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Governo inteligente: análise de dimensões sob a perspectiva de gestores públicos

Inteligencia gubernamental: análisis de dimensiones desde la perspectiva de gestores públicos

Resumo

Estudos recentes apontam que o conceito de governo inteligente e suas respectivas dimensões ainda não estão consolidados. Considerando a importância do tema para a eficiência da atividade pública, seu entendimento e seu reconhecimento para a gestão pública são questões que devem ser mais bem exploradas. Com tal intuito, este estudo traz uma contribuição original ainda não abordada na literatura, apresentando uma análise do reconhecimento, da importância e da aplicação das referidas dimensões sob a perspectiva de gestores públicos. A partir de uma abordagem qualitativa e exploratória, operacionalizada por meio de entrevistas com gestores públicos do Sul do Brasil, buscou-se identificar dimensões de governo inteligente reconhecidas e aplicadas na gestão pública. Os resultados reconhecem a importância do conceito e sua aplicação e benefícios na administração pública e apontam as dimensões com maior influência e importância no processo, com destaque para a cultura organizacional e a organização de dados e informações públicas.

Palavras-chave:
inteligência em governo; smart government; gestão pública

Resumen

Estudios recientes muestran que el concepto de gobierno inteligente y sus respectivas dimensiones aún no están consolidados. Teniendo en cuenta la importancia del tema para la eficiencia de la actividad pública, su comprensión y reconocimiento para la gestión pública son cuestiones que deberían explorarse mejor. Con ese fin, este estudio aporta una contribución original aún no abordada en la literatura, presentando un análisis del reconocimiento, importancia y aplicación de dichas dimensiones desde la perspectiva de los gestores públicos. Desde un enfoque cualitativo y exploratorio, operacionalizado a través de entrevistas con gestores públicos del sur de Brasil, se buscó identificar dimensiones de gobierno inteligente reconocidas y aplicadas en la gestión pública. Los resultados reconocen la importancia del concepto y su aplicación y los beneficios en la administración pública y señalan las dimensiones con mayor influencia e importancia en el proceso, con énfasis en la cultura organizacional y la organización de datos e información pública.

Palabras clave:
inteligencia gubernamental; smart government; gestión pública

Abstract

Recent studies show that the concept of smart government and its respective dimensions are not yet consolidated. The issue of the efficiency of public activity suggests that smart government should be recognized and better explored in public management. This study brings an original contribution to the literature, presenting an analysis of the recognition, importance, and application of the concept’s dimensions from the perspective of public managers. Adopting a qualitative and exploratory approach, operationalized through interviews with public managers in the South of Brazil, we sought to identify the dimensions of smart government that are recognized and applied by public managers. The results show the concept’s importance and its application and benefits in public administration. The findings point out the most influencital dimensions and their importance in the process, with emphasis on the organizational culture and the organization of data and public information.

Keywords:
government intelligence; smart government; public management

1. INTRODUÇÃO

A partir dos anos 1990, o Governo Federal brasileiro iniciou um processo de modernização da administração pública, com foco na eficiência da gestão por meio da busca de redução de custos e da obtenção de resultados no desenvolvimento da atividade pública no país, visando a contemplar pressupostos mais gerenciais e menos burocráticos (Abrucio, 2007Abrucio, F. L. (2007). Recent trajectory of the Brazilian public management: a critical assessment and the renewal of the reform agenda.Revista de Administração Pública,41(Esp.), 67-86.; Batista, 2012Batista, F. F. (2012). Modelo de gestão do conhecimento para a administração pública brasileira: como implementar a gestão do conhecimento para produzir resultados em benefício do cidadão. Brasília, DF: Ipea.; Bresser-Pereira, 1996Bresser-Pereira, L. C. (1996). Da administração pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço Público, 47(1), 7-40.; De Paula, 2005Paes de Paula, A. P. (2005). Administração pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão social. Revista de Administração de Empresas,45(1), 36-49.; Klering, Porsse, & Guadagnin, 2010Klering, L. R., Porsse, M. C. S., & Guadagnin, L. A. (2010). Novos caminhos da administração pública brasileira.Análise,21(1), 4-17.). Já em meados dos anos 2000, o governo eletrônico transformou a relação do governo com a sociedade a partir da interatividade com cidadãos, empresas e órgãos governamentais, contribuindo para a entrega de serviços públicos de forma dinâmica, visando a uma administração pública mais eficiente e preocupada com a qualidade de vida dos cidadãos e a qualidade da gestão (Guimarães & Medeiros, 2005Guimarães, T. D. A., & Medeiros, P. H. R. (2005). A relação entre governo eletrônico e governança eletrônica no governo federal brasileiro.Cadernos EBAPE.BR, 3(4), 1-18.; Rezende, 2018Rezende, D. A. (2018). Strategic digital city: concept and model. In Proceedings of the 15th International Conference on Information Systems & Technology Management, São Paulo, SP, Brasil.).

Para Ribeiro, Pereira, e Benedicto (2013Ribeiro, L. M. D. P., Pereira, J. R., & Benedicto, G. C. D. (2013). As reformas da administração pública brasileira: uma contextualização do seu cenário, dos entraves e das novas perspectivas. In Anais do 37º Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.), as reformas da administração pública contribuíram para melhorar a capacidade de decisão política e para descentralizar o Estado, com a implementação da coordenação horizontal e a modernização do potencial humano de gestão. A tendência observada na década passada envolveu a construção de uma administração pública mais participativa, eficiente e integrada em rede (Capobiango, Nascimento, Silva, & Faroni, 2013Capobiango, R. P., Nascimento, A. D. L., Silva, E. A., & Faroni, W. (2013). Reformas administrativas no Brasil: uma abordagem teórica e crítica. Revista de Gestão,20(1), 61-78.; De Paula, 2005Paes de Paula, A. P. (2005). Administração pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão social. Revista de Administração de Empresas,45(1), 36-49.; Secchi, 2009Secchi, L. (2009). Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Revista de Administração Pública, 43(2), 347-369.), propiciando uma melhor gestão pública na entrega de serviços à sociedade. Pesquisas como a de Gil-Garcia, Helbig, e Ojo (2014Gil-Garcia, J. R., Helbig, N., & Ojo, A. (2014). Being smart: emerging technologies and innovation in the public sector.Government Information Quarterly,31, I1-I8.) demonstram que os governos, em diferentes níveis e ramos, estão adotando ferramentas e aplicações para entregar, funcionar e organizar de modo a possibilitar que se lide com agilidade com as mudanças rápidas do ambiente, visando a oferecer respostas às demandas da sociedade por serviços qualificados e eficazes (Schaefer, Macadar, & Luciano, 2017Schaefer, E. D., Macadar, M. A., & Luciano, E. M. (2017). Governança de tecnologia da informação interinstitucional em organizações públicas: reflexões iniciais. In Proceedings of the International Conference on Information Resources Management, Santiago de Chile, Chile.).

Johnston e Hansen (2011Johnston, E. W., & Hansen, D. L. (2011). Design lessons for smart governance infrastructures . Transforming American governance: Rebooting the public square(Cap. 13, pp. 197-212). Armonk, NY: M.E. Sharpe.) argumentam que, para aumentar as capacidades coletivas dos indivíduos organizarem, interagirem e governarem, a fim de superar os desafios sociais complexos, eles precisam de uma infraestrutura de governo inteligente que seja mais ágil e mais eficiente do que os paradigmas do governo atual. Outros estudos argumentam que os fatores-chave para a criação de um governo inteligente, capaz de lidar com a complexidade e a incerteza, são a coordenação, o envolvimento continuado, o acesso a dados abertos e as informações compartilhadas (Gil-Garcia et al., 2014Gil-Garcia, J. R., Helbig, N., & Ojo, A. (2014). Being smart: emerging technologies and innovation in the public sector.Government Information Quarterly,31, I1-I8.; H. J. Scholl & M. C. Scholl, 2014Scholl, H. J., & Scholl, M. C. (2014). Smart governance: a roadmap for research and practice. In Proceedings of the iConference 2014 (pp. 163-176), Berlin, German.).

Diversos trabalhos acadêmicos sobre o tema inteligência em governo (Cepik, 1997Cepik, M. A. (1997). Inteligência, política e poder no Estado contemporâneo.Revista de Sociologia e Política, 9, 193-196.; Desouza, 2005Desouza, K. C. (2005). Restructuring government intelligence programs: a few good suggestions.Government Information Quarterly,22(3), 342-353.; Gil-Garcia, Pardo, & Aldama-Nalda, 2013Gil-Garcia, J. R., Pardo, T. A., & Aldama-Nalda, A. (2013, June). Smart cities and smart governments: using information technologies to address urban challenges. InProceedings of the 14th Annual International Conference on Digital Government Research(pp. 296-297), Quebec City, QC, Canada.; Jiménez, Solanas, & Falcone, 2014Jimenez, C. E., Solanas, A., & Falcone, F. (2014). E-government interoperability: linking open and smart government.Computer,47(10), 22-24.; Johnston & Hansen, 2011Johnston, E. W., & Hansen, D. L. (2011). Design lessons for smart governance infrastructures . Transforming American governance: Rebooting the public square(Cap. 13, pp. 197-212). Armonk, NY: M.E. Sharpe.; Linders, Liao, & Wang, 2015Linders, D., Liao, C. Z. P., & Wang, C. M. (2015). Proactive e-governance: flipping the service delivery model from pull to push in Taiwan.Government Information Quarterly, 35(4), S68-S76.; Viorel & Radu, 2015Viorel, B., & Radu, I. (2015). Transformation of public management process due to competitive intelligence implementation.Procedia Economics and Finance,32, 694-701.) argumentam que existem questões peculiares do contexto público em relação ao setor privado ao abordar a atividade de inteligência, mas ressaltam a importância do contínuo monitoramento de ambiente e da análise de dados em governo.

Ao avaliar pesquisas sobre inteligência e governo pôde-se perceber que o termo governo inteligente, tem algumas peculiaridades que não correspondem, exatamente, ao conceito de inteligência vinculado à atividade de monitoramento de ambiente para a aquisição de dados a converter em informações e conhecimentos para uso na tomada de decisão, incorporando o sentido da entrega resultante das informações e dos dados advindos do ambiente (Andriotti, Freitas, & Janissek-Muniz, 2008Andriotti, F. K., Freitas, H., & Janissek-Muniz, R. (2008). Informação informal e a monitoração do ambiente organizacional: reflexões e sugestões para a área de TI. In Anais do 3° Congresso Ibero Americano de Gestão do Conhecimento e Inteligência Competitiva, Brasília, DF, Brasil.; Janissek-Muniz, Lesca, & Freitas, 2006Janissek-Muniz, R., Lesca, H., & Freitas, H. (2006). Inteligência estratégica antecipativa e coletiva para tomada de decisão.Revista Organizações em Contexto, 2(4), 92-118.). Entretanto, não há consenso em relação ao conceito e à definição de governo inteligente, o que sugere a necessidade de ser mais bem desenvolvido na literatura. Estudos mais recentes apontam elementos que auxiliam no desenvolvimento de um conceito unificado de governo inteligente e aberto (Gil-Garcia et al., 2014Gil-Garcia, J. R., Helbig, N., & Ojo, A. (2014). Being smart: emerging technologies and innovation in the public sector.Government Information Quarterly,31, I1-I8.; Gil-Garcia, Zhang, & Puron-Cid, 2016Gil-Garcia, J. R., Zhang, J., & Puron-Cid, G. (2016). Conceptualizing smartness in government: an integrative and multi-dimensional view.Government Information Quarterly,33(3), 524-534.; H. J. Scholl & M. C. Scholl, 2014Scholl, H. J., & Scholl, M. C. (2014). Smart governance: a roadmap for research and practice. In Proceedings of the iConference 2014 (pp. 163-176), Berlin, German.).

Além da importância da unificação conceitual do governo inteligente, mostra-se importante para os profissionais de governo compreender de que maneira uma operação mais eficiente, eficaz, transparente e colaborativa na gestão e prestação de serviços leva a um governo mais inteligente e usar esse entendimento para desenvolver estratégias para formar um governo mais “inteligente” (Nam & Pardo, 2011Nam, T., & Pardo, T. A. (2011). Smart city as urban innovation. In Proceedings of the 5th International Conference on Theory and Practice of Electronic Governance, New York, NY, US.).

Uma vez que não há consenso sobre os limites do termo governo inteligente, de modo conciso, pode-se inferi-lo neste estudo como um governo capaz de sentir e reagir ao ambiente, por meio da aquisição de dados a transformar em informações e conhecimentos para o aprimoramento da tomada de decisão no setor público. Assim, este estudo teve por objetivo identificar quais são as dimensões de governo inteligente reconhecidas e aplicadas por gestores públicos, visando a contribuir para a consolidação do conceito de governo inteligente. Além de contribuir para a consolidação do conceito, a análise da relevância e aplicabilidade das dimensões de inteligência pode auxiliar as mais diversas esferas governamentais no desenvolvimento de políticas relacionadas à qualificação da tomada de decisão baseada em evidências.

Este artigo está organizado em 4 seções, além desta introdução: a) a primeira seção apresenta o conceito de inteligência no contexto da gestão pública e sua evolução rumo ao governo inteligente; b) a segunda seção estabelece o método utilizado nesta pesquisa; c) a terceira seção traz os resultados da aplicação do referido método; e d) a quarta seção consiste nas considerações finais deste estudo.

2. INTELIGÊNCIA NA GESTÃO PÚBLICA

Segundo Herman (1996Herman, M. (1996).Intelligence power in peace and war. Cambridge, UK: Cambridge University Press., p. 1, tradução nossa),

[...] governos coletam, processam e utilizam informações, embora o termo “inteligência”, no governo, normalmente tenha um significado diferente de informação e serviços de informação de modo isolado, pois apresenta associações particulares com relações internacionais, defesa, segurança nacional e sigilo e possui instituições especializadas rotuladas como “inteligência”.

Corroborando o exposto por Herman (1996Herman, M. (1996).Intelligence power in peace and war. Cambridge, UK: Cambridge University Press.), um número relevante de estudos sobre inteligência e governo tem como foco central a área de segurança nacional (Cepik, 2005Cepik, M. A. (2005). Regime político e sistema de inteligência no Brasil: legitimidade e efetividade como desafios institucionais.Dados, 48(1), 67-113.; Desouza, 2005Desouza, K. C. (2005). Restructuring government intelligence programs: a few good suggestions.Government Information Quarterly,22(3), 342-353.; Paula & Rover, 2012Paula, G. D., & Rover, A. J. (2012). O governo eletrônico e a atividade de inteligência.Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico, 6, 216-236.; Veronese, 2013Veronese, J. E. (2013). Lei de Acesso à Informação e os reflexos sobre a produção de inteligência na Polícia Federal.Revista Brasileira de Inteligência, 8, 47-57.), principalmente com o objetivo de analisar o papel das agências de inteligência de cada país. Segundo Paula e Rover (2012Paula, G. D., & Rover, A. J. (2012). O governo eletrônico e a atividade de inteligência.Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico, 6, 216-236., p. 220), “a importância das atividades de inteligência também se assenta na necessidade de proteção e desenvolvimento das sociedades, pois a instituição de sistemas nacionais de inteligência e a implantação de fluxos informacionais tem feito parte de questões de guerra, da diplomacia, da manutenção da ordem interna e, mais recentemente, da necessidade das atividades de segurança pública e de controle de ordem interna.”

Além disso, o estudo de Desouza (2005Desouza, K. C. (2005). Restructuring government intelligence programs: a few good suggestions.Government Information Quarterly,22(3), 342-353.) expõe a questão dos dados serem recolhidos, normalmente, a partir de dois ou mais canais (imagens de satélite, voz e transmissões de dados, informantes humanos etc.) e que, após recolhidos, os dados são sintetizados e avaliados, transformando-se em informação. Segundo o autor, então, a informação é apresentada aos tomadores de decisão que, junto com questões contextuais no ambiente, calibram o conhecimento, que resulta em ações.

Diversos estudos sobre a importância da informação como impulsionadora da tomada de decisão gerencial (Andriotti et al., 2008Andriotti, F. K., Freitas, H., & Janissek-Muniz, R. (2008). Informação informal e a monitoração do ambiente organizacional: reflexões e sugestões para a área de TI. In Anais do 3° Congresso Ibero Americano de Gestão do Conhecimento e Inteligência Competitiva, Brasília, DF, Brasil.; Choo, 2002Choo, C. W. (2002). Information management for the intelligent organization: the art of scanning the environment (3 ed.). Medford, New Jersey: Information Today Inc.; Davenport, 1998Davenport, T. H. (1998). Ecologia da informação: porque só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação (3 ed). São Paulo, SP: Futura.; Janissek-Muniz et al., 2006Janissek-Muniz, R., Lesca, H., & Freitas, H. (2006). Inteligência estratégica antecipativa e coletiva para tomada de decisão.Revista Organizações em Contexto, 2(4), 92-118.; Paula & Rover, 2012Paula, G. D., & Rover, A. J. (2012). O governo eletrônico e a atividade de inteligência.Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico, 6, 216-236.) apontam a necessidade de monitoramento do ambiente externo ao qual a organização pertence, visando a conhecer melhor esse ambiente a partir da interpretação seletiva das informações; tal processo é referenciado como a atividade de inteligência das organizações.

Outra questão que aparece fortemente em estudos sobre inteligência no setor público é a influência do uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) em governo (Gil-Garcia et al., 2013Gil-Garcia, J. R., Pardo, T. A., & Aldama-Nalda, A. (2013, June). Smart cities and smart governments: using information technologies to address urban challenges. InProceedings of the 14th Annual International Conference on Digital Government Research(pp. 296-297), Quebec City, QC, Canada.; Gil-Garcia et al., 2016Gil-Garcia, J. R., Zhang, J., & Puron-Cid, G. (2016). Conceptualizing smartness in government: an integrative and multi-dimensional view.Government Information Quarterly,33(3), 524-534.; H. J. Scholl & M. C. Scholl, 2014Scholl, H. J., & Scholl, M. C. (2014). Smart governance: a roadmap for research and practice. In Proceedings of the iConference 2014 (pp. 163-176), Berlin, German.; Johnston & Hansen, 2011Johnston, E. W., & Hansen, D. L. (2011). Design lessons for smart governance infrastructures . Transforming American governance: Rebooting the public square(Cap. 13, pp. 197-212). Armonk, NY: M.E. Sharpe.; Paula & Rover, 2012Paula, G. D., & Rover, A. J. (2012). O governo eletrônico e a atividade de inteligência.Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico, 6, 216-236.). As TIC são utilizadas para uma série de finalidades diferentes em governo, como para a coleta de dados, que poderão ser usados para tomar melhores decisões e proporcionar uma melhor prestação de serviços (Gil-Garcia et al., 2013). Além disso, com o uso de TIC, dados e estratégias adequadas seria possível ajudar a reduzir a exclusão social e promover a justiça social (Gil-Garcia et al., 2016Gil-Garcia, J. R., Zhang, J., & Puron-Cid, G. (2016). Conceptualizing smartness in government: an integrative and multi-dimensional view.Government Information Quarterly,33(3), 524-534.). A pesquisa de Linders et al. (2015Linders, D., Liao, C. Z. P., & Wang, C. M. (2015). Proactive e-governance: flipping the service delivery model from pull to push in Taiwan.Government Information Quarterly, 35(4), S68-S76.) expõe que estudos estão explorando o potencial das TIC para impulsionar a mudança transformadora do governo e da governança.

Segundo H. J. Scholl e M. C. Scholl (2014Scholl, H. J., & Scholl, M. C. (2014). Smart governance: a roadmap for research and practice. In Proceedings of the iConference 2014 (pp. 163-176), Berlin, German., p. 163),

[…] a informação acionável e onipresente, junto com suas tecnologias subjacentes, são os pré-requisitos substanciais para o desenvolvimento de modelos de governo inteligente, no qual as instituições governamentais inteligentes são abertas e ágeis, bem como adotam a participação dos interessados em colaborar em todos os níveis e ramos do processo de governo.

No estudo de Liu e Zheng (2015Liu, X., & Zheng, L. (2015). Cross-departmental collaboration in one-stop service center for smart governance in China: factors, strategies and effectiveness.Government Information Quarterly, 35(4), S54-S60.), os autores caracterizam governo inteligente no sentido de entrega de serviços ao cidadão, além da eficiência e eficácia dos serviços prestados e da resolução de questões de governo e sociedade, por meio da colaboração interdepartamental.

Ademais, governo inteligente pode ser identificado por meio de múltiplas dimensões da inteligência, cada dimensão podendo contribuir individualmente ou de modo integrado para o desenvolvimento de um governo inteligente (Gil-Garcia et al., 2016Gil-Garcia, J. R., Zhang, J., & Puron-Cid, G. (2016). Conceptualizing smartness in government: an integrative and multi-dimensional view.Government Information Quarterly,33(3), 524-534.). Segundo os autores, inteligência deve ser conceituada de modo amplo e multifacetado.

Outro ponto que merece destaque no tocante a governo inteligente se refere à tomada de decisão baseada em evidências, uma vez que as decisões baseadas em dados e a intensificação do uso de tais dados, por meio de sensoriamento onipresente, medição avançada e aplicações integradas, possibilitam a qualificação da tomada de decisão em governo (Gil-Garcia et al., 2016Gil-Garcia, J. R., Zhang, J., & Puron-Cid, G. (2016). Conceptualizing smartness in government: an integrative and multi-dimensional view.Government Information Quarterly,33(3), 524-534.).

Diante do exposto, pode-se depreender que, de uma vinculação inicial do processo de inteligência as questões restritas de segurança pública e relações internacionais (Cepik, 1997Cepik, M. A. (1997). Inteligência, política e poder no Estado contemporâneo.Revista de Sociologia e Política, 9, 193-196., 2005Cepik, M. A. (2005). Regime político e sistema de inteligência no Brasil: legitimidade e efetividade como desafios institucionais.Dados, 48(1), 67-113.; Herman, 1996Herman, M. (1996).Intelligence power in peace and war. Cambridge, UK: Cambridge University Press.), no decorrer dos anos alguns estudos (Gil-Garcia et al., 2013Gil-Garcia, J. R., Pardo, T. A., & Aldama-Nalda, A. (2013, June). Smart cities and smart governments: using information technologies to address urban challenges. InProceedings of the 14th Annual International Conference on Digital Government Research(pp. 296-297), Quebec City, QC, Canada.; Gil-Garcia et al., 2014Guenduez, A. A., Singler, S., Tomczak, T., Schedler, K., & Oberli, M. (2018). Smart government success factors. Yearbook of Swiss Administrative Sciences, 9(1), 96-110.; H. J. Scholl & M. C. Scholl, 2014Scholl, H. J., & Scholl, M. C. (2014). Smart governance: a roadmap for research and practice. In Proceedings of the iConference 2014 (pp. 163-176), Berlin, German.; Johnston & Hansen, 2011Johnston, E. W., & Hansen, D. L. (2011). Design lessons for smart governance infrastructures . Transforming American governance: Rebooting the public square(Cap. 13, pp. 197-212). Armonk, NY: M.E. Sharpe.) ampliaram a abrangência do conceito de inteligência em governo, surgindo questões mais relacionadas à eficiência da atividade pública, bem como a entrega de serviços públicos de qualidade para a sociedade e a participação desta como agente de mudança social, a partir das informações advindas do ambiente.

A partir dessa perspectiva de evolução, estudos mais recentes (Eom, Choi, & Sung, 2016Eom, S. J., Choi, N., & Sung, W. (2016). The use of smart work in government: empirical analysis of Korean experiences.Government Information Quarterly,33(3), 562-571.; Gil-Garcia et al., 2014Gil-Garcia, J. R., Helbig, N., & Ojo, A. (2014). Being smart: emerging technologies and innovation in the public sector.Government Information Quarterly,31, I1-I8.; Gil-Garcia et al., 2016Gil-Garcia, J. R., Zhang, J., & Puron-Cid, G. (2016). Conceptualizing smartness in government: an integrative and multi-dimensional view.Government Information Quarterly,33(3), 524-534.; H. J. Scholl & M. C. Scholl, 2014Scholl, H. J., & Scholl, M. C. (2014). Smart governance: a roadmap for research and practice. In Proceedings of the iConference 2014 (pp. 163-176), Berlin, German.; Johnston & Hansen, 2011Johnston, E. W., & Hansen, D. L. (2011). Design lessons for smart governance infrastructures . Transforming American governance: Rebooting the public square(Cap. 13, pp. 197-212). Armonk, NY: M.E. Sharpe.) têm demonstrado um novo conceito de governo que precisa ser analisado pela academia: governo inteligente.

O significado e a explicação do conceito de governo inteligente elencados pelos autores nos últimos anos demonstram sua importância para o desenvolvimento das atividades públicas (Quadro 1).

QUADRO 1
O CONCEITO DE GOVERNO INTELIGENTE

O conceito de governo inteligente está relacionado principalmente à questão de agilidade e eficiência em governo, impulsionada pelo uso de TIC e pela participação e colaboração de governados, empresas e demais grupos de interesse, como organizações não governamentais (ONG).

Alguns dos trabalhos analisados explicitam questões que vão ao encontro do conceito de inteligência vinculado à atividade de monitoramento de ambiente para aquisição de dados a transformar em informações e conhecimentos para uso na tomada de decisão (Gil-Garcia et al., 2013Gil-Garcia, J. R., Pardo, T. A., & Aldama-Nalda, A. (2013, June). Smart cities and smart governments: using information technologies to address urban challenges. InProceedings of the 14th Annual International Conference on Digital Government Research(pp. 296-297), Quebec City, QC, Canada.; Gil-Garcia et al., 2016Gil-Garcia, J. R., Zhang, J., & Puron-Cid, G. (2016). Conceptualizing smartness in government: an integrative and multi-dimensional view.Government Information Quarterly,33(3), 524-534.; H. J. Scholl & M. C. Scholl, 2014Scholl, H. J., & Scholl, M. C. (2014). Smart governance: a roadmap for research and practice. In Proceedings of the iConference 2014 (pp. 163-176), Berlin, German.), uma vez que governos inteligentes são capazes de sentir e reagir ao ambiente com base em dados relevantes para sua tomada de decisão (Gil-Garcia et al., 2016Gil-Garcia, J. R., Zhang, J., & Puron-Cid, G. (2016). Conceptualizing smartness in government: an integrative and multi-dimensional view.Government Information Quarterly,33(3), 524-534.).

Para Gil-Garcia et al. (2016Gil-Garcia, J. R., Zhang, J., & Puron-Cid, G. (2016). Conceptualizing smartness in government: an integrative and multi-dimensional view.Government Information Quarterly,33(3), 524-534.), a capacidade de gestão de dados, o processamento de informação e a partilha de informação por meio das TIC são considerados fatores-chave para as parcerias e as comunicações interorganizacionais entre várias entidades relacionadas com as iniciativas de inteligência em governo. Corroborando essa ideia, H. J. Scholl e M. C. Scholl (2014Scholl, H. J., & Scholl, M. C. (2014). Smart governance: a roadmap for research and practice. In Proceedings of the iConference 2014 (pp. 163-176), Berlin, German., p. 166) delinearam um conjunto de elementos governamentais inteligentes: “abertura e tomada de decisão, partilha de informação aberta e uso das informações, participação das partes interessadas e colaboração, a fim de melhorar as operações e os serviços governamentais, todos por meio do uso de tecnologias inteligentes, agindo como um facilitador de inovação, sustentabilidade, competitividade e habitabilidade.”

Ressaltam-se, ainda, outros pontos-chave sobre governo inteligente:

  • Uma infraestrutura de governo inteligente é necessária para aproveitar, efetivamente, as habilidades e os conhecimentos muitas vezes latentes na multidão (Johnston & Hansen, 2011Johnston, E. W., & Hansen, D. L. (2011). Design lessons for smart governance infrastructures . Transforming American governance: Rebooting the public square(Cap. 13, pp. 197-212). Armonk, NY: M.E. Sharpe., p. 9);

  • O ambiente no qual o governo está envolvido é complexo, com muitos dados e informações sobre diversas áreas como segurança, saúde, educação (Cepik, 2005Cepik, M. A. (2005). Regime político e sistema de inteligência no Brasil: legitimidade e efetividade como desafios institucionais.Dados, 48(1), 67-113.; Desouza, 2005Desouza, K. C. (2005). Restructuring government intelligence programs: a few good suggestions.Government Information Quarterly,22(3), 342-353.);

  • As TIC são artefatos e ferramentas que auxiliam no processo de gestão, organização, tratamento e disseminação da informação e construção do conhecimento para as organizações (Paula & Rover, 2012Paula, G. D., & Rover, A. J. (2012). O governo eletrônico e a atividade de inteligência.Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico, 6, 216-236., p. 225), potencializando uma melhor tomada de decisão e uma melhor prestação de serviços por parte do governo (Gil-Garcia et al., 2013Gil-Garcia, J. R., Pardo, T. A., & Aldama-Nalda, A. (2013, June). Smart cities and smart governments: using information technologies to address urban challenges. InProceedings of the 14th Annual International Conference on Digital Government Research(pp. 296-297), Quebec City, QC, Canada.).

Diante do exposto, a partir da análise de trabalhos sobre governo inteligente, pôde-se identificar dimensões significativas para a administração pública, definidas e apresentadas no Quadro 2.

QUADRO 2
DIMENSÕES DE GOVERNO INTELIGENTE

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Considerando o objetivo deste artigo - identificar quais são as dimensões de governo inteligente reconhecidas e aplicadas por gestores públicos junto à administração pública -, optou-se pela abordagem qualitativa e exploratória, uma vez que “um dos principais benefícios da pesquisa qualitativa é que ela permite que um pesquisador veja e compreenda o contexto no qual as decisões e ações ocorrem” (Myers, 2013Myers, M. D. (2013).Qualitative research in business and management. London, UK: SAGE., p. 5, tradução nossa). Além disso, segundo o referido autor, pesquisadores qualitativos argumentam que se você quiser entender as motivações das pessoas, suas razões, suas ações e o contexto de suas crenças e suas ações de modo aprofundado, a pesquisa qualitativa é a escolha adequada. A pesquisa também se caracteriza como exploratória, uma vez que aborda um tema relativamente novo, onde ainda não há muitos trabalhos desenvolvidos, principalmente considerando o cenário brasileiro.

Para o desenvolvimento do trabalho, realizou-se pesquisa nas bases Web of Science, SciELO, SCOPUS e nos principais periódicos indicados pela Association of Information Systems (AIS). Os termos utilizados como critério foram: “government or public administration” AND “intelligence or forecast or corporate foresight or weak signal or environmental scanning or future studies or strategic foresight or scenario planning or smart”. Foram encontrados 164 artigos, analisados para a identificação de dimensões de inteligência em governo e de elementos que embasam um governo inteligente, possibilitando a definição de um roteiro para a realização de entrevistas junto a gestores públicos.

Segundo Triviños (1987Triviños, A. N. S. (1987). Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo, SP: Atlas.), a entrevista semiestruturada tem como característica, questionamentos básicos que são apoiados em teorias que se relacionam com o tema da pesquisa. Para o autor, a entrevista semiestruturada favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade, bem como mantém a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de informações.

Com base no roteiro (Quadro 3), realizaram-se 10 entrevistas com gestores públicos pertencentes a duas secretarias de um dos estados do Sul do Brasil que são transversais, ou seja, com vinculação aos demais órgãos do Estado, em maio e junho de 2018, com duração média de 30 minutos.

QUADRO 3
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

Os entrevistados foram escolhidos por facilidade de acesso e por indicação conforme se realizavam as referidas entrevistas, desde que atendessem ao requisito de exercer atividade de gestão em seus respectivos órgãos. Dentre os 10 entrevistados, sete 2/3 eram homens, quatro tinha mais de 20 anos de serviço público e 5 tinham cargo de direção junto aos órgãos e desenvolviam suas atividades em diferentes setores, como compras públicas, captação de recursos públicos, planejamento governamental e sistemas de informação.

Como no contexto da administração pública há inúmeras áreas de atuação, desde atividades vinculadas à gestão da própria máquina pública, como aquelas voltadas à prestação de serviço público à sociedade, optou-se por não distinguir gestores públicos de uma área específica. Para o estabelecimento das entrevistas, realizou-se contato via e-mail ou telefone com os gestores públicos identificados, indicando os objetivos da pesquisa, o assunto e a duração prevista para as entrevistas. Ao realizar as entrevistas foram observados e registrados os aspectos (textuais e também as percepções) que se destacaram no decorrer da conversa; por fim, realizou-se a transcrição de cada entrevista, em sua totalidade.

Os dados obtidos foram submetidos à técnica de análise de conteúdo. Segundo Bardin (2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Lisboa, Portugal: Ed. 70., p. 48), é possível definir o termo análise de conteúdo como

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens.

Assim, os dados foram coletados, organizados, categorizados e analisados em arquivos de texto e planilhas eletrônicas. A partir da análise de dados das entrevistas com as dimensões elencadas na literatura, realizou-se a consolidação dos resultados do estudo, bem como as conclusões da pesquisa, como se expõe a seguir.

4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Por meio da fundamentação teórica, especificaram-se dimensões relevantes em relação ao conceito de governo inteligente, a saber:

  1. Importância do uso de dados e informações do ambiente externo para a tomada de decisão do gestor público;

  2. Cultura organizacional voltada ao desenvolvimento de uma administração pública mais inteligente;

  3. Eficiência e efetividade na gestão pública;

  4. Uso de sistemas de big data e business intelligence;

  5. Tomada de decisão baseada em evidências;

  6. Engajamento social na construção de uma gestão pública mais eficiente;

  7. Colaboração interdepartamental e interorganizacional;

  8. Agilidade em governo;

  9. Processos de inovação, criação e inteligência coletiva em governo.

Diante das dimensões vinculadas ao conceito de governo inteligente, buscou-se analisar a compreensão e percepção de gestores públicos quanto ao processo e à importância de inteligência em governo. Para tal, iniciou-se a entrevista de cada gestor com a exposição do conceito apresentado na literatura e em seguida os gestores foram questionados sobre a percepção da atual aplicabilidade do conceito nas práticas administrativas. Na continuidade da entrevista, apresentaram-se as dimensões de inteligência mapeadas no estudo e cada entrevistado expôs suas percepções quanto à importância e à relevância de cada uma das dimensões para o desenvolvimento de inteligência em governo. Por fim, bucou-se compreender a atual aplicabilidade de cada uma das referidas dimensões, além da percepção da evolução relativa ao tema de pesquisa na prática da gestão pública.

A partir da análise das entrevistas pôde-se compreender que apenas um dos entrevistados não tinha conhecimento sobre o conceito e as dimensões de inteligência em governo, demonstrando-se como ponto de grande interesse resultante desta pesquisa, haja vista se tratar de um conceito relativamente novo, que até meados dos anos 2000 se vinculava a questões restritas de segurança pública e relações internacionais (Cepik, 1997Cepik, M. A. (1997). Inteligência, política e poder no Estado contemporâneo.Revista de Sociologia e Política, 9, 193-196.; Desouza, 2005Desouza, K. C. (2005). Restructuring government intelligence programs: a few good suggestions.Government Information Quarterly,22(3), 342-353.; Herman, 1996Herman, M. (1996).Intelligence power in peace and war. Cambridge, UK: Cambridge University Press.) e apenas estudos mais recentes mostram uma orientação de maior abrangência do conceito de inteligência em governo.

Os gestores públicos entrevistados reconhecem a importância da estruturação de processos de inteligência na administração pública, mas ressaltam que o processo ainda é incipiente, necessitando de seu desenvolvimento e sua arquitetura para a efetivação. Um dos gestores entrevistados ressalta:

O que mais temos no Estado são dados, mas a informação e o conhecimento pouco existem, então, é preciso arquitetar esta estrutura, temos trabalhado nesta direção junto aos diversos gestores.

Outros acrescentam, ainda, a necessidade de interoperabilidade de sistemas, bem como de comunicação entre os diversos órgãos de um mesmo estado para o processamento e a transformação de dados em informações e conhecimentos pertinentes à tomada de decisão na gestão pública para, dessa forma, haver uma caracterização de inteligência em governo.

A preocupação e o interesse por parte da alta gestão governamental quanto ao processo de inteligência em governo são postos como muito recente, na visão dos gestores públicos entrevistados, algo que se discute nos últimos dois anos por meio da criação de uma rede de inteligência em governo, com vistas ao desenvolvimento e à sistematização de tal processo junto à administração pública do estado. De toda forma, há o reconhecimento unânime por parte dos 10 gestores públicos entrevistados quanto à importância e relevância da estruturação de um governo mais inteligente por meio do desenvolvimento de processos de inteligência. Dentre os benefícios percebidos de tais processos para a administração pública e, consequentemente, para a sociedade, a partir das entrevistas realizadas, pode-se destacar o poder preditivo a partir do uso de dados e informações em governo; desenvolvimento de um processo de gestão mais efetivo e de maior qualidade por meio de maior uso de informações e conhecimento produzido; estruturação e integração de banco de dados em governo; entrega de serviços efetivos e de boa qualidade à sociedade; dentre outros benefícios percebidos.

Tais benefícios elencados pelos gestores públicos vão ao encontro do exposto na teoria, que enfatiza a importância do monitoramento do ambiente para aquisição de dados a transformar em informações e conhecimentos para uso na melhor tomada de decisão dos gestores públicos (Gil-Garcia et al., 2013Gil-Garcia, J. R., Pardo, T. A., & Aldama-Nalda, A. (2013, June). Smart cities and smart governments: using information technologies to address urban challenges. InProceedings of the 14th Annual International Conference on Digital Government Research(pp. 296-297), Quebec City, QC, Canada.; Gil-Garcia et al., 2016Gil-Garcia, J. R., Zhang, J., & Puron-Cid, G. (2016). Conceptualizing smartness in government: an integrative and multi-dimensional view.Government Information Quarterly,33(3), 524-534.; H. J. Scholl & M. C. Scholl, 2014Scholl, H. J., & Scholl, M. C. (2014). Smart governance: a roadmap for research and practice. In Proceedings of the iConference 2014 (pp. 163-176), Berlin, German.). Apesar de tal reconhecimento dos benefícios percebidos, para a maior parte dos gestores entrevistados, um dos desafios para concretizar a inteligência em governo consiste na necessidade de desenvolvimento e articulação de um único banco de dados e disponibilização de informações entre os diversos órgãos de um mesmo estado. Para uma das entrevistadas, ainda existe uma fragilidade institucional, principalmente em relação ao trabalho com dados e informações de Estado.

Diante do contexto da importância e dos benefícios percebidos em relação ao processo de inteligência em governo, buscou-se identificar junto aos entrevistados quais são as dimensões de governo inteligente reconhecidas e aplicadas pela gestão pública, Tabela 1 apresenta o resumo da análise quanto ao reconhecimento e à aplicação das dimensões por parte dos gestores públicos entrevistados; os locais assinalados com “x” representam o reconhecimento da dimensão por parte do referido gestor público, quanto à efetiva aplicação da dimensão nos órgãos dos gestores entrevistados, sinalizados na cor cinza.

TABELA 1
ANÁLISE DE DIMENSÕES POR GESTORES PÚBLICOS

A partir da Tabela 1, pode-se depreender que os gestores públicos reconhecem grande parte das dimensões de governo inteligente pontuadas na literatura. Dentre as dimensões reconhecidas, a que obteve a menor citação entre os entrevistados foi a relativa ao engajamento social para o desenvolvimento de inteligência em governo. Tal situação pode estar relacionada ao fato da maior parte dos gestores entrevistados citar a necessidade de uma organização e estruturação de processo interno à administração pública, para pensar posteriormente na relação com a sociedade. Para três dos gestores entrevistados existe a necessidade da disseminação do conhecimento e das dimensões de governo inteligente por toda a administração pública, para que haja o maior engajamento dos diversos servidores públicos.

Nesse contexto, a questão relativa à dimensão de cultura organizacional voltada a processos de inteligência é reconhecida por unanimidade pelos entrevistados, mas nenhum coloca a existência de aplicação na prática administrativa. Um dos entrevistados pontua que,

[...] é preciso o reconhecimento de que trabalhamos para um objetivo único: atender à sociedade, e para isso há necessidade de participação e cooperação de todos os órgãos governamentais, é preciso incutir a necessidade e importância de utilizarmos dados e transformá-los em informações e conhecimentos para uma melhor gestão pública junto à cultura de organização da gestão pública.

Para quatro dos entrevistados, o processo deve iniciar-se pela divulgação e disseminação conceitual sobre governo inteligente ou inteligência em governo, demonstrando a importância da conectividade e colaboração entre os diversos atores do governo para que a tomada de decisão seja coerente e baseada em diversas visões e argumentações.

Conforme a Tabela 1, o uso de tecnologia por meio de diversos sistemas e ferramentas de inteligência já desenvolvidos (big data, business intelligence e outros) é fortemente pontuado em relação ao reconhecimento e à aplicação nos órgãos públicos quando da análise das dimensões de governo Inteligente. Para os gestores entrevistados, as ferramentas tecnológicas voltadas à inteligência vêm sendo implantadas no Estado nos últimos dois anos e estão facilitando o processo de captação de dados e a conversão deles em informações e conhecimentos necessários à maior efetividade da gestão pública. Entretanto, os gestores ressaltam a necessidade de desenvolvimento e treinamento de pessoal para o uso eficiente de tais ferramentas e indicam tal ponto como um desafio que se apresenta no momento.

Cabe ressaltar que, durante a realização e análise das entrevistas, surgiu uma nova dimensão que não havia sido encontrada quando da revisão de literatura deste estudo: a organização e unificação de base de dados. Segundo os gestores públicos entrevistados, essa dimensão se apresenta como o grande desafio para trabalhar e desenvolver as(os) demais dimensões e processos de governo inteligente, uma vez que a falta de uma base de dados organizada e unificada em todo o Estado não permite a confiança plena de dados e informações que se analisam para a tomada de decisão. Os entrevistados pontuam que não há como pensar em um governo mais inteligente sem começar pela organização de dados e informações em um banco de dados fidedigno e confiável. Para os gestores públicos, o governo pouco tem avançado para a unificação da base de dados e informações, demonstrando-se uma limitação do processo de inteligência. Após a apresentação dos resultados obtidos com a revisão da teoria e a realização de entrevistas com gestores públicos, expõem-se algumas considerações acerca da pesquisa na próxima seção.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo constitui uma contribuição original, uma vez que apresenta a análise do reconhecimento, da importância e da aplicação das dimensões de governo inteligente sob a perspectiva de gestores de órgãos públicos de um dos estados do Sul do Brasil.

Com o objetivo de identificar quais dimensões de governo inteligente são reconhecidas e aplicadas por gestores públicos, primeiro foram identificadas as dimensões em uma revisão de literatura e, posteriormente, foram realizadas e analisadas as entrevistas com gestores públicos. As descobertas apontam que os gestores públicos reconhecem as dimensões de governo inteligente, além de pontuarem a importância e os benefícios do processo de inteligência na construção de uma administração pública mais efetiva no desenvolvimento de suas atividades. As questões relativas à cultura organizacional e à organização e unificação de base de dados em governo se apresentam como os principais desafios que a administração pública deve encarar para a concretização e implantação de um governo mais inteligente na visão dos gestores públicos entrevistados.

A análise de que os gestores públicos reconhecem as dimensões de governo inteligente é uma contribuição importante deste estudo, possibilitanto que os estudos avancem no sentido de vislumbrar as dificuldade de desenvolvimento e implantação de tais dimensões em governo, uma vez que a aplicabilidade delas ainda é muito baixa.

Como a necessidade de uma cultura organizacional para inteligência mais fortalecida apareceu com destaque na análise das entrevistas, sugere-se, para futuras pesquisas, entrevistas com servidores públicos que não exercem cargos de gestão, a fim de verificar sua compreensão de governo inteligente.

Além disso, no âmbito do governo inteligente, sugerem-se estudos mais aprofundados da organização e unificação de base de dados em governo. Tais estudos possibilitariam compreender quais teorias organizacionais podem mostrar-se úteis em tal processo, bem como um estudo comparativo com outros estados brasileiros para verificar se o problema é localizado ou sistêmico no cenário brasileiro. E a vinculação de práticas administrativas para cada uma das dimensões estudadas pode contribuir substencialmente com a gestão pública.

Pode-se concluir que ainda há um longo caminho a percorrer para a efetivação das dimensões de governo inteligente; entretanto, a administração pública já conta com algumas iniciativas que vão ao encontro do exposto pela recente teoria sobre o assunto. Este estudo traz subsídios para a consolidação conceitual de governo inteligente e para a gestão pública, no sentido de fomentar a aplicação e o desenvolvimento de dimensões conceituais na prática da gestão.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2019
  • Aceito
    03 Fev 2020
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