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O projeto de capitalização da Previdência Social no governo Bolsonaro: o mercado como estratégia de aposentadoriai i. O texto faz parte de um projeto mais amplo que acompanha debates públicos e desdobramentos das reformas da previdência social desde os anos Fernando Henrique Cardoso (Jardim, 2002, 2009), com apoio da Fapesp e do CNPQ.

The social security capitalization project in Bolsonaro’s government: the market as a pension strategy

Resumo

O objetivo geral do artigo é contribuir para o debate sobre reforma da Previdência Social, identificando as principais justificativas que embasaram o projeto da reforma apresentada pelo governo de Jair Bolsonaro, em 2019. O objetivo específico é identificar se existe solidariedade na proposta oferecida pelo governo. Nossa metodologia foi baseada na coleta e análise de discursos proferidos pelo principal agente do processo, Paulo Guedes, além de dados complementares junto a Jair Bolsonaro e Rogério Marinho. Tem como inspiração teórica a sociologia de Pierre Bourdieu e insights da sociologia econômica. Os resultados apontam que todas as justificativas acionadas pelo principal agente envolvido na reforma da previdência de 2019 tiveram como objetivo aprovar a transição de um modelo de previdência baseado na repartição, para um modelo de capitalização e que a capitalização da Previdência Social não foi apresentada como complementar, tal qual nos governos anteriores, mas como modelo obrigatório. Se aprovada, a previdência do Brasil passaria a existir em um modelo paralelo, a saber, a manutenção do modelo de repartição para servidores públicos e trabalhadores do setor privado já integrados ao sistema e ao modelo de capitalização para os jovens ingressantes no mercado de trabalho.

Palavras-chaves:
Reforma da Previdência Social; Sistema de repartição; Capitalização; Governo Bolsonaro

Abstract

The general objective of the article is to contribute to the debate on Social Security reform, identifying the main justifications that supported the pension reform project presented by the government of Jair Bolsonaro in 2019. The specific objective. The overall objective is to identify whether solidarity exists and, if so, what kind is offered by the government's proposal. Our methodology was based on the collection and analysis of speeches given by the main agent of the process, Paulo Guedes, as well as complementary data with Jair Bolsonaro and Rogério Mari­nho. It has as theoretical inspiration the sociology of Pierre Bourdieu and insights from economic sociology. The results point out that all the justifications triggered by the state agents involved in the 2019 pension reform aimed to approve the transition from a repartition-based pension model to a capitalization model and that the capitalization of social security was not presented as complementary, as in previous governments, but as a mandatory model. If approved, Brazil's social security would come to exist in a hybrid model, namely, the maintenance of the pay-as-you-go model for public servants and private sector workers already in the system and the capitalization model for young entrants to the labor market.

Keywords:
Social Security reform; Repartition system; Capitalization; Bolsonaro’s administration

Introdução

A constituição dos sistemas previdenciários ao redor do mundo é uma história de longa data, que anda junto com as exigências da democracia e com a constituição dos Estados-nação (Castel, 2003CASTEL, Robert. L’insécurité sociale: qu’est-ce qu’être protégé? Paris: Les Éditions du Seuil, 2003.). Não foi diferente no Brasil, já que a criação da Previdência Social Brasileira está relacionada com a construção do Estado, com os direitos trabalhistas e o sindicalismo brasileiro (Cohn, 1980COHN, Amélia. Previdência social e processo político no Brasil. São Paulo: Moderna, 1980.; Oliveira & Teixeira, 1986OLIVEIRA, Jaime A. de Araújo; TEIXEIRA, Sônia M. (Im)previdência Social: 60 anos de história da Previdência Social. Petrópolis; RJ: Vozes/Abrasco, 1986.; Jardim, 2009JARDIM, Maria Chaves. Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos de pensão em tempos de governo Lula. São Paulo: Annablume, 2009.). E suas primeiras iniciativas se deram por meio do assistencialismo, expresso na política das Santas Casas de Misericórdia, das associações de auxílio mútuo e dos montepios (Luca, 1990LUCA, Tânia. O sonho do assegurado. São Paulo: Contexto, 1990.); portanto, uma das primeiras formas de se pensar as incertezas no Brasil se deu por meio do mutualismo (Rodrigues, 1968RODRIGUES, José Albertino. Sindicato e desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Difel, 1968.).

Durante os primeiros anos do Brasil Colônia, o mutualismo contou com o trabalho das Santas Casas de Misericórdias, que procuravam proteger os órfãos, os doentes e os idosos. Nesse contexto, as Santas Casas atuaram em uma série de problemas que eram ignorados pelo Estado, constituindo-se em uma antecessora da Previdência Social, porquanto forneciam esmola e asilo aos inválidos, aos doentes e aos pobres (Jardim, 2002______. O mercado das previdências: fatores sócio-culturais na criação de mercado. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, 2002.).

Sobre as associações de auxílio mútuo surgidas no Brasil, Tânia Luca (1990LUCA, Tânia. O sonho do assegurado. São Paulo: Contexto, 1990.) afirma que estas se tornaram objeto da ação estatal em 1860 e que São Paulo e Santos constituíram o berço dessas associações, pois, devido à rápida urbanização dessas regiões, os problemas sociais ganharam destaque, possibilitando a emergência do mutualismo como forma de preencher a lacuna social que não era ocupada pelo Estado.

Luca (1990LUCA, Tânia. O sonho do assegurado. São Paulo: Contexto, 1990.) argumenta que as sociedades de auxílio mútuo prestavam socorro aos trabalhadores afastados do processo produtivo, resultado de jornadas excessivas e péssimas condições de trabalho, que levavam a doenças e invalidez. Segundo a autora, a alta incidência de sociedades de socorro mútuo, as quais ofereciam algum tipo de auxílio para os sócios impossibilitados de trabalhar temporária e/ou definitivamente, reflete a situação de penúria e exploração a que estava submetida a classe trabalhadora (Luca, 1990).

Dentre as sociedades de auxílio mútuo, merecem destaque os montepios, os quais surgiram formalmente em 1795, quando operavam planos de aposentadoria, de pensão ou pecúlio, aberto a toda a população. A primeira iniciativa do Estado na criação de montepios foi do príncipe regente D. João, que assinou um decreto autorizando a criação do Plano de Benefício para os Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha, surgindo pela primeira vez um montepio de iniciativa estatal no meio militar. Nessa época, já era significativa a presença de montepios privados nesse meio (Jardim, 2002______. O mercado das previdências: fatores sócio-culturais na criação de mercado. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, 2002.).

O ano de 1923 é considerado um marco da Previdência Social no Brasil, pois o deputado Eloy Chaves aprovou um projeto que criou as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) (Luca, 1990LUCA, Tânia. O sonho do assegurado. São Paulo: Contexto, 1990.). O decreto estipulou a criação obrigatória, em cada companhia ferroviária do país, de uma caixa de aposentadorias e pensões para os respectivos empregados das estradas de ferro, cuja caixa foi ampliada em 1926 para todas as categorias profissionais da estiva e marítima (Luca, 1990; Oliveira & Teixeira, 1986OLIVEIRA, Jaime A. de Araújo; TEIXEIRA, Sônia M. (Im)previdência Social: 60 anos de história da Previdência Social. Petrópolis; RJ: Vozes/Abrasco, 1986.).

Os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) foram criados a partir de 1933, como resultado da política de Vargas, que buscava o apoio da classe trabalhadora, bem como reprimir as reivindicações do movimento operário (Oliveira & Teixeira, 1986OLIVEIRA, Jaime A. de Araújo; TEIXEIRA, Sônia M. (Im)previdência Social: 60 anos de história da Previdência Social. Petrópolis; RJ: Vozes/Abrasco, 1986.). Os IAPs tinham um caráter mais abrangente que as CAPs e eram organizados por categorias profissionais e não por empresas, como sua antecessora, as CAPS. Sobre este assunto, Amélia Cohn (1980COHN, Amélia. Previdência social e processo político no Brasil. São Paulo: Moderna, 1980.) afirma que com a quebra do regime oligárquico e a presença cada vez mais marcante das classes assalariadas urbanas no cenário político e econômico, a Previdência Social - até então deixada para o setor privado via contratos de seguro empregado-empregador - passa a ser objeto de atenção do Estado (Oliveira & Teixeira, 1986).

Nesse contexto, Cohn (1980COHN, Amélia. Previdência social e processo político no Brasil. São Paulo: Moderna, 1980.) afirma que a Previdência Social surgiu com um caráter duplo: como forma de atendimento às reivindicações trabalhistas e como mecanismo de controle por parte do Estado e até mesmo por parte dos sindicatos.

Durante a ditadura civil-militar, no ano de 1966, os IAPs e as CAPs foram fundidos em uma só instituição, com exceção do Instituto de Previdência e Aposentadoria dos Servidores do Estado (Ipase): o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) (Oliveira e Teixeira, 1986OLIVEIRA, Jaime A. de Araújo; TEIXEIRA, Sônia M. (Im)previdência Social: 60 anos de história da Previdência Social. Petrópolis; RJ: Vozes/Abrasco, 1986.). Na Constituição de 1988, a importância da Previdência Social foi reforçada quando foi inserida como parte do Sistema de Seguridade Social, que pressupõe previdência, saúde e assistência social (Gentil, 2006GENTIL, Denise Lobato. A política fiscal e a falsa crise da Seguridade Social brasileira: Análise financeira do período 1990-2005. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.; Jardim, 2002______. O mercado das previdências: fatores sócio-culturais na criação de mercado. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, 2002.; Jard da Silva, 2021).

No mesmo momento em que ganhava espaço na Constituição de 1988 no Brasil, se intensificaram narrativas públicas, especialmente em países da América Latina e Europa do Leste, sobre a falência dos sistemas previdenciários públicos e a ineficiência das instituições do Estado de bem-estar social, que deveriam ser substituídas por modelos capitalizados (Jard da Silva, 2021). Essas narrativas foram reforçadas com a crise econômica dos anos 1980 e sustentaram diversas reformas da Previdência Social no Brasil (Jardim & Jard da Silva, 2015JARDIM, Maria Aparecida Chaves; JARD DA SILVA, Sidney. New pension legislation for federal public servants in Brazil. Global Journal of Human Social Sciences, v. 15, p. 20-29, 2015.) e na América Latina, sendo que, na ocasião, a maioria desses países optaram pelo sistema de capitalização (Marques, 1992MARQUES, Rosa Maria. O financiamento da saúde e a lei de custeio da Seguridade Social. Revista Saúde em Debate, v. 37, p. 20-25, 1992.; Sauviat, 2005SAUVIAT, Catherine. Os fundos de pensão e os fundos mútuos: principais atores da finança mundializada e do novo poder acionário. In: CHESNAIS, François (Org.). A finança mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005.; Skocpol, 1995SKOCPOL, Theda. Protecting soldiers and mother: the political origins of social policy in the United States. Harvard, MA: Harvard University, 1995.).

No que se refere ao Brasil, houve sete reformas da Previdência Social desde a Constituição de 1988. A primeira foi no governo Collor de Mello, em 1990, quando houve a criação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a instituição do Conselho Nacional de Seguridade Social (CNSS) (Marques, 1992MARQUES, Rosa Maria. O financiamento da saúde e a lei de custeio da Seguridade Social. Revista Saúde em Debate, v. 37, p. 20-25, 1992.); em seguida, no governo de Itamar Franco, em 1993, a reforma foi voltada para os trabalhadores do setor público. Na ocasião, a matéria determinou que as pensões e aposentadorias dos servidores públicos fossem custeadas pela União e pelos próprios servidores (Jard da Silva, 2020). Em 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso mudou tanto a aposentadoria do trabalhador do setor público como o da iniciativa privada, alterando a fixação das idades mínimas para aposentar e inserindo novo tempo de contribuição (Jardim,2002______. O mercado das previdências: fatores sócio-culturais na criação de mercado. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, 2002.).

Nos governos Lula, duas reformas foram promovidas. A primeira, de 2003, estabeleceu que as aposentadorias e pensões de servidores públicos seriam com base na média de todas as remunerações, além de ter taxado os aposentados, que passaram a contribuir com 11% do salário. Foi então concedido aos sindicatos e às centrais sindicais o direito de criar e de gerir fundos de pensão, que é um tipo de previdência complementar, e que movimenta, no Brasil, o equivalente à 20% do Produto Interno Bruto (Jardim & Jard da Silva, 2016JARDIM, Maria Aparecida Chaves; JARD DA SILVA, Sidney. Difusão da previdência complementar no Estado brasileiro: dos Fundos de Empresa Pública à criação da Funpresp. In: FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de; BANDEIRA, Denilson; JARD DA SILVA, Sidney (Orgs.). Difusão de políticas públicas. v. 1, p. 281-313. São Bernardo do Campo: Editora UFABC, 2016.). Na reforma de 2005, Lula beneficiou os trabalhadores de baixa renda, os quais foram enquadrados em um sistema de cobertura previdenciária com contribuições e carências reduzidas, passando a ter direito a um salário-mínimo. Em 2012, durante o governo Dilma, as aposentadorias por invalidez no serviço público foram alteradas. O cálculo passou a ser realizado com base na média das remunerações do servidor e não com base em sua última remuneração. Em 2015, ainda durante o governo Dilma, a reforma ampliou de 70 para 75 anos a idade estabelecida para aposentadoria compulsória (Leão, 2013LEÃO, Patrícia Bonilha. A reforma da Previdência Social no Brasil durante os governos Collor/Itamar, FHC e Lula (1990-2003). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, PR, 2013.; Jard da Silva, 2020).

Essa breve apresentação tem como objetivo contextualizar que os primeiros modelos previdenciários do Brasil se deram a partir do assistencialismo e em seguida, das iniciativas privadas; e que, a partir de 1923, a Previdência Social foi incorporada paulatinamente pelo Estado, que a despeito de promover diversas reformas na previdência, sempre manteve o princípio redistributivo como pilar da solidariedade intergeracional.

Diante disso, o objetivo geral do artigo é contribuir para a literatura sobre reforma da Previdência Social, identificando as principais justificativas que embasaram o projeto de reforma da Previdência Social apresentado pelo governo de Jair Bolsonaro, em 2019. O objetivo específico é identificar se existe solidariedade na proposta do governo. Nossa metodologia foi a coleta de discursos proferidos pelo ministro da economia, Paulo Guedes, considerado “indivíduo eficiente” (Bourdieu, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.) na elaboração do projeto de reforma da previdência. O material foi analisado a partir da análise de discurso de Pierre Bourdieu (1989, 2008), de insights da sociologia econômica, e os dados foram tratados em diálogo com a literatura que se dedica à Previdência Social no Brasil.

No que se refere ao conceito “indivíduo eficiente”, Bourdieu (2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.) entende tratar-se de agente social capaz de promover mudanças significativas em um campo ou espaço social. Portanto, são indivíduos em interação que influenciam efetivamente os processos sociais porque detêm alguma propriedade ativa no campo. Para Bourdieu, são os indivíduos eficientes os representantes das forças sociais ativas (Bourdieu, 2014) e na liderança das revoluções simbólicas. Dito de outra forma, a ideia de “indivíduos eficientes” é um recurso analítico para chegar às propriedades ativas em um campo ou espaço social por meio de seus próprios “encarnadores”, no nosso caso, Paulo Guedes.

No que se refere ao conceito de solidariedade existente no modelo previdenciário, esse pode ser pensado a partir de Émile Durkheim (1893), para quem, a divisão social do trabalho produz a solidariedade porque cria entre os indivíduos um sistema de direitos e deveres que os vinculam uns aos outros de maneira duradoura e interdependente.

Os resultados da pesquisa indicam uma forte ênfase discursiva no projeto de capitalização da Previdência Social, cuja capitalização não foi apresentada como complementar, tal qual nos governos anteriores, mas como modelo obrigatório. Nosso argumento é que todas as justificativas acionadas pelo principal agente envolvido na reforma da previdência de 2019 teve como objetivo aprovar a transição de um modelo de previdência baseado na repartição para um modelo de capitalização, chamada pelo governo de A Nova Previdência. Como dado complementar, usaremos discursos do presidente Jair Bolsonaro1 1 O presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, possui formação na área militar na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), concluída em 1977. Ingressou na reserva em 1988 com o posto de capitão e iniciou sua trajetória política, marcada, principalmente, por sua atuação como deputado federal de 1991 a 2019. Durante toda sua trajetória, adotou posições estatizantes e pregou a intervenção do Estado, com destaque para a defesa da ditadura militar no Brasil e suas realizações econômicas, que culminaram no que se convencionou chamar “milagre brasileiro” nos anos 1970. A partir de 2016, quando anunciou a intenção de se candidatar à Presidência da República, em 2018, passou a defender a necessidade de enxugar a máquina pública e de tornar o Estado-mínimo; a capitalização da Previdência entraria nessa narrativa. e do secretário da Previdência, Rogério Marinho2 2 Rogério Simonetti Marinho, secretário especial de Previdência Social foi indicado ao posto por Paulo Guedes. Marinho graduou-se em ciências econômicas pela Faculdade Unificada para o Ensino das Ciências (Unipec), atual Universidade Potiguar (UnP). Foi secretário de Planejamento da Prefeitura de Natal, vereador e presidente da Câmara Municipal de Natal, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte. Atuou como deputado federal por dois mandatos. , os quais reforçam as ideias de Guedes.

Além dessa introdução e da conclusão, o artigo é composto de quatro partes: na sessão seguinte, apresentamos o mercado de previdência privada em contexto de neoliberalismo; em seguida uma visão geral sobre o projeto de reforma da previdência proposta pela equipe econômica de Jair Bolsonaro; na terceira sessão apresentamos discursos selecionados e, finalmente, temos uma sessão final dedicada às análises, quando pontuamos os limites e as desvantagens da capitalização da Previdência Social.

O mercado de previdência privada como justificativa do neoliberalismo

No Brasil, a legislação previdenciária abarca a existência de três tipos de regimes previdenciários: o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), pertencentes aos servidores públicos concursados dos municípios, dos estados e da União; o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), pertinente ao trabalhador da iniciativa privada, com vínculo formal e informal (contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial); ambos adotam o modelo de repartição simples e estão baseado no regime de benefício definido. Por fim, temos o Regime de Previdência Complementar, no qual se encaixa a previdência privada aberta (via bancos) e fechada (fundos de pensão) criado em 1977. Pinheiro (2007PINHEIRO, Ricardo Pena. A demografia dos fundos de pensão. Brasília: Ministério da Previdência Social/Secretaria de Políticas Públicas da Previdência Social, 2007.) acredita que os fundos de pensão foram criados como parte do projeto político desenvolvimentista de estímulo ao mercado de capitais e atendia às necessidades fiscais do governo militar em diminuir os gastos com a aposentadoria dos funcionários públicos. A previdência complementar adota o regime de capitalização e está baseado no modelo de contribuição definida.

No que se refere ao primeiro modelo - o de benefício definido -, trata-se de um regime no qual o contribuinte sabe quanto vai receber no futuro e para isso as parcelas de contribuição são ajustadas para atingir esse fim. Segundo Sabine Montagne (2006MONTAGNE, Sabine. Les fonds de pension: entre protection sociale et spéculation financière. Paris: Odile Jacob, 2006.) e Frédéric Lordon (2000LORDON, Frédéric. Fonds de pension, piège à cons? Mirage de la démocratie actionnariale. Paris: Raisons d’agir, 2000.), nesse modelo existe solidariedade e seria mais adequado do que o modelo de contribuição definida, pois lembra, em alguma medida, a lógica de repartição.

Por outro lado, a contribuição definida faz parte do modelo de capitalização. Nesse contrato, o contribuinte sabe o valor da contribuição, mas não sabe o valor da aposentadoria futura, uma vez que a poupança gerada fica sob os riscos e as instabilidades do mercado financeiro. Nesse modelo não existiria solidariedade entre as partes, já que os depósitos são individualizados e cada participante desse sistema possui a sua própria conta previdência para depósito mensal e autonomia para fazer sua contribuição mensal. Aqui prevalece o princípio individualista do modelo neoliberal, no qual o espírito de autoempreendedor é validado, estimulado e premiado. A literatura coloca esse tipo de previdência como investimento financeiro, que, por sua vez, nega a solidariedade entre as gerações, presente no modelo de benefício definido (Lordon, 2000LORDON, Frédéric. Fonds de pension, piège à cons? Mirage de la démocratie actionnariale. Paris: Raisons d’agir, 2000.; Sauviat, 2005SAUVIAT, Catherine. Os fundos de pensão e os fundos mútuos: principais atores da finança mundializada e do novo poder acionário. In: CHESNAIS, François (Org.). A finança mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005.; Montagne, 2006MONTAGNE, Sabine. Les fonds de pension: entre protection sociale et spéculation financière. Paris: Odile Jacob, 2006.).

A partir de 1990, em diálogo com o contexto internacional, impulsionado pelas orientações de diversas agências, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e pelos Bancos Centrais ao redor do mundo, houve a defesa do mercado de previdência privada, justificado no discurso de enxugamento do Estado e liberdade aos mercados, contexto que a literatura convencionou chamar de neoliberalismo.

No que se refere ao neoliberalismo, trata-se de uma crença revigorada a partir dos anos 1980, momento em que o cenário econômico mundial se encontrava fragilizado, em grande parte, pela ocorrência das crises do petróleo na década de 1970 e pela crise fiscal que abateu fortemente nos países latino-americanos. Essa condição, combinada com a força hegemônica de uma onda ideológica liberal que fora concebida nos Estados Unidos, resultou em uma nova égide (forma de pensar e agir) que convencionou-se chamar de Consenso de Washington, um conjunto de propostas composto por políticas econômicas transnacionais e reformas estruturais liberalizantes. Para Frédéric Lebaron, o Consenso de Washington representou a

ascensão incontestável das “soluções de mercado”, que vão de políticas orçamentárias e monetárias “ortodoxas” à privatização massiva dos serviços públicos e à integração no mercado mundial dos capitais (Lebaron, 2012______. A formação dos economistas e a ordem simbólica mercantil. REDD - Revista Espaço de Diálogo e Desconexão, v. 4, n. 2, 2012., p. 54).

Sempre de acordo com Lebaron (2012______. A formação dos economistas e a ordem simbólica mercantil. REDD - Revista Espaço de Diálogo e Desconexão, v. 4, n. 2, 2012.), naquele momento os Estados Unidos se firmaram como protagonistas em um processo de imposição de uma dominação simbólica sobre o resto do mundo, a qual foi fundada na hegemonia de Wall Street após a Segunda Guerra Mundial.

Maria Rita Loureiro (2001) afirma que, diante dessas transformações e exigências, os governos passaram a ser desafiados pelas instituições financeiras internacionais a apresentarem continuamente desempenhos macroeconômicos calcados em estabilidade monetária, superávit da balança de pagamentos e equilíbrio das contas públicas. Em síntese, esses indicadores representariam um conjunto de condições mínimas que são exigidas às economias (quer sejam desenvolvidas ou em desenvolvimento) para serem integradas ao mercado globalizado. Dessa forma, essas economias teriam “condições de competição e credibilidade para atrair os capitais necessários ao desenvolvimento e à expansão do bem-estar social” (Loureiro, 2001, p. 75).

Maria Chaves Jardim (2009JARDIM, Maria Chaves. Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos de pensão em tempos de governo Lula. São Paulo: Annablume, 2009.) ressalta que, além das instituições políticas, essas profundas transformações atingiram também os mercados financeiros nos anos 1980, influenciando na

abertura de fronteiras, na liberação do comércio, desregulamentação financeira e na propulsão da privatização, que, consequentemente, levaram ao recuo do papel do Estado nas políticas sociais e intenso estímulo ao capital privado (Jardim, 2009JARDIM, Maria Chaves. Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos de pensão em tempos de governo Lula. São Paulo: Annablume, 2009., p. 125),

argumento compartilhado por Roberto Grün (2010GRÜN, Roberto. A crise financeira, a guerra cultural e as transformações do espaço econômico brasileiro em 2009. Dados, v. 53, n. 2, p. 255-297, 2010.) e Marcos Rogério Silva (2017SILVA, Marcos Rogério. Banco Central e os sentidos sociais da ação em política monetária: as justificações morais distintas dos usos sociais do dinheiro. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, 2017.). Essas mudanças marcaram o começo de uma fase, onde se reivindicava o dito “poder autônomo das finanças” (Orléan, 1999ORLÉAN, André. Le pouvoir de la finance. Paris: Odile Jacob, 1999.).

Essas crenças econômicas difundidas pelas escolas de economia mainstream constituem o que Lebaron (2016LEBARON, Frédéric. Éditorial: la force des idées zombies. Savoir/Agir, v. 38, n. 4, p. 5-8, 2016.) classifica como “ideias zumbis”. Dentre elas estaria a crença da austeridade fiscal expansionista; de autorregulação dos mercados; a de correlação entre desemprego e pobreza com um alto nível de proteção ao emprego e o desenvolvimento do Estado social. Para o autor, ainda que sejam alvo de intensa contestação de

todos os lados nas obras das ciências sociais, ciências políticas, sociologia, antropologia, história e até mesmo dentro de ciência econômica, em suas várias expressões, que ainda é um dos lugares de sua maior reprodução (Lebaron, 2016LEBARON, Frédéric. Éditorial: la force des idées zombies. Savoir/Agir, v. 38, n. 4, p. 5-8, 2016., p. 5-8, tradução nossa),

elas continuam sendo ensinadas, divulgadas e ainda estruturam o debate público ao redor do mundo.

Diante dessa conjuntura, houve uma expansão da previdência privada aberta no Brasil, que são planos de previdência privado adquiridos nos bancos, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (Jardim, 2002______. O mercado das previdências: fatores sócio-culturais na criação de mercado. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, 2002.). Da mesma forma, houve incentivo dos fundos de pensão durante os anos Lula, que passaram a ser criados e geridos pelos sindicatos e centrais sindicais, além de passar a investir em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (Jardim, 2009; Silva, 2017SILVA, Marcos Rogério. Banco Central e os sentidos sociais da ação em política monetária: as justificações morais distintas dos usos sociais do dinheiro. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, 2017.; Magnani, Jardim & Jard da Silva, 2020MAGNANI, Maira; JARDIM, Maria Chaves; JARD DA SILVA, Sidney. Os fundos de pensão como agentes do capital: estado da arte da literatura recente. BIB, São Paulo, n. 93, p. 1-22, 2020.).

Em 2019, com a aprovação da reforma da previdência no governo Bolsonaro, o mercado voltou a crescer diante das mudanças nas regras da aposentadoria do Regime Próprio e do Regime Geral de aposentadoria e houve um crescimento de 14,1 % em 2021 (Dall’agnol, 2021DALL’AGNOL, Laísa. O crescimento do mercado bilionário de planos de previdência privada. Veja, 15 nov. 2021. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/coluna/radar/o-crescimento-do-mercado-bilionario-de-planos-de-previdencia-privada/>. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://veja.abril.com.br/coluna/radar/o...
). Segundo o presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi), Jorge Nasser,

a aprovação da reforma da previdência foi fundamental para atrair novos participantes e ajudar a mudar um pouco o comportamento do mercado. Até por falta da informação, existia uma visão de que o governo operaria um milagre, o que começou a mudar (Bronzati, 2020BRONZATI, Aline. Com reforma, previdência privada aberta volta a crescer. O Estado de S. Paulo, 10 fev. 2020. Disponível em: <https://www.estadao.com.br/economia/com-reforma-previdencia-privada-aberta-volta-a-crescer/>. Acesso em 01 dez. 2022.
https://www.estadao.com.br/economia/com-...
).

De Temer a Bolsonaro: a gestação de uma dita solidariedade via mercado

A reforma da previdência do governo Bolsonaro foi construída durante a gestão Temer, a partir de uma proposta de reforma iniciada em 2016 com a PEC 287/20163 3 Contudo, durante a campanha eleitoral, então candidato à Presidência, Bolsonaro afirmou que a proposta de Temer e Meirelles era “um remendo novo em calça velha” e que dificilmente seria aprovada como se encontrava. Para ver mais, disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/faremos-nossa-reforma-da-previdencia-diz-bolsonaro/>. Acesso em: 20 mar. 2022. . Após assumir a Presidência com o impeachment de Dilma Rousseff, o presidente Temer e sua equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, o economista Henrique Meirelles, estabeleceu que a reforma da previdência seria uma das metas, ao lado reforma da trabalhista. Entretanto, no caso da primeira, o processo foi estagnado devido à instabilidade política causada por denúncias, feitas pelo empresário Joesley Batista, apontando o envolvimento direto de Michel Temer em corrupção. Naquele contexto, as campanhas publicitárias de reforma da previdência do governo embalavam a proposta sob o lema de “Precisamos mudar a previdência para colocar o Brasil nos trilhos”. Houve um esforço discursivo do governo Temer em comparar a reforma com momentos históricos os quais, apesar de hipoteticamente ter proporcionado ganhos à sociedade, no primeiro momento trouxe insegurança, como a adesão ao cinto de segurança, a criação do Plano Real, a vacinação e a privatização dos serviços de telefonia.

Com a eleição do governo de Jair Bolsonaro, sob a promessa de aumentar a idade mínima da aposentadoria do serviço público e introduzir o modelo de capitalização, as principais diretrizes do projeto de reforma anterior foram incorporadas e reelaboradas pela equipe econômica liderada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O texto incorporou pontos centrais da reforma proposta pela gestão Temer em 2017, como, por exemplo, o aumento da idade mínima para aposentadoria, tanto para homens quanto para mulheres.

A reforma, aprovada em 13 de novembro de 2019, e que resultou na Emenda Constitucional 103, traz um conjunto de alterações, como a mudança do tempo mínimo de contribuição, a criação de uma alíquota unificada de contribuição dos servidores privados e públicos, seguindo o princípio do imposto de renda, e a elevação da idade para aposentadoria para homens e mulheres.

Como já informamos, nossa metodologia foi baseada na coleta e análise de discursos em defesa dessa proposta de reforma produzidos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, assim como dados complementares do secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, bem como do presidente Bolsonaro. Os discursos coletados foram pronunciados no ano de 2019, nos meses que antecederam a aprovação da reforma da previdência; para tanto, priorizamos discursos pronunciados em eventos oficiais, tais como audiências públicas, seminários da reforma da previdência, fóruns mundiais, entrevistas e coletivas de imprensa concedidas pelos agentes sociais.

Esse material foi tratado a partir da análise de discurso de Pierre Bourdieu (1989______. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989., 2008), para quem a interpretação dos discursos deve levar em conta a trajetória de cada agente e suas disputas para impor uma definição de mundo. O autor defende que semântica e política estão profundamente imbricadas, principalmente em virtude da disputa constante pela conquista da legitimidade de falar e agir, ou seja, “o que faz o poder das palavras [...] é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras” (Bourdieu, 1989, p. 15), mas dos capitais detidos pelos agentes sociais.

Nessa perspectiva, estaremos atentos à identificação dos discursos do indivíduo eficiente do processo, vinculando seus discursos às crenças que esses carregam e às condições sociais de produção do agente que detém determinada “fala autorizada” (legítima). Por esse motivo, apresentamos em destaque uma minibiografia do agente definido por nós como “indivíduo eficiente”, Paulo Guedes.

Paulo Roberto Nunes Guedes é formado em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cursou seu mestrado na área pela Faculdade Getúlio Vargas (FGV), em 1977, e, na sequência, realizou o doutorado na University of Chicago (1978) nos Estados Unidos, sendo essa instituição conhecida na literatura por formar economistas com posicionamentos mais ortodoxos, ou melhor, monetaristas (Loureiro, 1997______. Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1997.; Viana, 2016VIANA, Karine Dutra Rocha. As crenças transmitidas por escolas de negócios: um olhar sobre a FGV-EAESP e a Chicago Booth School of Business. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Araraquara, 2016.; Jardim & Moura, 2021JARDIM, Maria Aparecida Chaves; MOURA, Paulo José de Carvalho. Entre a ortodoxia e a heterodoxia: disputa simbólica nos governos petistas (Lula e Dilma) para a imposição da doxa econômica. Norus - Novos Rumos Sociológicos, v. 9, p. 52-80, 2021.). Depois de voltar ao Brasil em 1979, Guedes tinha interesse em se tornar docente em tempo integral em universidade, porém, não conseguiu vaga, alcançando um contrato em tempo parcial (posição de pouco prestígio) em regime de dedicação parcial, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e na FGV, instituição em que desejava permanecer. Diante da sua marginalização no campo acadêmico, buscou engajar-se em atividades no mercado financeiro. Em 1983, foi um dos quatro fundadores do Banco Pactual - atual BTG Pactual - e, ao largo de sua trajetória, de vários fundos de investimentos e empresas, bem como do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e do think tank liberal, Instituto Millenium. Na campanha das eleições 2018, foi apresentado como “Posto Ipiranga” de Bolsonaro, como seu guru econômico com propostas de privatizações e reformas “radicais”.

No que se refere à inspiração da sociologia econômica, destacamos os achados de Maria Rita Loureiro (1997______. Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1997.), Antônio Cláudio Sochazcewski (2002SOCHAZCEWSKI, Antônio Cláudio. Políticas de crescimento e o futuro do Brasil. In: BIELSCHOWSKY, Ricardo; MUSSI, Carlos. Políticas para a retomada do crescimento: reflexões de economistas brasileiros. Brasília: Ipea; Cepal, 2002.) e Frédéric Lebaron (2012______. A formação dos economistas e a ordem simbólica mercantil. REDD - Revista Espaço de Diálogo e Desconexão, v. 4, n. 2, 2012.) para pensar o caso Paulo Guedes. Em sua clássica tese sobre a relação entre economia e política, Loureiro (1997) argumenta que a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e a FGV-Rio são instituições de orientação privatistas e próximas dos bancos e do mercado. Essa autora afirma que a FGV e a PUC divulgam crenças econômicas mais próximas da ortodoxia. Silva (2017SILVA, Marcos Rogério. Banco Central e os sentidos sociais da ação em política monetária: as justificações morais distintas dos usos sociais do dinheiro. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, 2017.) ainda acrescenta que, no Brasil, a recepção dos “Chicago boys” ocorreu a partir da PUC-Rio e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), instituições em que os acessos eram facilitados em virtude das universidades estadunidenses “serem credoras simbólicas no campo acadêmico, contribuindo para trazer legitimidade às instituições dos países emergentes” (Silva, 2017, p. 362).

No que se refere a Sochazcewski (2002SOCHAZCEWSKI, Antônio Cláudio. Políticas de crescimento e o futuro do Brasil. In: BIELSCHOWSKY, Ricardo; MUSSI, Carlos. Políticas para a retomada do crescimento: reflexões de economistas brasileiros. Brasília: Ipea; Cepal, 2002.), o autor argumenta que o campo dos economistas no Brasil dispõe de duas correntes ideológicas, sendo a primeira onde se encontram os economistas monetaristas, os quais “[...] defendem, em variados graus e velocidades, a liberalização da economia como única política fundamental de crescimento [...]” (Sochazcewski, 2002, p. 36). Dentre os monetaristas, existiriam aqueles que rejeitam toda e qualquer intervenção estatal - caso de Paulo Guedes, formado pela FGV -; e aqueles que admitem a intervenção do Estado, mas com redução ao mínimo. Do outro lado, Sochazcewski (2002, p. 36) vê os economistas desenvolvimentistas ou heterodoxos, a saber, “[...] que defendem a participação estatal para dar suporte e sustentabilidade ao crescimento”.

Lebaron (2012______. A formação dos economistas e a ordem simbólica mercantil. REDD - Revista Espaço de Diálogo e Desconexão, v. 4, n. 2, 2012.), em estudo sobre biografia de presidentes de Banco Centrais, afirma que o paradigma monetarista, típico do capitalismo neoliberal, encontrou eco nas escolas de economia dos Estados Unidos, a partir de 1980, especialmente na Universidade de Chicago, e tem formado os diretores e os presidentes dos bancos centrais ao redor do mundo. Paulo Guedes faria parte dessa safra de “Chicago boys” formados nos anos 1980 nos Estados Unidos, portanto, fortemente influenciado por esse paradigma.

Nossa centralidade na análise da trajetória do ministro da Economia encontra ainda forte adesão ao argumento da tese de Loureiro (1997______. Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1997.; 2006), sobre a participação dos economistas no governo. O autor defende que, no Brasil, os economistas não agem apenas como assessores ou funcionários burocráticos, como é predominantemente o caso em outros países, atuam ainda como dirigentes políticos (Loureiro, 2006, p. 346). Ou seja, esses profissionais influenciam fortemente as tomadas de decisões ao passo em que ocupam espaços de destaque dentro da burocracia estatal e na montagem das bases do capitalismo brasileiro.

Dados empíricos

Após uma primeira análise flutuante de todo o material coletado, identificamos os principais temas abordados por Paulo Guedes e os agentes complementares na defesa da reforma da previdência, expostos, a seguir, seguindo eixos temáticos: crise da previdência, excesso de gasto público e necessidade de reforma fiscal; ineficiência do Estado; urgência da reforma do Estado; reforma da previdência como crescimento econômico; separação entre Previdência Social e Assistência Social; disputa geracional: a guerra entre jovens e velhos; e, finalmente, a preponderância do mercado na previdência: capitalização versus repartição.

Crise da previdência, excesso de gasto público e necessidade de reforma fiscal

Junto aos discursos dos agentes analisados, encontramos uma tentativa discursiva em relacionar a reforma da previdência a uma propalada crise da Previdência Social e ao excesso de gasto público. Segundo a literatura (Oliveira & Teixeira, 1986OLIVEIRA, Jaime A. de Araújo; TEIXEIRA, Sônia M. (Im)previdência Social: 60 anos de história da Previdência Social. Petrópolis; RJ: Vozes/Abrasco, 1986.; Duval, 2007DUVAL, Julien. Le mythe du “trou de la Sécu”. Paris: Raisons d’Agir, 2007.; Gentil, 2006GENTIL, Denise Lobato. A política fiscal e a falsa crise da Seguridade Social brasileira: Análise financeira do período 1990-2005. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.; Jardim & Jard da Silva,2015JARDIM, Maria Aparecida Chaves; JARD DA SILVA, Sidney. New pension legislation for federal public servants in Brazil. Global Journal of Human Social Sciences, v. 15, p. 20-29, 2015.), esses argumentos sempre aparecem em debates públicos para justificar a reforma da previdência, independentemente do partido que está no poder, pois se trata de uma estratégia discursiva que costuma sensibilizar a sociedade (Duval, 2007).

Os discursos vinculados colocam em questionamento a legalidade da Seguridade Social, instituída pela Constituição de 1988, e falam mesmo em separar a Previdência Social da Assistência Social4 4 Para o argumento de que a Previdência Social possui superávit e não está em crise, ver a conhecida tese de doutoramento de Denise Lobato Gentil (2016). .

Agente social Discurso Paulo Guedes Nós vamos ter que separar Assistência de Previdência. Tudo isso está sendo equacionado, não é por mim, tem gente trabalhando nisso há anos, os melhores especialistas estão trabalhando há anos. Nós não vamos reinventar a roda, o que estamos fazendo é botar tudo isso junto e preparar isso para submissão futura ao Congresso (posse, em 01 jan. 2019).

Aborda, ainda, excessos de funcionalismo público:

Agente social Discurso Jair Bolsonaro O que pesa mais no orçamento público é a questão da previdência pública, essa vai ter maior atenção da nossa parte e no meu entender nós vamos buscar eliminar também privilégios (entrevista concedida ao SBT em 03 jan. 2019).

A crise da Previdência Social é acionada também para justificar políticas macroeconômicas de ajuste fiscal de longo prazo.

Agente social Discurso Paulo Guedes A dimensão fiscal foi sempre o calcanhar de Aquiles de todas as nossas tentativas de estabilização. O descontrole sobre a expansão de gastos públicos é o mal maior (posse em, 01 jan. 2019). Paulo Guedes Isso [o dito déficit da previdência] é uma ameaça, é um buraco fiscal que ameaça engolir o Brasil e precisa ser atacado frontalmente. [...] O movimento em direção à Nova Previdência é para garantir o pagamento de aposentadorias, benefícios e da Assistência Social. Se não fizermos nada, não há garantia de que esses pagamentos poderão ser feitos, como vários Estados já estão experimentando (em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em 03 abr. 2019).

A justificativa para a reforma da previdência argumenta sobre conter os desequilíbrios das contas públicas. O debate é de natureza fiscal e faz parte de um contexto de vigência de uma política econômica fiscal e monetária de caráter contracionista, ou seja, monetarista, quando a lógica financeira ganha centralidade:

Agente social Discurso Paulo Guedes Então, há uma hora em que tem que ser enfrentado o fenômeno e a hora é agora porque entra um grupo que acredita que mecanismos de inclusão social - a maior engrenagem descoberta pela humanidade para garantir a inclusão social - são as economias de mercado.

Esses discursos apresentados não nos surpreendem, porque a literatura (Oliveira & Teixeira, 1986OLIVEIRA, Jaime A. de Araújo; TEIXEIRA, Sônia M. (Im)previdência Social: 60 anos de história da Previdência Social. Petrópolis; RJ: Vozes/Abrasco, 1986.; Jardim, 2002______. O mercado das previdências: fatores sócio-culturais na criação de mercado. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, 2002.; Gentil, 2006GENTIL, Denise Lobato. A política fiscal e a falsa crise da Seguridade Social brasileira: Análise financeira do período 1990-2005. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.; Lordon, 2000LORDON, Frédéric. Fonds de pension, piège à cons? Mirage de la démocratie actionnariale. Paris: Raisons d’agir, 2000.; Théret, 1999THÉRET, B. La duperie des fonds de pension. Le Monde, p. 97-128, fev. 1999.; Sauviat, 2005SAUVIAT, Catherine. Os fundos de pensão e os fundos mútuos: principais atores da finança mundializada e do novo poder acionário. In: CHESNAIS, François (Org.). A finança mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005.; Jard da Silva, 2020) tem apontado que a narrativa sobre a crise e a falência da Previdência Social tem aparecido como justificativa para reformas ao redor do mundo, em diálogo com as propostas do Banco Mundial (Jard da Silva, 2020). O argumento da existência de um déficit e até mesmo da falência do sistema público de previdência faz parte da construção discursiva que defende a transição para um sistema de capitalização.

Contudo, é importante destacar que, na Reforma de 2019, a narrativa da crise financeira da previdência ganhou mais potencial do que o previsto nas campanhas governamentais anteriores, pois foi alimentada pelo decréscimo sobre a folha de pagamento decorrente do crescimento do trabalho informal e do desemprego que reduziu a contribuição social para a Seguridade Social; da flexibilização das leis do trabalho e do discurso dos empresários sobre os excessos de direitos dos trabalhadores que elevam os custos e suas reivindicações pela flexibilização nos direitos trabalhistas, que teria sido concretizada com a “Carteira Verde e Amarela” do governo Bolsonaro. Os argumentos dos agentes estatais defendem maior flexibilização dos direitos trabalhistas, como tem apontado Lima e Oliveira (2022LIMA, Jacob Carlos; OLIVEIRA, Roberto Veras de. O empreendedorismo como discurso justificador do trabalho informal e precário. Contemporânea - Revista de Sociologia da UFSCAR, v. 11, p. 905-932, 2022.) em seus estudos sobre emprego e mercado de trabalho.

Nesse primeiro eixo temático, notamos que o debate teve como fio condutor uma lógica estritamente contábil, que se resume na busca do equilíbrio entre receitas e despesas da previdência, sem considerar as contribuições que servem para financiar a Previdência Social e os empregos regionais que a Previdência Social gera (Caetano, 2008CAETANO, Marcelo Abi-Ramia. Previdência Social e distribuição regional da renda. Texto para discussão n. 1.318. Brasília: Ipea, 2008.). As justificativas produzidas sobre a crise da previdência estão embasadas em um discurso econômico, sustentadas na ideia de ajuste fiscal de longo prazo e ignorando o papel de inclusão social da previdência.

Ineficiência do Estado: a urgência da reforma do Estado

A crítica aos modelos de financiamentos que colocam o Estado como interventor, foi uma constante no material coletado. Os discursos analisados pontuaram a necessidade de reforma do Estado e de redução de seu papel na economia, pois ele se torna ineficiente com o excesso de gasto.

Agente social Discurso Paulo Guedes Essa economia de comando central sem eficiência do Estado como condutor do crescimento produziu essa expansão de gastos públicos como porcentagem do PIB, corrompendo a política e estagnando a economia. São dois filhos bastardos do mesmo fenômeno (posse, em 01 jan. 2019). O Brasil foi corrompido pelo excesso de gastos e o Brasil parou de crescer pelo excesso de gastos. A reforma do Estado é, portanto, a chave para correção desse fenômeno. E essa reforma do Estado, na verdade, tem várias dimensões. E o primeiro é ataque ao problema fiscal (posse, em 01 jan. 2019). Jair Bolsonaro Nós pretendemos diminuir o tamanho do Estado, realizar reformas como, por exemplo, da previdência e tributária, queremos tirar o peso do Estado em cima de quem produz, de quem empreende (entrevista coletiva após abertura da Sessão Plenária do Fórum Econômico Mundial, 2019, Davos, CH, 22 jan. 2019).

O senso comum vigente nos discursos analisados é a necessidade de ultrapassar o modelo econômico proporcionado pela intervenção do Estado (desenvolvimentismo ou neodesenvolvimentismo) para aquele que busca combater a inflação, ajuste nas contas públicas e na defesa da ampla soberania dos mercados e dos interesses individuais sobre os interesses coletivos (neoliberalismo). Nesse sentido, um sistema de Seguridade Social universal, solidário e baseado em princípios redistributivos conflitaria com essa visão de mundo. A busca por um sistema previdenciário via mercado faz parte desse contexto.

reforma da previdência como crescimento econômico

Outra justificativa presente é que a reforma da previdência traria desenvolvimento econômico, já que mais empregos seriam gerados, sem os ditos altos encargos previdenciários das empresas.

Agente social Discurso Paulo Guedes A reforma da Previdência abre um horizonte de 10 a 15 anos de recuperação do crescimento, na mesma ordem disparam as ondas de investimento interno, atraem também os investimentos externos. Nós vamos começar a simplificar e reduzir os impostos. Vamos fazer a descentralização de recursos para estados e municípios. E o Brasil, de julho em diante, já está crescendo de novo. Essa é a verdade a respeito do crescimento (06 maio 2019). [...] a Nova Previdência, que nós chamamos de um sistema de poupança garantida, é um sistema que vai democratizar a poupança, vai permitir que o país cresça mais rápido, vai gerar mais empregos e, no futuro, pode perfeitamente ter a garantia de salário-mínimo, independente da acumulação (em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em 03 abr. 2019). Jair Bolsonaro Se nós aprovarmos a Previdência, pode ter certeza, recursos de fora e de dentro do país voltarão para o mercado, para todas as áreas que nós precisamos, o emprego aparecerá automaticamente (entrevista coletiva após solenidade militar de formatura de sargentos da Aeronáutica, Guaratinguetá, SP, 19 jun. 2019).

Ao contrário do que pregam os engajados na reforma da previdência - de que o crescimento econômico está atrelado a uma previdência de solidariedade via mercado - autores especializados (Marques, 1992MARQUES, Rosa Maria. O financiamento da saúde e a lei de custeio da Seguridade Social. Revista Saúde em Debate, v. 37, p. 20-25, 1992.; Jardim, 2002______. O mercado das previdências: fatores sócio-culturais na criação de mercado. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, 2002.; Gentil, 2006GENTIL, Denise Lobato. A política fiscal e a falsa crise da Seguridade Social brasileira: Análise financeira do período 1990-2005. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.; Caetano, 2008CAETANO, Marcelo Abi-Ramia. Previdência Social e distribuição regional da renda. Texto para discussão n. 1.318. Brasília: Ipea, 2008.; Jard da Silva, 2020) tem pontuado a importância da Previdência Social na redistribuição da renda do país, gerando mercado regional, mercado interno e, principalmente, a ampliação do emprego formal, o que na prática permite a inclusão social e a solidariedade via modelo de repartição. Portanto, a Previdência Social tem se constituído como aliada para o aquecimento do mercado de trabalho, gerando emprego, renda e inclusão social.

Disputa geracional: a guerra entre velhos e jovens

Um tema que apareceu como justificativa para a reforma da previdência e a transição para o modelo de capitalização é a preponderância dos velhos diante das necessidades dos jovens.

Os agentes estatais explicitaram essa disputa geracional questionando o volume do orçamento investido na aposentadoria, em relação aos valores investidos na educação. Trata-se de uma peça discursiva que visa tensionar as relações geracionais entre velhos e jovens, uma vez que os recursos para custear aposentadoria e educação possuem fontes distintas.

A disputa entre “passado” e “presente” é explicitada em diversas ocasiões, visando justificar a substituição do modelo de repartição da Previdência Social, por um modelo de capitalização.

Agente social Discurso Paulo Guedes No ano passado, nós gastamos 700 bilhões de reais com a Previdência, que é o passado, são os nossos idosos, e gastamos 70 bilhões de reais com a educação, que é o nosso futuro. Então nós gastamos 10 vezes mais com a Previdência do que com a educação, que é o futuro (em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em 03 abr. 2019). Rogério Marinho Despendemos dez vezes mais com o passado do que com o futuro. Quando a despesa com a Previdência aumenta, o orçamento é comprimido, e isso diminui a capacidade de o Estado investir em saúde, educação e infraestrutura (em audiência da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, em 16 fev. 2019).

Na sequência, a disputa entre investimento na educação ou previdência é colocada como forma de evidenciar e realçar as ditas falhas e injustiças causadas pelo atual modelo previdenciário. Discursivamente a capitalização da previdência seria uma forma de investir na educação dos jovens.

Agente social Discurso Rogério Marinho Nós temos uma situação no país em que 712 bilhões de reais foram investidos ano passado em Assistência e Previdência, e 74 bilhões em educação, ou seja, investimos dez vezes mais no nosso passado do que no nosso futuro, graças à nossa configuração orçamentária e às vinculações existentes. Foram investidos 110 a 111 bilhões em saúde, sete vezes mais na Previdência e Assistência do que na saúde do conjunto da sociedade brasileira (em audiência pública da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, em 08 maio 2019).

Além disso, a narrativa elaborada busca ainda colocar em disputa “velhos” e “jovens desempregados”, atribuindo ao regime previdenciário de repartição o desajuste entre esses grupos geracionais e, portanto, a Previdência Social seria a responsável por operar como “bombas de destruição” sobre os empregos e sobre o futuro dos jovens.

Agente social Discurso Paulo Guedes Financiar a aposentadoria do trabalhador idoso desempregando trabalhadores é, na minha opinião, uma forma perversa de financiar o sistema. Cobrar encargos trabalhistas sobre a mão de obra, sobre a folha de pagamentos é, do ponto de vista social, uma condenação. O sistema é perverso, pois 40 milhões de brasileiros estão excluídos do mercado formal de trabalho. Eles não conseguem ter capital, eles não conseguem ter tecnologia, eles não conseguem ter produtividade mais alta, porque foram expulsos, excluídos do mercado formal de trabalho pela forma perversa como o sistema é financiado. Está-se botando um trabalhador desempregado para financiar a aposentadoria do outro. Isso é socialmente perverso. São bombas de destruição em massa de empregos. Milhões de brasileiros estão desempregados por causa de um financiamento perverso. Então, eu não vejo com olhar tão doce e gentil o sistema previdenciário atual, porque ele é perverso, 40 milhões de brasileiros são excluídos. E eles envelhecerão, e o sistema está quebrado. Eles não conseguem contribuir para a Previdência porque estão desempregados e, ao mesmo tempo, pesarão no futuro da Previdência. Essa condenação é inequívoca. O sistema é ruim, o sistema é perverso (em audiência na comissão especial da reforma da Previdência, em 08 maio 2019).

Sobre a propalada disputa entre velhos e jovens, indicamos que, em nossos estudos anteriores sobre previdência, não havíamos encontrado essa construção discursiva por parte dos governantes brasileiros, de uma guerra entre velhos e jovens. Por isso, iremos nos dedicar a esse tema, já que ele apareceu nos discursos de governantes ultraliberais ao redor do mundo (Théret, 1999THÉRET, B. La duperie des fonds de pension. Le Monde, p. 97-128, fev. 1999.; Sauviat, 2005SAUVIAT, Catherine. Os fundos de pensão e os fundos mútuos: principais atores da finança mundializada e do novo poder acionário. In: CHESNAIS, François (Org.). A finança mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005.).

Até o momento da análise, os dados têm apontado que todos os discursos produzidos durante a reforma da previdência apresentam, como fio condutor, a necessidade de convencer a sociedade brasileira sobre a transição do modelo de Previdência Social de solidariedade redistributivo para um modelo de previdência de dita solidariedade contributiva, via mercado. Por isso, daremos destaque a esse eixo temático a seguir.

Preponderância do mercado na previdência: capitalização versus repartição

No regime de previdência via repartição, os trabalhadores da ativa e as empresas pagam a aposentadoria de quem já está aposentado, os quais, por sua vez, um dia financiaram a aposentadoria dos trabalhadores aposentados antecessores. Essa lógica, presente nos regimes de repartição, é chamada de solidariedade intergeracional e pressupõe que uma geração financia a aposentadoria de outra. Nesse sistema, não apenas trabalhadores da ativa tem um valor descontado no seu holerite para a aposentaria, mas também empresas são obrigadas a realizar contribuições para a Seguridade Social.

A reforma de Bolsonaro propõe a transição desse modelo (repartição) para o modelo de capitalização, no qual, cada trabalhador seria responsável, individualmente, em contribuir para a sua própria previdência e as empresas ficariam desobrigadas da contribuição para a Seguridade Social. Segundo a proposta apresentada pelo governo, essa poupança seria gerida por entidades públicas e privadas, de acordo com a escolha do trabalhador. Vejamos os argumentos do agente eficiente do processo na defesa do modelo individualizante de previdência:

Agente social Discurso Paulo Guedes Se [...] libertamos os nossos filhos e netos da armadilha que nós fizemos para nós mesmos com um sistema de repartição, que é um sistema que tem várias bombas a bordo, tem a bomba demográfica, que já chegou, o sistema já está em xeque, já está quebrando antes de a população envelhecer, tem a bomba da forma inadequada de financiamento, encargos trabalhistas produzem os 40 milhões de brasileiros que vão envelhecer, vão bater às portas da Previdência e não contribuem (posse em 01 jan. 2019).

Rosa Maria Marques (1992MARQUES, Rosa Maria. O financiamento da saúde e a lei de custeio da Seguridade Social. Revista Saúde em Debate, v. 37, p. 20-25, 1992.), B. Théret (1999THÉRET, B. La duperie des fonds de pension. Le Monde, p. 97-128, fev. 1999.), Catherine Sauviat (2006) e Duval (2007DUVAL, Julien. Le mythe du “trou de la Sécu”. Paris: Raisons d’Agir, 2007.) mostram que o principal argumento para modificar a arquitetura dos sistemas estatais de proteção social tem sido os custos crescentes dos sistemas previdenciários, os quais, hipoteticamente, decorreriam do envelhecimento da população. Nesse ínterim, questões sociais e econômicas são reduzidas às questões demográficas, diante das quais não há solução possível a não ser o corte de direitos, redução do valor dos benefícios e elevação de impostos.

Agente social Discurso Paulo Guedes O sistema de repartição é um sistema que está condenado. E ele está condenado porque há várias bombas a bordo. [...] A primeira bomba que o sistema tem a bordo é a bomba demográfica. Havia uma dinâmica. Havia dez jovens recolhendo 10% cada um, vamos supor que fosse isso, pagando pela aposentadoria de um idoso. À medida que a demografia - e no mundo inteiro ela se move assim - vai deixando de ser uma pirâmide e vai começando a virar um losango, começam a ser seis jovens para um aposentado; depois quatro jovens para dois aposentados e, no final, há um jovem para três aposentados. E o sistema entra em colapso. Então é muito importante nós entendermos, primeiro, que o nosso sistema já está financeiramente condenado antes de a população brasileira envelhecer. Não interessa quem estiver no poder, seja o governo que for (em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em 3 abr. 2019).

A defesa do modelo de capitalização é explicitada com a justificativa de que no modelo de capitalização não existiria dependência entre as pessoas e elas se tornariam autossuficientes. Assim, o que é considerado positivo no modelo de redistribuição - a interdependência entre as pessoas - se torna um problema, que deve ser contornado, na nova proposta.

Agente social Discurso Paulo Guedes Ele [o sistema de capitalização] não tem as desvantagens que o sistema de repartição tem. Ele segue alguns princípios financeiros saudáveis. Por exemplo, ele não tem a bomba demográfica, porque o jovem não depende de outro jovem. O jovem que vai se aposentar lá na frente não depende que outro jovem lá no futuro pague a aposentadoria dele. Ele mesmo vai acumulando. - Ah, mas pode não acumular o suficiente, vai ser menos que o salário-mínimo. Problema nenhum. Um sistema de capitalização pode sempre botar uma camada adicional de repartição. [...] A bomba demográfica não estará a bordo de um sistema de capitalização. A segunda bomba cruel, que é o financiamento com encargos trabalhistas, não estará a bordo de um sistema de capitalização. O terceiro problema cruel, que é o que promete para o futuro e não leva recurso, não estará a bordo de um sistema de capitalização. Se não der o suficiente, não há problema, você usa o nocional, você garante o salário-mínimo e paga a compensação (em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em 03 abr. 2019).

A nova solidariedade sustentada no próprio individuo é vendida discursivamente como bem comum, como fuga da “armadilha” dos baixos rendimentos da aposentadoria pública e, acima de tudo, geradora de um futuro melhor, já que não se teria mais os efeitos “perversos” da dita “fábrica de desigualdades” promovida pelo modelo de previdência baseado na repartição.

Agente social Discurso Paulo Guedes Se a acumulação no regime de capitalização, no regime de poupança garantida, lá na frente, que deve dar muito mais que um salário-mínimo, se der menos, haverá a camada adicional de fraternidade para garantir o salário-mínimo. A única coisa que nós estamos fazendo é justamente permitir que os jovens não caiam na mesma armadilha que a nossa geração caiu, em que há 50 milhões de desempregados, desemprego aberto. Não se contribui para a Previdência, que já quebra antes de o país envelhecer (em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em 03 abr. 2019). Quando você tem um sistema de repartição, você quebra, e aí, ao contrário, em vez de você poder tributar e complementar a camada, ao contrário, você tem um enorme custo de transição, e o custo de transição sobe com o tempo. Há 10 anos, eram 200 bilhões; hoje, é um trilhão; daqui a cinco anos podem ser cinco trilhões, pode ser inviável, como é a história de alguns países que eu mencionei. [...] O sistema de capitalização é um sistema que não tem bomba demográfica, não tem a bomba de não levar recursos para o futuro, não tem essa fabricação de desigualdade, porque as pessoas vão acumulando. Você pode sempre compensar no futuro com um sistema nocional em que você tem o direito de complementar (em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em 03 abr. 2019).

Como demostram os discursos proferidos por Paulo Guedes e por agentes complementares, todos os eixos narrativos desembocam na justificativa para a adesão ao modelo de previdência baseado na capitalização, daremos destaque a essa discussão na última sessão.

Modelos de reforma da previdência existentes ao redor do mundo e a preponderância da capitalização no projeto Bolsonaro

A partir de Carmelo Mesa-Lago (2001) é possível pensar que existem três modelos de reformas estruturais da Previdência Social: substitutivo, paralelo e misto. No modelo substitutivo, ocorreria a total privatização da Previdência Social, que seria substituída pelo modelo de capitalização; no modelo paralelo, haveria uma transição do modelo de repartição solidária para o modelo de capitalização; por fim, no modelo misto, os dois sistemas conviveriam lado a lado, justamente o caso da Previdência Social do Brasil, que, desde a criação do mercado de previdência privada, em 1977, dispõe de dois modelos que convivem de forma mista, sem a substituição ou transição de um pelo o outro. Nas palavras de Sidney Jard da Silva, “o que se verificou [no caso do Brasil] foi uma heterogênea combinação desses regimes” (Jard da Silva, 2007, p. 63).

Caso o projeto original da equipe econômica de Bolsonaro tivesse sido aprovado, a Previdência Social do Brasil passaria para o modelo paralelo, o que, na prática, significa dizer que o sistema de capitalização individual passaria a conviver e a competir com o modelo de repartição solidário já existente. Assim, se ideologicamente o projeto do governo Bolsonaro enviado ao Congresso está mais próximo da visão de mundo do modelo de reforma chilena, o substitutivo; na prática, tecnicamente, está mais próximo do modelo colombiano e peruano, o paralelo. Os riscos da capitalização, contudo, permanecem, pois os jovens ingressantes no mercado de trabalho estariam inseridos em uma previdência sem solidariedade e do tipo autossustentável, sem nenhum lastro do Estado e das empresas.

Previdência via mercado, o fio condutor da reforma de Bolsonaro

Ao considerar os modelos de reforma de previdência existentes e expostos acima, afirmamos que desde a reforma da previdência do governo Collor, realizada em 1991, existe uma tentativa de substituição da Previdência Social pela previdência privada, mas até o momento, nenhum governo obteve êxito nesse projeto.

Tanto Collor como Cardoso autorizaram a venda de previdência privada aberta pelos bancos públicos e privados e nas seguradoras, como forma de o trabalhador criar uma poupança e complementar sua aposentadoria, que continuava a ser oferecida centralmente pela Previdência Social, em um modelo de reforma mista (Jardim, 2002______. O mercado das previdências: fatores sócio-culturais na criação de mercado. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, 2002.). Em sua dissertação de mestrado, Jardim (2002) indicou que esse dispositivo era negociado pelos bancos como “produto casado”, ou seja, como “condição” para fazer empréstimo a um cliente. A classe média foi a maior consumidora de previdência privada aberta nos anos 1990 e 2000 e o dispositivo financeiro (previdência privada) nunca ganhou o status de previsibilidade a longo prazo, pois a poupança acumulada pela previdência privada aberta era usada pelo proprietário do plano na primeira emergência financeira (Jardim, 2002).

Em 2003, o governo Lula trouxe à baila os fundos de pensão, dando destaque à previdência complementar fechada, que é um tipo fundo de pensão oferecido por empresas, sindicatos e ONGs, a seus funcionários. Na ocasião, Lula autorizou aos sindicatos e às centrais sindicais a realizarem a criação - e sobretudo a gestão - de fundos de pensão (Jardim, 2009JARDIM, Maria Chaves. Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos de pensão em tempos de governo Lula. São Paulo: Annablume, 2009.; Sória e Silva, 2011; Magnani, Jardim & Jard da Silva, 2020MAGNANI, Maira; JARDIM, Maria Chaves; JARD DA SILVA, Sidney. Os fundos de pensão como agentes do capital: estado da arte da literatura recente. BIB, São Paulo, n. 93, p. 1-22, 2020.).

Portanto, apesar das pressões do Banco mundial (Jard da Silva, 2020), o Brasil foi a principal economia latino-americana a resistir à capitalização da previdência nos anos 1990, momento em que 30 países da América Latina e Europa do Leste substituíram total ou parcialmente seus sistemas públicos de repartição por sistema privados de capitalização.

No Brasil, nas reformas anteriores, a previdência privada (aberta ou fechada) não aparece como substituta da Previdência Social, mas como complementar e de forma facultativa, já que a Previdência Social continuava a ser a promotora da solidariedade intergerações, convivendo de forma mista com o mercado de previdência privada.

Contudo, a reforma da previdência do governo Bolsonaro buscou alterar substancialmente o modelo de previdência, saindo da repartição para a capitalização de forma obrigatória. Se aprovada, essa seria a mudança de maior envergadura sofrida pela Previdência Social em toda a sua história, uma vez que o projeto apresentado estabelecia a adoção obrigatória de contas individuais, que deveriam ser financiadas pelo próprio trabalhador, sem a contrapartida do empregador.

O material analisado mostra que a equipe responsável pelo projeto de reforma da previdência do governo Bolsonaro fez campanha pela previdência privada por meio de peças narrativas que colocaram a Previdência Social como a “grande vilã” e responsável pelo déficit do país, assim como a responsável pelo desemprego e por uma possível disputa entre velhos e jovens. Por outro lado, a mesma estratégia discursiva colocou a previdência privada como solução para a crise econômica, na medida em que essa geraria empregos, renda e promoveria o fim da disputa entre velhos e jovens. Nesse contexto, a previdência privada seria a responsável por resolver a crise econômica, geracional, moral e social da sociedade brasileira.

Em nossa perspectiva, ideologicamente, a equipe econômica e a proposta de reforma da previdência, que deu destaque a previdência capitalizada do governo Bolsonaro, tem forte inspiração no modelo chileno implementado em 1980 durante a ditadura de Augusto Pinochet e que a literatura especializada (Sauviat, 2005SAUVIAT, Catherine. Os fundos de pensão e os fundos mútuos: principais atores da finança mundializada e do novo poder acionário. In: CHESNAIS, François (Org.). A finança mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005.; Théret, 1999THÉRET, B. La duperie des fonds de pension. Le Monde, p. 97-128, fev. 1999.; Jardim, 2002______. O mercado das previdências: fatores sócio-culturais na criação de mercado. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, 2002.) tem mostrado tratar-se de um modelo ineficaz para a manutenção da solidariedade intergeracional. O modelo chileno, copiado em mais de 30 países - especialmente na América Latina e Europa do Leste - foi inspirado nas ideias de Milton Friedman e seus herdeiros, reconhecido na literatura como defensor da liberdade máxima dos mercados e da minimização do papel dos Estados (Loureiro, 1997______. Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1997.; Grün, 2003______. Fundos de pensão no Brasil do final do século XX: guerra cultural, modelos de capitalismo e os destinos das classes médias. Revista Mana, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 7-38, out. 2003.).

Concretamente, o modelo chileno criou entidades privadas, denominadas Administradoras de Fundos de Pensões (AFPs) que arrecadavam as contribuições compulsórias, deixando de ser vertidas para um fundo público. O quadro arrecadatório buscava destinar entre 10 e 12% de seu ganho mensal às AFPs, que, por sua vez, investiam estes recursos em ações e bônus, tanto no Chile como no exterior, o que, por sua vez, sujeitou o capital arrecadado às incertezas do mercado e da economia interna e mundial.

Esse modelo foi tão inovador que o Banco Mundial realizou estudos sobre o mesmo e se posicionou de forma favorável, pelo menos no primeiro momento. Contudo, após analisar seus impactos na sociedade, ponderou que o sistema apresenta desvantagem atuarial, que é o déficit de transição e que levaria a geração mais jovem a contribuir duas vezes pelos benefícios: no sistema de repartição, para a geração que continua recebendo os benefícios, e no sistema de capitalização, para as suas próprias aposentadorias e pensões no futuro.

Segundo autores da Organização Internacional do Trabalho (OIT), dos 30 países que aderiram à previdência capitalizada nos anos 1980, 1990 e 2000, 18 já retornaram para o modelo de repartição (Ortiz et al., 2018ORTIZ, Isabel; DURÁN-VALVERDE, Fabio; URBAN, Stefan; WODSAK, Veronika. Reversing pension privatizations: rebuilding public pension systems in Eastern Europe and Latin America. Geneva: ILO, 2018.)5 5 Dos 30 países que tentaram capitalização, 18 voltaram atrás, sendo eles: Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela, Nicarágua, Bulgária, Cazaquistão, Croácia, Eslováquia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Macedônia, Polônia, República Tcheca, Romênia e Rússia. . Na América Latina, 14 países privatizaram seus sistemas previdenciários, sendo que, desses, cinco já fizeram a transição para o modelo de repartição - Argentina, Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela. E, mesmo no Chile, principal inspiração da equipe de Bolsonaro, iniciativas importantes foram adotadas para resgatar os idosos da miséria promovida pelas administradoras privadas de aposentadorias e pensões (Jard da Silva, 2020).

Em termos sociais, a consequência da implantação da previdência privada como seguridade, é a alteração do modelo de solidariedade vigente entre os trabalhadores, saindo do modelo de repartição para capitalização. Consideramos que a solidariedade via regime de repartição é uma solidariedade por laços de interdependência entre os trabalhadores, ligados a partir do trabalho e acontece quando os participantes ativos depositam mensalmente uma quantia no fundo de aposentadoria do INSS que, por sua vez, repassa esse valor aos participantes inativos, ou seja, os aposentados, que, no passado, alimentaram a solidariedade do regime. Portanto, essa solidariedade é baseada em um pacto de diversas gerações, no sentido de os segurados ativos (geração atual) pagarem os benefícios dos segurados inativos (geração passada), sendo que o pagamento de seus próprios benefícios depender da geração futura (novos trabalhadores a ingressarem no sistema previdenciário).

Apesar dos engajados na reforma - mormente Paulo Guedes - falarem de solidariedade no modelo de capitalização, especialmente para os jovens, que, segundo o ministro da Economia, terão suas aposentadorias garantidas com a reforma (Guedes, 2019)6 6 Segundo Paulo Guedes, o modelo atual tinha “quebrado”, pois, “daqui a 40 anos, ou seja, quando nossos filhos se aposentarem, serão dois jovens por idoso. Acabou. É inviável. Já estourou. O avião vai cair com nossos filhos e netos. Não podemos seguir com essa ameaça”. , na prática, o projeto apresentado por Bolsonaro quebra com o pacto de solidariedade, típico da “sociedade salarial” (Castel, 2003CASTEL, Robert. L’insécurité sociale: qu’est-ce qu’être protégé? Paris: Les Éditions du Seuil, 2003.), pois, no sistema de capitalização, cada geração e cada trabalhador constitui as reservas para suportar seus próprios benefícios. A lógica consiste que o próprio trabalhador, durante a sua fase ativa, deva gerar o montante de recursos necessários para suportar o custo dos benefícios da sua aposentadoria. Essa dita solidariedade reforça a ideia de que o indivíduo é autossuficiente e não precisa contribuir com a sociedade e nem precisa dela. Nesse modelo está presente a ideia de autoempreendedorismo e de individualismo, ideia que Castel (2003) chama de “individualismo negativo”, uma vez que essa visão individualista não está sustentada no coletivo.

Pelo que foi dito acima e considerando o conceito de solidariedade acionado via Durkheim (1991DURKHEIM, Émile. Da divisão social do trabalho. São Paulo: Moderna, 1991 [1893].), não é possível visualizar solidariedade nesse modelo de previdência; é bem possível que a solidariedade proposta pela equipe de Bolsonaro tenha mais efeito retórico do que real.

Ainda sobre os problemas desse modelo, retomamos que a previdência capitalizada traz um problema financeiro em sua transição, uma vez que é o Estado que deverá financiar a aposentadoria da geração que hoje financia os benefícios de um aposentado, mas que sem a contribuição dos novos ingressantes (que passarão a fazer um fundo próprio) ficarão sem aposentadoria. Em nenhum momento os agentes estatais explicitaram essa tensão, que é justamente o ponto que leva o Banco Mundial a não aconselhar esse modelo.

Portanto, além de romper com a solidariedade intergeracional, o modelo de previdência capitalizada proposto por Bolsonaro está exposto ao risco das flutuações do mercado financeiro, o que pode levar à falência das poupanças de previdência privada aberta (planos individuais vendidos nos bancos) ou fechadas (fundos de pensão), como aconteceu com os fundos de pensão nos anos 1970 (Jardim, 2009JARDIM, Maria Chaves. Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos de pensão em tempos de governo Lula. São Paulo: Annablume, 2009.) e o fundo de pensão da empresa Vasp nos anos 2000 (Jardim, 2009). Trata-se de um risco permanente com as poupanças individuais dos trabalhadores.

Dentre os inúmeros problemas desse modelo, chamamos atenção para a dificuldade de os trabalhadores constituírem o fundo para a sua aposentadoria, devido ao desemprego e aos baixos salários. Trata-se de uma lógica individualizante alicerçada em uma falsa solidariedade, vigente em um modelo econômico fundado no ultraliberalismo, que está no contraponto da solidariedade da “sociedade salarial” (Castel, 2003CASTEL, Robert. L’insécurité sociale: qu’est-ce qu’être protégé? Paris: Les Éditions du Seuil, 2003.). Sobre esse assunto, Marie France Garcia-Parpet e Camila Bevilaqua Afonso (2021) afirmam:

A economia neoliberal transfere ao indivíduo a inteira responsabilidade dessa gestão, sem se interrogar sobre os recursos cognitivos e materiais que essa mudança nos modos de planejamento da existência implica necessariamente. Irregularidade dos rendimentos auferidos, falta de competência em atividades financeiras, falta de confiança nas instituições econômicas e jurídicas, assim como uma relação com o trabalho que tende a ignorar a fase do envelhecimento, contribuem fortemente para um adiamento, ou negação completa, desse planejamento necessário (Garcia-Parpet & Afonso, 2021, p. 16).

Apesar da defesa enfática dos agentes estatais para um modelo de previdência capitalizado, esse modelo não permite uma vida digna na velhice e, como mostram as experiencias dos países da América Latina, a previdência capitalizada foi acompanhada por um profundo processo de desproteção social e empobrecimento da população idosa, com aumento do número de suicídios, além do crescimento de doenças mentais, como depressão (Gentil, 2006GENTIL, Denise Lobato. A política fiscal e a falsa crise da Seguridade Social brasileira: Análise financeira do período 1990-2005. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.; Jardim, 2009JARDIM, Maria Chaves. Entre a solidariedade e o risco: sindicatos e fundos de pensão em tempos de governo Lula. São Paulo: Annablume, 2009.; Bianchi & Severo, 2019BIANCHI, Felipe; SEVERO, Leonardo. Chile: capitalização da previdência faz idosos morrerem trabalhando e suicídio bater recorde. Fórum, 2019. Disponível em: <https://bit.ly/37GRkLS>. Acesso em: 25 mar. 2022.
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); temos ainda, o aumento do abandono de velhos em asilos, já que a capitalização transfere para as famílias os custos com os cuidados com os idosos, o que não é possível para essas famílias, sem contar com a aposentadoria do idoso.

Por fim, ao fixar os discursos com a trajetória do indivíduo eficiente do processo, é possível perceber uma sensibilidade neoliberal em Paulo Guedes, com sua trajetória intelectual marcada pela passagem na Universidade de Chicago nos anos 1980 (sendo orientado por Larry Sjaastad)7 7 Economista, professor e pesquisador da instituição americana, exercendo papel fundamental na recepção de estudantes latino-americanos e na difusão do monetarismo. , momento em que o agente aponta ser a clivagem que o tornaria “ultraliberal”, ou seja, entusiasta do livre mercado, se autoidentificando como parte dos chamados “Chicago oldies”8 8 “Chicago oldies” é referência pitoresca que o ministro recorre em relação ao termo “Chicago boys”, economistas então recém-formados na instituição americana que atuaram no Chile de Pinochet. Diferentemente daqueles, Guedes e sua equipe concluíram seu doutorado há algumas décadas, motivo da adaptação para “oldies”. . Adesão aprofundada em curta passagem como pesquisador pela Faculdade de Economia e Negócios na Universidade do Chile, sendo recrutado por Jorge Selume, ex-diretor de Orçamento durante a ditadura de Pinochet.

Após essa experiência, passaria a expressar publicamente o desejo de implementar no Brasil reformas e privatizações semelhantes às empreendidas no contexto chileno, baseadas no receituário de Milton Friedman, Robert Lucas Jr. e Thomas Sargent.

Ao analisar sua trajetória nesse período, pudemos mapear suas tomadas de posição marcadas por um tom crítico aos planos econômicos da história recente, como o Cruzado, Verão, Bresser, Collor e o Real, além da expansão dos gastos promovida nos governos petistas (Jardim & Moura, 2021JARDIM, Maria Aparecida Chaves; MOURA, Paulo José de Carvalho. Entre a ortodoxia e a heterodoxia: disputa simbólica nos governos petistas (Lula e Dilma) para a imposição da doxa econômica. Norus - Novos Rumos Sociológicos, v. 9, p. 52-80, 2021.; Moura, 2022), encontrando espaço no campo político apenas no governo Bolsonaro. Para o economista, ao largo desse percurso, o ponto central do problema brasileiro a ser enfrentado era a questão fiscal, não contemplada pelos planos implementados nos governos anteriores.

Apesar do engajamento da equipe de Bolsonaro - especialmente Paulo Guedes - para a aprovação da previdência privada como obrigatória, o projeto de capitalização não foi aprovado pela maioria do Congresso. Na ocasião, o relator da reforma da previdência, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), afirmou que um sistema de capitalização para as aposentadorias “não para em pé” com uma contribuição apenas do trabalhador.

Ademais, o relator pontuou o argumento financeiro, que já sinalizamos no decorrer do texto e para o qual a equipe de Bolsonaro se manteve em silencio durante toda a campanha para a reforma da previdência, a saber:

Em relação ao regime de capitalização, consideramos que não é o modelo mais adequado para um país cujos trabalhadores têm baixos rendimentos, além de ter elevado custo de transição. Por esta razão, o substitutivo não acata o art. 201-A que a PEC insere no texto permanente da Constituição Federal, assim como não prevê a inclusão do art. 115 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, voltado ao mesmo objetivo (Brasil, 2019, p. 79).

Dito isso, a transição do regime de repartição pública para o de capitalização revela-se inviável no Brasil, pois haveria uma desvantagem atuarial (déficit) entre aposentados e ingressantes no sistema.

Conclusão

O artigo buscou compreender o fio condutor da reforma da previdência apresentada pela equipe de Jair Bolsonaro, por meio da análise de discurso do principal agente engajado, Paulo Guedes, considerado o indivíduo eficiente nessa reforma. Nosso objetivo específico foi entender se existe solidariedade na proposta do governo.

Após coleta e análise dos dados, indicamos que a maior parte dos discursos distribuídos por Paulo Guedes e demais agentes complementares na campanha pela reforma da previdência, abordam as desvantagens da Previdência Social, vista como ineficaz, idealizada ou responsável pelo desemprego e pela falência do Estado. No conjunto dos discursos, houve a predominância de determinado ethos econômico nos argumentos da reforma, como, por exemplo, o de ajuste fiscal a longo prazo, o que justificaria a revisão do atual modelo de previdência.

Pontuamos que estigmatizar a Previdência Social como instituição falida é uma estratégia comum na produção narrativa dos governos em contexto de campanha para a reforma da previdência, independentemente do partido político que está no poder. Contudo, destacamos a novidade discursiva da proposta do governo Bolsonaro, que dá ênfase à guerra geracional entre velhos e jovens, explicitada na disputa por investimento em aposentadoria ou educação, assim como na implantação de um modelo obrigatório de previdência capitalizada. Lembramos, ainda, que durante toda a história da Previdência Social, foi a primeira vez que o modelo de capitalização apareceu como obrigatório em um projeto de reforma e não como complementar e facultativo, o que é possível juridicamente desde 1977.

Ao relacionar os discursos produzidos com a trajetória social de Paulo Guedes, pontuamos uma sensibilidade para o credo neoliberal ou ultraliberal do mesmo, devido à sua trajetória acadêmica, integrante da geração chamada “Chicago boys”, economistas formados pela Universidade de Chicago e entusiastas da presença mínima do Estado na economia. Foi orientado por Larry Sjaastad, herdeiro das ideias de Milton Friedman, monetarista reconhecido pela literatura por seus posicionamentos ultraliberais.

Ao final do artigo, enfatizamos as consequências sociais da alteração de um modelo de previdência de solidariedade redistributiva para uma dita solidariedade individualizante, retomando os casos de países que fizeram essa transição no passado e que na segunda década do século XXI, buscaram rever essa mudança na solidariedade intergeracional, pois a capitalização da previdência teria gerado aumento de depressão, de miséria e de suicídio entre os idosos. Também questionamos sobre a real solidariedade que existiria nesse modelo individualizante, concluindo que a ideia de solidariedade via capitalização é mais uma retórica dos engajados do que uma realidade.

Apesar do projeto de capitalização não ter sido aprovado, a importância desse estudo é mostrar que, em termos cognitivos ou culturais, houve uma movimentação simbólica que pode ser acionada em novos governos sensíveis às crenças ultra neoliberais ou ultraneoliberais.

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  • i.
    O texto faz parte de um projeto mais amplo que acompanha debates públicos e desdobramentos das reformas da previdência social desde os anos Fernando Henrique Cardoso (Jardim, 2002, 2009), com apoio da Fapesp e do CNPQ.
  • 1
    O presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, possui formação na área militar na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), concluída em 1977. Ingressou na reserva em 1988 com o posto de capitão e iniciou sua trajetória política, marcada, principalmente, por sua atuação como deputado federal de 1991 a 2019. Durante toda sua trajetória, adotou posições estatizantes e pregou a intervenção do Estado, com destaque para a defesa da ditadura militar no Brasil e suas realizações econômicas, que culminaram no que se convencionou chamar “milagre brasileiro” nos anos 1970. A partir de 2016, quando anunciou a intenção de se candidatar à Presidência da República, em 2018, passou a defender a necessidade de enxugar a máquina pública e de tornar o Estado-mínimo; a capitalização da Previdência entraria nessa narrativa.
  • 2
    Rogério Simonetti Marinho, secretário especial de Previdência Social foi indicado ao posto por Paulo Guedes. Marinho graduou-se em ciências econômicas pela Faculdade Unificada para o Ensino das Ciências (Unipec), atual Universidade Potiguar (UnP). Foi secretário de Planejamento da Prefeitura de Natal, vereador e presidente da Câmara Municipal de Natal, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte. Atuou como deputado federal por dois mandatos.
  • 3
    Contudo, durante a campanha eleitoral, então candidato à Presidência, Bolsonaro afirmou que a proposta de Temer e Meirelles era “um remendo novo em calça velha” e que dificilmente seria aprovada como se encontrava. Para ver mais, disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/faremos-nossa-reforma-da-previdencia-diz-bolsonaro/>. Acesso em: 20 mar. 2022.
  • 4
    Para o argumento de que a Previdência Social possui superávit e não está em crise, ver a conhecida tese de doutoramento de Denise Lobato Gentil (2016).
  • 5
    Dos 30 países que tentaram capitalização, 18 voltaram atrás, sendo eles: Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela, Nicarágua, Bulgária, Cazaquistão, Croácia, Eslováquia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Macedônia, Polônia, República Tcheca, Romênia e Rússia.
  • 6
    Segundo Paulo Guedes, o modelo atual tinha “quebrado”, pois, “daqui a 40 anos, ou seja, quando nossos filhos se aposentarem, serão dois jovens por idoso. Acabou. É inviável. Já estourou. O avião vai cair com nossos filhos e netos. Não podemos seguir com essa ameaça”.
  • 7
    Economista, professor e pesquisador da instituição americana, exercendo papel fundamental na recepção de estudantes latino-americanos e na difusão do monetarismo.
  • 8
    “Chicago oldies” é referência pitoresca que o ministro recorre em relação ao termo “Chicago boys”, economistas então recém-formados na instituição americana que atuaram no Chile de Pinochet. Diferentemente daqueles, Guedes e sua equipe concluíram seu doutorado há algumas décadas, motivo da adaptação para “oldies”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2022
  • Aceito
    22 Dez 2022
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