Aspectos sexuais de candidatos e receptores de transplante de fígado: evidências disponíveis na literatura¹

RESUMO

Objetivo:

analisar as evidências disponíveis na literatura sobre as alterações na sexualidade de candidatos e receptores de transplante de fígado.

Método:

revisão integrativa com busca dos estudos primários nas bases de dados MEDLINE (via PUBMED), CINAHL e LILACS, publicados em inglês, português ou espanhol.

Resultados:

os 16 estudos primários incluídos foram agrupados em três categorias: 1) sexualidade feminina (n=5), 2) sexualidade masculina (n=5) e 3) sexualidade masculina e feminina (n=6). Na categoria 1, os temas investigados foram contracepção, gravidez, disfunção sexual, presença de sintomas ginecológicos e infecção sexualmente transmissível. Na categoria 2, o foco principal dos estudos foi disfunção erétil, desejo e satisfação sexual e consequências do regime imunossupressor com ácido micofenólico em homens. Na categoria 3, a avaliação da função sexual foi o principal tema abordado.

Conclusão:

as evidências científicas geradas fornecem subsídios para encorajar os profissionais de saúde na incorporação da temática sexualidade na rotina de atendimento, bem como a identificação de lacunas do conhecimento para a condução de novas pesquisas com o propósito de implementar intervenções para prevenir, minimizar e/ou controlar as alterações relacionadas à sexualidade do paciente.

Descritores:
Enfermagem Perioperatória; Sexualidade; Transplante de Fígado; Revisão; Serviços de Saúde; Transplantados

ABSTRACT

Objective:

to analyze the evidence available in the literature on the alterations in the sexuality of candidates and recipients of liver transplantation.

Method:

integrative review of the literature with search for primary studies in the databases MEDLINE (via PUBMED), CINAHL e LILACS, published in English, Portuguese and Spanish.

Results:

the 16 primary studies included were grouped into three categories: 1) female sexuality (n=5), 2) male sexuality (n=5) and 3) male and female sexuality (n=6). In category 1, the subjects investigated were contraception, pregnancy, sexual dysfunction, presence of gynecological symptoms and sexually transmitted infections. In category 2, the main focus of the studies was erectile dysfunction, sexual desire and satisfaction, and consequences of the immunosuppressive regimen with mycophenolic acid in men. In category 3, the evaluation of sexual function was the main topic.

Conclusion:

the scientific evidence generated provides support to encourage health professionals to incorporate the topic of sexuality in the routine of care. Knowledge gaps were identified and new studies should be conducted in order to implement interventions to prevent, minimize and/or control changes related to the patient’s sexuality.

Descritores:
Perioperative Nursing; Sexuality; Liver Transplantation; Review; Health Services; Transplant Recipients

RESUMEN

Objetivo:

analizar las evidencias disponibles en la literatura sobre las alteraciones de la sexualidad de candidatos y receptores de trasplante de hígado.

Método:

revisión integradora mediante la búsqueda de estudios primarios en MEDLINE (vía PUBMED), CINAHL y LILACS, publicados en inglés, portugués o español.

Resultados:

los 16 estudios primarios incluidos se agruparon en tres categorías: 1) sexualidad femenina (n=5), 2) sexualidad masculina (n=5) y 3) sexualidad masculina y femenina (n=6). En la categoría 1, los temas investigados fueron contracepción, embarazo, disfunción sexual, presencia de síntomas ginecológicos e infección sexualmente transmisible. En la categoría 2, el foco principal de los estudios fue la disfunción eréctil, el deseo y la satisfacción sexual y las consecuencias del régimen inmunosupresor con ácido micofenólico en los hombres. En la categoría 3, la evaluación de la función sexual fue el principal tema abordado.

Conclusión:

las evidencias científicas halladas contribuyen para alentar a los profesionales de la salud a incorporar la temática sexualidad en la rutina de atención, así como identificar lagunas de conocimiento en la conducción de nuevas investigaciones con el propósito de efectuar intervenciones para prevenir, minimizar y/o controlar los cambios relacionados con la sexualidad del paciente.

Descriptores:
Enfermería Perioperatoria; Sexualidad; Trasplante de Hígado; Revisión; Servicios de Salud; Receptores de Trasplantes

Introdução

A doença hepática terminal reduz de forma significativa a qualidade de vida. Nesse contexto, a realização do transplante é capaz de reverter o estado de terminalidade e possibilita a melhoria das condições de saúde dos pacientes¹.

De acordo com a World Health Organization (WHO), a sexualidade é definida como aspecto fundamental do ser humano no ciclo vital que engloba o sexo, identidades de gênero, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução, sendo manifestada de diferentes formas pelos indivíduos e que pode ser influenciada pela interação dos fatores biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, históricos e religiosos². De forma geral, na literatura há evidências de que tanto candidatos quanto receptores de transplante de fígado podem sofrer com algum grau de disfunção sexual, temporária ou permanente³.

Nos candidatos ao transplante de fígado, a disfunção sexual é comum e relacionada com as modificações desencadeadas pela hepatopatia crônica, terapia medicamentosa, alterações hormonais, da irrigação vascular da região pélvica e emocionais. Os homens podem apresentar sintomas como a dificuldade de ereção, perda de libido, ejaculação precoce e oligospermia. Já as mulheres podem ser acometidas por disfunção ovariana, amenorreia, diminuição ou ausência de libido e infertilidade. A saúde sexual é complexa, pois envolve diferentes fatores, tais como idade, uso de medicamentos, aspectos sociais e psicológicos anteriores ou advindos do transplante^4-5.

A sensação de bem-estar e de melhoria do estado clínico após o transplante está relacionada ao sucesso do procedimento. No entanto, problemas como os efeitos colaterais dos medicamentos imunossupressores e o risco de complicações pós-cirúrgicas, como a possibilidade do não funcionamento do enxerto, as rejeições e as tromboses vasculares, podem desencadear no paciente uma série de fatores estressores⁶. O transplante hepático traz melhoria na qualidade de vida dos pacientes, porém, há evidências de que nem todos apresentam igual benefício⁷.

A condição crônica imposta ao paciente, em ambas as fases do transplante (antes e após a cirurgia), desencadeia batalha pela qualidade de vida, alterada tanto pela doença, quanto pelo tratamento necessário⁷. Assim, um dos primeiros aspectos da vida afetado pelos sintomas físicos e emocionais é o funcionamento sexual⁸. Quando há perspectiva de realização do transplante, o paciente foca seus pensamentos na sua sobrevivência e recuperação. Após o transplante, novas perspectivas e planos para a vida emergem, possibilitando a retomada da intimidade e favorecendo a atividade sexual⁴.

A sexualidade é uma área complexa do comportamento humano e não deve ser subestimada, tanto para o candidato, quanto para o receptor de transplante de fígado. A função sexual é sensível à doença, ao sofrimento psicológico e ao desequilíbrio das relações interpessoais. Na maioria dos casos, a doença crônica é associada com a disfunção sexual, resultando na diminuição da atividade sexual em decorrência do mal-estar, da fadiga e de mudanças na imagem corporal, o que impacta de forma significativa no relacionamento do paciente com o parceiro^7,9.

Revisão sistemática com metanálise de estudos observacionais buscou avaliar o efeito do transplante de fígado na função endócrina e sexual de pacientes adultos. Os resultados sugeriram que o transplante de fígado melhorou as alterações hormonais associadas à doença crônica desse órgão, restaurando os níveis fisiológicos de hormônio do crescimento, fator de crescimento semelhante à insulina, testosterona, estradiol, prolactina, hormônio folículo estimulante e hormônio luteinizante. Os 21 estudos analisados demonstraram que o transplante de fígado foi associado à melhoria da função sexual⁸.

Frente ao exposto, considerando que a temática sexualidade é pouco investigada em candidatos e receptores de órgãos sólidos, especificamente no transplante de fígado, somando a necessidade de preparo dos profissionais de saúde para abordar o tema com os pacientes nos serviços de saúde, justifica-se o interesse na condução da revisão integrativa, cujos resultados podem gerar evidências para subsidiar o cuidado prestado. Assim, o objetivo da presente revisão foi analisar as evidências disponíveis na literatura sobre as alterações na sexualidade de candidatos e receptores de transplante de fígado.

Método

A revisão integrativa (RI) foi o método de síntese de conhecimento empregado. Na condução desse método, cinco etapas foram percorridas: elaboração da questão de pesquisa (identificação do problema), busca na literatura dos estudos primários, avaliação dos estudos primários, análise dos dados e apresentação da revisão¹⁰.

Para nortear a condução da RI, pautada na estratégia PECOT (acrônimo de patient, exposure, comparison, outcomes e time), a seguinte questão foi formulada: “Quais são as evidências disponíveis na literatura sobre as alterações na sexualidade de candidatos e receptores de transplante de fígado?”. O primeiro elemento (P=paciente ou problema) consiste nos candidatos e receptores do transplante hepático, o segundo (E=exposição) em sexualidade, o terceiro elemento (O= desfechos ou resultados) em alterações relacionadas à sexualidade e (T=tempo) períodos pré e pós-operatório.

A busca dos estudos primários foi realizada por meio de busca online em três bases de dados da área da saúde: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE via PUBMED), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS).

Os descritores e as palavras-chave foram estabelecidos de acordo com cada base de dados selecionada, para garantir busca rigorosa e ampla dos estudos primários sobre o tópico de interesse, associados ao acrônimo PECOT delimitado para a estratégia de busca (Figura 1). Para a busca das publicações em cada base de dados, os descritores e as palavras-chave foram cruzados entre si por meio de operações táticas, utilizando-se os operadores booleanos AND e OR.

Figura 1
Descritores e palavras-chave selecionados em cada base de acordo com acrônimo PECOT

Para a seleção dos estudos primários desta revisão, os seguintes critérios de inclusão foram adotados: estudos primários cujos autores investigaram as alterações na sexualidade de candidatos ou receptores de transplante de fígado; pesquisas publicadas em inglês, português e espanhol; e nos últimos 10 anos (período de 30 de junho de 2006 a 30 de junho de 2016). A delimitação do período de tempo foi estabelecida para assegurar quantitativo adequado de pesquisas, sendo que um número elevado de estudos primários poderia inviabilizar a condução da revisão integrativa ou introduzir vieses nas etapas seguintes do método.

A partir dos resultados das estratégias de busca empregadas nas bases de dados selecionadas para a condução da revisão, um arquivo foi importado para o gerenciador de referências EndNote, versão X5. Para o gerenciamento das referências, foram criadas pastas para cada base de dados e realizadas filtragens para os estudos duplicados, livros, dissertações, teses e outros textos não científicos, em idiomas não delimitados e com o período de publicação fora do estabelecido. A pré-seleção dos estudos primários por meio da leitura dos títulos e resumos foi executada e, finalmente, feita a seleção final das pesquisas para leitura na íntegra. Na Figura 2, apresenta-se o fluxograma de seleção dos estudos primários.

Figura 2
Fluxograma de seleção dos estudos primários

Um instrumento elaborado por pesquisador nacional foi utilizado para extração de dados dos estudos primários, o qual contém conjunto de itens que possibilitam a identificação das pesquisas, características metodológicas, principais resultados e conclusões¹¹. Para avaliação dos estudos, a definição do tipo de pesquisa descrita pelos autores foi mantida e, quando ocorreu ausência dessa informação, adotaram-se os conceitos descritos por pesquisadores da enfermagem em metodologia científica para classificar a abordagem metodológica empregada na pesquisa¹².

A classificação de hierarquias de evidências de acordo com o tipo de questão clínica dos estudos foi empregada. A questão clínica pode ser: (a) de significado (com cinco níveis de evidência, sendo a mais forte, ou seja nível I, evidências obtidas de metassíntese de estudos qualitativos, e a menor, nível V, evidências de opinião de especialistas), (b) de prognóstico, predição ou etiologia (com cinco níveis de evidência, sendo a mais forte, ou seja nível I, evidências obtidas de síntese de estudos de coorte ou caso-controle, e a menor, nível V, evidências de opinião de especialistas) e (c) de intervenção, tratamento ou diagnóstico/teste diagnóstico (com sete níveis de evidência, sendo a mais forte, ou seja nível I, evidências obtidas de revisão sistemática ou metanálise, e a menor, nível VII, evidências de opinião de especialistas)¹³.

A síntese dos resultados da revisão foi realizada na forma descritiva. Assim, os 16 estudos primários incluídos na amostra da revisão foram agrupados em três categorias: (1) “sexualidade feminina” (n=5), (2) “sexualidade masculina” (n=5) e (3) “sexualidade masculina e feminina” (n=6).

Resultados

Com relação à base de dados, 13 estudos primários (81,2%) foram identificados no Medline (via PubMed) e três (18,7%) na CINAHL. Quanto ao país de origem, seis estudos (37,5%) eram dos Estados Unidos da América, três (18,75%) da Polônia, três (18,75%) da França e um (6,25%) do Canadá, Suíça, China e Taiwan, respectivamente. Observa-se que 87,5% (n=14) os estudos primários foram publicados em revistas médicas. Com relação ao período de publicação, um estudo (6,25%) foi publicado em 2001, três (18,75%) em 2006, um (6,25%) em 2008, dois (12,5%) em 2009, quatro (25%) em 2013, quatro (25%) em 2014 e um estudo (6,25%) em 2015.

O tipo de questão clínica de todos os estudos primários incluídos foi de Prognóstico/Predição ou Etiologia, dentre os quais constavam 14 pesquisas (87,5%) com nível de evidência IV (evidências provenientes de um único estudo qualitativo ou descritivo) e duas (12,5%) classificadas com nível de evidência II (evidências derivadas de um único estudo de coorte ou caso-controle). Nas Figuras 3, 4 e 5, apresenta-se a síntese de conhecimento dos estudos primários incluídos na revisão, de acordo com cada categoria.

Figura 3
Características dos estudos primários incluídos na categoria “sexualidade feminina”. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2017

Figura 4
Características dos estudos primários incluídos na categoria “sexualidade masculina”. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2017

Figura 5
Características dos estudos primários incluídos na categoria “sexualidade masculina e feminina”. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2017

Discussão

Os estudos primários agrupados na categoria “sexualidade feminina” apresentaram como principais temas de investigação a contracepção e a gravidez^16-18, disfunção sexual e presença de sintomas ginecológicos¹⁴, além da infecção sexualmente transmissível¹⁵. Na mulher, a cirrose hepática pode levar ao desenvolvimento da amenorreia, antecipação da menopausa e infertilidade, graças à redução de secreção de gonadotrofinas. Além disso, os baixos níveis de estradiol levam à redução da libido, secura vaginal e dispareunia^14,16-17.

Na categoria “sexualidade masculina”, a disfunção erétil consistiu no foco principal das pesquisas agrupadas^19-21,23. Em dois estudos, os autores investigaram também o desejo e a satisfação sexual^19-20 e, em um estudo²², as consequências nos recém-nascidos gerados por homens que engravidaram suas parceiras enquanto faziam uso de medicamento composto por ácido micofenólico.

Na categoria de ambos os sexos, a avaliação da função sexual foi o principal tema dos estudos primários. Em três pesquisas, a mensuração ocorreu por meio das escalas International Index of Erectile Function (IIEF) e Female Sexual Function Index (FSFI)^3,26-27, sendo que os autores também utilizaram outras escalas, tais como: o Beck Depression Inventory (instrumento para avaliar depressão) e o Short Form (36) Health Survey (escala para avaliar qualidade de vida)²⁶, o Locke-Wallace Marital Adjustment Test (instrumento para avaliar a satisfação conjugal)³ e o Female Distress Scale - Revised (FSDS-R), escala que avalia o sofrimento pessoal relacionado à sexualidade²⁷. Em dois estudos^24-25, os autores adotaram questionário próprio para a coleta dos dados.

Nas mulheres transplantadas, o ciclo menstrual é retomado dentro da normalidade, até um ano após a cirurgia, possibilitando que as mulheres em idade fértil possam ser mães entre um a dois anos após o transplante, de acordo com o que é recomendado pelos médicos^14,29. No entanto, as mulheres transplantadas precisam de cuidados especiais, devido ao uso de medicamentos teratogênicos, no momento da gestação, necessitando de que a gravidez ocorra de forma planejada para evitar complicações materno-fetais, bem como a disfunção do enxerto transplantado. Os resultados dos estudos primários incluídos na revisão (n=3) evidenciaram que as mulheres transplantadas eram pouco conscientes da problemática e os profissionais de saúde não estavam atentos para as orientações sobre a necessidade de planejamento familiar e utilização de métodos contraceptivos efetivos, ficando as mulheres receptoras do enxerto hepático expostas aos riscos para si, para o feto e para o órgão recebido^16-18.

Há lacunas de conhecimento sobre qual é o método contraceptivo mais recomendado para mulheres transplantadas. Em alguns estudos, os autores contraindicam o uso do DIU, devido ao potencial risco de infecção, sobretudo em pessoas com imunossupressão^30-31. Já em outras pesquisas, os estudiosos defendem que a utilização do dispositivo intrauterino por mulheres transplantadas é segura e a ocorrência de infecção pélvica em maior número devido à imunossupressão é mito, não havendo contraindicação absoluta para seu uso^32-33. Dessa forma, a condução de novos estudos é necessária para investigar quais são os métodos contraceptivos mais indicados para esse público de mulheres. No entanto, está claro que a escolha deve ser pelo método que não apresente interação medicamentosa com os imunossupressores e que não ofereça risco à saúde da receptora de transplante. Ressalta-se a necessidade do uso do preservativo, uma vez que, apesar de ter percentual de falha de 18%, ainda é o único método de barreira capaz de prevenir contra a infecção sexualmente transmissível³⁴.

O desenvolvimento de estudos sobre qual é o tipo de parto mais indicado para as mulheres submetidas ao transplante é necessário. O parto vaginal pode minimizar intercorrências que possam ocorrer em cesárea, dado que as mulheres após a cirurgia de transplante de fígado têm probabilidade de apresentar aderências e fibrose resultantes da cirurgia abdominal. No entanto, devido à gestação dessas mulheres ser considerada como de risco materno-fetal, a ocorrência de cesárea é maior do que a de parto vaginal^35-37. É evidente que a via de parto de escolha deve ser selecionada por aquela que não cause riscos à saúde do feto e da parturiente.

O aleitamento materno por mães submetidas ao transplante também é controverso, sendo necessário que estudiosos conduzam pesquisas futuras sobre os cuidados da amamentação de neonatos. A amamentação é desaconselhada por alguns autores, enquanto outros questionam o risco-benefício de privar o recém-nascido da nutrição materna, posto que o feto já foi exposto aos medicamentos imunossupressores durante a gestação. Além disso, a quantidade de medicamentos excretados pelo leite materno não seria suficiente para causar danos ao bebê^37-39.

Como sugestão, seria de grande valia a criação de sistema de registro brasileiro sobre mulheres grávidas e receptoras de transplantes, para que a maternidade e a paternidade no pós-transplante e os efeitos dos medicamentos sobre fertilidade, gravidez e concepção fossem investigados. Além disso, é necessário que os centros transplantadores brasileiros registrem os dados referentes a essa problemática no Transplant Pregnancy Registry International.

Com relação à saúde da criança gerada por pais que utilizavam medicamentos imunossupressores da categoria D, segundo o Food and Drug Administration (FDA), a prevalência dos problemas verificados foi comparável com aqueles encontrados na população em geral²².

A orientação e conscientização sobre o controle de natalidade e a utilização de métodos contraceptivos, por parte dos profissionais de saúde, não podem ser direcionadas apenas para o público feminino, uma vez que o público masculino que deseja ser pai também requer cuidados no momento de engravidar a parceira. Isso se deve ao uso de medicamentos imunossupressores teratogênicos durante a concepção, bem como a utilização de algumas classes de medicamentos antirrejeição que provocam toxicidade testicular, afetando a fertilidade masculina^22,40.

Nos homens, os sinais clínicos de hipogonadismo incluem a ginecomastia, a diminuição de pelos, a atrofia testicular, a redução da próstata e a oligospermia, resultando em complicações como a disfunção erétil, diminuição da libido e da fertilidade. A etiologia da doença hepática terminal é fator de risco para a ocorrência de disfunção erétil. Na cirrose alcoólica, por exemplo, a chance dessa disfunção ocorrer é maior, uma vez que o álcool causa efeitos tóxicos, com ação direta sobre o eixo hipofisário, interferindo na produção de hormônios como a testosterona, o que acarreta danos para a saúde sexual^19,21,23.

A diminuição da libido e interesse sexual foi identificada nos dois sexos. Embora a realização do transplante proporcione recuperar a saúde do indivíduo por meio da substituição do órgão doente por outro sadio, teoricamente, solucionam-se, assim, as patologias envolvidas na causa da disfunção sexual. Entretanto, é sabido que para o sucesso do transplante diferentes fatores estão envolvidos e a terapia por meio de reposição do órgão implica em cuidados especiais vitalícios, bem como pode desencadear problemas secundários. Assim, a realização do transplante nem sempre é capaz de restabelecer a plena função sexual dos indivíduos transplantados e, quando a melhora ocorre, ainda é menor do que na população em geral, podendo levar até dezoito meses para ocorrer¹⁹.

Na análise da ocorrência de disfunção sexual em homens e mulheres, candidatos e receptores a outros órgãos sólidos como rim e coração, os resultados das pesquisas foram semelhantes com os identificados no transplante de fígado, ou seja, nem todos os pacientes transplantados apresentaram recuperação global da saúde sexual, sendo o prognóstico da disfunção relacionado com a função sexual apresentada pelo indivíduo, antes de ser acometido pela doença que levou à indicação de transplante. Em outras palavras, os pacientes que tinham saúde sexual boa, mesmo com função sexual prejudicada pela doença, tiveram chances maiores de recuperação após o transplante do que aqueles que já apresentavam qualidade de saúde sexual baixa previamente à doença⁴¹.

Os resultados de pesquisas incluídas na revisão apontaram que o aconselhamento contraceptivo para homens e mulheres é deficitário e ocorre, muitas vezes, em momento pouco adequado, ou seja, logo após o transplante, quando o receptor recebe quantitativo elevado de informações e vivencia experiências novas que requerem uma fase de adaptação, mesmo que a pessoa tenha sido bem preparada, teoricamente, para os enfrentamentos subsequentes à cirurgia^16-18. Quando as orientações para o controle de natalidade não são assimiladas ou incorporadas, pois o foco da preocupação do paciente está na sua recuperação após o transplante, a sexualidade terá maior importância no momento em que as necessidades básicas principais estiverem atendidas.

O risco de contrair infecções sexualmente transmissíveis pela população de transplantados é aumentado, devido ao grau de imunossupressão. Na fase anterior ao transplante, a doença hepática também deprime o sistema imunológico do candidato, favorecendo o desenvolvimento de HPV. As chances dessa patologia aumentam quando a etiologia da cirrose é pelo vírus da hepatite C, tanto em homens, quanto em mulheres, com surgimento de lesões em região cérvico uterina e anal. Assim sendo, atenção maior deve ser dada a esse público com relação à rastreabilidade de lesões precursoras de câncer, devido às infecções ou ativação do HPV. Tal avaliação deve ser realizada com frequência maior em candidatas e receptoras de transplante, uma vez que mulheres com imunossupressão apresentam risco maior de desenvolvimento de câncer do colo uterino, quando comparadas às mulheres saudáveis^15,42.

Conforme já apontado, a maioria (n=14) dos estudos primários incluídos na revisão foi classificada com nível de evidência IV (estudo qualitativo ou descritivo) indicando a necessidade de condução de futuras pesquisas com delineamentos fortes sobre a problemática de interesse com evidências que gerem impacto na tomada de decisão. Nenhum estudo foi identificado na base de dados LILACS, o que pode indicar carência de publicações sobre a temática de interesse, nos periódicos da América Latina e Caribe.

Conclusão

Concluiu-se que as alterações na sexualidade de candidatos e receptores de transplante de fígado de maior destaque foram a disfunção sexual, sendo nos homens manifestada pela impotência e nas mulheres pela amenorreia e dispareunia. Também foi evidente a diminuição da libido e do interesse sexual nessa clientela.

A saúde sexual satisfatória é fundamental para a qualidade de vida, não podendo, assim, ser descartada da anamnese. Dessa forma, a capacitação dos profissionais de saúde para a aquisição de conhecimento e o desenvolvimento de habilidades para tratar dessa problemática com os pacientes é de grande relevância, considerando, sobretudo, as suas dificuldades em explorar a saúde sexual de pacientes. O tabu que permeia as experiências individuais e culturais com a sexualidade, bem como o pouco treinamento, desde a graduação, influencia a atuação profissional, sendo a sexualidade subestimada e considerada pouco relevante frente aos demais problemas apresentados pelo paciente.

A síntese do conhecimento indicou a necessidade de intensificar esforços para o desenvolvimento de pesquisas com metodologias capazes de produzir evidências fortes, uma vez que os estudos analisados não apresentaram níveis de evidência robustos. Além disso, há escassez de pesquisas nacionais sobre a sexualidade em candidatos e receptores de transplante de fígado, bem como de estudos que avaliem a longo prazo as consequências do transplante na sexualidade de homens e mulheres acometidos pela doença crônica de fígado, sendo válidos investimentos na condução de futuras pesquisas sobre essa temática. A incorporação de evidências na prática clínica pode auxiliar na implementação de ações e intervenções efetivas para a assistência ao paciente, de acordo com suas preferências, e fornecer subsídios aos profissionais de saúde na tomada de decisão.

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  Artigo extraído da dissertação de mestrado “Sexualidade de candidatos e receptores de transplante de fígado: revisão integrativa da literatura”, apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2018

Histórico

• Recebido
  02 Mar 2018
• Aceito
  16 Maio 2018