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Drogas, urbanismo militar e gentrificação: o caso da “Cracolândia” paulistana

Drugs, military urbanism and gentrification: the case of the São Paulo’s "Cracolândia”

Resumo

O presente trabalho pretende entender a forma pela qual a guerra às drogas atua como vetor de gentrificação na região da Cracolândia paulistana. Nesse sentido, o combate ao crack, por meio estratégias de urbanismo militar, tem por escopo tão somente a substituição dos moradores do local por residentes de classes superiores, a fim de transformar o centro de São Paulo em um local que possa ser definido nos parâmetros de uma cidade global.

Palavras-chave:
Cracolândia; Gentrificação; Urbanismo militar

Abstract

This study intends to understand how the war on drugs acts as a vector of gentrification in the region of Crackland in São Paulo. In this sense, the fight against crack, through strategies of military urbanism, has as its only objective the replacement of the inhabitants of the place by residents of wealthier classes, in order to transform the center of São Paulo into a place that can be defined in the parameters of a global city.

Keywords:
Crackland; Gentrification; Military urbanism

Introdução

Os processos de urbanização atuais não distam daquilo que Dardot e Laval chamaram de “a nova razão do mundo” (2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: Ensaios sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.). O modo de vida neoliberal, aliado a sua comodificação mercantil, longe de ser um paradoxo, necessita do Estado para atingir seus objetivos. É o mercado gestando vidas e tendo o Estado como parceiro para construir este terreno propício.

Por meio da urbanização, o capital também investe seu excedente, utilizando diversas estratégias para fazê-lo. Em termos político-criminais, apesar do seu fracasso assumido, talvez o mais importante mecanismo seja ainda a chamada “guerra às drogas”, capitaneada pelo proibicionismo, que, historicamente, sempre acabou recaindo no controle de parcela da população.

Nesse sentido, o presente estudo debruça-se, em um primeiro momento, na análise da guerra as drogas, diretamente, desde suas consequências - a saber, em especial, encarceramento em massa e o controle de determinadas parcelas da população -, bem como surpreender seu argumento padrão acerca dos malefícios que determinadas substâncias causam ao organismo, criando imagens mitificadas sobre certos psicoativos. Naturalmente, ao propósito deste trabalho, destaque especial se dá ao caso do “crack”.

O “crack” é, por excelência, depositório de medo e temor sociais. A premissa quase inafastável é seu descontrole em todos os sentidos: a partir da primeira tragada, o destino ou é caixão ou cadeia. E, a partir desse discurso, justificam-se os mais variados modos de violência, sobretudo em termos de governo dos corpos através dos espaços urbanos. Daí a importância de se analisar o caso da “Cracolândia” paulistana.

Assim, diretamente, frente a este recorte que combina uma reflexão de política criminal, urbanismo e governo dos corpos, a hipótese do presente artigo aponta que as estratégias governamentais, no caso específico do poder público paulistano, estariam utilizando a política de guerra às drogas, aprofundada pela demonização do “crack” para, por meio de estratégias de urbanismo militar, direcionar suas políticas no sentido da “gentrificação” dos espaços. Ou seja, sob o pretexto de revitalização da região central de São Paulo, segrega-se parcela miserável da população vulnerabilizada pelo uso problemático da droga. Mediante a retirada dos moradores locais, e a consequente disposição ao mercado da região da Luz, uma gestão neoliberal dos espaços volta-se a vender São Paulo como uma “cidade global”.

Portanto, desde a utilização de um método de levantamento bibliográfico e documental sobre o tema, combinado com a análise de dados de forma indireta, através de pesquisas de campo já realizadas, é que o problema do trabalho encontra amparo: entender como a guerra às drogas é utilizada como mecanismo gerencial para, por meio do urbanismo militar, atingir objetivos neoliberais de revitalização de espaços, refletindo-se em evidente processo higienista de gentrificação social.

1 Guerra às drogas e a governamentalidade dos descartáveis

A frase “Guerra é paz” (ORWEL, 2009, p. 14), lema do Partido no livro 1984 de George Orwell, bem se encaixa quando necessário ler o contexto mais bem apurado de guerra às drogas que tem-se, qual seja, o cenário norte-americano - modelo que serve de metástase pelo mundo. Não era, em 1984, uma guerra somente contra nações estrangeiras, mas sim em face de cada cidadão do próprio país (PAVLOSKI, 2014PAVLOSKI, Evanir. A instrumentalização da guerra em 1984 de George Orwell. Muitas Vozes, v. 3, n. 2, p. 363-378. Ponta Grossa: 2014., p. 377). Ali é refletida a ideia de um inimigo permanente, e o seu combate deve se dar desde uma afinada “governamentalidade” (no sentido foucaultiano do termo1 1 “Por esta palavra, ‘governamentalidade’, entendo o conjunto constituído pelas instituições, os procedimentos, análises e reflexões que permitem exercer essa forma bem específica, embora muito complexa, de poder que tem por alvo principal a população, por principal forma de saber a economia política por instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança. Em segundo lugar, por ‘governamentalidade, entendo a tendência, a linha de força que, em todo o Ocidente, não parou de conduzir, e desde há muito, para a preeminência desse tipo de poder que podemos chamar de ‘governo’ sobre todos os outros - soberania, disciplina - e que trouxe, por um lado, o desenvolvimento de toda uma série de aparelhos específicos de governo (e, por outro lado), o desenvolvimento de toda uma série de saberes. Enfim, por ‘governamentalidade’, creio que se deveria entender o processo, ou antes, o resultado do processo pelo qual o Estado de justiça da Idade Média, que nos séculos XV e XVI se tornou o Estado administrativo, viu-se pouco a pouco ‘governamentalizado’” (FOUCAULT, 2008, p. 143-144). ), utilizada para gerir a ordem e dar continuidade a um exercício bélico através do poder político.

De fato, o combate a substâncias tornadas ilícitas naquele país deve ser lido desde seus reais motivos, que não eram os declarados pelo governo norte-americano, ou seja, a partir do controle e extermínio de grande parcela da população negra norte-americana. (BAUM, 2018). Uma política de guerra sustentada por um ódio canalizado, controlado e construído em favor da manutenção do poder, onde a droga é posta para alimentar um sistema de preconceitos e permite a tomada de medidas securitárias extremas, cujo fim último é o domínio da sociedade - ou de parte dela (TIBURI, 2013TIBURI, Márcia; DIAS, Andréa Costa. Sociedade fissurada: para pensar as drogas e a banalidade do vício. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013., p. 47).

Esse modo de “governar através do crime”2 2 Para Simon, desde o final dos anos 1960, a América do Norte tem construído novas estruturas, civis e políticas, em torno do problema da criminalidade, de modo que a tal política governamental através do crime, alterou profundamente sua democracia, ocasionando profundas mudanças nos poderes de Estado. Esta governamentalidade criminal permite que se legitime ao extremo a prevenção de certos comportamentos tidos como problemáticos além de ressignificar problemas sociais como criminais. Além disso, a marca deste tipo de gestão coloca tecnologias, discursos e metáforas em torno do crime e do sistema de justiça criminal sempre mais visíveis exatamente para o alcance de sua governança. Assim, um estado de bem-estar tende a se planificar penalmente, resultando num país menos democrático e mais racialmente polarizado (2017, p. 93-94). sempre esteve conjugado com um “estado de emergência” (WACQUANT, 2003WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos [A onda punitiva]. 3. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Revan, 2003., p.19), disposto a regular o olhar coletivo em relação às perturbações da vida pública. Tal tendência, assim, consolida-se pela (re)organização da vida e do mundo, por uma securitização sem precedentes (SIMON, 2017SIMON, Jonathan. Governando através do crime. Tradução: Ricardo Jacobsen Gloeckner, Marcelo Butelli Ramos e Lucas Melo Borges de Souza. In: CARLEN, Pat; FRANÇA, Leandro Ayres. Criminologias Alternativas. Porto Alegre: Canal Ciências Criminais, 2017., p. 93-96) em que o medo existe como afeto político-criminal central para gerir o crime e a crescente validade do ideal de vítima.

A substituição do Estado caritativo por um penal e policial dá-se, prioritariamente, pela contenção punitiva de categorias desprovidas de políticas sociais, no qual o comportamento de cidadãos despossuídos e dependentes deveria ser acompanhado de perto, e corrigido quando necessário (WACQUANT, 2003WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos [A onda punitiva]. 3. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Revan, 2003., p. 86-112). Efeito de tais atos será o aumento nos índices de encarceramento. A prisão sempre colocou-se como importante componente de contenção repressiva da pobreza. No caso americano, após ter diminuído cerca de 12% durante a década de sessenta, aumentou consideravelmente em meados da década de setenta, passando de duzentos mil detentos nesse ano para cerca de um milhão em 1995 - um crescimento de 442% em um quarto de século. Entretanto, o encarceramento atingiu prioritariamente afro-americanos de bairros urbanos, e teve como principal motor a política de guerra às drogas declarada por Nixon e levada a cabo por Reagan na década de oitenta - sem razão, entretanto, pois o consumo de drogas como a maconha e a cocaína, por exemplo, estavam em declínio antes disso (WACQUANT, 2003, p. 113-115). Alexander (2017ALEXANDER, Michelle. A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. Tradução: Pedro Davoglio. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 95-96) arremata perfeitamente que este fato não passa de uma nova forma de segregação racial, sendo o aprisionamento outra forma de marginalização da comunidade afro-americana nos Estados Unidos.

Ademais, outros países seguiram a mesma lógica norte-americana, “modelo universal para o planeta” (SOUZA, 2017SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017., p. 26), importando - ou sendo coagidos a - tal discurso. Com o Brasil não foi diferente. Encarceramento em massa, criminalização da pobreza e criminalização racial, aliados a soluções higienistas para lidar com os “descontrolados da modernidade” (MISSE, 1999MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos e a acumulação social de violência no Rio de Janeiro. 1999. 413 f. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1999., p. 53), foram facilmente assimilados nacionalmente (VALOIS, 2017VALOIS, Luís Carlos. O direito penal da guerra às drogas. 2. ed., 3. reimp. Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2017.).

Deste modo é que Bauman (2005BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p. 86-87., p. 86-87) destaca a construção da ordem e do progresso pela criação desses “refugos humanos”, aqueles contingentes populacionais imprestáveis à lógica do capitalismo, consumidores imperfeitos e figuras perigosas, que se multiplicam nos centros urbanos. No Brasil, a disseminação de refugos urbanos possui um exemplo emblemático em São Paulo, na região da Luz: a pejorativamente conhecida como “Cracolândia”. Portanto, antes de diretamente tratar deste contexto sócioespacial, necessário que se entenda o que envolve a substância eleita como responsável por aquela condição: o “crack”.

2 Crack, “nóia” e a epidemia midiática

Farmacologicamente, o “crack” e a cocaína são, conforme Hart (2014HART, Carl. Um preço muito alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas. Tradução: Clóvis Marques. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2014., p. 159-160), a mesma droga, sendo que a crença em serem substâncias diferentes decorre de um total desconhecimento da população sobre a sua composição; o que se altera é, segundo o neurocientista, a forma dos efeitos, por causa da rota de administração da droga.

Ignorando tal conhecimento e, portanto, acreditando ser uma “nova” droga, Reinarman e Levine (2004REINARMAN, Craig; LEVINE, Harry G. Crack in the Rearview Mirror: Deconstructing Drug War Mythology. Social Justice, vol. 31, n. 1-2, 2004., p. 184-185) apontam que mídia e políticos falavam sobre o “crack”, quando este surgiu, por volta da década de 80, como portador de poderes sem precedentes na história. Entretanto, era apenas uma nova forma de uma substância antiga, sendo novo apenas por duas maneiras: por ser uma maneira diferente de consumir cocaína e pelo preço barato (para se ter uma ideia, um grama de cocaína era vendida por cem dólares, enquanto cada pequena pedra de “crack” custava entre cinco e dez dólares), o que possibilitou sua venda para toda uma nova classe de pessoas no centro das cidades. “Em suma, o crack era uma inovação de marketing, não uma nova droga” (REINARMAN; LEVINE, 2004REINARMAN, Craig; LEVINE, Harry G. Crack in the Rearview Mirror: Deconstructing Drug War Mythology. Social Justice, vol. 31, n. 1-2, 2004., p. 184). Contudo, a alegação de que o “crack” era uma nova droga, profundamente perigosa, permitia que a mídia escrevesse dramáticas histórias sobre ela, como se fosse uma espécie de bode expiatório para a criação de novas leis repressivas. Isso não se deu devido ao aumento no consumo da cocaína em si, mas por seu novo nicho de mercado: os mais pobres da cidade.

Assim, pelo temor deflagrado, ensejou a criação de novas leis, as quais auxiliaram ainda mais a criar um aprisionamento massivo nos Estados Unidos da América. De 1986 até 2000, o número de pessoas encarceradas aumentou a cada ano naquele país, fornecendo aos norte-americanos a maior taxa de encarceramento entre qualquer democracia moderna (REINARMAN; LEVINE, 2004REINARMAN, Craig; LEVINE, Harry G. Crack in the Rearview Mirror: Deconstructing Drug War Mythology. Social Justice, vol. 31, n. 1-2, 2004., p. 182-183).

No Brasil, o aparecimento do “crack” e as primeiras apreensões por causa da substância se deram entre 1989 e 1991 (VEDOVA, 2014VEDOVA, Gabriela Prioli Della. A influência da repressão penal sobre o usuário de crack na busca pelo tratamento. 2014. 340 f. Dissertação (mestrado) apresentada à Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2014., p. 19), pouco depois de seu surgimento na América do Norte. Também aqui a mídia bombardeou constantemente os leitores e telespectadores com mitos sobre a questão do “crack”, em especial a partir dos anos 2000. Propagava-se, desde tal época, uma noção de epidemia, o que fez inflar as demandas por enfrentamento. O “problema do crack”, outrossim, foi construído demonizando os usuários e degradando vidas já vulnerabilizadas. Destaca-se, sobretudo, o processo de criação de identidades daqueles envolvidos com a droga a partir da vivência de usuários em “cenas” públicas. Os cenários serão locais sujos, onde seus residentes são violentos por causa da droga, alijados de quaisquer laços familiares que antes existiam em razão do “crack” e a espiral de dependência sempre a conduzir atitudes ilícitas para manter o vício (BASTOS; BERTONI, 2014BASTOS, Francisco Inácio; BERTONI, Neilane (organizadores). Pesquisa nacional sobre o uso de crack: Quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas capitais brasileiras? Rio de Janeiro: Editora ICICT/FIOCRUZ, 2014., p. 13).

Não obstante, o tratamento sério e responsável se impõe. Necessário desmistificar algumas questões que algum senso comum estabeleceu. A começar pela pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), mesmo autolimitada em não atingir domicílios privados e utilizando-se de estudos apenas em cenas de uso público, as denominadas “Cracolândias”3 3 O termo, conforme a pesquisa da FioCruz, “corresponde a uma vertente, minoritária, das cenas e uso de crack em todo o país, na maioria das vezes pequenas, extremamente dinâmicas, e não ‘ancoradas’ numa dada localidade, como as ‘Cracolândias’ paulistanas e cariocas, ainda existentes quando do início da pesquisa. As cenas de crack por nós mapeadas (ainda que não necessariamente visitadas), incluíram, além das ‘Cracolândias’, cenas afastadas do espaço público e mesmo ‘fechadas’ - no que se refere ao consumo individual ou em pequenos grupos em espaços como casas abandonadas” (BASTOS; BERTONI, 2014, p. 18). . Este esforço, até hoje, foi quem melhor traçou um perfil dessa população estigmatizada pelos meios de comunicação. Mostra, principalmente, que, nas capitais e no Distrito Federal, a população que consome “crack” nas cenas pesquisadas é equivalente a 0,81% dos residentes nesses municípios. Tal porcentagem representa certa de trezentos e setenta mil usuários dentro de uma estimativa geral de consumidores de substâncias ilícitas que gira em torno de um milhão de pessoas (ou 2,28% da população) - muito longe, portanto, de ser essa epidemia amplamente divulgada. Ainda, ao contrário do propagandeado, as estimativas de usuários não são mais elevadas no Sudeste, onde o consumo público é mais visível devido à magnitude de suas metrópoles. Nordeste, Sul e Norte possuem porcentagens maiores de usuários regulares (1,29%, 1,05% e 0,68%, respectivamente, em contrapartida aos 0,56% do Sudeste). Os usuários seriam, predominantemente, adultos jovens, do sexo masculino, não-brancos, solteiros e com baixo índice de escolaridade, que se utilizam, predominantemente, de trabalhos esporádicos ou autônomos para comprar a droga (sendo que os atos ilícitos realizados para comprar a droga são uma minoria, estando na quarta posição como fonte de renda de usuários de “crack” e similares).

Ademais, outros fatores importantes dizem respeito ao tempo de uso. Constatou-se em média, a duração do uso ao redor dos 80 meses - desmentindo o mito de que a pessoa, após a utilização do “crack”, é destinada à morte. Quanto à forma de aquisição da substância, ela é feita, em regra, por meio de trabalhos informais, sendo mínimo o número de pessoas que se utilizam de atividades ilícitas para tanto, não obstante a maioria ter profundo interesse em livrar-se do uso problemático. Em suma, a pesquisa demonstra um grupo muito vulnerabilizado socialmente (BASTOS; BERTONI, 2014BASTOS, Francisco Inácio; BERTONI, Neilane (organizadores). Pesquisa nacional sobre o uso de crack: Quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas capitais brasileiras? Rio de Janeiro: Editora ICICT/FIOCRUZ, 2014., p. 48-66).

Tais dados, assim como outras pesquisas similares4 4 Nesse sentido, ver Meu nome não é Cracudo (REDES DA MARÉ, 2015) e Crack: reduzir danos (EVANS, 2017). , auxiliam, desde logo, na compreensão de que a situação da “Cracolândia” paulistana - e de outras “cracolândias”, em geral - deve ser traduzido muito mais em termos sociais que um problema médico ou de segurança pública (MAGALHÃES, 2015MAGALHÃES, Taís Rodrigues Pereira. Campos de disputa e gestão do espaço urbano: o caso da “cracolândia” paulistana. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2015., p. 100). Diretamente, a maior dificuldade, neste sentido, é dar conta da miséria que leva muitas pessoas a consumirem a droga (ANTUNES, 2013ANTUNES, André. Crack, desinformação e sensacionalismo: Escassez de dados sobre consumo de crack no território nacional coloca em xeque estratégias de enfrentamento do problema. Revista POLI: saúde, educação e trabalho, Ano V, n. 27, mar./abr. 2013, p. 17-21. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2013., p. 20).

Para além destas pesquisas mobilizadas entorno de cenas abertas de uso, há de se assumir que o “crack” também é utilizado em outras situações, espaços onde os usuários têm a privacidade a sua disposição, conseguindo realizar o consumo de maneira controlada, o que impacta profundamente no aspecto do uso problemático da droga. Outros ainda serão seus usuários, amplamente invisíveis, pois se encaixam em padrões “normais” de classificação: estudam, trabalham, têm amigos, namoram etc. Tipos de relação com a droga como esses, inclusive, proporcionam um efeito diferente da “paranoia” tão comumente disseminada pelos meios de comunicação em geral. Quando consumido de maneira íntima, o uso acaba por fazer com que os usuários permaneçam mais solitários, pensativos, alegando sensações de bem-estar, ao tempo em que há o aceleramento mental, com os pensamentos ficando muito mais rápidos. Portanto, ao contrário do que se pensa, o “crack” é uma droga utilizada para se desligar do mundo, como se fosse uma espécie de meditação espontânea, que acontece com a ocorrência de uma sensação de puro êxtase.5 5 Para maiores detalhes, ver A exposição e a invisibilidade: percursos e percalços por Lisboa e São Paulo (SILVA, 2017) e O uso problemático do crack e a classe média (GARCIA, 2016).

Em vista disto, é importante compreender a dinâmica da cena com foco nas características do cotidiano dos usuários, e não apenas nas propriedades farmacológicas da substância que consomem, em um viés por meio do qual o abuso de “crack” pode ser compreendido como um artifício capaz de transformar uma vida marcada pela falta, pela discriminação e ausência de perspectivas em uma busca constante por prazer, focada no presente, a qual preenche a sua existência em um objetivo concreto e factível: buscar mais e mais “crack” (RAUPP e ADORNO, 2010RAUPP, Luciane; ADORNO, Rubens de Camargo Ferreira. Uso de crack na cidade de São Paulo/Brasil. Revista Toxicodependências, v. 16, n. 2, 2010, p. 29-37. Lisboa: 2010., p. 35). Nesse sentido, Tiburi (2013TIBURI, Márcia; DIAS, Andréa Costa. Sociedade fissurada: para pensar as drogas e a banalidade do vício. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013., p. 73), aponta que “mais razoável é perceber que drogas não existem em estado de isolamento em relação ao meio onde são usadas e da mediação que as organiza, inclusos, nesse caso, o discurso e o mercado”.

Mister, portanto, compreender agora a dinâmica da “Cracolândia” paulistana, afinal, desde meados dos anos 1990, a sua eliminação é o principal álibi para as ações do Estado na região (MENDONÇA et al, 2018MENDONÇA, Pedro et al. O contexto territorial e urbanístico da região da Luz, no centro de São Paulo. In: LINS, Regina Dulce; ROLNIK, Raquel (org.). Observatório de remoções 2017-2018: relatório bianual. São Paulo: FAU USP, 2018., p. 86). Em torno dela se constrói um cenário de horror e se montam ações repressivas, louvadas pela população, como se determinados “heróis” tivessem a incumbência de salvar o mundo das consequências do “crack” (TEIXEIRA, 2015TEIXEIRA, Isabela Bentes Abreu. Expurgos urbanos: Epidemia e gestão penal na política de enfrentamento ao crack. 2015. 174 f. Dissertação (mestrado) apresentada ao Departamento de Sociologia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB). Brasília, 2015., p. 13).

3 “Cracolândia” paulistana como “territorialidade itinerante”

Situada na Região Da Luz6 6 A Região da Luz pertence ao distrito Bom Retiro, subordinado à Subprefeitura Regional da Sé. Próximos a ela estão os bairros Campos Elíseos, Santa Ifigênia e Santa Cecília, locais por onde essa “territorialidade itinerante” realiza seus movimentos. , a dita “Cracolândia” paulistana, antes de tudo, deve ser entendida como uma “territorialidade itinerante”, também tendo em vista as várias contenções e dispersões repressivas, que alteraram sua localização por inúmeras vezes, mesmo que permanecendo localizada em torno desta região paulistana. Contudo, dizer “territorialidade itinerante” é frisar, sobretudo, as pessoas. Dar relevo, como escreve Frúgoli, a práticas espaciais que combinam fixação e movimento, ocupações flexíveis de espaço, fruto dos enfrentamentos a que tais agentes são submetidos. Territorialidade é, neste sentido, distinta de território, pois se o termo ”Cracolândia” é muito recorrente na mídia impressa, lá é mais comum ouvir menções aos próprios usuários, no caso os ”nóias”, ou seja, uma ênfase maior às pessoas do que a um espaço físico específico (2016, p. 252-253).

Essa geografia móvel, que desde o século XIX comporta “trabalhos de melhoramento do centro” com a expulsão da população negra (ALMEIDA e FRANCO, 2018ALMEIDA, Camila; FRANCO, Fernando Túlio Salva Rocha. Cotidiano e espetáculo: territórios e narrativas em disputa na Cracolândia. In: LINS, Regina Dulce; ROLNIK, Raquel (org.). Observatório de remoções 2017-2018: relatório bianual. São Paulo: FAU USP, 2018., p. 158), já por volta das décadas de 20 e 30 comportou o surgimento dos primeiros prostíbulos no local, que perduraram pelas décadas seguintes (RAUPP, 2011RAUPP, Luciane Marques. Circuitos de uso de crack nas cidades de São Paulo e Porto Alegre: Cotidiano, práticas e cuidado. 2011. 212 f. Tese (doutorado) apresentada ao Programa de pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2011., p. 51-52). Surge, com o passar do tempo, a formação do “Quadrilátero do Pecado”, delimitado pelas ruas e avenidas Duque de Caxias, dos Protestantes, São João e dos Timbrais - ou seja, a chamada “Boca do Lixo”.

A “Boca do Lixo” (COELHO JR., 2010COELHO JR., Márcio Novaes. Processos de Intervenção Urbana: Bairro da Luz, São Paulo. 2010. 330 f. Tese (doutorado) apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2010., p. 206-207), definida por Perlongher (1984) como a “‘cloaca libidinal’ da megalópole”, entre os anos de 1950 a 1990, compreendia ruas que concentravam estabelecimentos boêmios, frequentados por moradores, transeuntes, profissionais da região central, intelectuais e artistas progressistas, além de uma rede de casas e hotéis onde a prática de prostituição, jogos de todos os tipos e consumo de variadas drogas ilícitas eram frequentes e dependentes da cumplicidade policial, que, entretanto, por vezes, atuava de modo ostensivo, por meio de prisões e extorsões (RUI, 2016RUI, Taniele. Fluxos de uma territorialidade: duas décadas de “cracolândia” (1995-2014). In: KOWARICK,, Lúcio; FRÚGOLI JR., Heitor. Pluralidade Urbana em São Paulo: vulnerabilidade, marginalidade, ativismos. São Paulo: Editora 34; FAPESP, 2016., p. 231-232).

Gradualmente, o centro foi se transformando em um ambiente dito criminógeno, espaço dos ditos desajustados, não obstante a frequência de jovens e estudantes de classe média e alta, na busca por drogas e prostituição. A venda de drogas, corroborada por policiais, era relativamente livre, marcando distintamente esta parte da cidade (CARVALHIDO, 2014CARVALHIDO, Anna Luiza. O estigma e o poder do conhecimento: um estudo sobre a Operação Centro Legal de 2012. 2014. 138 f. Dissertação (Mestrado em direito) - Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV). São Paulo, 2014., p. 15-16). O “crack” apareceu na região em 1990, e o termo “Cracolândia” em 1995, no jornal “O Estado de São Paulo” (1995), quando este mencionou que “as ruas do bairro de Santa Ifigênia conhecidas como Cracolândia continuam sendo percorridas pelos policiais. Os antigos casarões vêm sendo usados por traficantes para preparar pedras de crack”.

De um modo ou doutro, sempre se afirmaram perspectivas sociais antagônicas: para uns, considerada um “lugar vivo, onde valores, emoções e negociações de todo tipo transbordam pela vida cotidiana, que acontece invisível para grande parte dos habitantes da cidade de São Paulo” (CALIL, 2015CALIL, Thiago Godoi. Condições do lugar: Relações entre saúde e ambiente para pessoas que usam crack no bairro da Luz, especificamente na região denominada cracolândia. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Ambiente, Saúde e Sustentabilidade da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2015., p. 67), para outros, normalmente representantes do poder público, visto como um local nocivo, vazio e carente de revitalização (MENDONÇA et al, 2018MENDONÇA, Pedro et al. O contexto territorial e urbanístico da região da Luz, no centro de São Paulo. In: LINS, Regina Dulce; ROLNIK, Raquel (org.). Observatório de remoções 2017-2018: relatório bianual. São Paulo: FAU USP, 2018., p. 88). Discurso oficial que acabou por transformar os moradores da Luz, pessoas em condição de rua, usuários e pequenos vendedores de drogas, além da população pobre, em causa e razão da deterioração, requerendo urgente intervenção para sanear sua degradação, violência e perigo (VAZ, 2009VAZ, Aglaé. O projeto Nova Luz e a renovação urbana na Região da Luz: o espaço urbano como condição e produto da acumulação e como espaço de reprodução da vida. 2009. 137 f. Dissertação (mestrado) apresentada ao programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2009., p. 82).

Assim, com a justificativa de combater tais “problemas”, o centro tornou-se objeto de políticas repressivas e higienistas que buscam a requalificação da paisagem urbana e a revitalização da área degradada.

Os espaços precisariam, portanto, ser (re)animados com uma determinada “vida” urbana inexistente (ou pretérita), dotada de certa “harmonia” social, na qual escamoteiam-se os conflitos urbanos. Essas práticas pela expressão “revitalização das áreas centrais”, justamente pelo nome que assume, considera que a vida ou o uso já existente não é suficiente, ou adequado, quando se busca a construção de uma imagem compatível com a atração de investimentos. Pressupõe uma cultura urbana estabilizada e evidencia o descaso pelos que ali vivem (MOREIRA, 2008MOREIRA, Carolina Margarido. Intervenções urbanas contemporâneas: o caso da área da Luz no centro de São Paulo. 2008. 212 f. Dissertação (mestrado) apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo (USP). São Carlos, 2008., p. 15-16).

Noutros termos, como assevera Moraes (2007), trata-se da adoção de uma espécie de “cultura empresarial da cidade”, em que se faz necessária a limpeza das áreas “revitalizadas”; o que, no vocabulário dos negócios imobiliários, significa retirar de determinados espaços “consumidores falhos” (BAUMAN, 2008BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 88., p. 88) e pôr em prática modelos de gentrificação já adotados em cidades globais. Assim, cabe entender as estratégias operadas pelo poder público nesta direção.

4 Urbanismo militar e gestão neoliberal de espaços

Principalmente a partir dos anos 2000, a presença da repressão policial, com as investidas governamentais de uso de cavalaria e técnicas de guerra que alimentam as táticas estatais, têm-se feito presentes na “Cracolândia” paulistana (ADORNO, 2015ADORNO, Rubens. De vestígios e de poder: “não adianta maquiar o minhocão, a cracolândia anda”. In: RUI, Taniele; MARTINEZ, Mariana; FELTRAN, Gabriel (org.). Novas faces da vida nas ruas. São Carlos: EdUFSCar, 2015., p. 200). Várias operações ali foram realizadas. A “Operação Limpa”, em 2005, tinha como viés principal a preocupação com a saúde e a assistência dos usuários de “crack”; todavia, serviu-se principalmente da intervenção policial, em nada solucionando o problema, tendo os usuários voltado ao local pouco depois das ações acabadas (MAGALHÃES, 2015MAGALHÃES, Taís Rodrigues Pereira. Campos de disputa e gestão do espaço urbano: o caso da “cracolândia” paulistana. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2015., p. 108). A “Operação Centro Legal”, de 2012, utilizou-se da mesma lógica repressora, mas não ficou apenas na abordagem militarizada, tendo desenvolvido um aparato securitário na região que acarretou a difusão do problema, proporcionando a formação de várias outras “mini-cracolândias” ao redor da original (FROMM, 2017FROMM, Deborah. Percursos e refúgios urbanos: notas sobre a circulação de usuários de crack pela trama institucional da Cracolândia de São Paulo. Ponto Urbe - Revista do núcleo de antropologia urbana da USP, n. 21, 2017., p. 10).

Em 2017, porém, houve nova ação, proveniente do “Projeto Redenção”. Objetivava “limpar” a região, amparada por atiradores de elite, centenas de policiais municiados por bombas e balas de borracha, com o auxílio de cavalarias e cães farejadores, e, assim, compôs uma cena cujo traço distintivo foi a completa desproporção de forças entre os combatentes e os combatidos, culminando na prisão de cerca de setecentas pessoas suspeitas de envolvimento com o tráfico de drogas, dispersão dos habitantes do local para outras áreas da cidade e até mesmo na proposição de internação compulsória de usuários de drogas (ALMEIDA; FRANCO, 2018ALMEIDA, Camila; FRANCO, Fernando Túlio Salva Rocha. Cotidiano e espetáculo: territórios e narrativas em disputa na Cracolândia. In: LINS, Regina Dulce; ROLNIK, Raquel (org.). Observatório de remoções 2017-2018: relatório bianual. São Paulo: FAU USP, 2018., p. 153). A operação, seguindo a mesma lógica da antecessora - com a demolição imediata de prédios habitados e fechamento de pensões que, supostamente, serviriam para o comércio de drogas - visava à desapropriação da área sem qualquer possibilidade de negociação (MENDONÇA et al., 2018MENDONÇA, Pedro et al. O contexto territorial e urbanístico da região da Luz, no centro de São Paulo. In: LINS, Regina Dulce; ROLNIK, Raquel (org.). Observatório de remoções 2017-2018: relatório bianual. São Paulo: FAU USP, 2018., p. 87). É de se notar que, “longe de ser ineficiente, o objetivo da operação foi alcançado em seu propósito: desgarrar pessoas daquele espaço, fazer sumir corpos, barracas, restos, cheiros, cores. O projeto das autoridades públicas se concretizou: a área ficou limpa” (MALLART, 2017MALLART, Fábio et al. Fazer sumir: políticas de combate à Cracolândia. Le Monde Diplomatique Brasil. Jul. 2017. Disponível em: http://diplomatique.org.br/fazer-sumir-politicas-de-combate-a-cracolandia/. Acesso em: 02 de agosto de 2018.
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).

Mallart, Mattar, Rui e Telles (2017MALLART, Fábio et al. Fazer sumir: políticas de combate à Cracolândia. Le Monde Diplomatique Brasil. Jul. 2017. Disponível em: http://diplomatique.org.br/fazer-sumir-politicas-de-combate-a-cracolandia/. Acesso em: 02 de agosto de 2018.
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) também percebem que as operações se deram, por um lado, com movimentos militarizados, imbricados com a intervenção urbana, sob a lógica da limpeza do espaço, da demolição de imóveis e de grupos sociais que frequentam o território e, por outro, com o confinamento de pessoas em instituições de controle, sejam punitivas ou assistenciais (afinal, ou prendem-se os considerados traficantes, ou apressam-se em emitir diagnósticos que estipulam, apressadamente, os usuários como dependentes químicos necessitados de internação) - ações que, camufladas de assistência social e à saúde, na prática se mostraram muito pouco preocupadas com o bem-estar e a qualidade de vida dos habitantes da região (MENDONÇA et al., 2018MENDONÇA, Pedro et al. O contexto territorial e urbanístico da região da Luz, no centro de São Paulo. In: LINS, Regina Dulce; ROLNIK, Raquel (org.). Observatório de remoções 2017-2018: relatório bianual. São Paulo: FAU USP, 2018., p. 87). É uma polícia que, em sua estratégia militarizada, visa a erradicar a territorialidade, abrindo espaço para a higienização populacional contra todos aqueles que destoam do projeto de uma cidade limpa e moderna. Pessoas que, como diria Deleuze (1992DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbert. São Paulo: Editora 34, 1992., p. 224), são pobres demais para ascenderem ao mundo do consumo, e numerosas demais para serem confinadas em prisões ou hospitais e comunidades terapêuticas.

Telles (2013TELLES, Vera da Silva. A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: a experiência paulista. Dez. 2013. Disponível em: http://www.veratelles.net/wp-content/uploads/2014/05/Projeto_de-Pesquisa.pdf. Acesso em: 02 de agosto de 2018.
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, p. 3) aponta que esse tipo de intervenção possui um modus operandi comum: intervenções territorialmente localizadas, espetacularizadas, com forte apelo midiático, e que mobilizam um grande aparato militar, com centenas de policiais, helicópteros, cavalarias e cães farejadores, por exemplo. Utilizando da primazia bélica, elegem um inimigo a ser combatido, delineado pelo proibicionismo seletivo do “crack”, e criam o espaço para que os negócios aconteçam.

Assentada a ideia de uma terra sem lei, que põe em risco a vida de todos, necessária uma operação de reconquista, a qualquer custo. Tal lógica militarizada de combate ao inimigo e ocupação de territórios será a condição para liberar a cidade e devolvê-la aos “cidadãos de bem” (MAGALHÃES, 2017MAGALHÃES, Taís. Campos de disputa e gestão do espaço urbano: a Operação Sufoco na “Cracolândia” paulistana. Ponto Urbe - Revista do núcleo de antropologia urbana da USP, n. 21, 2017., p. 10). Trata-se do mais genuíno “novo urbanismo militar”, lembrando Graham (2016GRAHAM, Stephen. Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar. Tradução: Alyne Azuma. São Paulo: Boitempo, 2016.) em seu “Cidades Sitiadas”.

Resulta clara a demonstração de como os espaços comuns e privados das cidades, bem como a população civil, tornam-se alvos, culminando numa guerra de cidadão contra cidadão. Souza (2008SOUZA, Marcelo Lopes de. Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008., p. 32-33) chamará isso de “Guerra Civil Molecular”, que acaba por reestruturar os espaços de vida urbanos e tem como sintomatologia um incremento de discursos conservadores repressivos e policialescos, aquecendo a já referida economia política do novo urbanismo militar e disseminando variadas estratégias e dispositivos de autoproteção da classe mais privilegiada. Uma guerra interna que faz com que o binário militar-civil seja cada vez menos útil, ocasionando um mundo em que civis não existem e todos os elementos humanos sejam vistos como combatentes, terroristas, insurgentes e alvos legítimos (GRAHAM, 2016GRAHAM, Stephen. Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar. Tradução: Alyne Azuma. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 67). Como dirá Souza (2012, p. 118): “os ‘inimigos’, agora, são pessoas nascidas no mesmo país que os ‘libertadores’”.

Vive-se, numa espécie de “Fobópole”: uma cidade dominada pelo medo da criminalidade violenta, na qual grande parte de seus habitantes sofre da sensação de insegurança (SOUZA, 2008SOUZA, Marcelo Lopes de. Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008., p. 9-40). Medo difuso, que recondiciona hábitos de lazer e deslocamento, modela discursos sobre a violência urbana e influencia formas de moradia e habitat das pessoas, tornando tais lugares sociopolítico-espacialmente fragmentados, já que acabam por se mostrar partes de um todo que já não se conectam mais. Essa situação acaba por culminar em um processo de segregação residencial de determinados grupos em condomínios fechados, por exemplo, e outro processo também de segregação, mas forçada ou induzida, na qual outros grupos são confinados a determinados locais, ou tipos de locais que, possivelmente, se pudessem, não escolheriam viver, como, por exemplo, a própria “Cracolândia” paulistana (SOUZA, 2008, p. 55-58).

No caso da “Cracolândia” paulistana, sempre reeditando velhas iniciativas de revitalização da área, os governos estadual e municipal, a fim de construir novos empreendimentos e atrair outros grupos à região, acabam por repetir tentativas de expulsão dos sujeitos que circulam por aquele local, nos hotéis, pensões, ruas, ocupações e bares, onde não só os usuários de “crack” são atingidos, mas também os demais moradores e trabalhadores do centro paulistano (MALLART, 2017MALLART, Fábio et al. Fazer sumir: políticas de combate à Cracolândia. Le Monde Diplomatique Brasil. Jul. 2017. Disponível em: http://diplomatique.org.br/fazer-sumir-politicas-de-combate-a-cracolandia/. Acesso em: 02 de agosto de 2018.
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).

Assim, quando a segurança pública é tomada como paradigma de governo, grupos específicos são criminalizados, e o medo do crime e da desordem se torna pretexto eficaz para o controle social. A presença dos indesejáveis, os quais se fazem visíveis, torna-se insuportável, e caberá ao governo promover uma sensação diminuída de segurança justamente para que se renove a fé em tudo que é militar (GRAHAM, 2016GRAHAM, Stephen. Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar. Tradução: Alyne Azuma. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 138-139). É o projeto punitivo neoliberal que mostra sua face e cunha sua estratégia: criar espaços pelo braço do controle, da punição e da disciplina para que influxos do mercado reinem tranquilos.

É de se arguir, contudo, se as operações de urbanismo militarizado na região da “Cracolândia” paulistana, estão na esteira daquilo que Souza (2012SOUZA, Marcelo Lopes de. Militarização da questão urbana. Lutas Sociais, São Paulo, n. 29, p. 117-129, jul./dez. 2012., p. 123) chama de “expulsão branca”, quer dizer, a valorização de determinados espaços urbanos antes desvalorizados que, após ações militares e expulsões de indesejáveis do local, acabam por se valorizar e atrair investimentos maiores de parcelas da população com elevado poder aquisitivo. Para responder a tal questionamento, deve-se refletir desde a intersecção da produção capitalista na cidade e os projetos urbanísticos propostos, a fim de se entender como essa relação, aliada a objetivos neoliberais na Região da Luz, em São Paulo, encaixam-se em lógicas de gentrificação.

5 São Paulo: uma questão de gentrificação

Se tanto o século atual quanto o anterior é predominantemente urbano (ZÁRATE, 2014ZÁRATE, María Lorena. El derecho a la ciudad: luchas urbanas por el buen vivir. Derecho a la ciudad y al territorio: una reflexión urgente. N. 55, abril de 2014., p. 5), e tendo em vista, também, a ascensão do neoliberalismo, não é de se estranhar que se considere a forma empreendedora como a mais adequada para gerir uma cidade (HARVEY, 2005HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005., p. 166-167). Isto implica dizer que se elide a ideia da cidade como direito para todos em favor da cidade como negócio para poucos, ao mesmo tempo em que as políticas vigentes ignoram ou criminalizam os esforços da população vulnerabilizada em obter um lugar para morar (ZÁRATE, 2014, p. 6-7). A urbanização, desse modo, é vista como um fenômeno de classe (HARVEY, 2014, p. 30-33), e a lógica capitalista torna-se primordial no governo da ocupação metropolitana, tendo o aparato estatal como aliado estratégico (ROLNIK, 1994ROLNIK, Raquel. O que é cidade. 3. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994., p. 55-63).

É o que acontece na cidade de São Paulo. Mesmo sendo objeto de constantes projetos de “revitalização” (D’ARC, 2006D’ARC, Hélène Rivière. Requalificar o século XX: projeto para o centro de São Paulo. In: BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine. De volta à cidade: dos processos de gentrificação às políticas de “revitalização” dos centros urbanos. São Paulo: Annablume, 2006., p. 273-282), é notável a mudança desde o “Projeto Nova Luz”. O projeto comportava o apelo da necessidade de retorno da população mais elitizada ao coração da cidade de São Paulo, como também pela necessidade de estancar o processo de decadência da Região da Luz, por ser uma importante região em função de seu patrimônio material e cultural, e também para solucionar a considerada desordem urbana que havia na região.

Em termos diretos, trazia a ideia de uma cidade organizada pela atividade lucrativa, uma otimização do seu uso visando à relação custo-benefício, esvaziada de sentido humano e redutora do espaço de realização da vida ao espaço de circulação e dos fluxos de informações e mercadorias. Assim, a valorização deste espaço se daria pelas obras realizadas no local, de modo a possibilitar aos proprietários do solo urbano auferir lucros, ao tempo em que se aprofundaria a fragmentação e a segregação socioespacial (VAZ, 2009VAZ, Aglaé. O projeto Nova Luz e a renovação urbana na Região da Luz: o espaço urbano como condição e produto da acumulação e como espaço de reprodução da vida. 2009. 137 f. Dissertação (mestrado) apresentada ao programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2009., p. 69).

Tal Projeto, conforme Coelho Jr. (2010COELHO JR., Márcio Novaes. Processos de Intervenção Urbana: Bairro da Luz, São Paulo. 2010. 330 f. Tese (doutorado) apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2010., p. 212-213), expressa claramente o desejo da criação de um novo ambiente urbano em detrimento do que já existia; a “Nova Luz”, então, seria viabilizado por meio da demolição de todas as edificações de até três pavimentos, não protegidas por leis de preservação cultural, e da expulsão da população indesejada e dos inconvenientes problemas sociais que lá existiam, em especial o uso e a venda de “crack”, dentro de um perímetro declarado de utilidade pública.

Para viabilizar tais ideias, o poder público utilizou-se de benefícios fiscais concedidos a empresas (PEREIRA, 2017PEREIRA, Carla Janaína de Freitas. A Nova Luz: Requalificação Urbana e Representações do Centro Paulistano. 2017. 137 f. Dissertação (mestrado) apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Culturas e Identidades Brasileiras do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2017., p. 32-33), desapropriação de áreas ocupadas (COELHO JR., 2010COELHO JR., Márcio Novaes. Processos de Intervenção Urbana: Bairro da Luz, São Paulo. 2010. 330 f. Tese (doutorado) apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2010., p. 258), bem como, através da Lei de Concessão Urbanística, da realização de obras de urbanização e do pagamento de indenizações e desapropriações dos moradores, tudo delegado ao setor privado (PEREIRA, 2017, p. 40).

Este esforço foi justificado pela área conter um dos maiores polos culturais da América Latina: a Sala São Paulo, a Pinacoteca do Estado, a Estação Júlio Prestes, o Parque da Luz, o Museu da Língua Portuguesa, o Museu da Arte Sacra, dentre outros. Além do mais, é localizada entre duas regiões com perfil comercial consolidado, a Santa Ifigênia e o Bom Retiro. Contudo, como dito, a Luz sempre foi vista como uma espécie de mancha que irradiava degradação ao seu entorno, justificativa para as ações empreendidas em São Paulo na direção dos padrões das chamadas cidades globais (MOREIRA, 2008MOREIRA, Carolina Margarido. Intervenções urbanas contemporâneas: o caso da área da Luz no centro de São Paulo. 2008. 212 f. Dissertação (mestrado) apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo (USP). São Carlos, 2008., p. 95). Cabe destacar que, ao se falar no financiamento para a construção de novas habitações para os que ali residiam, o foco estava destinado claramente a populações de elevado poder aquisitivo (VAZ, 2009VAZ, Aglaé. O projeto Nova Luz e a renovação urbana na Região da Luz: o espaço urbano como condição e produto da acumulação e como espaço de reprodução da vida. 2009. 137 f. Dissertação (mestrado) apresentada ao programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2009., p. 103), buscando-se a evidente substituição dos atuais moradores atuais por outros.

Arquivado pela gestão de Fernando Haddad (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2013), as iniciativas foram retomadas com a eleição do Prefeito João Dória Jr. Dias antes da operação que contou com a presença de centenas de policiais militares para expulsar da Região da Luz seus moradores, no dia 19 de maio de 2017, o prefeito publicou o Decreto 57.697/17, declarando a área de utilidade pública, e permitindo que imóveis fossem “desapropriados judicialmente ou adquiridos mediante acordo”. Assim, quase seis meses após assumir o governo municipal, o Prefeito, juntamente com o então governador, Geraldo Alckmin, desencadearam uma ação de dispersão semelhante àquela estratégia realizada por José Serra e Gilberto Kassab, com protagonismo policial, fechamento de estabelecimentos comerciais, apreensões e prisões (FELDMAN, 2017FELDMAN, Sarah. Santa Efigênia, Luz e Campos Elíseos: a Prefeitura derruba. Le Monde Diplomatique Brasil. Jul. 2017. Disponível em: http://diplomatique.org.br/santa-efigenia-luz-e-campos-eliseos-a-prefeitura-derruba/. Acesso em: 30 de setembro de 2018.
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), utilizando a questão da droga na região para expulsar dali seus indesejáveis habitantes.

Na vigência do Decreto, mesmo que pelo seu teor não fosse permitido, as autoridades estadual e municipal passaram a iniciar um processo de demolição de imóveis sem aviso prévio aos moradores - inclusive locais derrubados com pessoas residindo e escombros ferindo aquelas pegas de surpresa com a ação -, sob a justificativa de que a área ocupada seria clandestina (PAGOTTO, 2017PAGOTTO, Fábio. Demolição de pensão na Cracolândia deixa 3 feridos. Agora. Mai. 2017. Disponível em: http://www.agora.uol.com.br/saopaulo/2017/05/1886835-demolicao-de-pensao-na-cracolandia-deixa-3-feridos.shtml. Acesso em: 30 de setembro de 2018.
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).

Novamente, assim como no “Projeto Nova Luz”, no plano do Prefeito João Dória Jr., as ações programadas para transformar as habitações em condições precárias ali existentes não possibilitavam o acesso à população que vivia no local (GATTI, 2017GATTI, Simone. O habitat precário e invisível: conflitos e disputas da política habitacional no território da Cracolândia. Le Monde Diplomatique Brasil. Jul. 2017. Disponível em: https://diplomatique.org.br/o-habitar-precario-e-invisivel-conflitos-e-disputas-da-politica-habitacional-no-territorio-da-cracolandia/. Acesso em: 30 de setembro de 2018.
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), dada a extrema vulnerabilidade social envolvida. Mesmo aquelas que pudessem adquirir as habitações, a porcentagem destinada a elas seria de 20%, enquanto que 80% ficariam com pessoas que trabalhassem no centro da cidade, mas morassem distante dali (BETIM, 2017BETIM, Felipe. Doria planeja reformular e modernizar região da Cracolândia: continuarão nela seus moradores? El País. Jul. 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/15/politica/1500069709_316183.html. Acesso em: 06 de outubro de 2018.
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). A renovação da região da Luz, portanto, não estava destinada aos seus moradores, mas sim àqueles que dispusessem de melhores condições financeiras para ali habitar.

Nestes projetos, a estratégia governamental é de fácil verificação: o Estado almeja extrair renda da terra urbana, através de processos de criação ou revalorização de localizações, em uma alocação mais eficiente da terra urbana no conjunto da cidade, ou seja, na eliminação de usos e formas de ocupação menos lucrativas ou em poder de setores sociais incapazes de utilizá-las como ativos financeiros (ROLNIK, 2015ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015., p. 226-227).

A “urbanização neoliberal”, assim, tem sua tática muito bem definida, desde os chamados processos de gentrificação7 7 O termo gentrificação é, originalmente, atribuído à socióloga Ruth Glass, que o cunhou em 1964, para descrever um processo iniciado na década de 1950, em Londres, quando algumas áreas residenciais deterioradas, tradicionalmente ocupadas por operários, estavam sendo transformadas em áreas residenciais para grupos de status econômicos mais elevado. Deriva, assim, de gentry, expressão utilizada na Inglaterra para designar a classe média, e provém do francês arcaico genterise, que significa de origem gentil, nobre (GEVEHR; BERTI, 2017, p. 87-88). . Trata-se não somente de um processo que envolve uma mudança na população local de tal forma que os novos usuários tenham um status socioeconômico mais alto do que os antigos, mas juntamente há uma alteração associada ao ambiente construído através de reinvestimento em capital fixo (CLARK, 2005CLARK, Eric. The order and simplicity of gentrification - a political challenge. In: ATKINSON, Rowland; BRIDGE, Gary. Gentrification in a Global Context: The new urban colonialism. London: Routledge, 2005., p. 263) principalmente em sentido turístico. Nesse aspecto, a gentrificação turística acontece quando se dá a transformação de um bairro de classe média em um local relativamente elitizado e exclusivo, marcado pela multiplicação de locais de entretenimento, no qual as áreas são alteradas conforme a demanda de consumidores mais abastados financeiramente. Em suma, gentrificação e turismo são dinâmicas que se retroalimentam (GEVEHR; BERTI, 2017GEVEHR, Daniel Luciano; BERTI, Franciele. Gentrificação: uma discussão conceitual. Políticas Públicas & Cidades, vol. 5, n.1, p. 85-107, jan./jul. 2017., p. 97-98).

A gentrificação, deste modo, acaba sendo parte importante do urbanismo neoliberal, que acentua os contornos de classe na cidade, fragmenta ainda mais a vida cotidiana e, como consequência, transforma os espaços públicos em espaços onde reina o medo. E, nesse processo, os patrimônios históricos e culturais tomam dimensão privilegiada na reestruturação do espaço urbano. Nesse sentido, no âmbito da economia contemporânea, cada cidade tem sido compelida a oferecer meios favoráveis aos negócios, de modo a competir em um cenário crescente de mobilidade do capital em busca de melhores condições de lucratividade (SANFELICE, 2007, p. 193).

A partir dessa lógica, o Estado renega sua função de assegurar bem estar às populações vulnerabilizadas para converter-se em fornecedor de serviços e infraestrutura empresarial, incluindo a própria higienização da cidade, seja do ambiente construído e das ruas, seja dos detritos físicos e humanos engendrados pela desregulação econômica e pela austeridade social. Para as áreas gentrificadas, portanto, a finalidade é a invisibilização e anulação da pobreza, dispersando-os ou contendo-os em espaços reservados (WACQUANT, 2010WACQUANT, Loïc. Ressituando a gentrificação: a classe popular, a ciência e o Estado na pesquisa urbana recente. Caderno CRH, Salvador, v. 23, n. 58, p. 51-58, jan./abr. 2010. Salvador: 2010., p. 52-56).

Como Graham (2016GRAHAM, Stephen. Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar. Tradução: Alyne Azuma. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 154-164) destaca, a ingerência militarizada e a apropriação forçada funcionam como agentes de uma rápida “destruição criativa”, oferecendo enormes oportunidades para o mercado. Privatização, gentrificação e apropriação de bens são rapidamente convertidos em dividendos para as bolsas de valores globais. Insustentáveis em locais cada vez mais seletivos, dia a dia, este contingente populacional torna-se profundamente demonizado por um modo de vida neoliberal. A política urbana padrão passa por não resolver os problemas dos bairros e populações pobres, mas sim eliminar esses locais por táticas sofisticadas e brutalmente repressivas.

No caso de São Paulo, evidencia-se a intenção do poder público em consolidar o Centro como espaço de consumo e entretenimento cultural para as classes média e alta, a égide tradicional das operações de gentrificação de espaços (SANFELICE, 2007, p. 197). O poder público enxerga o Centro como oportunidade para encorajar o turismo e projetar o nome de suas cidades, esforçando-se em remover vendedores ambulantes, mendigos, moradores de rua, usuários de drogas, toda uma parcela da população que já não pode estar ali para se mostrar na imagem de uma cidade como produto pronto para atrair recursos. Uma gestão neoliberal urbana evoca como solução para aquilo que considera um problema social simplesmente sua remoção do cenário. Remoção (ou sua tentativa) que ocorreu, no caso da “Cracolândia” paulistana, da forma mais truculenta e sem qualquer cuidado com os habitantes, especialmente aqueles envolvidos com o “crack”. Nunca passou como prioridade o interesse em enfrentar a questão do uso problemático com a droga, mas sim aderir, cada vez mais, à lógica do mercado. A “territorialidade itinerante” que é a “Cracolândia”, enquanto um espaço público comum aos seus moradores e frequentadores, tornou-se alvo privilegiado das iniciativas de políticas neoliberais tanto ao nível regional quanto nacional.

A gentrificação, assim, aparece como um conceito poderoso, capaz de expor as mudanças sociais que estão por trás de algumas iniciativas de preservação cultural. Na história brasileira, renovação tem sido associada constantemente aos processos de destruição criativa, demolição de áreas inteiras e causando a remoção de grandes grupos populares sob uma retórica pública de preservação histórico-cultural. Smith (2006SMITH, Neil. A gentrificação generalizada: de uma anomalia local à “regeneração” urbana como estratégia urbana global. In: BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine. De volta à cidade: dos processos de gentrificação às políticas de “revitalização” dos centros urbanos. São Paulo: Annablume, 2006., p. 74) entende que, “em diferentes graus e por volta dos anos noventa, a gentrificação evoluiu em muitos casos no sentido de uma estratégia urbana crucial para as municipalidades, em comum acordo com o setor privado”.

Resta concluir, desse modo, como evidente a ocorrência de um processo de gentrificação em curso na “Região da Luz”, em São Paulo, em constante realização. Contudo, a ainda Luz resiste a todas tentativas de suprimi-la. Como comunidade heterogênea que é, portadora de vida - ao contrário do que insistem aqueles que pretendem ocupar compulsória e financeiramente seu espaço, por meio das mais cínicas intenções -, a Luz não se apaga, continua acesa, viva e, ademais da extrema vulnerabilização que vive, mantém-se como abrigo da diversidade.

Considerações finais

Tentando analisar o nó que entrelaça de modo complexo política criminal de drogas e práticas de urbanismo militar, acompanhandas pela gentrificação dos espaços, é que o presente artigo pretendeu aprofundar a reflexão acerca do caso da chamada “Cracolândia” paulistana. De modo resumido, pode-se encaminhar algumas conclusões fundamentais para o entendimento da questão.

De forma preliminar, quanto ao argumento que alimenta a intervenção securitária neste espaço, deve-se afirmar que, ao contrário do propagandeado, a suposta epidemia de “crack” não existe, servindo-se tal estratégia, por vezes, da ocultação de pesquisas que desmentem o discurso governamental (GARÇONI, 2019GARÇONI, Ines. Guerra à pesquisa: aqui estão os números que o governo escondeu e que mostram que não há uma epidemia de drogas no Brasil. The Intercept Brasil. Abr. 2019. Disponível em: https://theintercept.com/2019/03/31/estudo-drogas-censura/. Acesso em: 07 de abril de 2019.
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). Se a guerra às drogas tem sido utilizada, desde sempre, para controlar determinada parcela da população, não parece ser diferente com relação aos usuários de substâncias ilícitas, como é o caso dos moradores da “Cracolândia” paulistana. As autoridades governamentais, sob o pretexto de zelar pela saúde pública, implementaram expressiva militarização daquele espaço, com o fim de construir um ambiente propício aos negócios.

Nesse sentido, a dita revitalização da área da Luz foi disposta a rigor para trocar a população que ali residia, expulsando os refugos humanos que vivem no local e dinamizando a especulação imobiliária por um nítido processo de gentrificação. A intenção é, de fato, tornar São Paulo uma cidade global, atrativa aos negócios, retirando da localidade os indesejáveis para esta nova paisagem. Contudo, a Luz, enquanto portadora de heterogeneidade, resiste. Apesar das várias tentativas de gentrificação que sofreu e vem sofrendo ao longo dos últimos anos, segue a região viva, acesa e disposta a denunciar as desumanidades perpetuadas com sua própria existência.

Em suma, o presente artigo está longe de encerrar a discussão sobre tais práticas. Deve servir, sim, de superfície de arranque para procurar entender as minúcias destas intervenções que se repetem cotidianamente nestes locais de “territorialidade itinerante” como a “Cracolândia”.

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  • ZÁRATE, María Lorena. El derecho a la ciudad: luchas urbanas por el buen vivir. Derecho a la ciudad y al territorio: una reflexión urgente. N. 55, abril de 2014.
  • 1
    “Por esta palavra, ‘governamentalidade’, entendo o conjunto constituído pelas instituições, os procedimentos, análises e reflexões que permitem exercer essa forma bem específica, embora muito complexa, de poder que tem por alvo principal a população, por principal forma de saber a economia política por instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança. Em segundo lugar, por ‘governamentalidade, entendo a tendência, a linha de força que, em todo o Ocidente, não parou de conduzir, e desde há muito, para a preeminência desse tipo de poder que podemos chamar de ‘governo’ sobre todos os outros - soberania, disciplina - e que trouxe, por um lado, o desenvolvimento de toda uma série de aparelhos específicos de governo (e, por outro lado), o desenvolvimento de toda uma série de saberes. Enfim, por ‘governamentalidade’, creio que se deveria entender o processo, ou antes, o resultado do processo pelo qual o Estado de justiça da Idade Média, que nos séculos XV e XVI se tornou o Estado administrativo, viu-se pouco a pouco ‘governamentalizado’” (FOUCAULT, 2008, p. 143-144).
  • 2
    Para Simon, desde o final dos anos 1960, a América do Norte tem construído novas estruturas, civis e políticas, em torno do problema da criminalidade, de modo que a tal política governamental através do crime, alterou profundamente sua democracia, ocasionando profundas mudanças nos poderes de Estado. Esta governamentalidade criminal permite que se legitime ao extremo a prevenção de certos comportamentos tidos como problemáticos além de ressignificar problemas sociais como criminais. Além disso, a marca deste tipo de gestão coloca tecnologias, discursos e metáforas em torno do crime e do sistema de justiça criminal sempre mais visíveis exatamente para o alcance de sua governança. Assim, um estado de bem-estar tende a se planificar penalmente, resultando num país menos democrático e mais racialmente polarizado (2017, p. 93-94).
  • 3
    O termo, conforme a pesquisa da FioCruz, “corresponde a uma vertente, minoritária, das cenas e uso de crack em todo o país, na maioria das vezes pequenas, extremamente dinâmicas, e não ‘ancoradas’ numa dada localidade, como as ‘Cracolândias’ paulistanas e cariocas, ainda existentes quando do início da pesquisa. As cenas de crack por nós mapeadas (ainda que não necessariamente visitadas), incluíram, além das ‘Cracolândias’, cenas afastadas do espaço público e mesmo ‘fechadas’ - no que se refere ao consumo individual ou em pequenos grupos em espaços como casas abandonadas” (BASTOS; BERTONI, 2014, p. 18).
  • 4
    Nesse sentido, ver Meu nome não é Cracudo (REDES DA MARÉ, 2015) e Crack: reduzir danos (EVANS, 2017).
  • 5
    Para maiores detalhes, ver A exposição e a invisibilidade: percursos e percalços por Lisboa e São Paulo (SILVA, 2017) e O uso problemático do crack e a classe média (GARCIA, 2016).
  • 6
    A Região da Luz pertence ao distrito Bom Retiro, subordinado à Subprefeitura Regional da Sé. Próximos a ela estão os bairros Campos Elíseos, Santa Ifigênia e Santa Cecília, locais por onde essa “territorialidade itinerante” realiza seus movimentos.
  • 7
    O termo gentrificação é, originalmente, atribuído à socióloga Ruth Glass, que o cunhou em 1964, para descrever um processo iniciado na década de 1950, em Londres, quando algumas áreas residenciais deterioradas, tradicionalmente ocupadas por operários, estavam sendo transformadas em áreas residenciais para grupos de status econômicos mais elevado. Deriva, assim, de gentry, expressão utilizada na Inglaterra para designar a classe média, e provém do francês arcaico genterise, que significa de origem gentil, nobre (GEVEHR; BERTI, 2017, p. 87-88).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2019
  • Aceito
    26 Nov 2019
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