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Como Realidades são Enactadas por Meio de Dados? Análise das Práticas e Saberes dos Profissionais que Trabalham com Dados à Luz da Teoria Ator-Rede

Resumo

Objetivo

No contexto de crescente interesse no uso de dados para criar modelos matemáticos que possam predizer comportamentos futuros e auxiliar nas tomadas de decisões de negócios, o presente artigo teórico-empírico tem por objetivo compreender de que forma realidades são enactadas por meio de dados, a partir da identificação e descrição das práticas e saberes de dois coletivos profissionais que trabalham com dados.

Referencial teórico

Teoria Ator-Rede e Teoria da Prática.

Metodologia

A pesquisa foi desenvolvida sob orientação metodológica da Teoria Ator-Rede, de novembro de 2017 a setembro de 2018, contemplando entrevistas e observações do cotidiano de trabalho.

Resultados

Resultados sugerem que as realidades retratadas nos modelos preditivos são constituídas a partir de arranjos de elementos humanos e não humanos, situacionais e emergentes, contemplando dados, potencialidades e constrangimentos tecnológicos e escolhas políticas que permeiam essas configurações.

Implicações práticas e sociais da pesquisa

A pesquisa demonstra que conhecimentos e modelos preditivos gerados a partir de dados não podem ser compreendidos sem levar em consideração seus contextos de origem, o que permite problematizar sua suposta neutralidade e objetividade. Considerando essas composições, esses modelos podem levar à otimização de processos, mas também a efeitos inesperados, como erros na projeção de cenários.

Contribuições

A pesquisa contribui ao tornar visíveis as configurações de elementos humanos e não humanos, situacionais e emergentes, por meio das quais são enactadas organizações e realidades, a partir de práticas de dados.

Palavras-chave
– Profissionais que trabalham com dados; modelos preditivos; realidades enactadas; Teoria Ator-Rede; Teoria da Prática

Abstract

Purpose

In the context of growing interest in the use of data to create mathematical models that can predict future behavior and assist in business decision making, this theoretical-empirical article aims to understand how realities are enacted by data, identifying and describing the practices and knowing of two professional groups working with data.

Theoretical framework

Actor-Network Theory and Practice Theory.

Design/methodology/approach

This study was carried out within the methodological framework of Actor-Network Theory, from November 2017 to September 2018, including interviews and observations of daily work.

Findings

The findings suggest that realities portrayed in predictive models are constituted of arrangements of human and non-human elements, situational and emerging, contemplating data, technological potential and constraints, and political choices that permeate these configurations.

Practical & social implications of research

The research demonstrates that knowledge and predictive models generated by data cannot be understood without taking into account their contexts of origin, which makes it possible to question their supposed neutrality and objectivity. Given these compositions, models may lead to process optimization, but also to unexpected effects, such as errors in scenario forecasting.

Originality/value

The research contributes by making visible the configurations of human and non-human elements, situational and emerging, through which organizations and realities are enacted, based on data practices.

Keywords:
Professionals working with data; predictive models; enacted realities; actor-network theory; practice theory

1 Introdução

Os dados gerados a partir do uso de tecnologias digitais como computadores, smartphones e redes sociais são considerados o novo petróleo, por gerarem lucros significativos para as empresas que os extraem, armazenam e analisam (Zuboff, 2021Zuboff, S. (2021). A era do capitalismo de vigilância: A luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Intrínseca.). Tomar decisões a partir de dados como big data, em vez da intuição, é considerada uma capacidade que distingue as empresas mais bem-sucedidas. Essa constatação está pautada em crenças da neutralidade, objetividade e verdade dos dados (Boyd & Crawford, 2014Boyd, D., & Crawford, K. (2014). Critical questions for big data: Provocations for a cultural, technological, and scholarly phenomenon. Information Communication and Society, 15(5), 662-679. http://dx.doi.org/10.1080/1369118X.2012.678878.
http://dx.doi.org/10.1080/1369118X.2012....
; Esposti, 2014Esposti, S. D. (2014). When big data meets dataveillance. Surveillance & Society, 12(2), 209-225. http://dx.doi.org/10.24908/ss.v12i2.5113.
http://dx.doi.org/10.24908/ss.v12i2.5113...
; Iliadis & Russo, 2016Iliadis, A., & Russo, F. (2016). Critical data studies: An introduction. Big Data & Society, 3(2), 1-7. http://dx.doi.org/10.1177/2053951716674238.
http://dx.doi.org/10.1177/20539517166742...
).

A organização, a hierarquização e o relacionamento entre dados são estabelecidos por meio de arquiteturas presentes em sistemas computacionais, denominadas bases de dados. Elas se tornaram fonte de poder e conhecimento, pois a partir delas são elaborados modelos preditivos para representar populações (Ansorge, 2011Ansorge, J. T. (2011). Digital power in world politics: Databases, panopticons and erwin cuntz. Millennium, 40(1), 65-83. http://dx.doi.org/10.1177/0305829811409178.
http://dx.doi.org/10.1177/03058298114091...
), prever e agir sobre o comportamento humano (Zuboff, 2021Zuboff, S. (2021). A era do capitalismo de vigilância: A luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Intrínseca.). Esses modelos são elaborados a partir de algoritmos, fórmulas matemáticas que executam tarefas computacionais, como o cruzamento entre dados. Em função disso, o conhecimento que emerge dessas bases é denominado algorítmico (Fuchs & Chandler, 2019Fuchs, C., & Chandler, D. (2019). Big data capitalism: Politics, activism, and theory. In D. Chandler & C. Fuchs (Eds.), Digital objects, digital subjects: Interdisciplinary perspectives on capitalism, labour and politics in the age of big data (pp. 1-20). University of Westminster Press. http://dx.doi.org/10.16997/book29.a.
http://dx.doi.org/10.16997/book29.a...
).

As interrelações entre dados, algoritmos e organizações são epistemológicas, pois produzem conhecimentos para tomadas de decisão, bem como subsidiam a oferta e o aprimoramento de produtos e serviços; mas também ontológicas, pois produzem modelos considerados representativos e capazes de materializar determinadas realidades (Glaser et al., 2021Glaser, V. L., Pollock, N., & D’Adderio, L. (2021). The biography of an algorithm: Performing algorithmic technologies in organizations. Organization Theory, 2(2), 1-27. https://doi.org/10.1177/26317877211004609.
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; O’Neil, 2016O’Neil, C. (2016). Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy. Crown Publishers.). Os modelos preditivos gerados nessa associação, são utilizados para determinar se um empréstimo para a compra da casa própria será concedido ou não a uma pessoa e que taxa ela irá pagar por ele; definir se uma pessoa avançará ou não nas etapas de um processo seletivo; e se será ou não demitida (O’Neil, 2016O’Neil, C. (2016). Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy. Crown Publishers.).

Considerando esse contexto de crescente uso de dados para criar modelos matemáticos capazes de predizer comportamentos futuros e auxiliar nas tomadas de decisões de negócios, o presente artigo teórico-empírico tem por objetivo compreender de que forma realidades são enactadas por meio de dados. Para tanto, empregamos a Teoria Ator-Rede (TAR), como abordagem teórico-metodológica, para identificar e descrever as práticas e os saberes de dois coletivos de profissionais que trabalham com dados.

No âmbito dos estudos organizacionais, pesquisas tendem a enfatizar o papel do direcionamento por dados e das tecnologias digitais na otimização de processos, sem levar em consideração os arranjos situacionais que podem resultar em efeitos inesperados (Glaser et al., 2021Glaser, V. L., Pollock, N., & D’Adderio, L. (2021). The biography of an algorithm: Performing algorithmic technologies in organizations. Organization Theory, 2(2), 1-27. https://doi.org/10.1177/26317877211004609.
https://doi.org/10.1177/2631787721100460...
; Trittin-Ulbrich et al., 2020Trittin-Ulbrich, H., Scherer, A. G., Munro, I., & Whelan, G. (2020). Exploring the dark and unexpected sides of digitalization: Toward a critical agenda. Organization, 28(1), 1-18. http://dx.doi.org/10.1177/1350508420968184.
http://dx.doi.org/10.1177/13505084209681...
). Tecnologias digitais como os algoritmos não são imutáveis, independentes e neutras, como habitualmente compreendidas em pesquisas, pois emergem e provocam efeitos em configurações específicas (Glaser et al., 2021Glaser, V. L., Pollock, N., & D’Adderio, L. (2021). The biography of an algorithm: Performing algorithmic technologies in organizations. Organization Theory, 2(2), 1-27. https://doi.org/10.1177/26317877211004609.
https://doi.org/10.1177/2631787721100460...
).

Segundo Cooren (2020)Cooren, F. (2020). Beyond entanglement: (Socio-)materiality and organization studies. Organization Theory, 1(3), 1-24. http://dx.doi.org/10.1177/2631787720954444.
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, não existem entidades independentes com características inerentes e os estudos organizacionais falham ao seguir tratando o mundo material como algo tangível e distinto do mundo dos afetos. Afinal, todo fenômeno organizacional é material e relacional. Os pressupostos e objetivos que pautam a seleção, a análise e a compreensão de dados, bem como as narrativas que se constituem a partir deles, não são neutras e objetivas como defendem estudos positivistas, pois decorrem de escolhas políticas refletidas nas rotinas e formas de organizing (Dourish & Cruz, 2018Dourish, P., & Cruz, E. G. (2018). Datafication and data fiction: Narrating data and narrating with data. Big Data & Society, 5(2), 1-10. http://dx.doi.org/10.1177/2053951718784083.
http://dx.doi.org/10.1177/20539517187840...
; Labatut et al., 2012Labatut, J., Aggeri, F., & Girard, N. (2012). Discipline and change: How technologies and organizational routines interact in new practice creation. Organization Studies, 33(1), 39-69. http://dx.doi.org/10.1177/0170840611430589.
http://dx.doi.org/10.1177/01708406114305...
; Ratner & Gad, 2019Ratner, H., & Gad, C. (2019). Data warehousing organization: Infrastructural experimentation with educational governance. Organization, 26(4), 537-552. http://dx.doi.org/10.1177/1350508418808233.
http://dx.doi.org/10.1177/13505084188082...
; Vesa & Tienari, 2020Vesa, M., & Tienari, J. (2020). Artificial intelligence and rationalized unaccountability: Ideology of the elites? Organization, 1-13. http://dx.doi.org/10.1177/1350508420963872.
http://dx.doi.org/10.1177/13505084209638...
).

Considerando essa contextualização, destacamos como contribuição da pesquisa, para a área de estudos organizacionais, tornar visíveis as configurações de elementos humanos e não humanos, situacionais e emergentes, por meio das quais são enactadas organizações e realidades, a partir de práticas de dados. Pretendemos, por meio desta exposição, problematizar entendimentos naturalizados na área de Administração quanto à objetividade, à neutralidade e à verdade dos modelos de mundo criados a partir dos dados, ao demonstrar que o conhecimento gerado emerge em configurações específicas. Considerando essas composições, esses modelos podem levar à otimização de processos, mas também a efeitos inesperados, ao ocorrer erros na projeção de cenários.

Inicialmente, apresentamos a Teoria Ator-Rede e suas contribuições para a compreensão das configurações de elementos humanos e não humanos que enactam organizações e realidades. No percurso metodológico descrevemos como operacionalizamos a TAR como método no decorrer da pesquisa, para identificar as práticas e os saberes dos profissionais de dados. Após, descrevemos e analisamos à luz da TAR, as interrelações entre práticas, saberes e o enactment de realidades. Por fim, apresentamos as considerações finais da pesquisa.

2 Teoria Ator-Rede

A Teoria Ator-Rede, conhecida em seus primórdios como Sociologia da Translação, compõe o modelo guarda-chuva da abordagem denominada Teoria da Prática ou Estudos Baseados em Prática − EBP (Gherardi, 2012Gherardi, S. (2012). How to conduct a practice-based study: Problems and methods. Edward Elgar Publishing Limited. http://dx.doi.org/10.4337/9780857933386.
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). Apesar da diversidade, alguns entendimentos sobre o caráter das práticas são comuns à abordagem dos EBP: (1) holístico e qualitativo – práticas são formadas por um conjunto de atividades que adquirem sentido e as tornam uma unidade, uma maneira de fazer realizada por todos na organização; (2) temporário – persistem no tempo, ao serem repetidas diversas vezes, tornando-se uma maneira usual de conduzir as atividades. No entanto, essa reprodução não é mecânica, variando a depender dos elementos e das condições que afetam sua reedição; (3) de legitimidade – são reconhecidas socialmente através de seus aspectos normativos e negociados, envolvendo aspectos éticos, estéticos e tecnológicos; e (4) são modos de ordenar o mundo e os ambientes organizacionais de forma temporária e precária, ativando uma rede de elementos humanos e não humanos.

A TAR é uma teoria e um método de origem francesa, originária dos estudos de ciência e tecnologia no contexto social (Mol, 2010Mol, A. (2010). Actor-network theory: Sensitive terms and enduring tensions. Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsychologie, 50(1), 253-269. Recuperado de https://www.researchgate.net/publication/254915340_ActorNetwork_Theory_Sensitive_Terms_and_Enduring_Tensions
https://www.researchgate.net/publication...
). Sua primeira onda estava centrada em conceitos como ator, rede e translação e na prática tecnocientífica. A segunda onda direcionou-se para a noção de processo por meio do conceito de enactment (Camillis et al., 2020Camillis, P. K., Bignetti, B., & Petrini, M. (2020). Percursos da teoria ator-rede nas pesquisas brasileiras em administração. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, 14(4), 93-114. http://dx.doi.org/10.12712/rpca.v14i4.44341.
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) e ampliou o campo de estudos para além da tecnociência. Mais do que uma teoria ou um método, a TAR é compreendida como uma prática: uma forma de fazer e se engajar no mundo (Farias et al., 2020Farias, I., Blok, A., & Roberts, C. (2020). Actor network as a companion: An inquiry into intellectual practices. In I. Farias, A. Blok & C. Roberts (Eds.), The Routledge companion to actor network theory (pp. 20-35). Routledge.).

A realidade para a TAR não é exterior, singular ou definitiva, mas fruto de associações, sempre emergentes, entre elementos humanos e não humanos, como linguagem (semiótica), organizações, objetos e animais, o que marca sua ontologia relacionista (Law, 1999Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(1), 1-14. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03479.x.
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). O conhecimento, da mesma forma, é percebido como resultado do “alinhamento bem-sucedido de elementos humanos e não humanos (‘engenharia heterogênea’) e a capacidade humana de produzir efeitos sobre o mundo” (Nicolini et al., 2003Nicolini, D., Gheradi, S., & Yanow, D. (2003). Introduction: Toward a practice-based view of knowing and learning in organizations. In D. Nicolini, S. Gheradi & D. Yanow (Eds.), Knowing in Organizations: A Practice-Based Approach (Cap. 1, pp. 3-31). M.E. Sharpe., p. 19).

Ao trazer à luz a ação dos elementos não humanos, a TAR busca resgatar a complexidade e a heterogeneidade que constituem a realidade, relegadas até certo momento nos estudos sociológicos, retratando as tensões existentes entre agência e estrutura, ator e rede (Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Edusc.; Law, 1999Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(1), 1-14. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03479.x.
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). Respeitadas as diferenças ontológicas entre humanos e não humanos, ambos são considerados de forma simétrica como capazes de agência, ou seja, de gerar efeitos em uma rede de relações (Camillis et al., 2016Camillis, P. K., Bussular, C. Z., & Antonello, C. S. (2016). A agência a partir da teoria ator-rede: Reflexões e contribuições para as pesquisas em administração. Organizações & Sociedade, 23(76), 73-91. http://dx.doi.org/10.1590/1984-9230764.
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).

Para um não humano receber essa nomenclatura, esse elemento não pode ser passivo, mas capaz de fazer a diferença na rede (Camillis et al., 2016Camillis, P. K., Bussular, C. Z., & Antonello, C. S. (2016). A agência a partir da teoria ator-rede: Reflexões e contribuições para as pesquisas em administração. Organizações & Sociedade, 23(76), 73-91. http://dx.doi.org/10.1590/1984-9230764.
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). Os elementos não humanos podem atuar como meros intermediários, quando apenas transportam sem transformação, ou então como mediadores, quando apresentam papel ativo, modificando e distorcendo conteúdos, produzindo e reproduzindo o social em suas múltiplas formas (Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Edusc.).

A perspectiva teórica adotada nesta pesquisa se enquadra na segunda onda da TAR, pós-TAR ou ANT and After, como é denominada por Law (1999)Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(1), 1-14. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03479.x.
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. É uma reformulação decorrente de críticas direcionadas ao conceito de translação, por naturalizar, simplificar e estabilizar as formas de ordenação do mundo, sugerindo que ela ocorre de modo determinado, prescritivo e não problemático (Alcadipani & Tureta, 2009Alcadipani, R., & Tureta, C. (2009). Teoria ator-rede e análise organizacional: Contribuições e possibilidades de pesquisa no Brasil. Organizações & Sociedade, 16(51), 647-664. http://dx.doi.org/10.1590/S1984-92302009000400003.
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). Passa-se a usar o termo enactment, indicando que a realidade está em constante transformação e continuidade, sendo a estabilidade uma exceção.

2.1 TAR, knowing e enactment de realidades

O termo enactment reforça que a ordenação é um processo constante decorrente de práticas e relações (Law, 1999Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(1), 1-14. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03479.x.
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). Para a TAR, todas as coisas são entendidas como enactments, ou seja, efeitos continuamente produzidos em redes de relações (Fenwick & Edwards, 2010Fenwick, T., & Edwards, A. (2010). A way to intervene, not a theory of what to think. In T. Fenwick & A. Edwards. Actor-network theory in education (Chap. 1, pp. 1-23). Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9780203849088.
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). Em outras palavras, a TAR não nega a estabilidade, mas demonstra que ela não é fixa e convive com o caos da realidade.

Mol (1999Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. The Sociological Review, 47(1), 74-89. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03483.x.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-954X.19...
, 2002Mol, A. (2002). The body multiple: Ontology in medical practice. Duke University Press. http://dx.doi.org/10.1215/9780822384151.
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) esclarece que, sendo a realidade enactada, ela é múltipla, pois não é possível caracterizá-la como única ou definitiva. Sua constituição ocorre a partir da variedade de práticas, localizadas histórica, cultural e materialmente. Outra expressão proposta pela autora, a qual reforça o questionamento das naturalizações, é ontologia política, utilizada para demonstrar que a condição de possibilidades nunca é dada, pois está em processo permanente de produção. Sendo assim, fatos e possibilidades são produzidos e negociados, emergindo em determinados contextos. Ou seja, a realidade não precede, mas é moldada pelas práticas, podendo sempre ser de outra forma.

Ao se estudar o knowing por meio da TAR, este é entendido como um enactment, um efeito do alinhamento de elementos heterogêneos em rede e não simplesmente um processo individual e cognitivo ou uma realização social (Fenwick & Edwards, 2010Fenwick, T., & Edwards, A. (2010). A way to intervene, not a theory of what to think. In T. Fenwick & A. Edwards. Actor-network theory in education (Chap. 1, pp. 1-23). Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9780203849088.
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). Assim como as organizações, o knowing é relacional, dinâmico e provisório, enactado no cotidiano e na realização das práticas, a partir de redes de relacionamentos heterogêneos e das experiências dos sujeitos (Bussular & Antonello, 2018Bussular, C. Z., & Antonello, C. S. (2018). Organizing and knowing: Finding approaches in a processual manner. Teoria e Prática em Administração, 8(2), 103-125. http://dx.doi.org/10.21714/2238-104X2018v8i2S-39962.
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).

Essa visão se aproxima do conceito de knowing-in-practice, segundo o qual a aprendizagem ocorre de forma processual, no decorrer da realização do trabalho cotidiano, sendo indissociável das práticas. Nesse sentido, o conhecimento é ao mesmo tempo explícito e tácito, construído coletivamente, modificado e reproduzido continuamente em nosso engajamento com o mundo. Ele não pode ser transferido diretamente, pois não é um produto contido na mente do indivíduo, tampouco no nível gerencial das organizações (Antonello & Godoy, 2011Antonello, C. S., & Godoy, A. S. (2011). Aprendizagem organizacional e as raízes de sua polissemia. In C. S. Antonello & A. S. Godoy (Eds.), Aprendizagem Organizacional no Brasil (Cap. 1, pp. 31-50). Bookman.; Gherardi, 2006Gherardi, S. (2006). From organizational knowledge to knowing in practice. In S. Gherardi. Organizational Knowledge: The texture of workplace learning. (Chap. 1, pp. 1-44). Blackwell Publishing.).

Com base nessa exposição, a Tabela 1 sintetiza os principais conceitos utilizados na pesquisa.

Tabela 1
Principais conceitos utilizados na pesquisa

Segundo Cooren (2020)Cooren, F. (2020). Beyond entanglement: (Socio-)materiality and organization studies. Organization Theory, 1(3), 1-24. http://dx.doi.org/10.1177/2631787720954444.
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, a vantagem de assumir uma ontologia relacional está em reconhecer que todo fenômeno organizacional é ao mesmo tempo social e material. Para o autor, os estudos organizacionais falham ao tratar socialidade e materialidade como elementos distintos que em algum momento se influenciam, pois, na verdade, são propriedades presentes em tudo o que existe. Isso significa dizer que os modelos preditivos de realidades não podem ser compreendidos sem referência às práticas de dados, às escolhas humanas e aos contextos nos quais são desenvolvidos.

Nessa mesma linha, Glaser et al. (2021)Glaser, V. L., Pollock, N., & D’Adderio, L. (2021). The biography of an algorithm: Performing algorithmic technologies in organizations. Organization Theory, 2(2), 1-27. https://doi.org/10.1177/26317877211004609.
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reconhecem que, ao analisar tecnologias digitais, como os algoritmos, fora de seus contextos dinâmicos de relação, desenvolvimento e aplicação, perdermos de vista as nuanças e complexidades de sua atuação e efeitos. Assim como os algoritmos, dados só adquirem sentido e constituem conhecimento contextualmente, quando imersos em narrativas situadas social, histórica e culturalmente (Dourish & Cruz, 2018Dourish, P., & Cruz, E. G. (2018). Datafication and data fiction: Narrating data and narrating with data. Big Data & Society, 5(2), 1-10. http://dx.doi.org/10.1177/2053951718784083.
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).

No âmbito das organizações, a TAR tem sido utilizada como referência em estudos voltados para a implementação de sistemas informacionais, especialmente do ponto de vista da translação, por permitir demonstrar o papel de diferentes atores, humanos e não humanos, e suas negociações, no sucesso ou fracasso dessas iniciativas. Exemplos são o estudo desenvolvido por Holmström & Robey (2020)Holmström, J., & Robey, D. (2020). Materiality and organizing: Actor-network theory Revisited. In B. Czarniawska and T. Hernes (Eds.), Actor-Network Theory and Organizing (Chap. 2, pp. 177-201). Studentlitteratur AB. acerca das consequências e mudanças organizacionais decorrentes da implementação de uma tecnologia informacional para administração financeira; a pesquisa conduzida por Papadopoulos & Kanellis (2011)Papadopoulos, T., & Kanellis, P. (2011). Understanding the role of stakeholders during business intelligence implementations: An actor-network theory perspective. Internacional Journal Information and Decision Sciences, 3(1), 85-105. Recuperado de https://www.inderscienceonline.com/doi/abs/10.1504/IJIDS.2011.038843
https://www.inderscienceonline.com/doi/a...
sobre a agência de elementos humanos e não humanos durante a implementação de um sistema de inteligência de negócios em um banco; e o estudo de Rivera & Cox (2014)Rivera, G., & Cox, A. M. (2014). An evaluation of the practice based approach to understanding the adoption and use of information systems. Journal of Documentation, 70(5), 878-901. http://dx.doi.org/10.1108/JD-06-2013-0080.
http://dx.doi.org/10.1108/JD-06-2013-008...
acerca das negociações políticas envolvidas na implementação de uma tecnologia colaborativa voltada às práticas de recursos humanos.

Outros exemplos de estudos nos quais foi empregada a TAR para estudar contextos tecnológicos contemporâneos foi o desenvolvido por French (2014)French, M. (2014). Gaps in the gaze: Informatic practice and the work of public health surveillance. Surveillance & Society, 12(2), 226-243. http://dx.doi.org/10.24908/ss.v12i2.4750.
http://dx.doi.org/10.24908/ss.v12i2.4750...
para mapear desafios e mudanças nas práticas informacionais decorrentes do processo de implementação de um sistema de saúde pública baseado em big data, no Canadá; também o conduzido por Wickramasinghe et al. (2010)Wickramasinghe, N., Tatnall, A., & Bali, R. K. (2010). Using actor-network theory to facilitate a superior understanding of knowledge creation and knowledge transfer. International Journal of Actor-Network Theory and Technological Innovation, 2(4), 30-42. http://dx.doi.org/10.4018/jantti.2010100104.
http://dx.doi.org/10.4018/jantti.2010100...
para analisar, por meio da TAR, processos de criação e transferência de conhecimento em organizações, demonstrando a complexidade que envolve a gestão do conhecimento nesses contextos.

Para além das questões de sucesso e insucesso nas implementações tecnológicas e transferência de conhecimento, a TAR permite explorar como são constituídos os conhecimentos, as narrativas e as verdades em torno dos dados nas organizações, trazendo à tona elementos contextuais, heterogêneos e situacionais, que participam do processo de fazer sentido dos dados (Dourish & Cruz, 2018Dourish, P., & Cruz, E. G. (2018). Datafication and data fiction: Narrating data and narrating with data. Big Data & Society, 5(2), 1-10. http://dx.doi.org/10.1177/2053951718784083.
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). E também decisões políticas permeadas por relações intra e interorganizações presentes na formação das bases e relatórios a partir de dados, incluindo as escolhas sobre quais dados serão analisados e quais serão excluídos (Ratner & Gad, 2019Ratner, H., & Gad, C. (2019). Data warehousing organization: Infrastructural experimentation with educational governance. Organization, 26(4), 537-552. http://dx.doi.org/10.1177/1350508418808233.
http://dx.doi.org/10.1177/13505084188082...
).

Embora a TAR não estabeleça a separação entre teoria e método, para fins de organização do artigo a próxima seção avança nos aspectos metodológicos da TAR e particulares da pesquisa.

3 Percurso metodológico da pesquisa

A pesquisa foi realizada no período de novembro de 2017 a setembro de 2018, contemplando entrevistas e observações não participantes das rotinas de trabalho e reuniões, em duas empresas distintas, de forma complementar e não comparativa. Por questões de sigilo, os nomes dos participantes foram modificados e chamaremos uma das empresas de Upsilon e a outra de Omicron.

Buscamos, por meio da pesquisa, identificar quais elementos e como suas relações contribuíram (Schafer, 2017Schafer, H. (2017). Relationality and heterogeneity: Transitive methodology in practice theory and actor-network theory. In M. Jonas, B. Litig & A. Wroblwski (Eds.), Methodological Reflections on Practice Oriented Theories (Chap. 2, pp. 35-46). Springer International Publishing. http://dx.doi.org/10.1007/978-3-319-52897-7_3.
http://dx.doi.org/10.1007/978-3-319-5289...
) para o enactment de realidades. Na pesquisa, isso significou registrar as relações estabelecidas entre os praticantes, conversas, mas também silêncios e comentários ignorados; e a influência de elementos não humanos, como os computadores, o servidor e os softwares na rotina de trabalho, quando estes falhavam, ou mesmo no envolvimento constante que possibilitava a realização de atividades.

Seguir os atores, pressuposto metodológico central da TAR, implica acompanhar, descrever e analisar as relações considerando humanos e não humanos, a partir do princípio de simetria (Lee & Hassard, 1999Lee, N., & Hassard, J. (1999). Organization unbound: Actor-network theory, research strategy and institutional flexibility. Organization, 6(3), 391-404. http://dx.doi.org/10.1177/135050849963002.
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). A abordagem da teoria ator-rede salienta que não se pode discriminar, a princípio, quem são os atores que agem e constituem uma ação social (Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Edusc.). Escolhe-se um ator focal e segue-se seus vínculos, onde quer que se deem. Em ambas as empresas, os atores focais inicialmente foram os gestores, por indicação das próprias empresas. A cada observação, um novo ator-focal se destacava. Por exemplo, um profissional que estava em um projeto importante ou uma nova ferramenta de trabalho, sempre analisado a partir dos rearranjos provocados nas práticas de trabalho.

Para identificar e registrar as relações estabelecidas entre elementos humanos e não humanos, os movimentos e as estabilizações das práticas de trabalho, permanecíamos nas empresas um dia da semana por um turno, geralmente à tarde, sentando-nos em uma mesa com um tablet, que servia como diário de campo. O fato de a maior parte dos ambientes empresariais ser aberta, sem paredes divisórias, facilitava o acompanhamento dos trabalhos. Na medida do possível, as anotações do que era observado eram feitas in loco. Outras só puderam ser registradas após a saída do campo, por exemplo, quando a observação passava a ser participante, situações raras, tendo em vista que, por solicitação das empresas, a estratégia de pesquisa adotada foi a observação não participante, para não interferir no andamento dos trabalhos.

Realizamos as observações a partir de um roteiro (Apêndice A Apêndice A – Roteiro de observações 1. As principais práticas dos grupos; como se estabelecem e se tornam rotinas no cotidiano de trabalho. 2. Como se relacionam os elementos humanos e não humanos criando oportunidades de aprendizagem, reflexividade, troca de informações e tomadas de decisão. 3. Como e de que forma se dá a agência dos humanos e não humanos nas práticas. ) desenvolvido na fase exploratória da pesquisa, considerando os objetivos, a literatura acadêmica sobre o tema e as particularidades das empresas. Para as entrevistas semiestruturadas, também elaboramos um roteiro (Apêndice B Apêndice B – Roteiro de entrevista 1. O que você faz aqui? Como você descreveria ser papel? Como é seu trabalho? 2. Você segue alguma metodologia para realizar seu trabalho? Como ela funciona? Exemplifique. Ela é seguida à risca? 3. Existe uma forma única e/ou correta de fazer seu trabalho? Por quê? 4. Como ocorre a divisão de atividades? E a definição de quem vai trabalhar em cada projeto? 5. Como seu trabalho se relaciona com o das outras equipes? Ou dos outros colaboradores (inclusive os que estão em outros espaços físicos da empresa)? E com as empresas/trabalhadores terceirizados? 6. Como ocorre interação com colegas que trabalham em modo remoto? 7. Você participa de reuniões? Com que frequência e de que tipos? Qual o papel delas para seu trabalho? 8. Quais são os principais conceitos/termos que você utiliza em seu dia a dia? 9. Como você se relaciona com os clientes em seu trabalho? Relate uma situação que demonstre essa relação. 10. Percebi nas observações que em diversos momentos a sala fica bastante silenciosa. Qual é o papel do silêncio para seu trabalho? 11. De que forma a Lei de Proteção de Dados Pessoais, questões éticas e a discussão acerca dos dados abertos se relacionam com seu trabalho? 12. Como você aprendeu a fazer seu trabalho? Exemplifique. 13. Quais são os conhecimentos e as habilidades que alguém precisa ter para fazer o seu trabalho? Exemplifique com situações em que tenham sido exigidos. 14. Como você faz para seguir aprendendo? Exemplifique. 15. Você já precisou ensinar alguém a fazer o trabalho? Como fez isso? Se nunca fez, como faria, se fosse necessário? 16. Como você decide sobre qual dado capturar, usar, analisar, incluir no relatório? 17. Como você cria um algoritmo? (Se realiza esta atividade) 18. Como você garante a qualidade/acuracidade do dado ou do modelo criado? 19. Quais são as estratégias que você utiliza para realizar seu trabalho? Com que frequência? Por quê? Exemplifique. 20. Quais são os materiais necessários para fazer seu trabalho? Exemplifique ou relate uma situação de uso. Quais são essenciais? 21. Quais ferramentas você usa e com que frequência? Por quê? Você cria ou já criou alguma ferramenta de trabalho? De que forma isso aconteceu? 22. Qual o papel dos fones e dos dois monitores em seu trabalho? Comente. 23. Qual o papel dos bugs para seu trabalho? Comente. 24. Qual o papel do quadro branco para seu trabalho? Você participa da atualização dele? Ele é atualizado com qual frequência? ), ajustado diversas vezes até a realização da entrevista piloto na empresa Upsilon. As entrevistas possibilitaram aprofundar a compreensão e obter confirmação sobre o que foi observado, inclusive o que as pesquisadoras não tiveram acesso, por estar concentrado na tela dos computadores dos pesquisados. A condução das entrevistas foi precedida pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos participantes. As entrevistas duraram em média de 30 a 40 minutos e foram posteriormente transcritas e enviadas para validação pelos participantes da pesquisa. Resultaram em 138 laudas.

A unidade de análise foi a prática (Gherardi, 2006Gherardi, S. (2006). From organizational knowledge to knowing in practice. In S. Gherardi. Organizational Knowledge: The texture of workplace learning. (Chap. 1, pp. 1-44). Blackwell Publishing.). No tratamento dos dados coletados, com intuito de identificar as práticas e os saberes associados, realizamos diversas leituras sistematicamente dos diários de campo e das transcrições das entrevistas. Esse procedimento nos permitiu identificar os elementos que emergiram reiteradamente nos fazeres observados e nas falas dos praticantes. À medida que configurações heterogêneas de ordenamento do trabalho se repetiram, elas foram consideradas práticas, que se confirmaram no decorrer das entrevistas, quando os praticantes as reconheceram como maneiras habituais de fazer o trabalho, que, mesmo se modificando, mantinham características comuns.

Mais especificamente, a análise de dados compreendeu quatro etapas: (1) listamos os elementos humanos e materiais que compõem as redes das empresas pesquisadas, citados pelos praticantes durante as entrevistas, presentes no ambiente físico das empresas e que foram manuseados ou mencionados durante as observações; (2) com base no conceito de simetria, mapeamos momentos em que elementos humanos e não humanos se alinharam no curso da ação, provocando mudanças no modo usual de realizar as atividades. Por exemplo, quando uma atualização do sistema impediu que os profissionais da Omicron acessassem seus computadores; (3) descrevemos o modo usual de realizar as atividades, as práticas, tanto as citadas pelos pesquisados quanto as que pudemos notar pela repetição ao longo das observações; (4) mapeamos as decisões tomadas pelos praticantes no decorrer de suas atividades e de que forma elas se refletiram no resultado final de seus trabalhos, como onde coletar dados e que informações incluir em um relatório ao cliente.

Tal análise ocorreu durante todo o processo de pesquisa, quando então procuramos identificar os atores em suas relações, culminando com a organização e estabelecimento de temáticas, como as práticas de coleta e análise de dados. Buscamos nos registros e também na escrita do artigo respeitar ao máximo o que foi e como foi abordado pelos participantes, sem interpretações. Essa postura está de acordo com princípios da etnometodologia, segundo os quais os atores constituem teoria e vocabulário próprios que permitem explicar o que fazem, como fazem e por que fazem (Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Edusc.). Antes de apresentar essas temáticas que emergiram do campo, caracterizaremos as empresas e os participantes.

3.1 Apresentando as empresas pesquisadas e os participantes

A Upsilon foi fundada em 1998 e atualmente possui escritórios em Porto Alegre e em São Paulo. Seu principal foco de atuação é a área de inteligência competitiva. A Omicron foi fundada em 2016, possui escritório em um parque tecnológico do Rio Grande do Sul e seu principal foco de atuação é a área de ciência de dados. Ambas trabalham por projetos e também oferecem produtos para seus clientes, classificados pelos participantes como parte startup das empresas.

Participaram das entrevistas na Upsilon sete colaboradores, selecionados pelo CEO da empresa, cada um representando uma área diferente de atuação dentro da organização. Na Omicron, seis dos oito colaboradores diretamente convidados para a pesquisa participaram. A Tabela 2 sintetiza os perfis dos entrevistados.

Tabela 2
Perfis dos entrevistados

4 Práticas e saberes dos coletivos que trabalham com dados: da modelagem estatística para o enactment de realidades

Esta seção foi produzida a partir das similaridades entre as empresas pesquisadas. A principal delas está na configuração do trabalho, que envolve dados, computadores e humanos. Ao final, há uma imagem sintetizando as práticas e os saberes identificados.

4.1 Coletando dados e constituindo bases a partir deles

O trabalho de inteligência competitiva ou ciência de dados se desenvolve a partir de dados que são coletados para constituir bases capazes de fornecer informações sobre um determinado fenômeno, apoiando tomadas de decisão. Por exemplo, qual o melhor local para instalar uma clínica médica? Os dados podem advir de diferentes fontes. Eles podem ser disponibilizados por empresas clientes; capturados por bots (robôs virtuais); levantados manualmente por humanos; ou, então, fruto do cruzamento entre diferentes fontes, como os dados de bases internas dos clientes somados com os da internet capturados por robôs ou humanos.

A escolha de onde e de como os dados serão coletados é resultado de negociações entre praticantes e seus clientes, a partir da pergunta de negócio que motiva a captura de dados. Também envolve conhecimentos técnicos específicos sobre quais são os elementos necessários para responder à pergunta, onde essas informações estão disponíveis e, a partir dos encontros com os dados, quais devem ser incluídos e descartados.

Os bancos de dados se formam a partir dessas escolhas, mas não são estáticos. A captura deve ser um processo contínuo, pois as notícias sobre o ambiente competitivo de negócios mudam frequentemente, bem como os acessos à internet, como as redes sociais, geram novos dados sobre nosso comportamento a cada nova utilização. Nem todos esses dados são big data. Uma das referências utilizadas pelos profissionais para fazer essa diferenciação é de que dados que cabem em planilhas do Excel não são big data; no entanto, não há consenso em relação a essa definição, tanto entre profissionais da área quanto na literatura acadêmica.

A captura de dados, quando feita por humanos, pode ser realizada entrando-se em portais de notícias, como sites de jornais e revistas, e coletando reportagens sobre uma determinada empresa e sua concorrência; ou então in loco, visitando empresas como cliente oculto para experimentar a qualidade e falhas de seus serviços. Após a coleta, os dados são lançados em planilhas ou relatórios e consolidados para responder os questionamentos que mobilizaram a captura, como fornecer uma visão geral da reputação de uma empresa e sua concorrência.

Para que a captura seja realizada de forma automática, costumam ser utilizados robôs virtuais. Estes são programados a partir de algoritmos, demandando tempo e conhecimentos específicos para serem desenvolvidos. Não se trata só de como codificá-los, mas também do modo de funcionamento do meio com o qual irão se comunicar. A interação entre humano e máquina é realizada por meio de linguagens de programação. Estas últimas, funcionam a partir de códigos e regras que “dizem” ao robô o que ele deve fazer, por exemplo, onde ele deve procurar dados, de que forma deve cruzá-los ou como tabelá-los e rotulá-los.

Existem diversas linguagens de programação utilizadas por humanos para se comunicar com bots, como C++, C#, Java, R e React. A escolha da linguagem passa pelo conhecimento do praticante, o custo de seu uso para empresa (contemplando o orçamento de cada projeto ou produto) e pesquisas sobre qual é a melhor tecnologia para resolver um determinado problema, em sites como Stack Overflow, páginas em redes sociais de profissionais referenciados da área de tecnologia ou consultando colegas de trabalho mais experientes. Na falta de conhecimentos específicos, os profissionais podem optar ou ser incentivados a se engajar em situações de aprendizagem.

Uma vez que os robôs são postos em ação, ou qualquer outro tipo de tecnologia, podem ser necessários ajustes, denominados manutenção. O exemplo a seguir relata um exemplo de falha que mobiliza a reconfiguração da prática de coleta de dados:

A gente tem hoje ali uma tela de monitoramento. Dentro da ferramenta a gente faz, tem algumas métricas, né. Vamos supor que eu tenho lá 50 agentes capturando, daí a gente sabe mais ou menos quanto que ele captura por dia, por semana, por mês. A gente tem uma média. Então, se a captura do dia estiver abaixo da média, ele já sinaliza com uma cor ali, amarela. Se (...) tá zerado ou se faz dois dias já que não captura nada (...) já aparece um sinalzinho vermelho. Então, ali a gente olha essa tela (...) a gente detecta o problema e (...) já procura a solução (...) geralmente, é um site que muda a sua estrutura. Ou o programa ele foi feito pra navegar em um site e seguir uma certa estrutura dentro do site, já vai pra página de pesquisa, depois vai pro detalhe, daqui a pouco aquela tela de pesquisa já mudou toda ela, já não é mais nem no mesmo endereço. Daí a gente fala que o programa, o agente quebrou, não tá mais pegando mesmo.

Detectado o motivo da falha dos agentes de captura, a mudança na estrutura de um site, são feitas correções na tecnologia, que é testada e passa a ser executada novamente. Nem todas as tecnologias são monitoradas dessa forma, levando alguns problemas a serem detectados apenas quando o cliente faz uma reclamação, ou quando a análise a partir dos dados não parece fazer sentido, está “totalmente fora dos padrões”, como explica Meliodas. Outra falha possível é a coleta de dados equivocados, que não condizem com o que é necessário para responder ao objetivo da captura, como é o caso das fake news.

Nos momentos em que a tecnologia falha, é possível identificar a agência dos não humanos desestabilizando as práticas de trabalho, que geralmente passa despercebida. Essas falhas são enactments, resultados de problemas no desenvolvimento dos bots, mudanças em sistemas com os quais as tecnologias se relacionam, ou ainda o uso inadequado da tecnologia por um cliente. Ou seja, elas são efeito e geram efeitos a partir de uma rede de relações (Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Edusc.).

Existem tecnologias que impedem a ação dos robôs de captura, denominadas captcha. Mas elas não são impenetráveis, podendo ser burladas por práticas como as dos hackers. Em locais que utilizam tecnologia captcha, pode ser preferível priorizar a coleta humana, mas isso pode se tornar inviável diante de big data. O fato de as capturas de dados poderem ser realizadas por humanos e por robôs pode impedir a identificação de quem está agindo, como no exemplo a seguir.

Na Omicron, durante as observações, enquanto um praticante olhava o fluxo de pesquisas no site de informações sobre o mercado de trabalho, um dos produtos da empresa, ele percebeu um movimento atípico: buscas direcionais em uma região eram realizadas em intervalos específicos, sugerindo a ação de um robô. Iniciou-se uma busca pela identificação da máquina por meio da qual estavam sendo realizadas essas pesquisas, que em seguida foram encerradas. Não foi possível constatar se a ação foi ou não de um bot, mas a situação levou a equipe a repensar suas práticas de segurança, reconhecendo a necessidade de proteção dos dados do negócio, um novo elemento surgido na rede.

A prática de coleta de dados é heterogênea e, embora aparentemente estável quando a captura funciona sem intercorrências, é precária e facilmente desestabilizada. Outras situações que afetam essa prática são: bases de dados disponibilizadas parcialmente pelos clientes por questões de sigilo, dados duplicados ou redundantes ou problemas na categorização e rotulação dos dados.

Do ponto de vista técnico, quanto maior a quantidade de dados disponíveis, representativos de um determinado fenômeno, maior será a qualidade do modelo proposto. Poucos dados não são capazes de fornecer correlações significativas (Lee, 2019Lee, K.-F. (2019). Inteligência artificial: Como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamos, trabalhamos e vivemos. Globo Livros.), aumentando a possibilidade de erros na modelagem. Além disso, a área de aprendizagem de máquina ainda não se desenvolveu suficientemente para lidar com dados não categorizados, comprometendo o uso de grandes quantidades de dados que estão disponíveis na internet (Tian et al., 2017Tian, Y.-H., Chen, X.-L., Xiong, H.-K., Li, H.-L., Dai, L.-R., Chen, J., Xing, J-L., Chen, J., Wu, X.-H., Hu, W.-M., Hu, Y., Huang, T-J., & Gao, W. (2017). Towards human-like and transhuman perception in AI 2.0: A review. Frontiers of Information Technology & Electronic Engineering, 18(1), 58-67. Recuperado de https://link.springer.com/article/10.1631/FITEE.1601804
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).

Outros assuntos que emergem dessas práticas são a ética e a legalidade. É comum pessoas concordarem com termos de consentimento para disponibilizar seus dados sem sequer lê-los; e ao saberem que seus dados foram utilizados para algum fim, sentem-se incomodadas com isso (Iliadis & Russo, 2016Iliadis, A., & Russo, F. (2016). Critical data studies: An introduction. Big Data & Society, 3(2), 1-7. http://dx.doi.org/10.1177/2053951716674238.
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). Para lidar com questões como essa, ambas as empresas possuem profissionais responsáveis por avaliar se determinados dados podem ou não ser coletados. Para realizar essa avaliação, um dos pontos considerados é a Lei 13.709/18 (Decreto-lei n. 13.709, Brasil, 2018Brasil. (2018). Decreto-lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei geral de proteção de dados pessoais (LGPD). Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
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), denominada Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, sancionada em 14/8/2018, para definir aspectos de privacidade e proteção de dados.

Coletados os dados - a matéria bruta do trabalho -, rotulados e selecionados os que serão utilizados e descartados (processo de data cleaning ou limpeza de dados), eles passam a ser analisados, como explica James.

4.2 Analisando, modelando e comunicando os dados

Quando as empresas projetam seus próprios produtos, as análises visam fornecer conhecimento relevante para potenciais compradores a partir de necessidades de mercado identificadas em contatos formais ou informais, com clientes, colegas ou amigos; possibilidades que vislumbravam considerando carências em suas experiências anteriores de trabalho; ou outras oportunidades. A criação do Sigma, por exemplo, produto da Omicron, ocorreu para enquadramento no modelo de startup, requisito para o ingresso no parque tecnológico, mas também em razão da percepção de que os dados de mercado de trabalho que a empresa utiliza ainda não haviam sido explorados comercialmente.

No caso dos projetos, os dados são analisados conforme as demandas apresentadas pelos clientes, o que não descarta o uso da criatividade e da capacidade reflexiva de quem os está apreciando, como explica Lucio Machado:

Em especial no começo, é, um reflexo da nossa curiosidade. Nós vemos um conjunto de dados que são complementares e vemos que eles são mais relevantes pra contar a história toda do que às vezes até uma pergunta secundária que foi trazida (...) a gente sempre tenta trazer o máximo de dados nesse processo inicial e aí depois a gente vai selecionando com base nas perguntas iniciais propriamente ditas, que geralmente já é um processo meio artístico, onde a gente tem que converter uma demanda (...) do gênero (...) Milkybar lançou um novo tipo de açúcar (...) a gente faz uma pesquisa a fundo em torno de quatro, três ou quatro páginas mais ou menos e é uma coisa que leva em torno de vinte a trinta horas do trabalho (...) o tema em si não foi a barrinha, o tema foi inovação. Qual foi o motivador pra gerar esse novo produto? O que foi desenvolvido em cima? Como isso vai afetar o mercado? Como isso vai afetar a própria Nestlé? Então, é, as perguntas que vêm disso já são, claro, perguntas talhadas especificamente à demanda do cliente, mas elas têm mais a ver com por que (...) esse assunto importante? Essa é a pergunta central e ela acaba gerando mais perguntas na sequência.

Conforme enunciado no exemplo, uma pergunta gera outras e a partir delas os analistas vão realizando escolhas sobre novas coletas de dados e a inclusão de determinadas informações no relatório. Outra função de quem analisa os dados é exercer sua capacidade crítica para verificar se as correlações encontradas são relevantes ou “espúrias”, como reconhece Alan Poe. O exemplo de uma correlação que não faz sentido é dado por Lucio Machado:

Se tu encontra (...) que as pessoas de meia amarela se atrasam com mais frequência do que as pessoas de meia vermelha. A cor da meia realmente tem alguma coisa a ver? Não. A variável provavelmente tem alguma coisa a ver com personalidade que acaba refletindo também na vestimenta da pessoa.

Embora a condução das análises geralmente parta de um objetivo prévio, podem surgir demandas atípicas, como a de um cliente da Upsilon que entregou uma base de dados de sua empresa e pediu que verificassem o que poderia ser possível extrair dela. Acontecimentos como este podem desestabilizar a prática de análise de dados, bem como: a percepção de que os dados coletados não fazem sentido quando compreendidos em conjunto; a coleta não ser suficiente para estabelecer correlações significativas que respondam às perguntas dos clientes; ou quando os clientes enviam novos relatórios ou solicitam dados adicionais a serem incluídos nas análises, sendo necessário repetir a coleta e/ou a organização e categorização das bases de dados.

Da mesma forma que a coleta, as análises podem ser automatizadas por meio de algoritmos, como os de machine learning desenvolvidos por Gabriel, que servem para:

Previsões (...) nesse contexto, não é uma caixa-preta (...) uma bola de cristal, mas sim uma metodologia que aplicada a uma série de dados (...) te dá resultados bem satisfatórios em relação a isso (...) metodologias estatísticas que o pessoal utiliza, pra poder (...) aprender sobre um conjunto de dados e, portanto, (...) a partir desse conjunto de dados, fazer previsões ou inferências sobre novos conjuntos de dados.

Um dos problemas na utilização dos algoritmos é que eles podem se tornar tão complexos que dificultam o entendimento preciso de como estão funcionando (O’Neil, 2016O’Neil, C. (2016). Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy. Crown Publishers.). Alan Poe explica que há muitos códigos disponíveis na internet que, aplicados a uma base de dados, geram resultado, porém “às vezes tu nem sabe bem que tá botando ali e tu acha que tá com um baita modelo”. Os próprios profissionais, por vezes, tentam burlar os sistemas, uma prática comum na área de tecnologia da informação, para buscar novas formas de fazer um determinado trabalho (Pontes, 2015Pontes, L. R. (2015). Reflexões sobre o ato de burlar sob o olhar da TAR. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 15(4), 1451-1464., http://dx.doi.org/10.12957/epp.2015.20281.
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), o que, nesse contexto, pode levá-los à criação de modelos equivocados.

Outro ponto a ser considerado é que, para dar sentido aos dados, não basta apenas estabelecer relações entre eles, é necessário contextualizá-los (Iliadis & Russo, 2016Iliadis, A., & Russo, F. (2016). Critical data studies: An introduction. Big Data & Society, 3(2), 1-7. http://dx.doi.org/10.1177/2053951716674238.
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). Para isso, os profissionais precisam entender e muitas vezes estudar a área de negócio do cliente, como explica Alan Poe:

Na depressão, a pessoa tá deprimida porque se divorciou ou se divorciou porque tá deprimida, ou um pouco de cada coisa, engordou porque tá deprimida, emagreceu porque tá deprimida. Sabe, o que que causou o quê. Né, então entender a interação (...) entre as variáveis (...) Entender o problema. Mesmo que tu não saiba inicialmente, tu tem que estudar e entender como é que aquilo acontece.

Após a análise, os dados são comunicados por meio de relatórios. Alguns são produzidos automaticamente a partir do uso de um software, como os que o Sigma emite com informações sobre o mercado de trabalho. Outros são gerados manualmente pelos profissionais. À medida que relatórios para uma mesma empresa, sobre um mesmo tema, se tornam frequentes, o layout se torna padronizado e apenas os dados e as informações são atualizadas. Na Upsilon, Pedro é responsável por elaborar os designs dos relatórios, a partir das informações disponibilizadas pelos analistas de dados e também considerando o perfil dos clientes − por exemplo, a preferência por informações quantitativas ou qualitativas:

Eu preciso saber como é que eu vou organizar essas informações pra que a leitura seja mais fácil, pra que seja uma coisa também, é, apresentável, né. Porque, por exemplo, ah, a gente tem vários dados, e, só que a gente não vai entregar pro cliente num arquivo de Word, né, a gente precisa que seja uma coisa mais apresentável. Então, é, essas informações todas vêm pra mim e eu preciso criar infográficos, tornando (...) aqueles dados mais visuais. Até porque muitos deles (...) são documentos que precisam ser lidos muito rápido e então é uma coisa que precisa facilitar o quanto mais a leitura.

Ao serem comunicados, os modelos assumem seu caráter de enactment e político, pois irão apoiar decisões e ações por parte das empresas clientes, se tornando realidade à medida que suas previsões se confirmam (Bruno, 2013Bruno, F. (2013). Máquinas de ver, modos de ser: Vigilância, tecnologia e subjetividade. Sulina.). E essas decisões irão afetar a vida social, como é o caso dos trabalhadores da empresa Starbucks, que têm sua escala de trabalho definida por um algoritmo a partir de dados como o fluxo de clientes na loja, informações meteorológicas, entre outros (O’Neil, 2016O’Neil, C. (2016). Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy. Crown Publishers.). Então, além de produzirem conhecimento, esses modelos constituem realidades (Ansorge, 2011Ansorge, J. T. (2011). Digital power in world politics: Databases, panopticons and erwin cuntz. Millennium, 40(1), 65-83. http://dx.doi.org/10.1177/0305829811409178.
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): a melhor escala de trabalho, o melhor investimento, a melhor época para plantar, a reputação de uma empresa.

A próxima seção apresenta outras práticas identificadas que também fazem parte do cotidiano dos coletivos pesquisados.

4.3 Atravessamentos por outras práticas

As práticas descritas até aqui são atravessadas por metodologias que servem como referência para definições mais gerais de como o trabalho deve ser feito e que o legitimam. Na Omicron, a metodologia de ciência de dados serve como norteadora, baseada em um curso que os sócios da empresa realizaram, fornecido pela Johns Hopkins University por meio da plataforma educacional Coursera. Praticar ciência de dados, segundo Arthur, significa realizar as etapas de coleta e limpeza de dados, análise, estabelecimento de correlações e criação de modelos preditivos. Para ele, utilizar “big data ou hadoop (...) softwares ou ferramentas específicas pra ciência de dados” não é fazer ciência de dados, é preciso utilizá-la como o que é: uma metodologia.

Na Upsilon, pratica-se inteligência competitiva. James e João, porém, entendem que não é necessário compreender o que significa esse conceito ou utilizar o ciclo ou a árvore de inteligência. Para eles, a metodologia de trabalho deve ser adaptada a cada projeto e o mais importante é entender a “dor” e a necessidade de cada cliente, que servirá como elemento norteador para o planejamento e execução do projeto.

Partindo dessas definições, foi possível identificar que, na Omicron, os praticantes são divididos conforme as etapas da metodologia de ciência de dados − embora, em projetos que envolvam o manejo de uma quantidade menor de dados, o mesmo praticante possa se responsabilizar por todas as etapas de execução do projeto. Já na Upsilon, as equipes são divididas em serviços, tecnologia e área administrativa. A equipe de tecnologia é responsável pelo desenvolvimento da infraestrutura de sistemas e robôs; a equipe de serviços realiza a análise dos dados e elabora os relatórios para os clientes; e a equipe administrativa se envolve em questões comerciais, legais, de finanças e de recursos humanos. Apesar dessa divisão, na Upsilon as equipes são remanejadas a cada novo projeto ou produto, conforme as demandas identificadas.

Os conceitos utilizados pelas empresas, tais como os de ciência de dados e inteligência, bem como os de serviços e tecnologia, evidenciam que a nomenclatura organiza os profissionais, constituindo unidades heterogêneas de humanos e seus materiais de trabalho, reconhecidas e legitimadas, mas temporárias, pelo remanejamento contínuo das equipes conforme as demandas de trabalho. Esses conceitos caracterizam-se como práticas discursivas (Gherardi, 2006Gherardi, S. (2006). From organizational knowledge to knowing in practice. In S. Gherardi. Organizational Knowledge: The texture of workplace learning. (Chap. 1, pp. 1-44). Blackwell Publishing.) nas empresas pesquisadas.

Outra prática que atravessa e se conecta com as demais é a de gerenciamento das tarefas. Reuniões presenciais sob demanda são agendadas para coordenação dos trabalhos, especialmente quando se está começando um novo projeto ou produto, conjuntamente ao uso de softwares de gerenciamento visual. Meliodas utiliza o Trello com sua equipe, e os colaboradores da Omicron, o Azana. Ambos os softwares são elaborados a partir da metodologia Kanban, permitindo que sejam registradas as atividades que precisam ser feitas, as que estão em andamento, as que estão finalizadas, quem é responsável por elas e seus respectivos prazos para conclusão. Porém, como refere Miguel, nem todas as demandas são registradas no software, pois ficam implícitas na organização de cada membro da equipe.

Tendo por base o que foi exposto até aqui, a próxima seção se dedica a responder como as realidades são enactadas a partir de dados.

4.4 Como as realidades são enactadas a partir de dados?

Nas diversas vertentes da TAR, a questão ontológica é reconfigurada ao destacar que a realidade é enactada a partir de uma variedade de práticas e, consequentemente, a realidade é múltipla. Sendo a realidade fruto de práticas sociais, diferentes maneiras de enactar realidades têm repercussões, efeitos que também vão além da situação imediata da ação. Portanto, as maneiras de enactment têm conotações políticas. Nas palavras de Mol, “a realidade não precede as práticas do mundo no qual nós interagimos, mas ela é re-moldada por essas práticas. Assim, o termo política permite referir-se a este tipo ativo de processo de moldagem e o fato de seu caráter ser tanto aberto como contestado” (Mol, 1999Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. The Sociological Review, 47(1), 74-89. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03483.x.
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, p. 75).

Então, ao adotarmos a TAR estamos aceitando que há uma multiplicidade de maneiras de enactar tecnologias e seus produtos coexistindo no presente que terminam por suscitar indagações associadas a escolhas que têm conotações políticas. Que opções os profissionais que trabalham com dados têm para trabalhar, modelar os dados? Como as escolhem? São eles que devem fazer essas escolhas? Como fazem essas escolhas? O que está implicado nessas suas escolhas? Essas reflexões vão ao encontro das ideias de Law e Mol (Law & Mol, 2002Law, J., & Mol, A. (2002). Complexities: Social studies of knowledge practices. Duke University Press. http://dx.doi.org/10.1215/9780822383550.
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; Mol, 2002Mol, A. (2002). The body multiple: Ontology in medical practice. Duke University Press. http://dx.doi.org/10.1215/9780822384151.
http://dx.doi.org/10.1215/9780822384151...
, 2008Mol, A. (2008). The logic of care: Health and the problem of patient choice. Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9780203927076.
http://dx.doi.org/10.4324/9780203927076...
), que introduzem uma inflexão específica na TAR, enfatizando mais o enactment do que a estabilização de objetos em redes (Moraes & Arendt, 2013Moraes, M. O., & Arendt, R. J. J. (2013). Contribuições das investigações de Annemarie Mol para a psicologia social. Psicologia em Estudo, 18(2), 313-321. Recuperado de https://www.scielo.br/j/pe/a/MzTKpvHdLJvbNZ7qxHDDFhC/?lang=pt#:~:text=As%20pesquisas%20de%20Mol%20se,as%20pesquisas%20em%20psicologia%20social
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).

Considerando os resultados da pesquisa, podemos problematizar a neutralidade, objetividade, verdade dos dados e constituição de conhecimento a partir deles ao responder as perguntas levantadas, apontando para a configuração heterogênea que permeia as práticas e os saberes dos profissionais pesquisados. As decisões sobre como, onde e quais dados coletar e apresentar em relatórios. a qualidade dos dados e a capacidade de responderem a uma determinada pergunta, se a análise faz sentido ou não, são realizadas pelos profissionais a partir de suas experiências prévias, contatos com outros profissionais e clientes, dados e tecnologias disponíveis, tempo para realização do projeto e práticas discursivas que organizam o trabalho, entre outros elementos. Ao decidir sobre como trabalhar com e modelar os dados, os profissionais nunca estão sozinhos, pois suas deliberações são situacionais e emergentes, dependendo do alinhamento heterogêneo entre elementos humanos e não humanos, como os citados.

As decisões tomadas se materializam (Cooren, 2020Cooren, F. (2020). Beyond entanglement: (Socio-)materiality and organization studies. Organization Theory, 1(3), 1-24. http://dx.doi.org/10.1177/2631787720954444.
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) nos relatórios, que são tratados como fontes confiáveis, retratos das realidades, sem levar em consideração que durante os processos da coleta à análise, tecnologias podem ter falhado, profissionais tiveram dúvidas sobre o melhor caminho a percorrer e consultaram inúmeras fontes para tomar as que acreditam serem as melhores decisões, muitas vezes de forma intuitiva. As escolhas desses profissionais estão codificadas (O’Neil, 2016O’Neil, C. (2016). Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy. Crown Publishers.) nos bots, em algoritmos de aprendizado de máquina, nos relatórios automatizados, assim como nas atividades manuais que realizam. Os pressupostos que são assumidos a partir dos dados, por sua vez, se refletem nas práticas de organizing e também de desorganização (Ratner & Gad, 2019Ratner, H., & Gad, C. (2019). Data warehousing organization: Infrastructural experimentation with educational governance. Organization, 26(4), 537-552. http://dx.doi.org/10.1177/1350508418808233.
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), guiando como as empresas tomam decisões ao gerenciar processos e pessoas, enactando realidades intra e interorganizacionais.

Para entender a dinâmica do poder e da organização, devemos partir do pressuposto de que o que existe são relações e o que devemos pesquisar são os desdobramentos dessas relações (Law, 1992Law, J. (1992). Notas sobre a teoria do ator-rede: Ordenamento, estratégia e heterogeneidade. Recuperado de http://www.necso.ufrj.br/Trads/Notas%20sobre%20a%20teoria%20Ator-
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). Os modelos preditivos gerados a partir de práticas de dados enactam realidades ao incitar ações e novas reorganizações por parte dos praticantes, das empresas pesquisadas e de seus clientes, resultando em tomadas de decisão que alteram o curso habitual das atividades, dos eventos e dos processos.

Apesar de a TAR ter sido amplamente utilizada em estudos voltados para a implementação de tecnologias e transferência de conhecimento em organizações (French, 2014French, M. (2014). Gaps in the gaze: Informatic practice and the work of public health surveillance. Surveillance & Society, 12(2), 226-243. http://dx.doi.org/10.24908/ss.v12i2.4750.
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; Holmström & Robey, 2020Holmström, J., & Robey, D. (2020). Materiality and organizing: Actor-network theory Revisited. In B. Czarniawska and T. Hernes (Eds.), Actor-Network Theory and Organizing (Chap. 2, pp. 177-201). Studentlitteratur AB.; Papadopoulos & Kanellis, 2011Papadopoulos, T., & Kanellis, P. (2011). Understanding the role of stakeholders during business intelligence implementations: An actor-network theory perspective. Internacional Journal Information and Decision Sciences, 3(1), 85-105. Recuperado de https://www.inderscienceonline.com/doi/abs/10.1504/IJIDS.2011.038843
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; Rivera & Cox, 2014Rivera, G., & Cox, A. M. (2014). An evaluation of the practice based approach to understanding the adoption and use of information systems. Journal of Documentation, 70(5), 878-901. http://dx.doi.org/10.1108/JD-06-2013-0080.
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; Wickramasinghe et al., 2010Wickramasinghe, N., Tatnall, A., & Bali, R. K. (2010). Using actor-network theory to facilitate a superior understanding of knowledge creation and knowledge transfer. International Journal of Actor-Network Theory and Technological Innovation, 2(4), 30-42. http://dx.doi.org/10.4018/jantti.2010100104.
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), nosso estudo demonstra que ela também possibilita tornar visíveis as configurações de elementos humanos e não humanos, situacionais e emergentes, por meio das quais são enactados saberes, narrativas sobre o mundo (Dourish & Cruz, 2018Dourish, P., & Cruz, E. G. (2018). Datafication and data fiction: Narrating data and narrating with data. Big Data & Society, 5(2), 1-10. http://dx.doi.org/10.1177/2053951718784083.
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) e realidades, a partir de práticas de dados.

Para além de contemplar a agência humana nas decisões, a TAR permitiu identificar como elementos não humanos também participaram, permitindo ou constrangendo determinadas ações (Holmström & Robey, 2020Holmström, J., & Robey, D. (2020). Materiality and organizing: Actor-network theory Revisited. In B. Czarniawska and T. Hernes (Eds.), Actor-Network Theory and Organizing (Chap. 2, pp. 177-201). Studentlitteratur AB.; Huizing & Cavanagh, 2011Huizing, A., & Cavanagh, M. (2011). Planting contemporary practice theory in the garden of information science. Information Research Journal, 16(4), 497. Recuperado de https://pure.uva.nl/ws/files/1347576/113765_Planting_contemporary_practice_theory_in_the_garden_of_information_science.pdf
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), demonstrando que as tecnologias não são puramente técnicas, tampouco as decisões são puramente humanas. Nesse sentido, as tecnologias e seus produtos são elementos mutáveis a depender das configurações que estão inseridas (Glaser et al., 2021Glaser, V. L., Pollock, N., & D’Adderio, L. (2021). The biography of an algorithm: Performing algorithmic technologies in organizations. Organization Theory, 2(2), 1-27. https://doi.org/10.1177/26317877211004609.
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). Isso revela seu potencial para exercer efeitos inesperados, que costumam ser negligenciados pelos estudos organizacionais, ao celebrar a otimização de processos por meio de tecnologias (Trittin-Ulbrich et al., 2020Trittin-Ulbrich, H., Scherer, A. G., Munro, I., & Whelan, G. (2020). Exploring the dark and unexpected sides of digitalization: Toward a critical agenda. Organization, 28(1), 1-18. http://dx.doi.org/10.1177/1350508420968184.
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).

Ao explorarmos a ontologia política (Mol, 1999Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. The Sociological Review, 47(1), 74-89. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03483.x.
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), a TAR revelou-se como arcabouço teórico-metodológico que auxilia no entendimento do mundo em suas dinâmicas e relações políticas, confirmando o que Alcadipani e Hassard (2010)Alcadipani, R., & Hassard, J. (2010). Actor-Network Theory, organizations and critique: Towards a critique of organizing. Organization, 17(2), 419-435. http://dx.doi.org/10.1177/1350508410364441.
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sugerem em seu ensaio teórico: o potencial crítico da teoria no âmbito dos estudos organizacionais. Possibilita também rebater, empiricamente, algumas críticas frequentemente lançadas por autores como Walsham (1997)Walsham, G. (1997). Actor-network theory and IS research: Current status and future prospects. In A. Lee, J. Liebenau & J. Degross (Orgs.), Information systems and qualitative research (pp. 467-480). Chapman and Hall. http://dx.doi.org/10.1007/978-0-387-35309-8_23.
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, Whittle et al. (2008)Whittle, A., Spicer, A., & Whittle, A. (2008). Is actor network theory critique? Organization Studies, 29(4), 611-629. http://dx.doi.org/10.1177/0170840607082223.
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e Mendes (2010)Mendes, J. M. O. (2010). Pessoas sem voz, redes indizíveis e grupos descartáveis: Os limites da teoria do actor-rede. Análise Social, 45(196), 447-465. Recuperado de https://www.jstor.org/stable/41012812
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, que dizem ser a TAR neutra, moral e politicamente.

A Figura 1 sintetiza as práticas e saberes dos dois coletivos de profissionais que trabalham com dados, que permitiram responder a pergunta: como as realidades são enactadas a partir de dados? Os saberes são colocados no centro da imagem, para refletir que, de forma recursiva e processual (Antonello & Godoy, 2011Antonello, C. S., & Godoy, A. S. (2011). Aprendizagem organizacional e as raízes de sua polissemia. In C. S. Antonello & A. S. Godoy (Eds.), Aprendizagem Organizacional no Brasil (Cap. 1, pp. 31-50). Bookman.; Bussular & Antonello, 2018Bussular, C. Z., & Antonello, C. S. (2018). Organizing and knowing: Finding approaches in a processual manner. Teoria e Prática em Administração, 8(2), 103-125. http://dx.doi.org/10.21714/2238-104X2018v8i2S-39962.
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), eles moldam e são moldados pela rede de práticas identificadas.

Figura 1
Constelação de práticas e saberes.

5 Considerações finais

As práticas e os saberes dos coletivos de profissionais que atuam na Omicron e na Upsilon revelam como realidades são enactadas a partir do tratamento que esses profissionais dão aos dados. Isso ocorre pelo imbricamento das práticas de coleta de dados e constituição de bases a partir deles; análise e comunicação dos dados; ciência de dados e inteligência competitiva; aprendizagem com os pares; manutenção das tecnologias; relacionamento com clientes; burla e gestão das equipes.

As práticas puderam ser identificadas em função de sua estabilização precária e temporária (Gherardi, 2006Gherardi, S. (2006). From organizational knowledge to knowing in practice. In S. Gherardi. Organizational Knowledge: The texture of workplace learning. (Chap. 1, pp. 1-44). Blackwell Publishing.; Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Edusc.). As descrições realizadas demonstram que, embora aparentemente estáveis, elas são afetadas pelo agenciamento de elementos humanos e não humanos, como clientes e bots, que provocam constantes reconfigurações. Em função de suas práticas, ambas as empresas, respeitadas suas singularidades, se mostraram como ambientes heterogêneos e mutáveis, o que caracteriza seu organizing (Duarte & Alcadipani, 2016Duarte, M. F. & Alcadipani, R. (2016). Contribuições do organizar (organizing) para os estudos organizacionais. O&S, 23(76), 57-72. http://dx.doi.org/10.1590/1984-9230763.
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).

Saberes, como os de montar uma base de dados e extrair conhecimento dela, constituíram-se a partir dos relacionamentos estabelecidos entre dados, tecnologias e humanos. Eles foram criados e recriados, por meio das práticas, constituídos à medida que se fizeram necessários durante o desenvolvimento de determinado projeto, produto ou tarefa. Da mesma forma, as realidades retratadas nos modelos preditivos foram constituídas a partir de arranjos envolvendo dados, potencialidades e constrangimentos tecnológicos e escolhas humanas emergentes nestas configurações.

Como contribuições do estudo, a TAR, por meio da investigação das práticas e saberes dos profissionais, permitiu tornar visíveis as configurações de elementos humanos e não humanos situacionais, emergentes e permeadas por escolhas políticas, por meio das quais são enactadas organizações e realidades a partir de práticas de dados. Constituídos em configurações específicas, os conhecimentos gerados a partir de dados são dependentes de seu contexto de origem e passíveis de serem problematizados por sua suposta neutralidade, objetividade e verdade. Os resultados também demonstram que práticas profissionais que, em uma primeira aproximação, poderiam ser entendidas como altamente estruturadas e racionais, são reconstituídas continuamente em nosso engajamento com o mundo.

Sugerimos que estudos futuros se dediquem a compreender de que forma a modelagem de dados está se refletindo nas organizações de forma mais direta e na vida social de forma mais ampla. Por fim, ponderamos como limitações deste estudo o fato das observações ficarem circunscritas ao ambiente empresarial, no formato não participante, e de não ter sido possível entrevistar mais participantes da Upsilon, para ampliação das análises.

Apêndice A – Roteiro de observações

1. As principais práticas dos grupos; como se estabelecem e se tornam rotinas no cotidiano de trabalho.

2. Como se relacionam os elementos humanos e não humanos criando oportunidades de aprendizagem, reflexividade, troca de informações e tomadas de decisão.

3. Como e de que forma se dá a agência dos humanos e não humanos nas práticas.

Apêndice B – Roteiro de entrevista

1. O que você faz aqui? Como você descreveria ser papel? Como é seu trabalho?

2. Você segue alguma metodologia para realizar seu trabalho? Como ela funciona? Exemplifique. Ela é seguida à risca?

3. Existe uma forma única e/ou correta de fazer seu trabalho? Por quê?

4. Como ocorre a divisão de atividades? E a definição de quem vai trabalhar em cada projeto?

5. Como seu trabalho se relaciona com o das outras equipes? Ou dos outros colaboradores (inclusive os que estão em outros espaços físicos da empresa)? E com as empresas/trabalhadores terceirizados?

6. Como ocorre interação com colegas que trabalham em modo remoto?

7. Você participa de reuniões? Com que frequência e de que tipos? Qual o papel delas para seu trabalho?

8. Quais são os principais conceitos/termos que você utiliza em seu dia a dia?

9. Como você se relaciona com os clientes em seu trabalho? Relate uma situação que demonstre essa relação.

10. Percebi nas observações que em diversos momentos a sala fica bastante silenciosa. Qual é o papel do silêncio para seu trabalho?

11. De que forma a Lei de Proteção de Dados Pessoais, questões éticas e a discussão acerca dos dados abertos se relacionam com seu trabalho?

12. Como você aprendeu a fazer seu trabalho? Exemplifique.

13. Quais são os conhecimentos e as habilidades que alguém precisa ter para fazer o seu trabalho? Exemplifique com situações em que tenham sido exigidos.

14. Como você faz para seguir aprendendo? Exemplifique.

15. Você já precisou ensinar alguém a fazer o trabalho? Como fez isso? Se nunca fez, como faria, se fosse necessário?

16. Como você decide sobre qual dado capturar, usar, analisar, incluir no relatório?

17. Como você cria um algoritmo? (Se realiza esta atividade)

18. Como você garante a qualidade/acuracidade do dado ou do modelo criado?

19. Quais são as estratégias que você utiliza para realizar seu trabalho? Com que frequência? Por quê? Exemplifique.

20. Quais são os materiais necessários para fazer seu trabalho? Exemplifique ou relate uma situação de uso. Quais são essenciais?

21. Quais ferramentas você usa e com que frequência? Por quê? Você cria ou já criou alguma ferramenta de trabalho? De que forma isso aconteceu?

22. Qual o papel dos fones e dos dois monitores em seu trabalho? Comente.

23. Qual o papel dos bugs para seu trabalho? Comente.

24. Qual o papel do quadro branco para seu trabalho? Você participa da atualização dele? Ele é atualizado com qual frequência?

  • Processo de avaliação:

    Double Blind Review
  • Como citar: Prá, R., & Antonello, C. S. (2022). Como realidades são enactadas por meio de dados? Análise das práticas e saberes dos profissionais que trabalham com dados à luz da Teoria Ator-Rede. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 24(2), p. 294-311. https://doi.org/10.7819/rbgn.v24i2.4169
  • Agências de fomento:

    As autoras agradecem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • Análise de plágio:

    A RBGN realiza análise de plágio em todos os seus artigos no momento da submissão e após a aprovação do manuscrito por meio da ferramenta iThenticate.
  • Ciência aberta:

    As autoras informam que o manuscrito está em conformidade com as práticas de Ciência Aberta.

References

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Editora responsável:

Profa. Dra. Gina Santos

Revisores:

Bruno Americo; Eder Heriqson

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2020
  • Aceito
    12 Dez 2021
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