite culturalmente favorecida, mas política e socialmente ofuscada, levou à criação tanto do Instituto de Educação em 1933 quanto da USP em 1934, abrindo caminho para uma concepção elitista de sociedade, de educação e de política que preservou quase intactas as desigualdades educacionais do país, na mesma medida em que difundiu uma defesa intransigente da meritocracia como princípio de organização social.

Essas instituições, por responderem aos interesses específicos desse grupo, de afirmação do valor intrínseco do conhecimento e da cultura, terminavam por assumir um modelo ideal de funcionamento essencialmente distinto das escolas profissionais tradicionais, dedicadas à diplomação das elites política e economicamente dominantes e, logo, pautadas por uma concepção utilitarista de saber especializado (Nadai, 1981NADAI, Elza. (1981), Ideologia do progresso e ensino superior (São Paulo 1891-1934). 1981. 417f. São Paulo, tese de doutorado em História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.).

É a partir dessa interpretação que se torna possível compreender por que a concepção da USP, tendo como centro uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras voltada ao “desenvolvimento da cultura filosófica, científica, literária e artística” (USP, 1934UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. (1934), Decreto de fundação. USP., p. 1), contou com tanta resistência por parte das faculdades profissionais já consolidadas. De fato, a incorporação das faculdades profissionais tradicionais “ao projeto [de criação da USP] não parece ter sido objeto de negociações e contatos estreitos. Quaisquer que tenham sido estes contatos, é certo que da parte destas não há sequer um comprometimento anterior com a ideia” (Limongi, 1989LIMONGI, Fernando. (1989), “Mentores e clientelas na Universidade de São Paulo”. In: MICELI, Sergio. (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Vértice/Editora Revista dos Tribunais/Idesp, 1989, vol. 1, pp. 111-186., p. 135). Em contrapartida, o projeto da USP foi ativamente apoiado pelo grupo organizado em torno do Instituto de Educação de São Paulo.

Em suma, os primeiros anos de funcionamento da USP foram marcados por uma disputa entre esses dois polos opostos - um de caráter mais profissional, outro de perfil mais acadêmico - pela definição dos termos em que a nova universidade passaria a funcionar, sendo unânime a leitura de que as faculdades profissionais conseguiram impor, ao fim e ao cabo, o seu modelo de universidade pautado no isolamento institucional, na seletividade do recrutamento e na valorização do poder político no interior da estrutura decisória da instituição (Carlotto, 2014CARLOTTO, Maria. (2014), Universitas semper reformanda? A Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social. 570f. São Paulo, tese de doutorado em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.; 2018).

É à luz dessa derrota dos grupos ligados à reforma educacional - que está na origem da USP - que se deve ler a história da USP escrita a partir da hoje denominada Faculdade de Educação. Essa historiografia se expressa na especial atenção dada à ideia filosófica de universidade que teria embasado o projeto original da USP. A partir da identificação desse “modelo coerente e consciente” de universidade (Antunha, 1971ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo., p. 5), a pesquisa histórica se concentra nos momentos em que ele é implementado ou transformado, ou seja, na fundação e na reforma da USP, em 1934 e 1968 respectivamente. Outra consequência dessa ênfase nas concepções filosófico-pedagógicas de universidade sobre o modelo de reconstrução histórica é que o escopo da pesquisa tende a se restringir à fase “propriamente universitária” da USP, que começa a partir da fundação da sua unidade “verdadeiramente universitária”, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Antunha, 1971ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo., p. 4).

Assim, ao contrário da história oficial que busca as raízes da USP no papel precursor das escolas profissionais tradicionais, os princípios normativos assumidos pelos estudos em filosofia e história da educação enfatizam a fundação da universidade propriamente dita, em 1934, o que leva à condenação, implícita ou explícita, da dinâmica isolada das escolas profissionais tradicionais, bem como do sentido utilitário do conhecimento por elas produzido. Passa para o primeiro plano, portanto, a valorização do caráter “desinteressado” dos estudos universitários e o papel “integrador” da FFCL, célula mater da instituição e na qual os estudos educacionais buscavam consolidar-se.

Esse conjunto de proposições presentes no trabalho de Antunha aparece de modo ainda mais claro na tese de doutorado de Beatriz Alexandrina de Moura Fétizon, defendida na Faculdade de Educação da USP em 1986. Não por acaso, a autora dedica as mais de trezentas páginas do primeiro volume da sua tese à reconstrução das concepções filosóficas de universidade a partir do surgimento da instituição no século XII. Então, a autora desenvolve, ao longo do seu segundo volume, as ideias liberais que orientaram o “modelo originário” da USP (Fétizon, 1986FÉTIZON, Beatriz Alexandrina de Moura. (1986), Subsídios para o estudo da Universidade de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 3 vols., pp. 383-398). Dessa ênfase no projeto original da USP, resulta uma restrição à sua “história propriamente universitária”, que atrela o percurso da instituição ao da sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Assim como no trabalho de Antunha, os princípios normativos dessa leitura histórica levam Fétizon a condenar explicitamente o isolamento e o pragmatismo das escolas profissionais tradicionais, responsáveis, segundo ela, por “alguns dos mais duradouros problemas da universidade que se criava” (1986, p. 414). A periodização histórica proposta pela autora também segue de perto a ênfase de Heládio Antunha no que ele considera os dois momentos centrais da história da USP, quais sejam: a fundação da universidade a partir de um modelo conceitual idealizado e a sua reforma nos anos 1960 (Antunha, 1971ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo., p. 3; Fétizon, 1986FÉTIZON, Beatriz Alexandrina de Moura. (1986), Subsídios para o estudo da Universidade de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 3 vols., p. 399).

Oblitera-se, com essa construção, que os princípios filosófico-pedagógicos que orientaram a fundação da USP correspondem, na verdade, a uma visão de mundo inerente à posição social do grupo responsável pela concepção original da USP, conforme sugerem as análises históricas de orientação estrutural que, a despeito das suas diferenças internas, compartilham um mesmo pressuposto analítico, a saber: que existe uma correspondência mais ou menos direta entre posições sociais e as visões e representações de universidade inerentes a essas posições.

Conclusão

A visão que predomina nos trabalhos de história oficial escritos a partir do polo social e institucionalmente dominante da universidade é, portanto, diametralmente oposta àquela que marca o polo antagônico, formado pelos estudos de filosofia e história da educação oriundos da antiga Seção de Pedagogia da FFCL-USP. Se um polo remonta a origem da USP à criação das escolas profissionais da primeira República, o outro enfatiza o papel determinante da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, fundada com a universidade em 1934. Se um extremo destaca o caráter útil dos saberes produzidos pela USP para o desenvolvimento do estado de São Paulo, o outro enfatiza a natureza desinteressada do conhecimento universitário, ligada à sua condição de saber com pretensão universal. Enquanto um valoriza a associação entre a universidade e os interesses econômicos, o outro considera a autonomia como valor máximo da instituição. Se um extremo sublinha a expertise, a técnica e a tecnologia, o outro elogia a ciência, a arte e a filosofia. Enquanto um polo naturaliza a desagregação pela sanção da máxima de que “no universo da cultura, o centro está em toda a parte”12 12. A frase é do ex-reitor Miguel Reale, que, durante o seu segundo mandato na reitoria da USP, mandou escrevê-la no chão da praça central da cidade universitária, em torno da Torre do Relógio, onde permanece até hoje. , o outro repisa o problema da integração como fundamento da experiência universitária.

Do ponto de vista da análise sociológica, interessa notar que, além de modelos distintos de interpretação histórica, estamos diante de padrões diferentes de atuação intelectual: as obras ligadas à história oficial da USP apareceram, quase sempre, por ocasião de datas comemorativas, tendo sido publicadas com amplo apoio institucional, particularmente por parte da reitoria. A esse apoio institucional soma-se o patrocínio privado de bancos, empresas e associações de classe13 13. Para citar alguns exemplos: o livro de Shozo Motoyama sobre a história da USP teve patrocínio do Banco Itaú e da Companhia Brasileira de Alumínio (Motoyama, 2006). O livro de Ana Luiza Martins e Heloisa Barbuy contou com o apoio da Bolsa de Mercadorias e Futuros (Martins e Barbuy, 1998). O livro de Shozo Motoyma e Marilda Nagamini sobre a Escola Politécnica recebeu financiamento da Associação Brasileira de Cimento Portland (Motoyama e Nagamini, 2004). . Esse suporte institucional e financeiro resulta em edições extensas e luxuosas, repletas de imagens e fotografias coloridas que funcionam como recursos meramente ilustrativos. A impressão é sempre de alto padrão e a circulação no mercado editorial, por isso mesmo, relativamente restrita. Tudo isso sugere que o papel essencial desses volumes não é funcionar como instrumento de pesquisa ou obra de referência - o que pressuporia edições mais acessíveis e de fácil manuseio -, mas como objetos de valor simbólico ou decorativo, particularmente no contexto da administração universitária14 14. Durante as entrevistas com dirigentes universitários realizadas ao longo desta pesquisa, observei que, em praticamente todas as salas de trabalho situadas em órgãos de gestão acadêmica, era possível encontrar esses livros ilustrativos, no geral em posição de relativo destaque. . Já os trabalhos realizados no âmbito da cadeira de Filosofia e História da Educação, como visto, foram produzidos como teses acadêmicas em educação, não chegando a alcançar publicação comercial, tendo, portanto, um impacto relativamente restrito ao campo dos estudos educacionais.

Nesse sentido, o esforço analítico realizado neste artigo permitiu revelar a diferença fundamental que existe entre a interpretação histórica de vencedores e vencidos, ou antes, de dominantes e dominados no interior da instituição. De um lado, uma visão pragmática de conhecimento associada ao polo dominante da instituição, formado pelas faculdades profissionais tradicionais pré-universitárias e nas unidades delas derivadas. Representando um lugar estruturalmente dominante, essas unidades acumulam, no âmbito da USP, um poder institucional quase hegemônico15 15. Na minha tese de doutorado desenvolvo uma análise detalhada dessa correlação (Carlotto, 2014). . De outro lado, temos uma história atravessada por um ideal desinteressado de ciência, educação e cultura inerente ao polo dominado, representado pela seção de pedagogia que deu origem à Faculdade de Educação da USP. Essa estrutura geral da USP é, inseparavelmente, social e acadêmica (Carlotto, 2014CARLOTTO, Maria. (2014), Universitas semper reformanda? A Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social. 570f. São Paulo, tese de doutorado em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.; 2018).

Como indicado ao longo deste artigo, essa oposição essencial só se revela se, a partir da construção da estrutura social, pudermos analisar a USP “a certa distância”. A noção de distância, nesse caso, opera quase como uma metáfora do processo de objetivação da estrutura social que busca revelar o sentido mais profundo dessas representações simbólicas do mundo social. É esse movimento de objetivação que caracteriza, em linhas gerais, o terceiro e último padrão de reconstrução histórica da USP: a história estrutural (Carlotto, 2014CARLOTTO, Maria. (2014), Universitas semper reformanda? A Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social. 570f. São Paulo, tese de doutorado em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.; 2018).

Formulado no âmbito das ciências humanas, originalmente agrupadas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e hoje concentradas na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, esse padrão se caracteriza, em termos gerais, pela ênfase explicativa, pelo rigor metodológico e, sobretudo, pelo pressuposto de que as concepções de universidade que marcam as disputas internas à USP se explicam, em grande medida, pela posição social dos diferentes setores engajados nesses conflitos. Dentre as ciências humanas, foram as ciências sociais, em particular a sociologia, que procuraram escrever com mais sistematicidade essa história da USP pautada por esse ideal de “distância”16 16. Essa “distância” deve ser pensada em termos metodológicos, e não políticos. Ela representa, portanto, um esforço de distanciamento do objeto pela mobilização de métodos e instrumentos de análise que possibilitem romper com as percepções e visões determinadas diretamente pela experiência nesse mundo, não um distanciamento prático, como possível sinônimo de “neutralidade”, das disputas materiais e simbólicas que se travam no interior da política universitária. .

Esse reconhecimento da perspectiva objetivamente proporcionada pela “distância” está no centro da análise de Antonio Candido sobre as condições histórico-sociais que possibilitaram a Sergio Miceli desenvolver uma análise capaz de “desmistificar” os intelectuais brasileiros atuantes nas décadas de 1920 e 1940, na sua relação com a classe dirigente nacional: “Numa palavra, Miceli já dispõe de uma perspectiva temporal, que permite certo afastamento e, portanto, o olhar sem paixão e quem sabe ‘sem piedade’” (Candido, 2001CANDIDO, Antonio. (2001), Prefácio. In: MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo, Companhia das Letras, pp. 71-75., pp. 72-73).

O comentário de Antonio Candido é mobilizado, aqui, pelo fato de voltar-se para a obra de Sergio Miceli que, em um esforço claramente reflexivo, analisou as condições materiais que condicionaram o desenvolvimento de uma perspectiva de tipo estrutural pelas ciências sociais da USP na primeira metade do século XX. Nesse sentido, Miceli permite identificar com maior precisão o lugar social da terceira linha principal de reconstrução da história da USP, formada pelos estudos histórico-estruturais que se ligam, em grande medida, a essa tradição (Arruda, 2005ARRUDA, Maria Arminda Nascimento. (2005), “Empreendedores culturais imigrantes em São Paulo de 1950”. Tempo Social, 17: 135-158. e 2010ARRUDA, Maria Arminda Nascimento. (2010), “A sociologia de Florestan Fernandes”. Tempo Social, 22: 9-27.; Cardoso, 1982CARDOSO, Irene. A universidade da comunhão paulista. São Paulo, Cortez, 1982.; Fernandes, 1975FERNANDES, Florestan. (1975), Universidade brasileira: reforma ou revolução. São Paulo, Alfa-Ômega. e 1984; Hey e Catani, 2006HEY, Ana Paula & CATANI, Afrânio. (2006), “A USP e a formação de quadros dirigentes”. In: MOROSONI, Marília (org.). A universidade no Brasil: concepções e modelos. Brasília, Inep, pp. 295-312.; Garcia, 2001GARCIA, Sylvia Gemignani. (2001), Destino ímpar: a formação de Florestan Fernandes. São Paulo, Editora 34.; Limongi, 1989LIMONGI, Fernando. (1989), “Mentores e clientelas na Universidade de São Paulo”. In: MICELI, Sergio. (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Vértice/Editora Revista dos Tribunais/Idesp, 1989, vol. 1, pp. 111-186.; Miceli, 1989MICELI, Sergio. (1989), “Condicionantes do desenvolvimento das ciências sociais”. In: MICELI, Sergio (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Vértice/Editora Revista dos Tribunais/Idesp, pp. 72-110.; Pontes, 1998PONTES, Heloísa. (1998), Destinos mistos. Os críticos do grupo Clima em São Paulo. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.; Nadai, 1981NADAI, Elza. (1981), Ideologia do progresso e ensino superior (São Paulo 1891-1934). 1981. 417f. São Paulo, tese de doutorado em História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.).

Na sua análise sobre Os condicionantes do desenvolvimento das ciências sociais no Brasil entre 1930 e 1964, Miceli apresenta uma ampla explicação de por que, na tradição sociológica uspiana, predominou justamente uma abordagem voltada às “condições estruturais” (1989, p. 93). Nesse sentido, a partir do seu desenvolvimento universitário, as ciências sociais em São Paulo foram marcadas por um padrão de recrutamento distinto do que caracterizava, até então, outros setores do ensino superior, como as faculdades profissionais, consequência da abertura da carreira de cientista social a mulheres e a filhos de imigrantes, incluindo os de origem japonesa, árabe e judia (Miceli, 1989MICELI, Sergio. (1989), “Condicionantes do desenvolvimento das ciências sociais”. In: MICELI, Sergio (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Vértice/Editora Revista dos Tribunais/Idesp, pp. 72-110., pp. 74-80). Essa distância social em relação às faculdades tradicionais, marcadas por um recrutamento mais seletivo, foi reforçada pelo estabelecimento de “procedimentos, exigências e critérios acadêmicos de avaliação, titulação e promoção” (1989, p. 81) até então inexistentes nesses outros espaços, sobretudo a partir da influência de professores estrangeiros que contribuíram para a profissionalização do trabalho intelectual. Tudo isso concorreu para consolidar um padrão de pesquisa e trabalho marcado por uma considerável margem de autonomia, em que a escolha de temas e problemas de investigação respondia antes a uma hierarquia científica do que a uma escala de relevância político-social.

O interesse da análise de Miceli, nesse caso, reside na forma sistemática como o autor analisa as condições materiais, intelectuais e institucionais que possibilitaram à ciência social uspiana desenvolver uma abordagem estrutural marcada essencialmente por um “esforço de objetivação”, inerente à sua “mentalidade cientificista”.

Apesar de o trabalho de Miceli ter feito de modo mais sistemático a análise das condições sociais do desenvolvimento da perspectiva estrutural das ciências sociais da USP, ele não foi o primeiro a seguir por essa vereda. Na verdade, merecem destaque os trabalhos pioneiros de Florestan Fernandes, que, justamente, foi o primeiro a identificar que a USP era uma universidade cindida em dois grandes polos: um política e economicamente dominante, formado pelas faculdades profissionais tradicionais pré-universitárias, e outro academicamente dominante, mas política e economicamente dominado, formado pela então FFCL. É nessa polaridade que Fernandes ancora a sua leitura sobre a situação da USP e a disputa pela reforma da universidade nos anos 1960 e, mais tarde, nos anos 1980 (Fernandes, 1975FERNANDES, Florestan. (1975), Universidade brasileira: reforma ou revolução. São Paulo, Alfa-Ômega.; 1984).

Portanto, fica evidente que essa perspectiva estrutural não assume uma feição única. Entre as tintas estruturalistas que caracterizavam as pesquisas da escola paulista de sociologia dos anos 1950 e a teoria bourdieusiana, que passa a influenciar parte importante dos trabalhos dessa escola a partir dos anos 1980, existe uma sucessão de críticas internas, rupturas e distanciamentos. Ainda assim, é possível reconhecer - sobretudo em relação às outras tradições de reconstrução histórica analisadas anteriormente - uma linha de continuidade na ênfase dada à identificação e à análise das estruturas sociais, também nomeadas “condicionantes”, “determinantes” ou “constrangimentos”, que definem os limites e possibilidades da ação social e, com ela, do desenvolvimento institucional.

Essa ênfase se manifesta particularmente nas análises histórico-estruturais sobre o ensino superior em geral e sobre a USP em particular, feitas sobretudo a partir da cadeira de Sociologia I, hoje organizada no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. O rigor teórico-metodológico que marca esses trabalhos explica o fato de eles ocuparem uma posição academicamente dominante em relação a outros estudos dedicados à história da USP. Isso se expressa, de novo, no padrão de publicação dos trabalhos de história estrutural da USP, radicalmente distinto das duas linhas de interpretação histórica analisadas neste artigo: todas as principais obras de tipo estrutural foram lançadas em livro por editoras acadêmicas de ampla circulação e considerável prestígio, algumas delas alcançando mais de uma edição, o que testemunha o fato de serem vistas como “literatura de referência” na área. O perfil da sua publicação é típico dos livros universitários: edições em formato pequeno, de fácil transporte e manuseio, impressas exclusivamente em preto e branco e em papel padrão. No lugar das fotos e imagens, tabelas e quadros. Ao invés de apresentação de dirigentes e empresários, prefácios e agradecimentos tipicamente acadêmicos.

Em termos mais concretos: Florestan Fernandes lançou sua primeira coletânea de artigos sobre a universidade - Universidade brasileira: reforma ou revolução? - pela editora Alfa-Ômega (1975), dedicada à publicação de trabalhos acadêmicos, em especial os ligados ao campo de esquerda. Anos depois, lançou outro volume dedicado exclusivamente à USP e publicado pela editora Brasiliense em 1984. Sergio Miceli coordenou a coleção “História das Ciências Sociais no Brasil” em dois volumes, em que foram publicados tanto o seu trabalho sobre o padrão de desenvolvimento das ciências sociais (1989) quanto o artigo de Fernando Limongi sobre os Mentores e clientelas da Universidade de São Paulo (1989). Esse último texto sintetiza a dissertação de mestrado de Limongi, defendida na Unicamp em 1988. Essa coleção, que reúne cientistas sociais de reconhecido mérito acadêmico, gerou enorme repercussão na área, alcançando, por isso, duas edições. A primeira saiu em 1989 pela editora Vértice com apoio do Idesp e da Finep. A segunda edição, revisada, foi lançada em 2001, pela editora Sumaré. Irene Cardoso publicou o seu livro Universidade da comunhão paulista pela editora Cortez em parceria com a Autores Associados, tornando-se uma referência praticamente obrigatória sobre a história da USP. Elza Nadai publicou sua tese de doutorado defendida no Departamento de História da USP e intitulada Ideologia do progresso e ensino superior (São Paulo 1891-1934) pela Edições Loyola em 1987. Todas as editoras citadas são originalmente de São Paulo, dedicando-se à publicação de trabalhos especializados no âmbito das ciências humanas17 17. Segundo Sergio Miceli, a existência de um mercado editorial de ciências sociais relativamente mais consolidado em São Paulo, com a presença de editoras acadêmicas, contribui para explicar a forma específica da produção intelectual nesse contexto (1989, p. 94ss). .

A sociologia histórica de tipo estrutural, que este artigo atribuiu inicialmente a Pierre Bourdieu (1984BOURDIEU, Pierre. (1984), Homo academicus. Paris, Les Éditions de Minuit. e 1989), encontra, portanto, um desenvolvimento particular no contexto brasileiro, que define uma ordem própria de objetos e problemas, à qual o presente trabalho se filia. No cerne deste esforço está uma perspectiva teórica que busca identificar uma correspondência entre a estrutura mais ampla da sociedade brasileira e as posições significativamente distintas no interior da universidade, a partir das quais se definem os seus conflitos essenciais, que incluem a disputa por escrever o passado.

  • 2.
    Para mais detalhes sobre a estrutura social da USP, ver o terceiro capítulo da minha tese de doutorado, intitulado “A transformação estrutural da USP: dominantes e dominados no contexto universitário” (Carlotto, 2014CARLOTTO, Maria. (2014), Universitas semper reformanda? A Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social. 570f. São Paulo, tese de doutorado em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo., pp. 295 ss). Nesse capítulo dedico-me a reconstruir o padrão de organização e de recrutamento das diferentes unidades de ensino e pesquisa da USP, procurando mostrar como a universidade se desenvolveu a partir de uma oposição essencial entre um polo profissional tradicional, constituído pelas unidades da USP mais antigas e voltadas às formações profissionais socialmente valorizadas, e um polo acadêmico-científico, composto pelas unidades voltadas à formação científica e pedagógica, fundadas sobretudo entre 1934 e 1968.
  • 3.
    Miguel Reale precisou mobilizar toda a sua influência pessoal e política para validar, junto ao governo federal, através do seu Conselho Nacional de Educação, o concurso que prestou para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 1941, que foi questionado e invalidado no âmbito da Faculdade de Direito (Reale, 1986bREALE, Miguel. (1986b), Memórias: destinos cruzados. São Paulo: Saraiva, 1986b, vol. 1.).
  • 4.
    A história da greve estudantil de 1913 na Faculdade de Medicina de São Paulo, que resultou na expulsão do primeiro presidente do Caoc e de dezenas de outros estudantes, é muito significativa para a compreensão do funcionamento das faculdades tradicionais da USP na sua primeira fase. Ao iniciar suas atividades didáticas em 1913, por imposição da Lei Rivadavia Corrêa (1911), que reinstituiu o ensino livre, a Faculdade de Medicina não selecionava seus estudantes nem impunha um limite de vagas. Consequentemente, iniciou o primeiro ano de Medicina uma quantidade de alunos elevada para os padrões da época, muitos dos quais com uma formação considerada, pela direção da faculdade, aquém do esperado para um aluno de medicina. Entre esses “maus alunos” estavam muitos filhos de imigrantes, pois os relatos da época referem-se ao fato de que, nas provas, “o nosso idioma era horrivelmente maltratado” (Campos, 1954CAMPOS, Ernesto de Souza. (1954), A história da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo., p. 362). A solução para essa “má frequentação” (Bourdieu, 1989BOURDIEU, Pierre. (1989), La noblesse d’état. Grandes écoles et esprit de corps. Paris, Les Éditions de Minuit., pp. 101 ss) foi aumentar as exigências do curso a fim de reprovar grande parte da turma. A consequência dessa reprovação em massa foi uma greve estudantil que levou ao fechamento da Faculdade e à suspensão - que, na prática, significou a expulsão - da grande maioria dos alunos da primeira turma de medicina, incluindo o então presidente do Caoc, Waldomiro Guilherme de Campos. Nesse contexto, Ernesto de Souza Campos foi escolhido para presidente do Caoc inicialmente pelo próprio diretor, Arnaldo Vieira de Carvalho, com quem tinha uma relação muito próxima.
  • 5.
    No seu estudo sobre a atuação da Fundação Rockefeller na USP, Maria Gabriela Marinho afirma que Ernesto de Souza Campos, mais do que um interlocutor, era o verdadeiro “ideólogo dessa parceria, sobretudo a partir de sua adesão aos valores da cultura norte-americana, no bojo da qual a Fundação Rockefeller exerceu o papel de uma poderosa agência de promoção daquela organização social” (2001, p. 6).
  • 6.
    É nessa chave, por exemplo, que Souza Campos descreve o principal assessor de Arnaldo Vieira de Carvalho, o médico Ovídio Pires de Campos: “No seu amor por São Paulo, no seu discreto orgulho de descendente de autêntica família bandeirante, revelava-se, sempre, o homem cioso da grandeza do seu berço. Essa grandeza não a queria assentada apenas no poderio econômico. Desejava-se projetada para o alto, no esplendor de uma civilização realçada por esplêndida cultura” (Campos, 1954CAMPOS, Ernesto de Souza. (1954), A história da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo., p. 347). Com as mesmas tonalidades, narra a criação da USP e da sua unidade central, atribuindo tal decisão a outro “grande paulista”: Armando Salles de Oliveira (Campos, 1954CAMPOS, Ernesto de Souza. (1954), A história da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo., p. 425).
  • 7.
    É significativo, nesse sentido, que o livro de Ernesto de Souza Campos sobre a USP se abra com a reprodução de símbolos que buscam definir uma “tradição uspiana”, tais como a imagem colorida do brasão d’armas da universidade seguido da sua explicação, uma versão da flâmula oficial da Universidade, a foto em preto e branco da medalha feita pela USP em comemoração ao quarto centenário da cidade de São Paulo, e um desenho da torre do relógio, “símbolo da cidade universitária da USP”, seguido pelo poema em prosa intitulado “A torre e o sino”, escrito pelo próprio autor e em que se lê: “A Torre é a síntese. O Sino é a alma. Exprimem pela imagem e pela vibração a estática e a dinâmica da Universidade - a forma e o espírito. […] Eis a abertura do nosso ensaio histórico, situando, na Torre e no Sino, a mística sublime de um símbolo” (Campos, 1954CAMPOS, Ernesto de Souza. (1954), A história da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo., n.p.; grifo meu).
  • 8.
    Esta análise mais detalhada da obra de Ernesto de Souza Campos se deve, sobretudo, ao fato de essa obra ter se constituído, ao longo do tempo, como uma das principais, senão a principal referência para a história da Universidade de São Paulo escrita em diferentes perspectivas (Antunha, 1971ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.; Fernandes, 1984FERNANDES, Florestan. (1984), A questão da USP. São Paulo, Brasiliense.; Fétizon, 1986FÉTIZON, Beatriz Alexandrina de Moura. (1986), Subsídios para o estudo da Universidade de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 3 vols.; Kwaniscka, 1985KWANISCKA, Eunice Lacava. (org.). (1985), Universidade de São Paulo: subsídios para uma avaliação. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Limongi, 1989LIMONGI, Fernando. (1989), “Mentores e clientelas na Universidade de São Paulo”. In: MICELI, Sergio. (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Vértice/Editora Revista dos Tribunais/Idesp, 1989, vol. 1, pp. 111-186.; Lopes e Santos, 2005LOPES, Ivanir Ferreira de Souza & SANTOS, Thaís Helena dos. (orgs.). (2005), USP 70 anos imagens e depoimentos. São Paulo, Universidade de São Paulo/Coordenadoria de Comunicação Social.; Motoyama, 2006).
  • 9.
    Paul Thompson, considerado por muitos como o grande teórico da história oral, começa a trabalhar com registros falados no Departamento de Sociologia da Universidade de Essex na década de 1960 (Thompson, 1992THOMPSON, Paul. (1992), A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro, Paz e Terra.).
  • 10.
    É interessante notar, ainda, que, enquanto os livros de Ernesto de Souza Campos (1954)CAMPOS, Ernesto de Souza. (1954), A história da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo. e Shozo Motoyama (2006) se encontram disponíveis em todas as bibliotecas da USP e têm destaque nas salas de altos dirigentes entrevistados ao longo da pesquisa (Carlotto, 2014CARLOTTO, Maria. (2014), Universitas semper reformanda? A Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social. 570f. São Paulo, tese de doutorado em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo., p. 118), as obras de Beatriz Fétizon (1986)FÉTIZON, Beatriz Alexandrina de Moura. (1986), Subsídios para o estudo da Universidade de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 3 vols. e Heladio Antunha (1971)ANTUNHA, Heladio Cesar Gonçalves. (1971), Universidade de São Paulo: fundação e reforma. 252f. São Paulo, tese de doutorado em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. estão acessíveis apenas na biblioteca da Faculdade de Educação.
  • 11.
    É interessante como Fernando Limongi demonstra que, não obstante essa posição mais baixa na hierarquia de prestígio profissional, o Instituto de Educação ocupou um lugar de destaque na criação e organização da USP (1989, pp. 154-145).
  • 12.
    A frase é do ex-reitor Miguel Reale, que, durante o seu segundo mandato na reitoria da USP, mandou escrevê-la no chão da praça central da cidade universitária, em torno da Torre do Relógio, onde permanece até hoje.
  • 13.
    Para citar alguns exemplos: o livro de Shozo Motoyama sobre a história da USP teve patrocínio do Banco Itaú e da Companhia Brasileira de Alumínio (Motoyama, 2006). O livro de Ana Luiza Martins e Heloisa Barbuy contou com o apoio da Bolsa de Mercadorias e Futuros (Martins e Barbuy, 1998). O livro de Shozo Motoyma e Marilda Nagamini sobre a Escola Politécnica recebeu financiamento da Associação Brasileira de Cimento Portland (Motoyama e Nagamini, 2004).
  • 14.
    Durante as entrevistas com dirigentes universitários realizadas ao longo desta pesquisa, observei que, em praticamente todas as salas de trabalho situadas em órgãos de gestão acadêmica, era possível encontrar esses livros ilustrativos, no geral em posição de relativo destaque.
  • 15.
    Na minha tese de doutorado desenvolvo uma análise detalhada dessa correlação (Carlotto, 2014CARLOTTO, Maria. (2014), Universitas semper reformanda? A Universidade de São Paulo e o discurso da gestão à luz da estrutura social. 570f. São Paulo, tese de doutorado em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.).
  • 16.
    Essa “distância” deve ser pensada em termos metodológicos, e não políticos. Ela representa, portanto, um esforço de distanciamento do objeto pela mobilização de métodos e instrumentos de análise que possibilitem romper com as percepções e visões determinadas diretamente pela experiência nesse mundo, não um distanciamento prático, como possível sinônimo de “neutralidade”, das disputas materiais e simbólicas que se travam no interior da política universitária.
  • 17.
    Segundo Sergio Miceli, a existência de um mercado editorial de ciências sociais relativamente mais consolidado em São Paulo, com a presença de editoras acadêmicas, contribui para explicar a forma específica da produção intelectual nesse contexto (1989, p. 94ss).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2021
  • Aceito
    20 Set 2021
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