Acessibilidade / Reportar erro

Distanásia: percepção dos profissionais da enfermagem

Resumos

Distanásia significa morte lenta, sofrida e sem qualidade de vida. Nesta pesquisa buscou-se conhecer se os enfermeiros identificam a distanásia como parte do processo final da vida de pessoas em terminalidade, internadas em UTI adulto. O estudo é de natureza exploratória, com abordagem qualitativa. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada com 10 enfermeiros com, no mínimo, um ano de experiência em UTI, e interpretados pela análise de conteúdo. Teve-se como resultado que os enfermeiros compreendem e identificam a distanásia e se opõem à mesma, trazendo elementos da ortotanásia como procedimento adequado para pacientes em terminalidade. Conclui-se que os enfermeiros interpretam a distanásia como o prolongamento de vida com dor e sofrimento, onde os pacientes terminais são submetidos a tratamentos fúteis que não trazem benefícios. E também identificam a distanásia, usando elementos da ortotanásia para explicitá-la.

doente terminal; eutanásia; enfermagem; bioética


Dysthanasia means slow and painful death without quality of life. This study aimed to know whether nurses identify dysthanasia as part of the final process of the lives of terminal patients hospitalized at an adult ICU. This is an exploratory-qualitative study. Data were collected through semi-structured interviews with ten nurses with at least one year of experience in an ICU, and interpreted through content analysis. Results indicate that nurses understand and identify dysthanasia, do not agree with it and recognize elements of orthonasia as the adequate procedure for terminal patients. We conclude that nurses interpret dysthanasia as extending life with pain and suffering, while terminal patients are submitted to futile treatments that do not benefit them. They also identify dysthanasia using elements of orthonasia to explain it.

terminally ill; euthanasia; nursing; bioethics


Distanasia significa muerte lenta, con sufrimiento y sin calidad de vida. En esta investigación se buscó conocer si los enfermeros identifican la distanasia como parte del proceso final de la vida de personas en estado terminal, internadas en una UTI para adultos. El estudio es de naturaleza exploratoria, con abordaje cualitativo. Los datos fueron recolectados por medio de entrevista semiestructurada con 10 enfermeros con un mínimo de un año de experiencia en UTI; los datos fueron interpretados por el análisis de contenido. Se obtuvo como resultado que los enfermeros comprenden e identifican la distanasia y se oponen a la misma, presentando elementos de ortotanasia como procedimiento adecuado para pacientes en estado terminal. Se concluye que los enfermeros interpretan la distanasia como el prolongamiento de la vida con dolor y sufrimiento, en el cual los pacientes terminales son sometidos a tratamientos fútiles que no traen beneficios. También identifican la distanasia, usando elementos de la ortotanasia para hacerla explicita.

enfermo terminal; eutanasia; enfermería; bioética


ARTIGO ORIGINAL

Distanásia: percepção dos profissionais da enfermagem

Milene Barcellos de MenezesI; Lucilda SelliII, †; Joseane de Souza AlvesI

IEnfermeira, e-mail: mimibm@pop.com.br, joseane.ars@gmail.com

IIProfessor Adjunto, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS, Brasil, e-mail: lucilda@unisinos.br

RESUMO

Distanásia significa morte lenta, sofrida e sem qualidade de vida. Nesta pesquisa buscou-se conhecer se os enfermeiros identificam a distanásia como parte do processo final da vida de pessoas em terminalidade, internadas em UTI adulto. O estudo é de natureza exploratória, com abordagem qualitativa. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada com 10 enfermeiros com, no mínimo, um ano de experiência em UTI, e interpretados pela análise de conteúdo. Teve-se como resultado que os enfermeiros compreendem e identificam a distanásia e se opõem à mesma, trazendo elementos da ortotanásia como procedimento adequado para pacientes em terminalidade. Conclui-se que os enfermeiros interpretam a distanásia como o prolongamento de vida com dor e sofrimento, onde os pacientes terminais são submetidos a tratamentos fúteis que não trazem benefícios. E também identificam a distanásia, usando elementos da ortotanásia para explicitá-la.

Descritores: doente terminal; eutanásia; enfermagem; bioética

INTRODUÇÃO

A distanásia é termo pouco conhecido, mas muitas vezes praticada no campo da saúde. É assunto do campo da Bioética e é traduzido, segundo o Dicionário de Bioética(1), como "morte difícil ou penosa, usada para indicar o prolongamento do processo da morte, através de tratamento que apenas prolonga a vida biológica do paciente. Ela é sem qualidade de vida e sem dignidade. Também pode ser chamada Obstinação Terapêutica"(2).

Trata-se de conduta que visa manter a vida do paciente terminal, sujeito a muito sofrimento. Essa conduta não se estende à vida, mas ao processo de morrer. O avanço da ciência e sua aplicação, por vezes, comprometem a qualidade de vida das pessoas em sofrimento, afetando a sua dignidade. Os cuidados paliativos e o respeito ao direito do paciente são meios eficazes para prevenir a prática da distanásia.

O tema distanásia foi escolhido para ser aprofundado, por se constituir realidade no cotidiano dos profissionais de enfermagem e do qual pouco se fala, mesmo caracterizando-se como situação de sofrimento para o paciente, onde a vida é mantida sem perspectivas.

O estudo oportuniza pensar e estimular a discussão não só na área da Enfermagem, mas também com grupos interdisciplinares, já que o problema afeta pacientes atendidos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento. Buscou-se trabalhar com profissionais de enfermagem porque eles convivem com a distanásia nas UTIs e, através desses, é possível identificar novas formas de atendimento ao paciente em terminalidade e obter maiores conhecimentos sobre o tema.

Tem-se, portanto, como objetivo para o presente estudo conhecer se os enfermeiros compreendem e identificam situações de distanásia em unidade de terapia intensiva.

Acredita-se que este estudo poderá contribuir para otimizar a discussão entre os pares e o repensar do dilema entre distanásia e ortotanásia, prolongar a vida a qualquer custo, trazendo sofrimento ou a morte como parte da vida, no momento certo. Ainda, sob essa perspectiva, os enfermeiros e outros profissionais da saúde, ao poderem identificar nos seus pacientes situações de distanásia ou de ortotanásia, sustentariam melhor a tomada de decisão, tanto a respeito do tratamento e do que conheceriam mais acerca do assunto como na busca de melhor manejo com os familiares.

MÉTODOS

Este é um estudo de natureza exploratória com abordagem qualitativa(3).

O pesquisador que trabalha com estratégias qualitativas atua com a matéria-prima das vivências, das experiências, da cotidianidade e também analisa as estruturas e as instituições, mas as entendem como ações humanas objetivadas. A pesquisa qualitativa tem questões particulares. Ela preenche um nível que não pode ou não poderia ser quantificado(3). Trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes(3).

A pesquisa exploratória é mais do que simplesmente observar e descrever o fenômeno, mas investiga a sua natureza complexa e outros fatores com os quais o fenômeno está relacionado(4).

A pesquisa foi realizada na unidade de terapia intensiva adulto de um hospital de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

A amostra foi composta por dez enfermeiros que trabalham na UTI adulto e que vivenciam a distanásia no seu dia a dia, sendo de ambos os sexos, dos turnos manhã, tarde e noite, totalizando dez entrevistados. Foram considerados para a seleção da amostra os enfermeiros com, no mínimo, um ano de experiência em UTI.

Escolheu-se trabalhar com esses profissionais por conviverem com a distanásia nas UTIs e por considerar possível identificar novas formas de atendimento ao paciente em terminalidade e, também, obter maiores conhecimentos sobre o tema.

Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, tendo como tópicos: a terminalidade, tratamento fútil, compreensão da distanásia, ajuda ao paciente terminal.

A entrevista semiestruturada associa perguntas abertas e fechadas, onde o pesquisador pode falar sobre o tema em pauta sem se ligar à questão formulada(3).

As entrevistas foram registradas por meio de um gravador de áudio e, posteriormente, transcritas na íntegra. Foram realizadas conforme combinado com a chefia, em uma sala disponível no momento, para garantir a privacidade do entrevistado, sendo pré-agendadas, com duração aproximada de 30 minutos, no período de março de 2008. A realização da pesquisa deu-se pela manhã, tarde e noite.

Os dados foram analisados por meio de análise de conteúdo. A análise tem por finalidade compreender os dados coletados, ampliar o conhecimento a respeito do assunto estudado, confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e obter respostas aos questionamentos iniciais(3). Os núcleos foram sublinhados e retirados dos dados e, após a comparação, foram agrupados por similaridades e diferenças, formando as categorias(3).

Com a densificação das categorias e a saturação dos dados, houve a composição das categorias e, por fim, buscou-se, através do referencial teórico, compreender os dados coletados, realizando articulações entre os dados e os referenciais teóricos da pesquisa(3).

Este trabalho foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital, para avaliação e aprovação, conforme Protocolo n. 019/08, aprovado em 27 de fevereiro de 2008, de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

As questões éticas para a realização da pesquisa foram garantidas por meio do consentimento livre e esclarecido, fornecido aos sujeitos pesquisados, onde foi esclarecido o tema do estudo, objetivos e justificativas. O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado em duas vias, ficando uma com o sujeito pesquisado e a outra com o pesquisador.

RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS

Com a densificação dos dados, surgiram quatro categorias de análise. Essas são identificadas pelas seguintes denominações: a) identificação e compreensão de distanásia; b) da distanásia à ortotanásia; c) tratamento fútil: a família como potencializadora e d) participação dos enfermeiros.

Primeira categoria: identificação e compreensão de distanásia

Esta categoria dedica-se a apresentar e analisar os dados coletados que remetem à identificação e compreensão da distanásia referida pelos entrevistados, a partir das respostas dadas nas entrevistas.

"O termo distanásia é definido como morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento"(5).

[...] distanásia é morrer com dor, né? é morrer com sofrimento.(S1).

O prolongamento exagerado da morte, submetido a intenso processo de dor e sofrimento, é processo em que se prolonga a agonia, não havendo possibilidade de cura ou de melhora. Prolonga a agonia, sem expectativas de sucesso ou de qualidade de vida melhor para o paciente, onde não se visa prolongar a vida, mas sim o processo de morte.

Eu acredito que na UTI a gente faz muita distanásia, a gente prolonga o sofrimento dos pacientes, muitas vezes (S2).

Este outro diz do prolongamento do sofrimento e não da vida.

[...] quando tu prolongas uma vida sem uma perspectiva terapêutica não, não vale a pena, isso vai ser só prolongar sofrimento (S5).

Outra compreensão de distanásia trazida diz respeito ao distanciamento da morte.

[...] tu distancia o paciente da morte, tu usas medidas pra distanciá-lo dá morte (S3).

A distanásia não adiciona benefício ao paciente.

[...] tu vais investir mais alguma coisa no paciente, que tu vai estar fazendo coisas que não é pra benefício do paciente (S3).

Este refere o morrer cruel.

[...] a distanásia é esse morrer de uma forma cruel (S4).

Através das falas de alguns enfermeiros, foi possível verificar que compreendem e identificam a distanásia na unidade. Eles identificam muitas vezes quando foi feito todo o que é possível ou toda a terapêutica possível para ele e que o tratamento não está sendo efetivo. Há a compreensão de uma forma de morte cruel, com dor e muito sofrimento, não propiciando nenhum benefício, onde também ocorre o afastamento da morte e o afastamento da vida.

Tratando de pacientes terminais, que não têm chance de cura e de mudar esse quadro, a prática da obstinação terapêutica resulta simplesmente no prolongamento do processo de morrer, acarretando mais dores e sofrimento ao doente que se encontra no fim da vida(6).

Muitos pacientes são submetidos ao processo de morrer doloroso, angustiante, desnecessário e caro(7).

Estas falas relatam que são usados medicamentos e solicitados exames caros em pacientes sem perceptiva de vida.

[...] não tem perspectiva nenhuma de vida, assim é colocada uma terapêutica que normalmente é cara (S8).

A tecnologia disponível vem sendo usada de modo inapropriado e com exageros, cometidos em larga escala, principalmente no tratamento de doentes terminais(6).

Doentes terminais são submetidos a tratamentos, procedimentos e técnicas invasivas nas UTIs, em que o sofrimento é maior do que o beneficio para ele, porque a cura não será possível.

Segunda categoria: da distanásia à ortotanásia

Considera-se doente terminal aquele que está em fase final por evolução de sua doença, sem mais condições de reversibilidade, mesmo que parcial e temporária, frente a qualquer medida terapêutica conhecida e aplicada(8).

Paciente terminal é aquele paciente grave, que não tem muita perspectiva de qualidade de vida depois que sai da UTI (S7).

Paciente terminal na evolução da doença, em determinado momento, não é mais possível recuperá-lo, ou seja, a morte é inevitável. As medidas terapêuticas, nesse estágio, não aumentam a sobrevida, apenas prolongam o processo de morte.

[...] nenhum paciente é terminal no meu ponto de vista, tem paciente com limite terapêutico, termo paciente terminal parece... terminal parece que não tem o que se fazer pelas pessoas, mas até na hora de morte tem sim, muito se faz pelos outros (S6).

Ortotanásia significa morte em seu tempo certo, sem abreviar e sem prolongar desproporcionalmente o processo de morrer(9).

O cuidado paliativo realiza o controle da dor e traz melhora na qualidade de vida. Não pensando em curar uma doença ou estender a vida ao máximo, mas permitir que o paciente viva de forma tranquila e confortável.

Os cuidados paliativos tentam suavizar o sofrimento, a dor insuportável, a degradação do corpo, mas não as eliminam totalmente. Os programas de cuidados paliativos não propõem eutanásia, mas há a preocupação com a qualidade de vida e bem-estar dos pacientes. Também não se tem aparelhos para ressuscitamento, nem se propõe tratamentos heróicos das UTIs(10).

O conceito de cuidar é focado no cuidado e não na cura definitiva do cliente, o cuidado paliativo surge associado ao trabalho de equipe multidisciplinar, ao controle da dor e alívio de sintomas(11).

Através das falas pode-se identificar que é mantido o conforto, como prioridade, trazendo elementos da ortotanásia, que é morrer na hora certa, em oposição à distanásia. O paciente terminal então é mantido com cuidados paliativos, controle da dor e dos sintomas, tentando melhorar a qualidade de vida.

[...] tem que se investir tudo no conforto pra ele, né? tirar sofrimento, né? ter uma boa analgesia para este paciente, porque não tem mais o que fazer além do tratamento, então, eu acho que o conforto tem que ser priorizado (S9).

Muitos pacientes na UTI progridem para o cuidado paliativo. O enfermeiro da UTI oferece forte suporte e manuseio da dor aos pacientes, alívio do sofrimento e da dor aos doentes terminais.

Um paciente terminal tem um prognóstico muitíssimo reservado, né? um paciente em que foram feitos todos as medidas, todo o tratamento e que este paciente não tem... tem mais o que ser feito para ele, tudo que tinha que ser feito foi e agora, só manter conforto para ele e esperar com que a morte chegue (S1).

A ortotanásia é uma dimensão mais positiva do direito de morrer e consiste no morrer humanamente, morrer serenamente, morte ideal. É o processo de humanização da morte e o alívio das dores, mas não provoca prolongamento abusivo com a aplicação de terapêuticas fúteis, que levariam sofrimentos adicionais ao paciente terminal.

A ortotanásia é a conduta de não evitar a morte do paciente e, sim, cessar investimentos que prolongam a vida a médio prazo(12).

Não se aplica o conceito ortotanásia a casos que se limitam ao sofrimento intenso de qualquer natureza, seja dor ou desconforto. Suspender apenas as medidas que se ajustam no conceito de obstinação terapêutica, focando a manutenção do bem-estar do paciente, tomando todas as medidas necessárias para esse fim(13).

Na medida em que a terapia não consegue mais restaurar a saúde, o curar torna-se uma futilidade e intensifica esforços para manter a vida, não esquecendo que cuidar é parte do tratamento para não cair na distanásia(9).

Quando o tratamento não atinge mais os objetivos, quando não existem possibilidades reais de sucesso ou de melhor qualidade de vida, tratar se torna fútil. Então, deve-se parar com as medidas inúteis e agregar os esforços para amenizar a dor, o sofrimento, o desconforto de morrer, proporcionando morte natural. Não tem cura a morte. É nobre assumir que ela faz parte da vida.

Terceira categoria: tratamento fútil - a família como potencializadora

O tratamento fútil é quando não se alcança o objetivo de adiar a morte, estender a vida, melhorar, manter ou restaurar a qualidade de vida, beneficiar o doente como um todo, melhorar o prognóstico, melhorar o conforto, bem-estar, terminar a dependência de cuidados médicos intensivos, prevenir ou curar a doença, aliviar o sofrimento e sintomas, restaurar as funções(14).

Futilidade médica é compreendida como aquelas ações que não conseguem manter ou restaurar a qualidade de vida, trazer à consciência, aliviar o sofrimento, proporcionar benefício para o paciente, ao contrário, causam muito sofrimento(10).

[...] o médico deixa claro, mas a família não quer, eles preferem que invista tudo e aí a gente sente que o paciente mantém o sofrimento mesmo, daí entra no que tu estás falando sobre a distanásia (S4).

No momento em que não se consegue atingir os objetivos da terapia médica, que é de preservar a saúde ou aliviar o sofrimento, isso se torna uma futilidade ou peso. Então surge a obrigação de parar com medidas inúteis e intensificar o empenho para amenizar o desconforto do morrer(15).

A seguir, a pesquisa mostra que o familiar não aceita a condição do paciente que está internado na UTI e prefere que se invista toda a terapêutica possível.

[...] a família não aceita que se tire tudo, que se deixe só como paciente suporte, que este paciente realmente é terminal, tem que deixar bem claro, mas a família não aceita, é uma decisão da família (S10).

Procedimentos fúteis de tratamento, com pequena probabilidade de retorno, devem ser abolidos(16).

Prolongar a vida, a qualidade dessa vida, é uma definição complicada que a ciência e a tecnologia transpõem para o plano humanitário(13).

O tratamento fútil não traz nenhum beneficio ao paciente terminal, adia a morte e acrescenta agonia programada, trazendo esperança para os familiares. O tratamento fútil poderia ser substituído pelos cuidados paliativos. Mas vê-se que os familiares não aceitam as condições dos seus familiares gravemente doentes, manifestando que preferem manter o tratamento.

Quarta categoria: participação dos enfermeiros

A participação dos enfermeiros na tomada de decisões tem se mostrado tímida. Ou seja, nas situações em que poderiam contribuir efetivamente, defendendo a autonomia do paciente e da família, esses mesmos enfermeiros cumprem o tratamento com os quais, na maioria das vezes, não concordam.

A importância do diálogo interdisciplinar enfatiza que essa característica da bioética exige o envolvimento dos profissionais da saúde e de todos aqueles que, com competência e responsabilidade, se dispõem a refletir eticamente sobre a melhor conduta a ser tomada(17).

[...] eu acho que a enfermagem realmente se ocupa pouco disto, porque o processo de trabalho da enfermagem também não permite que a gente pare e discuta sobre este tema, a morte.

Esta fala mostra que os enfermeiros não contestam a prescrição médica e nem outros médicos contestam, há um respeito na decisão da conduta.

[...] ninguém contesta uma prescrição medica, né, até entre eles não se... entre eles também se respeitam muito se tu achar que a conduta é essa, então siga em frente.

As decisões de interrupção do tratamento fútil incluem mais atenção para aperfeiçoar a relação enfermeiro-médico-paciente-família nas situações em que a cura não é possível, que passa a ser cuidado, tanto da enfermagem como do médico(14).

[...] o que a gente pode participar sim é respeitar este paciente como um tal, sabe que ele está nas suas condições mínimas de sobrevida... mas durante os round consegue conversar com os médicos, colocar algumas visões nossas, realmente alguns são receptivos, até conversam, como a gente conversa agora.

É relatado que não se consegue influenciar na decisão e que a enfermagem deveria participar mais para poder preparar a sua equipe.

[...] a gente não consegue assim influenciar nesta decisão, não consegue participar desta decisão, acho que a enfermagem também deveria participar mais desta decisão até pra poder depois preparar a sua equipe.

Na prática, o médico é levado a decidir isolada e unilateralmente, não compartilhando opiniões devido à falta de comunicação entre os profissionais. Também é percebido que a decisão de se interromper determinado tratamento, como fútil, nem sempre é unânime entre os profissionais e apoiada pelos diferentes médicos da mesma instituição. Não é incomum que, em plantões diferentes, outro médico retome o tratamento anterior, motivado por suas convicções, criando um círculo vicioso de difícil solução e que reflete a falta de diálogo entre a própria equipe médica(5).

Enfim, a enfermagem participa pouco da decisão das condutas a serem tomadas, mas, em alguns casos, há a oportunidade de se conversar com os médicos e colocar a sua visão da conduta, falta o trabalho interdisciplinar entre as equipes, ficando muito da decisão sobre um só.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os entrevistados, eles identificam a distanásia no seu dia a dia como uma morte sofrida, com muita dor, introduzindo tratamento agressivo que só prolonga o processo de morrer. Também há prolongamento do sofrimento e não da vida, não trazendo nenhum beneficio terapêutico e acarretando gastos elevados para a instituição.

Os enfermeiros identificam a distanásia, mas combatem e proporcionam a ortotanásia, sempre priorizando o conforto e o alívio da dor, num ambiente tranquilo e agradável, visando a qualidade de vida, a dimensão mais positiva do direito de morrer, sem prolongamentos abusivos de tecnologias de ponta, na sua fase final da vida há muito que se fazer por ele, mantendo a conduta de enfermagem, sem a utilização de tecnologias sofisticadas, mas sim na interação entre equipes. A tomada de decisões pelos enfermeiros mostra-se pouca ativa e restrita ao médico.

Pelos dados coletados, percebe-se que os enfermeiros compreendem a distanásia como prolongamento de vida com dor e sofrimento, empenhando-se da melhor forma possível para garantir a dignidade do paciente no seu viver e no seu morrer, controlando os sintomas de desordem orgânica, procurando manter o conforto e o bem-estar do paciente terminal.

Conclui-se que os enfermeiros compreendem a distanásia na unidade e que os pacientes terminais são submetidos a tratamentos fúteis que não proporcionam nenhum benefício, com o prolongamento da morte. Eles também identificam a distanásia, mas trazem elementos da ortotanásia para manter o conforto como prioridade, o morrer na hora certa.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Dicionário de Bioética. Portugal: Editorial Perpétuo Socorro; 2001.
  • 2. Barchifontaine CP, Pessini L. Problemas atuais de Bioética. 5Ş ed. São Paulo (SP): Loyola; 2000.
  • 3. Minayo MCS, organizadora. Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. 10Ş ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2006.
  • 4. Polit DF, Beck CT, Hungler BP. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: métodos, avaliação e utilização. 5Ş ed. Porto Alegre (RS): ARTMED; 2004.
  • 5. Toffoletto MC, Zanei SSV, Hora EC, Nogueira GP, Miyadahira AMK, Kimura M, et al. A distanásia como geradora de dilemas éticos nas Unidades de Terapia Intensiva: considerações sobre a participação dos enfermeiros. Acta Paul. Enferm. 2005 setembro; 18(3):307-12.
  • 6. Möller LL. Direito à morte com dignidade e autonomia: o direito à morte de pacientes terminais e os princípios da dignidade e autonomia da vontade. Curitiba (PR): Juruá; 2007.
  • 7. Siqueira-Batista R, Schramm FR. A Filosofia de Platão e o debate Bioético sobre o fim da vida: interseções no campo da Saúde Pública. Cad Saúde Pública 2004; 20(3):855-65.
  • 8. Silva CHD, Schramm FR. Bioética da obstinação terapêutica no emprego da hemodiálise em pacientes portadoras de câncer do colo do útero invasor, em fase de insuficiência renal crônica agudizada. Rev Bras Cancerol 2007; 53(1):17-27.
  • 9. Torres WC. A Bioética e a Psicologia da Saúde: Reflexão sobre questões de vida e morte. Psicol. Reflex. Crit. 2003; 16(3):475-82.
  • 10. Kovasc MJ. Bioética nas questões da vida e da morte. Psicol. USP 2003; 14(2):115-67.
  • 11. Santos MCL, Pagliuca LMF, Fernandes AFC. Cuidados paliativos ao portador de câncer: reflexões sob o olhar de Paterson e Zderad. Rev Latino-am Enfermagem 2007 mar/abr; 15(2):350-4.
  • 12. Prudente MG. Bioética: conceitos fundamentais. Porto Alegre (RS): Ed. do Autor; 2000.
  • 13. Martin L. Eutanásia e Distanásia. In: Costasi F, Garrafa V, Oselka G, organizadores. Iniciação a Bioética. Brasília (DF): Conselhos Federais de Medicina; 1998.
  • 14. Pessini L. Distanásia: Até quando prolongar a vida?. São Paulo (SP): Loyola; 2001.
  • 15. Pessini L. Distanásia: Até quando investir sem agredir? Bioética 1996; 4(1):31-43.
  • 16. Laselva CR. O paciente terminal: vale a pena investir no tratamento? Einstein 2004; 2(2):131-2.
  • 17. Selli L. Bioética na enfermagem. 2Ş. ed. São Leopoldo (RS): UNISINOS; 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Out 2009
  • Data do Fascículo
    Ago 2009

Histórico

  • Aceito
    18 Jun 2009
  • Recebido
    16 Jul 2008
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br