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Representações sociais de puérperas sobre as síndromes hipertensivas da gravidez e nascimento prematuro1 1 Artigo extraído da tese de doutorado “Significados e percepções de puérperas sobre as síndromes hipertensivas da gravidez e parto prematuro”, apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.

Resumos

OBJETIVO:

identificar os significados atribuídos por puérperas às síndromes hipertensivas da gravidez e suas consequências, como o nascimento prematuro e a hospitalização do filho na unidade de terapia intensiva neonatal

MÉTODO:

estudo qualitativo, baseado na Teoria do Núcleo Central, com 70 mulheres que apresentaram síndrome hipertensiva da gravidez e parto prematuro. Utilizou-se a Técnica de Associação Livre de Palavras com três estímulos: pressão alta na gravidez, prematuridade e unidade de terapia intensiva neonatal.

RESULTADOS:

foram obtidas 1.007 evocações, assim distribuídas: pressão alta na gravidez (335) prematuridade (333) e unidade de terapia intensiva neonatal (339). Constituíram-se três unidades temáticas: representação das síndromes hipertensivas da gravidez, da prematuridade e da unidade de terapia intensiva neonatal. As categorias morte e aspectos negativos foram inerentes às três unidades analisadas, seguidas de estratégias de enfrentamento e necessidade de cuidados, presentes nas síndromes hipertensivas da gravidez e prematuridade.

CONCLUSÃO:

o estudo teve como núcleo central a morte, e se destacaram os aspectos subjetivos presentes no ciclo gravídico e puerperal de alto risco. Espera-se que essa investigação contribua para qualificar a assistência de enfermagem à mulher adiante da problemática das síndromes hipertensivas da gravidez, para que ela possa enfrentar com menos desgastes os efeitos adversos da gravidez e de nascimento de alto risco.

Gravidez de Alto Risco; Pré-Eclâmpsia; Enfermagem Obstétrica; Prematuro


OBJECTIVE:

To identify the meanings attributed by mothers to hypertensive disorders of pregnancy (HDPs) and their consequences, such as premature birth and hospitalization of the infant in the neonatal intensive care unit (NICU).

METHOD:

A qualitative study, based on the Central Nucleus Theory, with 70 women who had hypertensive disorders of pregnancy and preterm delivery. We used the technique of free word association (FWAT) with three stimuli: high blood pressure during pregnancy, prematurity and NICU.

RESULTS:

We obtained 1007 evocations, distributed as follows: high blood pressure during pregnancy (335) prematurity (333) and NICU (339). These constituted three thematic units: representation of HDPs, prematurity and the NICU. The categories death and negative aspects were inherent to the three units analyzed, followed by coping strategies and needs for care present in HDPs and prematurity.

CONCLUSION:

The study had death as its central nucleus, and highlighted the subjective aspects present in the high risk pregnancy and postpartum cycle. It is hoped that this research will contribute to qualifying nursing care for women confronting the problem of HDPs, so that they can cope with less impacts from the adverse effects of high risk pregnancy and birth.

Pregnancy, High-Risk; Pre-Eclampsia; Obstetrical Nursing; Infant, Premature


OBJETIVO:

Identificar los significados atribuidos por las madres de los trastornos hipertensivos del embarazo (THE) y sus consecuencias, y sus consecuencias, tales como el nacimiento prematuro y hospitalización del recién nacido en la unidad de cuidados intensivos neonatales (UCIN).

Metodo:

Un estudio cualitativo, basado en la teoría del núcleo central, con 70 mujeres que tenían trastornos hipertensivos del embarazo y parto prematuro. Se utilizó la técnica de la asociación libre de palabra (TALP) con tres estímulos: presión arterial alta durante el embarazo, nacimiento prematuro y UCIN.

RESULTADOS:

Se obtuvieron 1007 evocaciones, distribuidos de la siguiente manera: presión arterial alta durante el embarazo (335) prematuridad (333) y UCIN (339). Estos constituyeron tres unidades temáticas: la representación de THE, prematuridad y UCIN. Las categorias muerte y aspectos negativos fueron inherentes a las tres unidades analizadas, seguidos por las estrategias de afrontamiento y las necesidades de atención actual en THE y prematuridad.

CONCLUSÍON:

El estudio tenía la muerte como su núcleo central, y puso de relieve los aspectos subjetivos presentes en el embarazo de alto riesgo y el ciclo de post-parto. Se espera que esta investigación contribuya a calificar la atención de enfermería para las mujeres que enfrentan el problema de los THE, de modo que puedan hacer frente con menos impacto de los efectos adversos de los embarazos de alto riesgo y el parto.

Embarazo de Alto Riesgo; Preeclampsia; Enfermería Obstétrica; Prematuro


Introdução

A hipertensão induzida pelo estado gravídico, conhecida como Síndrome Hipertensiva da Gravidez (SHG), é conceituada como o aumento da pressão arterial que se manifesta, mais especificamente na segunda metade da gravidez( 11. Sibai B, Dekker G, Kupferminc M. Pre-eclampsia. Lancet. 2005;365:785-99. ). Tais síndromes incidem entre 10 e 22% nas gravidezes consideradas de alto risco e figuram entre as patologias de maior impacto, nas complicações do ciclo gravídico puerperal com tendência a partos prematuros( 11. Sibai B, Dekker G, Kupferminc M. Pre-eclampsia. Lancet. 2005;365:785-99. - 22. Barton JR, Sibai BM. Prediction and prevention of recurrent preeclampsia. Obstetric and gynecology. 2008;112(2 pt 1):359-72. ). Em países desenvolvidos, 16,1% das mortes maternas têm como causa as SHGs e as hemorragias( 33. Khan KS, Wojdyla D, Say L, Gulmezoglu AM, Van Look PFA. WHO analysis of causes of maternal death: a systematic review. Lancet. 2006;367:1066-74. ). No Brasil, os dados demonstram que, das SHGs, a pré-eclâmpsia é a complicação mais frequente durante o ciclo gravídico puerperal, em torno de 5 a 10% das gestações, e se configura como a principal causa de óbito materno e fetal( 44. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas: Manual dos comitês de mortalidade materna 3. ed. Brasília(DF) : Ministério da Saúde, 2007. ).

Os níveis elevados de pressão arterial materna estão associados ao comprometimento do crescimento fetal, durante o terceiro trimestre de gravidez, e aumentam os riscos de resultados adversos como o nascimento pré-termo e a morte perinatal( 55. Bakker R, Steegers EAP, Hofman A, Jaddoe VWV. Blood Pressure in Different Gestational Trimesters, Fetal Growth, and the Risk of Adverse Birth Outcomes The Generation R Study. Am J Epidemiol. 2011;174(7):797-806. ). Estudos revelam que 11% dos partos, entre a 34ª a 37ª semana de gestação, são de mulheres que desenvolveram pré-eclâmpsia e, no caso de recorrência, isso se duplica para 22%( 66. Mendilcioglu I, Trak B, Uner M, Umit S, Kucukosmanoglu M. Recurrent preeclampsia and perinatal outcome: a study of women with recurrent preeclampsia compared with women with preeclampsia who remained normotensive during their prior pregnancies. Acta Obstet Gynecol Scand. 2004;83(11):1044-8. - 77. Habli M, Levine RJ, Qian C, Sibai B. Neonatal outcomes in pregnancies with preeclampsia or gestational hypertension and in normotensive pregnancies that delivered at 35, 36, or 37 weeks of gestation. Am J Obstet Gynecol. 2007;197(4):406.e1-406.e7. ). Também, em estudo, aponta-se que 33% dos prematuros, advindos de gravidez com pré-eclâmpsia, necessitaram de cuidados intensivos( 77. Habli M, Levine RJ, Qian C, Sibai B. Neonatal outcomes in pregnancies with preeclampsia or gestational hypertension and in normotensive pregnancies that delivered at 35, 36, or 37 weeks of gestation. Am J Obstet Gynecol. 2007;197(4):406.e1-406.e7. ). Dessa forma, percebe-se que as SHGs favorecem o nascimento prematuro e a consequente hospitalização em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), sendo consideradas, portanto, de alto risco gravídico e perinatal.

Cabe destacar as questões emocionais que cercam a maternidade em uma situação de alto risco gravídico. Há relatos na literatura dos aspectos subjetivos presentes na gravidez que cursa com hipertensão arterial, revelando ansiedades e insegurança em gestantes que vivenciam ameaças de morte materna e fetal( 88. Souza NL, Araujo ACPF. Costa ICC. The meanings that postpartum women assign to gestational hypertension and premature birth. Rev Esc Enferm USP 2011;45(6):1285-92. ).

Todavia, na vigência de gestação de alto risco e quando a resolução do parto ocorre antes do previsto, a mãe desconstrói o ideal de maternidade e passa a conviver com a realidade de um filho que inspira cuidados e risco de morrer. Esse entendimento leva a pressupor que uma gravidez com síndrome hipertensiva e, como consequência, o nascimento de um filho prematuro, com necessidade de hospitalização na UTIN, induzem a mulher a vivenciar sentimentos de natureza diversa, constituindo para ela os significados da maternidade em situação de alto risco. Isso faz reconhecer a necessidade de se investigar aspectos subjetivos presentes na vivência de uma gestação que cursou com SHG e no nascimento de um filho prematuro, a partir da seguinte questão de pesquisa: quais as representações sociais de puérperas sobre as SHGs sequenciadas do nascimento prematuro que evoluiu para hospitalização do filho na UTIN?

Nessa perspectiva, o estudo teve como objetivo identificar os significados atribuídos por puérperas às síndromes hipertensivas da gravidez e suas consequências, como o nascimento prematuro e a hospitalização do filho na UTIN.

Método

Trata-se de estudo exploratório, descritivo e qualitativo, fundamentado na Teoria das Representações Sociais, com base na Teoria do Núcleo Central( 99. Sá CP. Núcleo central das representações sociais. 2ªed. Petrópolis: Vozes; 2002. 189p ). A coleta de dados ocorreu em 2009, e teve como campo de pesquisa uma maternidade-escola, referência no Estado do Rio Grande do Norte (RN), Brasil, para gestação, parto, puerpério e nascimento de alto risco.

Participaram do estudo 70 mulheres portadoras de SHG, que estavam com 48 horas ou mais da ocorrência de parto pré-termo e haviam realizado pelo menos duas visitas ao filho na UTIN. A amostra se deu por conveniência definida pelo critério de saturação, por repetição dos termos, conforme a metodologia utilizada. O projeto teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CEP-UFRN) sob nº195/06. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi lido e assinado por todas as participantes.

Os dados foram coletados de maio a outubro de 2009, na unidade de internamento das puérperas, utilizando-se um questionário para caracterização sociodemográfica e levantamento de dados obstétricos das participantes, e outro elaborado para utilização da Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP).

A TALP é uma técnica projetiva, utilizada como estratégia de acesso ao núcleo central das representações sociais, na qual são sugeridas evocações livres verbais ou não verbais, mediante estímulos indutores, coerentes com os objetivos da pesquisa( 99. Sá CP. Núcleo central das representações sociais. 2ªed. Petrópolis: Vozes; 2002. 189p - 1010. Nóbrega SM, Coutinho MPL. O teste de associação livre de palavras In: Coutinho MPL, Lima AS, Oliveira FB, Fortunato ML ,organizadores. Representações sociais. Uma abordagem interdisciplinar. João Pessoa: UFPB, Editora Universitária;2003 p. 67- 77. ). Optou-se pelas construções verbais e os seguintes estímulos: SHG substituído pelo termo "pressão alta na gravidez", por considerá-lo mais próximo do nível de entendimento das entrevistadas, prematuridade e UTIN. Para cada um deles foram solicitadas cinco evocações e justificativas para as palavras consideradas pelas mulheres como as mais importantes.

As evocações obtidas por meio da TALP foram codificadas, obedecendo às etapas: digitação das palavras evocadas inerentes a cada estímulo indutor, elaboração de dicionários, considerando não apenas os adjetivos, mas expressões similares, e, por fim, construção de um banco de dados em uma planilha eletrônica.

Posteriormente o material foi submetido à análise lexicográfica, realizada pelo software EVOC (Ensemble de Programmes Permettant L'Analyse des Evocations), versão 2000, que organiza as palavras evocadas por ordem de frequência e média de evocações( 1111. Vergès P. L'évocation de l'argent: une méthode our la definition du noyau central d"une représentation. Bulletin de Psychologie. 1992;45(405):203-9. ), distribuindo-as em quatro quadrantes, também chamados quadro de quatro casas, ou gráfico de dispersão. Ele confere diferentes graus de centralidade aos vocábulos, cada quadrante constituindo um núcleo da representação( 1111. Vergès P. L'évocation de l'argent: une méthode our la definition du noyau central d"une représentation. Bulletin de Psychologie. 1992;45(405):203-9. - 1212. Menossi MJ, Zorzo JCC, Lima RAG. The dialogic life-death in care delivery to adolescents with câncer. Rev. Latino-Am. Enfermagem fev 2012;20(1):126-34. ), conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1
Quadro de quatro casas, modelo padronizado por Vergès (1992)(11)

O eixo vertical refere-se à Ordem Média de Evocação (OME). Os elementos com menor OME estarão no quadrante à esquerda e os que possuem OMEs maiores ficarão à direita. No eixo horizontal, encontram-se as frequências (f) de evocações, assim distribuídas: nos quadrantes superiores, as frequências mais elevadas, e nos quadrantes inferiores, as menores frequências. No quadrante superior esquerdo, quadrante 1, estão os elementos mais evocados e com menor ordem de evocação, considerados elementos do núcleo central da representação social, por representarem a ideia coletiva. No quadrante inferior direito, quadrante 3, situam-se os de menores frequências de evocação e maiores OMEs, integrantes do núcleo periférico. Eles constituem as representações individualizadas que dão sustentabilidade ao núcleo central( 99. Sá CP. Núcleo central das representações sociais. 2ªed. Petrópolis: Vozes; 2002. 189p ).

Para efeito de análise, os outros núcleos não eram considerados importantes na representação social, porém, mais recentemente, estudos têm demonstrado que, pela proximidade com o núcleo central, o segundo quadrante, composto pelos elementos intermediários exerce influência no sistema representativo, por apresentar valores muito próximos dos elementos que compõem o sistema central da representação( 99. Sá CP. Núcleo central das representações sociais. 2ªed. Petrópolis: Vozes; 2002. 189p ). Esse fato foi observado neste estudo e, portanto, optou-se por considerá-los como representativos para o objeto estudado.

Resultados

Caracterização das mulheres

Verificou-se média de idade de 28 anos, como grau de instrução predominante o ensino médio (58,60%), renda familiar de até três salários-mínimos (75,70%), número médio de quatro consultas pré-natais, predomínio do parto cesariano (90%) e, na maioria, primíparas (57,14%). O baixo peso ao nascer (<1500g) foi registrado em 42,90% dos recém-nascidos.

A TALP foi constituída pelo total de 1.007 evocações, assim distribuídas: para o estímulo pressão alta na gravidez foram evocadas 335 palavras; para prematuridade, 333 vocábulos e para UTIN, 339 expressões. Elas serão apresentadas a seguir em três unidades temáticas e suas respectivas categorias, com explicações das puérperas sobre os significados de algumas dessas evocações.

Significados atribuídos às síndromes hipertensivas da gravidez

Com relação ao estímulo indutor "pressão alta na gravidez", 91,3% das palavras evocadas era de natureza semelhante, o que reflete a homogeneidade nas respostas das mulheres. Elas foram distribuídas em cinco categorias, apresentadas na Figura 2.

Figura 2
Identificação da estrutura das representações sociais sobre as síndromes hipertensivas da gravidez evocadas por 70 puérperas

Reportando-se à Figura 2, observa-se que a categoria morte surge no primeiro quadrante, como a representação mais forte das SHGs, com elevada frequência de evocação e menor OME.

No segundo quadrante (núcleo intermediário) surge a categoria 2, aspectos negativos da doença, agrupando os diversos sentimentos que permeiam a vivência de uma gravidez de alto risco, sobretudo com as SHGs. Surge, também, a categoria conhecimento sobre a doença, na qual foram reveladas as complicações e sintomas que estiveram presentes na gravidez, destacando-se a hipertensão arterial, dores epigástricas, cefaleias e edemas, alterações que constituem os sintomas clássicos das SHGs. Esses sinais e sintomas foram justificados pelas puérperas como situações anormais, para o período gestacional, e que faziam com que elas sentissem que algo estava ocorrendo fora da normalidade.

No quadrante 3 (sistema periférico), surgem a quinta e a terceira categorias, denominadas, respectivamente, necessidade de cuidados e estratégias de enfrentamento. Nesse âmbito, as mulheres, percebendo sua gravidade clínica, sentiam a necessidade de cuidados, para preservar a sua vida e especialmente a do filho, e buscavam a religiosidade como meio de enfrentar as alterações físicas e emocionais que a doença lhes conferia. De forma semelhante, a mulher se mantém perseverante, lutando contra a doença, respaldada na ideia de que, preservando a sua vida, ela exercia o papel materno de não privar o filho prematuro, também considerado de alto risco, dos cuidados maternos.

Significados atribuídos à prematuridade

A partir do estímulo indutor "prematuridade", obteve-se 81% das evocações distribuídas em cinco categorias (Figura 3), onde se encontra, no quadrante 1, a palavra "morte" como a representação mais forte da prematuridade.

Figura 3
Identificação da estrutura das representações sociais da prematuridade evocada por 70 puérperas

Prosseguindo com a análise da Figura 3, no segundo quadrante está a categoria fragilidade, emergida da expressão materna ao descrever o prematuro como "bebê frágil". Esse termo apresentou alta frequência de evocação e poderia ser inserido como núcleo central, se não fosse pela OME alta. A categoria necessidade de cuidados, no terceiro quadrante, revela o empenho materno em oferecer amor e dedicação a um filho prematuro que denota fragilidade e, portanto, necessidade de cuidado especial.

Nesse mesmo quadrante, os sentimentos negativos surgem na categoria aspectos negativos (sofrimento, tristeza e culpa) e refletem as dificuldades maternas com a prematuridade, iniciadas pela culpa por não serem capazes de levar a gravidez a termo e, após o parto, pela visão de um bebê doente, cercado de fios e aparelhos, que difere do saudável por elas desejado. Na perspectiva de superar algo contrário ao esperado, a mulher busca alternativas para conviver e aceitar a nova realidade e, assim, surge a categoria estratégia de enfrentamento, na qual se destacam as palavras "fé" e "luta", como mecanismos para aceitar um fato contrário ao cotidiano de um processo de parto normal e superar as adversidades vivenciadas com um filho prematuro, submetido a tratamento intensivo.

Significados atribuídos à UTIN

Para o estímulo indutor UTIN, foram obtidas 89% das evocações de natureza similares. Esses vocábulos foram agrupados em três categorias (Figura 4). A categoria morte aparece no primeiro quadrante, como a representatividade mais forte da UTIN. O entendimento das mulheres sobre a UTI é revelado como um lugar no qual há crianças muito graves e próximas da morte, além de compreendê-lo como atemorizante, onde, com frequência, presenciam a morte de outros bebês e o sofrimento de outras mães. Essa construção reforça a sensação de que ter seu filho hospitalizado, nesse ambiente, é conviver diariamente com o risco de perdê-lo.

Figura 4
Identificação da estrutura das representações sociais da UTIN evocada por 70 puérperas

No segundo quadrante, a categoria significados da UTIN suscita o cuidado especializado simbolizado por aparatos tecnológicos, profissionais qualificados e cuidados especiais. Essa especificidade de assistência contribui para ressignificação desse setor: embora convivendo diariamente com o sentido da morte, esse vai sendo substituído pela percepção de que os recursos disponíveis aumentam as chances de sobrevivência do filho.

Com isso surge um novo significado para UTIN, como "ventre materno", dando a ela o sentido de continuidade da gravidez e, portanto, responsável pela complementação da gestação interrompida precocemente. Assim, no âmbito dos cuidados intensivos, os "aparatos tecnológicos" inicialmente concretizam uma objetivação assustadora da UTIN e, posteriormente, a ressignificação para um lugar no qual se pode salvaguardar a vida do filho.

No terceiro quadrante, como sistema periférico, encontra-se a categoria aspectos negativos provenientes dos sentimentos vivenciados pelas mães como acompanhantes do filho na UTIN. Essas dificuldades foram delineadas quando a mãe, ainda no centro obstétrico, escuta do pediatra que o filho necessita de cuidados intensivos, persistindo, ainda, por ocasião da primeira visita na UTIN e no cotidiano da hospitalização do filho.

Para melhor representação deste estudo, na Figura 5 são apresentadas as categorias inerentes às três unidades analisadas, na qual se destacam as categorias morte e aspectos negativos, comuns aos três temas analisados, seguidas das categorias estratégias de enfrentamento e necessidade de cuidados, presentes no universo das SHGs e na prematuridade.

Figura 5
Categorização obtida sobre a representatividade das síndromes hipertensivas da gravidez, prematuridade e UTIN, para 70 puérperas

Discussão

Em relação ao presente estudo, evidenciou-se que as representações sociais de puérperas sobre as SHGs sequenciadas do nascimento prematuro que evoluiu para hospitalização do filho na UTIN, obtidas por meio da TALP, apresentaram as categorias morte e aspectos negativos comuns aos três universos representativos, confirmando que se trata de uma vivência de contexto único, embora com consequências diversas.

Inicialmente, ao associar as SHGs à morte, as mulheres tornam real sua própria condição de vulnerabilidade frente a uma doença desconhecida e surpreendente, que as remete à precoce hospitalização, distanciamento familiar e impotência diante da impossibilidade de levar a gravidez a termo. Nesse sentido, a morte surge não apenas como o cessar da vida, mas como contrária à celebração da maternidade e do papel exercido pela mulher no contexto social em que vive: o de levar uma gravidez a termo e parir um filho saudável.

Para as entrevistadas, conviver com o sentido de morte, tanto para si como para o filho, intensificou as ansiedades e medos, pela objetivação da real condição de riscos aos quais estavam submetidos. A morte, por exterminar a existência, introduz a contradição, a tristeza e o horror ao seu coração( 1212. Menossi MJ, Zorzo JCC, Lima RAG. The dialogic life-death in care delivery to adolescents with câncer. Rev. Latino-Am. Enfermagem fev 2012;20(1):126-34. ). Portanto, a percepção do risco de morte traz sentimentos com diferentes intensidades, como medo, ansiedade e culpa( 1313. Carvalheira APP; Tonete VLP; Parada CMGL. Feelings and Perceptions of Women in the Pregnancy-Puerperal Cycle Who Survived Severe Maternal Morbidity. Rev. Latino-Am. Enfermagem nov/dez 2010;8(6):1187-94. ). Assim, mulheres com SHGs vivenciam alterações emocionais que podem lhes trazer prejuízos não apenas fisiopatológicos, mas de aspecto subjetivo.

As categorias necessidade de cuidados e estratégias de enfrentamento surgiram como alternativas para se evitar um desfecho desfavorável da doença e afastar o risco iminente de morte. Com isso, mediante a hospitalização, as mulheres se submeteram a tratamento específico em busca da própria sobrevivência e à do filho, amparando-se na religiosidade para enfrentar a doença e as limitações que ela lhes conferia, e isso representou fator de encorajamento diante do risco gravídico. Como parte relevante da vida, a religião não pode ser negligenciada e precisa ser inserida como acréscimo ao tratamento medicalizado( 1414. Faria JB, Seidl EMF. Religiosidade e enfrentamento em contexto de saúde e doença: revisão da literatura. Psicologia: Reflexão e Crítica. 2005;18(3):381-389. - 1515. Dourado V G, Pelloso S M. Gravidez de alto risco: o desejo e a programação de uma gestação. Acta Paul Enferm. 2007;20(1):12-7. ).

O nascimento prematuro representou o insucesso de levar a gravidez a termo e as incertezas quanto à sobrevivência do filho. É a morte da gravidez idealizada que faz emergir inseguranças e medos atribuídos à vivência do luto antecipado( 1616. Maldonado MT. Psicossomática e obstetrícia. In: Mello Filho J, editor. Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas; 1992. p.208-14. ). Com a hospitalização do neonato na UTIN, as mães esquecem os próprios riscos puerperais inerentes às SHGs, direcionando suas ações para o filho. É uma espécie de solicitude, dedicação e inquietação por elas adotadas, visando contribuir para a recuperação do filho( 1717. Silva IJ, Oliveira MFV, Silva SED, Polaro SHI, Radüz V, Santos EKA, Santana ME Care, self-care and caring for yourself: a paradigmatic understanding thought for nursing care.Rev Esc Enferm USP. 2009;43(3):697-703. ). Assim, o nascimento pré-termo e a hospitalização precoce do bebê em UTIN podem comprometer o equilíbrio emocional materno e familiar( 1818. Correia LL, Carvalho AEV, Linhares MBM. Verbal contents expressed by mothers of preterm infants with clinical emotional symptoms. Rev. Latino-Am. Enfermagem. jan/fev 2008;16(1):64-70. ).

Sabe-se que as UTINs foram criadas com o objetivo de oferecer condições para redução da morbidade e mortalidade neonatal. Entretanto, percebe-se que, nesse ambiente, é comum os profissionais voltarem suas ações às necessidades biológicas do recém-nascido, enquanto ocorre, também, fragmentação do atendimento das necessidades maternas e familiares, também presentes no contexto do nascimento e hospitalização de um filho prematuro.

Há tendência de que os riscos maternos puerperais sejam pouco valorizados pela equipe neonatal, em decorrência dos cuidados que são dispensados ao neonato. Porém, é imprescindível lembrar que o alto risco neonatal muitas vezes é proveniente de gravidezes de alto risco e que as puérperas, pelas complicações às quais ainda estão expostas, demandam cuidados especiais que envolvem a mãe, o neonato e a família.

Reportando-se aos aspectos negativos intrínsecos às vivências maternas com as SHGs e a prematuridade, percebem-se as influências sociais trazidas pela mulher de que a maternidade ocasiona repercussões desastrosas no seu estado emocional, quando algo não acontece como esperado. Tal fato coloca a mulher em situação de vulnerabilidade familiar, especialmente para as mães que atribuem para si a responsabilidade de terem sido acometidas por uma doença que lhes conferiu a incapacidade de gerar um filho saudável.

Esses reflexos sociais cristalizam os aspectos negativos das SHGs com tendência a prejuízos físicos, emocionais e sociais. Em função disso, é estabelecida a necessidade de um "cuidar" com atenção especial aos aspectos subjetivos, presentes na vivência de uma gravidez e nascimento de alto risco. Estudos têm demonstrado que o diagnóstico de gravidez de alto risco já é fator de estresse e que a ansiedade e a vulnerabilidade das mulheres quanto à incerteza de levar a gravidez a termo são percebidas naquelas que experienciam a hipertensão gestacional( 88. Souza NL, Araujo ACPF. Costa ICC. The meanings that postpartum women assign to gestational hypertension and premature birth. Rev Esc Enferm USP 2011;45(6):1285-92. , 1919. Black KD. Stresss, symptoms, self-monitoring confidence, well-being, and social support in the progression of preeclampsia/gestacional hypertension. J Obstet Gynecol Neonatal Nursing. 2007;36:419-29. ).

Nessa circunstância, os resultados deste estudo apontam que a mulher, diante de uma gravidez com síndrome hipertensiva e tendo como consequência o nascimento de um filho prematuro, vivencia perdas, separações, conflitos e medos, que podem influenciar os efeitos adversos das SHGs, o parto prematuro e a consequente hospitalização do filho na UTIN. Na gravidez de alto risco, afloram emoções e sentimentos de culpa que podem comprometer a evolução da gravidez( 1313. Carvalheira APP; Tonete VLP; Parada CMGL. Feelings and Perceptions of Women in the Pregnancy-Puerperal Cycle Who Survived Severe Maternal Morbidity. Rev. Latino-Am. Enfermagem nov/dez 2010;8(6):1187-94. ).

A percepção do risco de morte, tanto para mãe como para o filho, desencadearam os aspectos emocionais presentes na gravidez de alto risco, seguidos do nascimento prematuro e hospitalização desse filho na UTIN. Nesse sentido, é necessário um cuidar de forma integral, baseado nas necessidades maternas, oferecendo subsídios para o enfrentamento e adaptação a essa nova realidade. Essa constatação encontra-se respaldada em outros estudos que apontam a necessidade de os profissionais de saúde acolhere essas mães, para que elas se sintam mais seguras e valorizadas( 88. Souza NL, Araujo ACPF. Costa ICC. The meanings that postpartum women assign to gestational hypertension and premature birth. Rev Esc Enferm USP 2011;45(6):1285-92. , 1313. Carvalheira APP; Tonete VLP; Parada CMGL. Feelings and Perceptions of Women in the Pregnancy-Puerperal Cycle Who Survived Severe Maternal Morbidity. Rev. Latino-Am. Enfermagem nov/dez 2010;8(6):1187-94. ).

De forma geral, a consolidação do EVOC permitiu identificar que a palavra "morte" surgiu com frequência elevada e esteve presente nos três contextos analisados. Assim, a categoria morte constituiu o núcleo central do estudo das representações sociais da gravidez que cursa com síndrome hipertensiva e que teve como consequências o parto pré-termo e a hospitalização do filho na UTIN, para as 70 puérperas estudadas.

Os elementos como sentimentos, percepções, significados, atitudes e dificuldades surgidos das expressões individualizadas representaram, coletivamente, o cotidiano das entrevistas durante a gravidez, parto, puerpério e nascimento de alto risco. Eles compuseram: a categoria aspectos negativos, presente nas três situações analisadas; as categorias estratégias de enfrentamento e necessidades de cuidados, evidenciadas nas SHGs e prematuridade, e conhecimento sobre a doença, fragilidade e significados da UTIN, que representaram fatos específicos a cada situação investigada. Essas categorias constituíram o núcleo periférico da representação social deste estudo.

Considerações finais

A análise dos dados permitiu identificar que, para as puérperas deste estudo, as SHGs e suas consequências, como o nascimento prematuro e hospitalização do filho na UTIN, revelaram a construção de uma representação social negativa, que teve como núcleo central a morte, com frequência de evocação elevada nos três contextos avaliados.

Em um primeiro momento, o sentido de morte foi representado pelo risco de não sobrevivência materna e fetal. Após o parto, as entrevistadas aparentaram esquecer seus próprios riscos e se projetarem para aqueles aos quais os filhos estavam expostos, decorrentes da prematuridade e hospitalização na UTIN. Nesse cenário, mesmo que a resolutividade no serviço de alta complexidade tenha diminuído ou afastado o risco de morte materna ou fetal, o sentido de morte continuou fortalecido, pelo rompimento da gravidez idealizada e antecipação da chegada de um filho em situação contrária àquela desejada.

A inexistência de elementos de contraste que comporiam os quadrantes inferiores esquerdos, nas Figuras referentes às situações investigadas, indica que nenhuma situação se opôs ao senso comum quanto à definição do núcleo central. Isso leva a supor que poucos ou quase nenhum aspecto da assistência recebida pelas puérperas investigadas favoreceram a desconstrução social de atribuir um sentido de morte às SHGs e suas consequências.

Cabe destacar a relevância deste estudo por abordar a experiência de mulheres com síndromes hipertensivas da gravidez, revelando situações que englobam o ciclo gravídico/puerperal, o nascimento prematuro e a hospitalização do filho na UTIN. Portanto, acredita-se estar contribuindo para avanços na qualidade da assistência de enfermagem e na divulgação do conhecimento científico referente ao tema, pouco explorado, com vistas a garantir condições dignas de atendimento a mulheres em situação de alto risco gravídico, para que elas possam enfrentar com menos desgastes os efeitos adversos, decorrentes de uma gravidez e nascimento de alto risco.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2012
  • Aceito
    25 Mar 2013
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