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Os negros, a educação e as políticas de ação afirmativa

Negroes, education and policies of affirmative action

Resumos

Este texto procura avançar na compreensão do movimento histórico que subjaz a implementação de políticas de ação afirmativa para os negros no campo educacional, considerando ser essa a condição para o atendimento dos interesses e necessidades desse grupo, na perspectiva da transformação. Para isso, são retomadas reflexões realizadas em outras oportunidades, explicitando idéias há muito debatidas por estudiosos e militantes negros, bem como discutindo os momentos em que as diferenças são transformadas em "problema", quando são marcas distintivas e necessárias da condição humana. Em seguida, busca-se avaliar as condições materiais e ideológicas do capitalismo atual, o processo de etnicização da força de trabalho e o deslocamento do debate para a esfera cultural/educacional promovido por organismos internacionais.

negros e educação; políticas de ação afirmativa


This text seeks to further our understanding of the historical movement which underlies the implementation of policies of affirmative action for Negroes in the field of education considering this to be the condition for attending the interests and needs of this group, in the perspective of transformation. To this end, the text takes up reflections developed on other opportunities explaining ideas debated for years by scholars and militant Negroes and discussing the moments in which differences are transformed into a "problem", when they are in fact distinctive and necessary marks of the human condition. Thereafter, we seek to evaluate the material and ideological conditions of present day capitalism, the process of 'ethnicisation' of the work force and the dislocation of the debate from the cultural/ educational sphere promoted by international organisations.

negroes and education; policies of affirmative action


** Trabalho apresentado no Seminário Nacional "Democracia e Educação no Pensamento Educacional Brasileiro", promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense e realizado em Niterói (RJ), de 14 a 17 de maio de 2001.

Negroes, education and policies of affirmative action

Ana Lúcia Valente

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Programa de Pós-Graduação em Educação

RESUMO

Este texto procura avançar na compreensão do movimento histórico que subjaz a implementação de políticas de ação afirmativa para os negros no campo educacional, considerando ser essa a condição para o atendimento dos interesses e necessidades desse grupo, na perspectiva da transformação. Para isso, são retomadas reflexões realizadas em outras oportunidades, explicitando idéias há muito debatidas por estudiosos e militantes negros, bem como discutindo os momentos em que as diferenças são transformadas em "problema", quando são marcas distintivas e necessárias da condição humana. Em seguida, busca-se avaliar as condições materiais e ideológicas do capitalismo atual, o processo de etnicização da força de trabalho e o deslocamento do debate para a esfera cultural/educacional promovido por organismos internacionais.

Palavras-chave: negros e educação, políticas de ação afirmativa.

ABSTRACT

This text seeks to further our understanding of the historical movement which underlies the implementation of policies of affirmative action for Negroes in the field of education considering this to be the condition for attending the interests and needs of this group, in the perspective of transformation. To this end, the text takes up reflections developed on other opportunities explaining ideas debated for years by scholars and militant Negroes and discussing the moments in which differences are transformed into a "problem", when they are in fact distinctive and necessary marks of the human condition. Thereafter, we seek to evaluate the material and ideological conditions of present day capitalism, the process of 'ethnicisation' of the work force and the dislocation of the debate from the cultural/ educational sphere promoted by international organisations.

Key-words: negroes and education, policies of affirmative action.

Introdução

A proposta de se discutir os rumos da democracia, da educação e de políticas públicas que, em contraposição à lógica hegemônica, voltem-se para o atendimento de iniciativas populares e da sociedade civil impõe uma reflexão que considere as expressões concretas e, portanto, históricas da organização social presente, deixando de lado o terreno das abstrações. Quando se trata de discutir políticas de ação afirmativa para os negros, essa reflexão parece mais complexa devido ao "componente racial" que chamaria a atenção para a diversidade, para a especificidade.

Venho defendendo uma perspectiva universal de compreensão da diversidade – contrariando o combate ao universalismo feito pelos movimentos negros, que passa a ser recuperado "através da mestiçagem e das idéias do sincretismo sempre presentes na retórica oficial" (Munanga, 1999, p. 126). Meu argumento é que nada impede que manifestações singulares ou específicas possam ser mais bem iluminadas quando referidas a uma dimensão universal, capaz de apreender o movimento da realidade.

Nessa apreensão, duas vertentes podem ser definidas. Em primeiro lugar, no que diz respeito à temática desse seminário, considera-se a importância de empreender ações mais concretas de garantia de exercício da cidadania, analisando-se a pertinência de se pensar uma proposta educacional que contemple o contraditório processo de criação/significação da diversidade cultural para uma educação igualitária ou para a cidadania paritária. Uma proposta que tenha, sobretudo, o compromisso de desvelar os usos sociais dos conhecimentos transmitidos que, enquanto criações humanas, são passíveis de serem transformados (Valente, 1999b). Se se advoga a necessidade de salvaguardar os princípios da cidadania, é preciso, em contrapartida, estabelecer limites ao relativismo cultural, alertar para os perigos de um multiculturalismo absoluto, pleno de recusa do outro, que promove a fragmentação do espaço político e a degradação da democracia, e buscar a articulação dos valores universais11 Universais porque são valores do capitalismo marcados por concepções de mundo antagônicas. e das especificidades culturais.

Essa conjunção do singular, do particular e do universal poderia potencializar um novo modelo de integração, supondo idealmente que cada um se reconheça numa visão política comum, para além das diferenças individuais e de grupo; porque a democracia não é possível senão quando um direito comum regula a coexistência das liberdades individuais e particulares. Assim, a passagem da educação intercultural à educação para a cidadania exige reflexões que ultrapassam os campos da antropologia e da educação, ocupando o espaço de discussões jurídicas e das teorias do Estado.22 Nesse contexto, ganha relevo a discussão sobre a democracia, seus limites e possibilidades num Estado cuja conformação é também histórica. Nesse caso, menos do que demarcar fronteiras do conhecimento sabidamente artificiais, importa estabelecer uma linha de reflexão teórica que recupere a totalidade histórica definida pela organização social dominante.

No Brasil, ao que parece, ainda pouco foi sistematizado no campo do direito. O caráter preliminar e inicial desse tipo de debate e preocupação pode ser atestado pelas dificuldades que advogados, militantes e estudiosos das relações interétnicas têm enfrentado para criminalizar o racismo no país, através dos canais legais existentes. Como lembra Hédio Silva Jr., analisando a intersecção entre direito e relações raciais no país, "a inscrição do princípio da não-discriminação e as reiteradas declarações de igualdade têm sido insuficientes para estancar a reprodução de práticas discriminatórias na sociedade brasileira" (1988, p.VI). De qualquer maneira, a coletânea de leis brasileiras anti-racistas, organizada por esse autor, buscou "explorar outras respostas disponíveis no ordenamento para a violação do direito à igualdade, a exemplo da responsabilidade civil objetiva por discriminação prevista no Art. 1º da Convenção 111 e no Art. 6º da Convenção contra todas as formas de discriminação racial" (p. VIII-IX). De fato, essas duas convenções,33 A primeira foi promulgada em 1968, pelo Decreto n. 62.150, de 23 de janeiro, e a outra pelo Decreto n. 65.810, de 8 de dezembro de 1969 (Silva Jr., 1998, p.10-4 e p.22-35). assim como a Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino,44 Promulgada pelo Decreto n. 63.223, de 6 de setembro de 1968 (Silva Jr., 1998, p. 15-21). podem oferecer argumentos importantes para a implementação de políticas de ação afirmativa para os negros no campo educacional. Desde que também sejam devidamente contextualizadas, uma vez que o ordenamento jurídico não pode ser dissociado de necessidades sociais construídas historicamente.

A segunda vertente de apreensão da realidade conduz ao paradoxo de que o reconhecimento da diversidade pode sustentar a intolerância e o acirramento de atitudes discricionárias, especialmente quando a diferença passa a justificar um tratamento desigual (Valente, 1999a). Além disso, esbarra-se no equívoco de "educadores pós-modernos", de a temática da diferença cultural ser percebida como "novidade", recolocando-se a importância da tarefa de recuperar a história e a luta dos povos oprimidos e, com ela, a própria história do multiculturalismo (Gonçalves & Silva, 1998), sem deixar de inseri-la num contexto mais amplo de compreensão.

No trabalho As políticas de ação afirmativa e o obstáculo epistemológico, apresentado na reunião da ANPEd, realizada em 2000, procurei recuperar idéias, há muito discutidas por estudiosos e militantes, que norteiam a discussão sobre as políticas de ação afirmativa específicas para os negros. Tentei demonstrar: 1) a necessidade de se legitimarem, teórica e praticamente, as políticas de discriminação positiva, no Brasil, considerando seu sistema de relações raciais, diferente daqueles historicamente construídos em outros países; 2)os limites do conceito de afrodescendência, que não supera a ambigüidade do conceito de identidade negra; 3) a possibilidade de construção de uma identidade mestiça, num contexto plural de negociação político-ideológica e 4) as dificuldades para estabelecer a clientela, que deve ser definida numericamente ou em termos populacionais, para a qual seriam dirigidas as ações discriminatórias positivas. Essa análise permitiu-me afirmar que o "mulato" continua sendo um obstáculo epistemológico para a implementação de políticas de ação afirmativa para os negros, parafraseando o conhecido intelectual e militante negro Eduardo de Oliveira e Oliveira (1974).55 Kabengele Munanga (1999) faz referência ao mesmo artigo, confirmando seu caráter polêmico.

Como já tive a oportunidade de afirmar no referido trabalho, permitindo-me seguir literalmente o texto original, a discussão sobre as políticas de ação afirmativa, especialmente quando se trata de debater a proposição de medidas que promovam a valorização dos negros no Brasil, tem sido considerada bastante polêmica, por mobilizar fortes emoções e sentimentos contraditórios, e não menos necessária. Isso porque, entre outras coisas, não deixa de ser curioso que sejam recebidas com maior simpatia, pela população em geral, as propostas de educação intercultural bilíngüe para os índios, inclusive previstas na LDB; de valorização das mulheres, como o aumento percentual da representação político-partidária; de garantia de mercado de trabalho para os portadores de necessidades especiais, como a reserva de vagas legalmente asseguradas em concursos públicos; ou mesmo as reivindicações de idosos e homossexuais por maior respeito e espaço de expressão.

Ao contrário das reações ante as demandas desses grupos minoritários – na perspectiva qualitativa das ciências sociais, por enfrentarem maiores dificuldades ao acesso à riqueza material e espiritual da sociedade, bem como às instâncias de poder–, são reticentes os comentários sobre a situação do negro brasileiro, reafirmando, em última análise, a comprovada existência do racismo no país. Contudo, se essa conclusão pode ser antecipada, pouco ainda se sabe sobre as mediações e os meandros dessa discussão, sistematicamente evitada para além dos grupos negros organizados.

Para Munanga, considerando a insuficiência retórica dos discursos anti-racistas bem-intencionados, "é preciso, pois, incrementar estratégias e políticas públicas de combate à discriminação nos campos onde ela se manifesta concretamente, ou seja, nos domínios da educação, cultura, lazer, esportes, leis, saúde, mercado de trabalho, meios de comunicação, etc." (1996, p.12). Nessa direção, algumas pistas foram lançadas, não sem deixar de exprimir a falta de consenso presente num debate que, no país, foi apenas iniciado e que, por vezes, polariza-se.

De um lado, setores importantes e representativos do movimento negro defendem, com intransigência, a necessidade premente de medidas específicas serem implementadas. Em síntese, essa defesa parte da avaliação de que, historicamente, há dívidas que devem ser saldadas pelos brasileiros aos negros, remontando aos 500 anos do país: além de terem sofrido a violência do sistema escravista, continuaram e continuam a sofrer desvantagens socioeconômicas, geradas por cumulativas atitudes discriminatórias.

De outro lado, parcelas expressivas da sociedade nacional, com igual veemência, abominam toda e qualquer proposta dessa natureza, mas não pelos mesmos motivos. Para alguns, ao reafirmarem o mito da democracia racial, não haveria razão para que fosse oferecido um "tratamento especial" para os negros. Outros, incluindo algumas tendências da organização negra, acreditando que já existem provas cabais da existência do racismo entre nós, temem as conseqüências futuras geradas pela implementação das políticas de ação afirmativa.

Há opiniões matizadas no interior dessas posições que se antagonizam e, entre elas, vozes ainda não suficientemente convencidas pela argumentação utilizada para defender ou negar a pertinência de políticas que, positivamente, discriminem os negros no Brasil. Para alguns estudiosos e militantes, essas políticas estariam a demandar uma reflexão mais acurada, menos exposta à carga emocional que o debate sobre o assunto mobiliza, ou capaz de canalizar essas emoções para o avanço teórico e prático necessário e exigido (Valente, 2000).

Nesse trabalho, continuo tateando o terreno sobre o qual o debate se desenvolve, relacionando reflexões produzidas em outros momentos, sem qualquer pretensão de superá-lo ou de encerrar uma discussão aberta a críticas e contribuições.

Embora tenha me incluído entre essas vozes incertas, prudentes na tomada de decisão de defender ou não a implementação de políticas de ação afirmativa para os negros, em razão das mediações teórico-práticas que devem ser exploradas, não se pode negar o movimento que justifica e legitima essa proposta. O calcanhar de Aquiles passa a ser como fazê-lo, sem que disso resulte o efeito contrário que se pretende: que essas políticas não se transmutem em tiros que saem pela culatra ou que sejam analisadas romântica e ingenuamente. Essa parece-me ser a condição para que o processo possa ser direcionado para o atendimento dos interesses e necessidades do grupo racial na perspectiva da transformação.

O movimento do real

Lilia Schwarcz (1999), ao fazer um balanço da produção antropológica sobre a questão racial e etnicidade, nos últimos 25 anos, afirma que, com a politização da questão racial e a realização de "estudos mais diretamente engajados com o movimentos sociais negros, ou com o debate sobre a 'ação afirmativa' [...] é fato que esses trabalhos [...] têm, em alguns casos, padecido de um certo distanciamento, necessário, à reflexão crítica" (p.303). Afinal, como lembra a historiadora e antropóloga, não há como desconsiderar que a produção sobre essa temática, no Brasil e em outros países como o México, guarda a especificidade e não a exclusividade de ter a questão da mestiçagem como elemento revelador de uma conformação nacional original.

Em contrapartida, militantes de movimentos negros são incisivos na crítica à "academia" e ao anacronismo de suas reflexões, resultante de sua suposta lentidão para acompanhar o movimento do real e as experiências práticas em andamento, que, dentre outros fatos, demonstram ser a questão da mestiçagem, envolvendo a discussão sobre o estabelecimento de limites grupais, uma questão ideológica já superada por imperativos da ação política.

Não se podendo concordar que a discussão sobre a mestiçagem seja uma "falsa questão", como defende parcela da militância negra – mesmo porque, de 1980 a 1991, a taxa de crescimento da população negra, entre jovens de 15 a 24 anos, de 2,3% (0,2% para os brancos), está "relacionada não só à fecundidade mais alta associada a este grupo como também aos efeitos da miscigenação" (IBGE, 2001) –, deve-se admitir como procedimento metodológico correto a proposta de compreensão do movimento do real. Mas, de que real se fala? Sem que se negue a importância de dominar as manifestações cotidianas, suas singularidades e especificidades, é preciso redimensioná-las no quadro universal da organização social dominante. Disso decorre a necessidade de compreender o movimento do capitalismo.

Nessa perspectiva, vale lembrar que quatro grandes "crises" do capitalismo engendrando processos de homogeneização, nas décadas de 1930, 1950, 1970 e 1990, numa surpreendente regularidade de uma vintena de anos, em média, tornaram visíveis processos de reivindicação da diferença cultural (Valente, 1999c). Dito de outra maneira, as diferenças culturais aparecem como "problema" quando movimentos de integração homogeneizadora procuram suprimi-las ou mantê-las sob controle, de forma que não coloque em risco o seu projeto. Ou, ainda, como afirmei, a preocupação em torno das diferenças, transformando-as em um "problema", quando são marcas distintivas e necessárias da condição humana – não podendo ser consideradas epifenômenos –, parece cumprir a função de deslocar para outra instância de embate as contradições econômicas próprias do capitalismo. Nesse caso, coerente com essa perspectiva, a discussão sobre a verdadeira raiz do problema é abandonada, contentando-se em mascará-la e em buscar medidas paliativas e reformadoras no campo cultural.

Essas "crises" universais66 Universais porque, onde se realizam, as contradições do capitalismo são mais evidentes. manifestam-se de maneira singular. No Brasil, sem contar a imposição do universalismo europeu sobre índios e negros durante o período colonial, a partir da década de 1930, a política de modernização industrial legitimada por um ideário nacionalista imprimiu outra direção ao tratamento da diferença, que passou a ser objeto de reflexão a respeito da nossa constituição como povo e para pensar a formação de uma sociedade nacional. As preocupações dos governantes voltaram-se para o desaparecimento das diferenças culturais dos contingentes envolvidos. Foram dois os principais alvos dessa tentativa: o abrasileiramento dos descendentes de imigrantes, principalmente italianos, alemães e japoneses, de maneira que não constituíssem quistos culturais que ameaçassem o projeto da nação e a destruição das tradições culturais africanas que se contrapunham aos planos de construção de um Brasil branco, ocidental e cristão.

Na década de 1950, como se sabe, um projeto financiado pela UNESCO propiciou a realização de estudos sobre a situação racial em vários países, inclusive no Brasil. Já naquela oportunidade os estudos no país apontavam para a existência de problemas entre brancos e negros e preocupavam-se em desmistificar a chamada "democracia racial brasileira" (Valente, 1997). Houve outros momentos em que a questão da diferença cultural ocupou a cena política e educacional do país, como nas discussões em torno da chamada "educação popular", a partir da década de 1960, que envolveu os educadores por mais de 25 anos (cf. Paiva, 1986). Nos anos de 1970, num momento de efervescência política no Brasil, movimentos sociais passaram a ser organizados, inclusive aqueles portadores de signos de diferença, como o movimento negro. Organizavam-se para reivindicar melhores condições de vida, de trabalho e maior espaço de expressão, em resposta ao modelo econômico implantado pelos militares, caracterizado pela concentração de renda e por uma conjuntura política repressiva, com apoio internacional.

Atualmente, mais uma vez a questão da diferença emerge no conjunto das preocupações de intelectuais e pesquisadores brasileiros, em resposta a um clima de animosidade preocupante e sob a influência da produção acadêmica americana e européia. No início dos anos de 1990, começaram a ser organizados grupos na periferia das cidades, como a de São Paulo, que, inspirados pela ideologia neonazista, têm feito vítimas fatais entre os negros e os nordestinos (Valente, 1997). Nos países do Mercosul, em particular na Argentina, os problemas sociais existentes estão acirrando a discriminação contra bolivianos, paraguaios e peruanos, levando à proposição de medidas para restringir a imigração (Gazir, 1998). Racismo e xenofobia no plano nacional e regional parecem reafirmar a nossa tese, impondo a necessidade de uma reflexão atenta que propicie a compreensão histórica desse processo. Voltar os olhos para o passado, buscando avaliar as lições vividas no Brasil e no plano internacional, é exigência imprescindível para não cometermos os mesmos erros, os mesmos equívocos; a começar pela crença de que a problemática sobre diversidade cultural é uma "novidade".

Embora nessas décadas sejam engendrados movimentos de homogeneização econômica, estes não parecem guardar as mesmas características, em que pesem expressarem a agudização crescente das tendências gerais do capitalismo. Seguindo o esquema de Mandel (1985),77 Na definição da "teoria das ondas longas", o autor segue o preceito enunciado no prefácio à 1ª edição de O capital, quando Marx justifica o estudo do modo de produção capitalista na Inglaterra por ser o seu campo clássico, na medida em que, sendo consideradas as tendências que operam e se impõem na produção capitalista, "o país mais desenvolvido não faz mais do que representar a imagem futura do menos desenvolvido" (Marx, 1980, p. 5). em torno dos anos de 1930 e 1970 iniciam-se ondas longas com tonalidade de estagnação, ao passo que nos anos de 1950 inicia-se uma onda longa com tonalidade expansionista, assim como nos anos de 1990, avançando para um período não analisado pelo autor. No argumento de Mandel, a tecnologia ocupa papel fundamental na passagem de uma onda longa à outra, com tonalidades diferentes.

Em linhas gerais, foram apontados aspectos que permitem a compreensão desses momentos na perspectiva das reivindicações das diferenças culturais. De fato, na década de 1950, o avanço tecnológico é surpreendente, mas não se devem menosprezar as variáveis sociais e políticas que podem facilitar a compreensão de quando as diferenças são um problema. Os anos de 1950, de boom econômico mundial, marcam o momento em que se coloca na pauta de discussão o tratamento que a diversidade cultural recebera no momento anterior. Politicamente era preciso romper com o passado da experiência nazista, combatendo o racismo. Restabelecida a capacidade produtiva, era possível promover o respeito à diversidade do mercado consumidor, como foi sugerido.

No entanto, conforme Wallerstein,

[...] se se quer maximizar a acumulação do capital, é preciso, simultaneamente, minimizar os custos de produção (e por conseqüência os custos da força de trabalho) e minimizar igualmente os custos dos problemas políticos (e por conseqüência minimizar – e não eliminar porque isso é impossível – as reivindicações da força de trabalho). O racismo é a fórmula mágica favorecendo a realização de tais objetivos. (1990, p. 48)

Operacionalmente, o racismo – na expressão de Balibar (1990, p. 33), "racismo sem raças", cujo tema dominante não é a herança biológica mas a irredutibilidade das diferenças culturais – toma a forma de "etnicização" da força de trabalho, ou seja, permite a hierarquização de profissões e remunerações na sociedade. Desse modo, na década de 1950, que num primeiro momento aparece como redentora das diferenças, logo se empreende um movimento de sua negação, que desencadeia reações no campo político-cultural, sem que essas diferenças deixem de ser manipuladas em proveito da indústria cultural. Os acontecimentos que marcaram os anos de 1960 resultam desse momento de gestação, estendendo-se até a década de 1970.

Nas décadas de 1930 e 1970, de estagnação, cujos fatos emblemáticos foram a guerra88 Lembre-se que, em 1929, antes da guerra, a grande "quebra" da bolsa de Nova York deflagrou o processo. e os preços do petróleo, quando os riscos de desemprego eram evidentes, devido ao retrocesso na produção material, parece mais fácil compreender porque, tendencialmente, os portadores de signos diferenciais foram os primeiros a perder posições no mercado de trabalho. Já na década de 1990, iniciada como um momento de expansão do capital e justificada pelo ideário neoliberal, a análise torna-se mais complexa e delicada, inclusive porque se trata de um processo em andamento.

Na última década do século XX, é possível verificar um incremento tecnológico, que caracterizaria uma onda longa de tonalidade expansionista, não apenas implicando a mudança dos processos de produção existentes, mas também a criação de novos bens e serviços de consumo, propiciando o surgimento de novos ramos de produção, como aliás ocorre em outras revoluções tecnológicas. Entre os aspectos que caracterizariam o capitalismo contemporâneo, a terceirização tornou-se estrutural, com a fragmentação e a dispersão de todas as esferas da produção. Fundamentalmente resultante do desenvolvimento das forças produtivas que autonomizam e multiplicam atividades de intermediação, a terceirização também diversifica o consumo, expandindo o setor de serviços. Se a princípio os avanços tecnológicos tendem a liberar mão-de-obra, podendo comprometer a produção capitalista, à medida que não há trabalho vivo, não há produção de mais-valia, como afirma Singer:

Com o grande aumento do exército industrial de reserva cresceu a disponibilidade de força de trabalho, permitindo o ressurgimento de formas arcaicas de exploração, tais como empresas familiares e trabalho a domicílio. Essas formas muitas vezes são estimuladas por capitais monopólicos, que demitem operários para subcontratar seus serviços como fornecedores externos. Como resultado, cai o nível de remuneração dos trabalhadores e se recupera a taxa de mais-valia e mais ainda, graças à menor composição orgânica do capital dos "novos setores", a taxa de lucro. (1985, p. XXXII)

O que dizer a respeito dos movimentos de reivindicação de diferenças culturais da década de 1990, sobre os quais se tem uma fundamentação empírica que não corresponde a uma análise mais cuidadosa? De alguma maneira eles parecem retomar as tendências percebidas na década de 1950: de um lado resgatam sua legitimidade perante o momento anterior, na década de 1970, quando a diferença é tomada como bode expiatório da difícil situação econômica; de outro, cria-se a expectativa de que, em um momento subseqüente, esses movimentos passem a ser negados e manipulados pela lógica capitalista.

Se as flutuações na taxa de lucros constituem o mecanismo central de todas as mudanças a que está sujeito o capital, afetando o processo de acumulação, responde-se parcialmente à pergunta de quando as diferenças são um "problema". Contudo, evitando-se o viés economicista, bem como o desencantamento da discussão sobre as diferenças, outros aspectos sociais – culturais e políticos – devem necessariamente mediar essa reflexão. No momento atual, como questões implícitas naquele mecanismo, é preciso explorar a tese da etnicização da força de trabalho, a forma operacional do racismo, que, como foi dito, permite a hierarquização de profissões e remunerações na sociedade, quando se coloca em xeque a centralidade ou não da categoria trabalho.

A crise e a educação

Numa sociedade produtora de mercadorias, como é a sociedade capitalista, mesmo que se pretenda excluir o trabalho vivo dos processos produtivos, não se pode prescindir dele. Reafirmada a centralidade da categoria trabalho para compreensão do capitalismo como organização histórica não superada, e afirmada após a queda do muro de Berlim e a dissolução da economia socialista soviética, admite-se a crise do trabalho abstrato – "dispêndio de força de trabalho do homem, no sentido fisiológico, e, nessa qualidade de trabalho humano igual ou abstrato, cria o valor das mercadorias" (Marx, 1980, p.54). No entanto, a outra dimensão que o trabalho assume na sociedade capitalista, como trabalho concreto – "dispêndio de força humana de trabalho, sob forma especial, para um determinado fim, e, nessa qualidade de trabalho útil e concreto, produz valores-de-uso" (idem, p.54) –, desde que não subordinado ao trabalho abstrato, poderia potencializar o resgate do homem omnilateral.

Para o enfrentamento da crise, foi desencadeado um processo de reorganização do capital, buscando novas respostas para a retomada da acumulação. Esse processo, denominado globalização, agudizou as tendências percebidas no início do século XX, quando o capital financeiro assumiu a hegemonia. O desemprego estrutural; a terceirização e a fragmentação das esferas produtivas; a rejeição da presença estatal e conseqüente privatização estrutural; a transnacionalização da economia implicando a transferência da base industrial dos países ricos para os países pobres, tendo como atrativo a força de trabalho a baixo custo e a existência de bolsões de riqueza e pobreza substituindo a diferença entre países do primeiro e terceiro mundos são algumas das condições materiais que o ideário neoliberal tenta justificar, dissimulando o fato de serem formas contemporâneas de exploração e dominação.

Organismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial, que se tornaram o centro econômico e político global, ao adotarem esse ideário, pressionaram os países pobres a desarmar uma rede de proteção que, segundo análises de matiz ideológico diverso, ampliou a miséria, expulsando dos processos produtivos um contingente humano de dimensões gigantescas e promovendo maior exploração daqueles que se mantêm ocupados. Como decorrência do desemprego estrutural, o trabalho é desregulamentado, precarizado, ampliando-se a terceirização e as atividades temporárias e ilegais. Isso implica a perda de conquistas históricas dos trabalhadores que, sob ameaça de não poderem garantir a sobrevivência, aceitam as condições impostas.

Sob a alegação de que as pessoas estão sendo expulsas do mercado de trabalho por não estarem qualificadas para as suas demandas, a educação formal passa a ser apontada como solução para a crise. Contudo, o avanço das forças produtivas torna cada vez menos necessário o trabalho vivo, incorpora trabalho morto nas máquinas e equipamentos eletrônicos, simplificando progressivamente o processo de trabalho. Mesmo que existam funções que demandem maior domínio dos trabalhadores, a qualificação exigida pelo mercado de trabalho é antes uma justificativa de sua expulsão e de sua não absorção ao mercado.

Samira Lancillotti (2000), ao discutir a profissionalização de pessoas com deficiência, mostra que

A educação de jovens e adultos com deficiência, como a de todos aqueles que compõem a classe que vive do trabalho, tem sido pensada a partir da lógica do mercado. O ideário neoliberal postula que é preciso qualificar e desenvolver competência para dar acesso ao mercado. Esse discurso escamoteia o fato de que o trabalho vivo, necessário à manutenção da esfera produtiva, está sendo reduzido. Hoje, as empresas produzem mais, com menos trabalhadores. (p. 89)

Segundo a autora, uma das respostas para fazer frente à condição de exclusão é o discurso da inclusão, tornando a inserção social das pessoas com deficiência o centro de preocupação com repercussões nas políticas públicas. Porém, "a despeito do que afirmam seus defensores, parece que a luta pela inclusão é uma luta para manter a sociedade que produz a exclusão, já que não toca suas razões de fundo e se estabelece como movimento compensatório" (Lancillotti, 2000, p.94). Reforça sua análise afirmando que,

A partir da justificativa de que a exclusão é "cultural", muitas ações vêm sendo implementadas contra o preconceito, e ganha destaque o discurso da diversidade cultural, pautado no "direito de cidadania", segundo o qual, independentemente de idade, gênero, raça, opção sexual ou de portar uma deficiência etc., todos os homens devem ser vistos pela ótica da igualdade e merecem ser alvo de preocupação e ações diversas, seja por parte do poder público ou da iniciativa privada. Se por um lado este movimento parece responder a necessidades que são genuínas e que de muito vêm sendo reclamadas desde os movimentos sociais, por outro não permitem apreender que dentro deste modo de organização social, estas ações são iníqüas, até porque as diferenças são justificadas pela lógica do sistema. (Lancillotti, 2000, p.94)

Mas, a despeito do contexto em que o discurso da inclusão penetra o campo educacional, pode ser considerado um avanço a incorporação de pessoas com deficiência pela escola regular. Como palco das contradições sociais, é no âmbito da escola que se devem buscar condições de acesso de todos ao conhecimento.

Essa digressão permite-me retomar a tese da etnicização da força de trabalho como expressão da lógica interna do capitalismo excludente. No caso dos negros brasileiros, assim como de outros grupos marcados pela diferença, as justificativas do capital para a não absorção do trabalhador são inúmeras. Efetivamente, a única resposta plausível é que são desnecessários. Pelas regras do mercado, não há emprego para todos e é crível que as leis que protegem as pessoas com marcas diferenciais se efetivam à medida que estas se tornam atrativas para o mercado, e o poder da atração reside nas vantagens econômicas.

Mas é também no caso dos negros brasileiros que a situação de desigualdade torna-se mais evidente. A Síntese de indicadores sociais 2000 do IBGE, com informações elaboradas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), nos anos de 1992 e 1999, assim resume os resultados obtidos sobre a desigualdade racial:

Os avanços alcançados nos níveis de educação e rendimento não alteraram significativamente o quadro de desigualdades raciais. Embora a taxa de analfabetismo tenha caído para todos os grupos, ainda é mais elevado, em 1999, para pretos e pardos (20%) do que para brancos (8,3%). O aumento do número de anos de estudo foi generalizado – com a população como um todo registrando um ano a mais de estudo de 1992 a 1999. Apesar disso, na comparação por cor ou raça, há uma diferença de dois anos de estudo, em média, separando pretos (4,5 anos) e pardos (4,6) de brancos (6,7). Uma vez que esses patamares têm-se mantido historicamente inferiores para pretos e pardos, o crescimento de um ano de estudo, no total, revela-se mais significativo para esses grupos. No Nordeste, por exemplo, esse ganho correspondeu a um aumento de quase 50% nos anos médios de estudo de pretos e de mais de 25% no de pardos.

Entre 1992 e 1999, o aumento de um ano de estudo correspondeu a uma elevação de 1,2 salários no rendimento de brancos e de meio salário no rendimento de pretos e pardos.

Na década, houve uma queda generalizada no número de famílias vivendo com até meio salário mínimo per capita, mas, em 1999, ainda se encontram nessa situação 26,2% das famílias pretas e 30,4% das pardas, para 12,7% das brancas. Também, a posição na ocupação se mantém inalterada na década, com mais pretos e pardos (14,6% e 8,4%) no emprego doméstico que brancos (6,1%) e, ao contrário, mais brancos (5,7%) entre os empregadores, que pretos e pardos (1,1% e 2,1%). (IBGE, 2001)

As evidências empíricas de desigualdade, no mercado de trabalho e no campo educacional, parecem encaixar-se como uma luva no discurso de que, se mais qualificados, os negros poderiam pleitear melhores trabalhos e rendimentos. Discurso falacioso, como vimos, na medida em que a simplificação do trabalho sob o capitalismo dispensa a qualificação, promovendo a especialização e, com ela, a perda da compreensão do processo de produção da existência. Mesmo admitindo-se que a produtividade dos que consigam trabalho possa ser aumentada com educação, "eles estarão sempre concorrendo entre si, e o salário dos que consigam empregar-se resultará antes de um processo de negociação em condições desfavoráveis do que de sua produtividade" (Coraggio, 1996, p.107).

Nesse processo desfavorável de negociação, conhecido o sistema das relações raciais no Brasil, é difícil imaginar que o estigma racial será negligenciado. Ante a precarização, a desregulamentação, a temporalidade e a ilegalidade de atividades que garantam a sobrevivência numa sociedade produtora de mercadorias, também não podem ser menosprezadas eventuais estratégias que transformem medidas de discriminação positiva no campo educacional em sobrecarga de manifestações racistas. Ainda considerando que a terceirização diversifica o consumo e expande o setor de serviços, tendo em vista o mercado importante de negros e pardos no país – "black is business" –, poderia ser considerado um alento que o consumidor negro venha ganhando espaço e chamando a atenção de muitas empresas. Em 1997, foi promovida em São Paulo a primeira feira de grande porte direcionada a esse público – Ethic 97 (Folha de S.Paulo, 1997a). Empresários negros, em sua maioria, vêm procurando atender às necessidades dessa clientela específica, mas não exclusiva, não sem dificuldades, em razão de a margem de lucro das atividades propostas ser diversificada (Folha de S.Paulo, 1997b). Não havendo emprego para todos, as vantagens econômicas atrativas para o mercado residiriam na construção de um "mercado étnico"? Entre milhões de negros e pardos, quem teria acesso a esses produtos?

Diante desse quadro, O relatório da comissão mundial de cultura e desenvolvimento da UNESCO (1997) é apenas uma doce e singela promessa... Nas palavras de Javier Pérez de Cuéllar (1997), o organizador, "nosso propósito é mostrar a todos como a cultura forja todo pensamento, nossa imaginação e nosso comportamento [...] devemos aprender como fazê-la conduzir não ao conflito de culturas, mas à coexistência frutífera e à harmonia intercultural" (p.16). Considerando que o Banco Mundial se transformou "no organismo com maior visibilidade no panorama educativo, ocupando, em grande parte o espaço tradicionalmente conferido à UNESCO" (Torres, 1996, p.125-6), não se pode perder de vista que, para atenuar as críticas ao programa de transformação estrutural, adequado ao padrão de desenvolvimento neoliberal, o organismo internacional abriu uma linha de "financiamento de programas sociais compensatórios voltados para as camadas mais pobres da população, destinados a atenuar as tensões sociais geradas pelo ajuste" (Soares, 1996, p.27).

A compreensão de que a implementação de políticas de ação afirmativa para os negros serve aos interesses de uma lógica societária excludente, limitando-se a aliviar tensões sociais e a propor medidas compensatórias, não deve nos fazer perder de vista o espaço da contradição, garantindo a própria coerência metodológica dessa análise. Sabe-se que essas políticas vêm recebendo apoio governamental, em especial do Ministério da Educação, que, ao que tudo indica, conta com a possibilidade de financiamento dos organismos internacionais. Contudo, isso não pode nos conduzir à visão maniqueísta de tomar o capital como "demoníaco" ou a negar peremptoriamente medidas de governantes que aderiram ao ideário neoliberal. Como a exclusão faz parte da lógica interna do capitalismo, compreender o seu movimento pode permitir o redirecionamento dessas propostas na perspectiva da transformação e garantir o controle e a influência sobre as políticas públicas.

Visto que o movimento da história é produzido na luta entre concepções de mundo antagônicas e que as críticas ao programa de ajuste estrutural partem de movimentos sociais, organizações não-governamentais, como também dos próprios governos, impondo rearranjos na trajetória original planejada, vale iluminar esse debate com a contribuição de Samira Lancillotti (2000), parafraseando-a: pode ser considerado um avanço a incorporação dos negros pela escola regular, em todos os níveis.

Como expressão das contradições sociais existentes, é no âmbito da educação formal que se devem buscar condições de acesso de todos ao conhecimento. Mas pretende-se que esse movimento extrapole os limites e os muros institucionais, atingindo o processo educativo da formação humana, que ocorre em todas as dimensões da vida. Espera-se que o domínio da realidade, em suas dimensões universal e singular, possa permitir a construção de novas sociabilidades que anunciem uma nova hegemonia. Impõe-se, assim, aos militantes de organizações negras, aos estudiosos e a todos aqueles comprometidos e envolvidos nesse debate sobre a implementação de políticas afirmativas, redimensionar tática e estrategicamente uma luta que não se pode "perder" ou que justifique o diletantismo. A história já nos deu lições de sobra para que possamos projetar um futuro diferente, mesmo sem certezas.

Recebido em setembro de 2001

Aprovado em novembro de 2001

ANA LÚCIA VALENTE é doutora em antropologia social pela USP e fez pós-doutorado em antropologia na Université Catholique de Louvain, na Bélgica. Atualmente é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, no Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Entre outras obras, publicou: Ser negro no Brasil hoje (Moderna, 1994, 16ª ed.); O negro e a Igreja católica: o espaço concedido, um espaço reivindicado (CECITEC/UFMS, 1994); Educação e diversidade cultural: um desafio da atualidade (Moderna, 1999).

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  • *
    Trabalho apresentado no Seminário Nacional "Democracia e Educação no Pensamento Educacional Brasileiro", promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense e realizado em Niterói (RJ), de 14 a 17 de maio de 2001.
  • 1
    Universais porque são valores do capitalismo marcados por concepções de mundo antagônicas.
  • 2
    Nesse contexto, ganha relevo a discussão sobre a democracia, seus limites e possibilidades num Estado cuja conformação é também histórica.
  • 3
    A primeira foi promulgada em 1968, pelo Decreto n. 62.150, de 23 de janeiro, e a outra pelo Decreto n. 65.810, de 8 de dezembro de 1969 (Silva Jr., 1998, p.10-4 e p.22-35).
  • 4
    Promulgada pelo Decreto n. 63.223, de 6 de setembro de 1968 (Silva Jr., 1998, p. 15-21).
  • 5
    Kabengele Munanga (1999) faz referência ao mesmo artigo, confirmando seu caráter polêmico.
  • 6
    Universais porque, onde se realizam, as contradições do capitalismo são mais evidentes.
  • 7
    Na definição da "teoria das ondas longas", o autor segue o preceito enunciado no prefácio à 1ª edição de
    O capital, quando Marx justifica o estudo do modo de produção capitalista na Inglaterra por ser o seu campo clássico, na medida em que, sendo consideradas as tendências que operam e se impõem na produção capitalista, "o país mais desenvolvido não faz mais do que representar a imagem futura do menos desenvolvido" (Marx, 1980, p. 5).
  • 8
    Lembre-se que, em 1929, antes da guerra, a grande "quebra" da bolsa de Nova York deflagrou o processo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2002

    Histórico

    • Recebido
      Set 2001
    • Aceito
      Nov 2001
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