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A dor desde a perspectiva do ciclo de vida: avaliação e medição através de métodos psicofísicos de estimação de categoria e magnitude1 1 Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Fapesp, São Paulo, SP, Brasil, processo nº 2010/52584-8 e 2011/51378-8.

Resumo

Objetivo:

descrever a dor aguda e a crônica na perspectiva do ciclo vital.

Métodos: participaram 861 pessoas com dor. Foi utilizada a Escala Multidimensional de Avaliação da Dor (EMADOR).

Resultados: no método da estimação de categoria o descritor da dor crônica de maior atribuição para crianças e adolescentes foi "Chata" e para adultos foi "Desconfortável". Os descritores de maior atribuição para dor aguda em crianças e adolescentes foram "Complicada" e em adultos "Insuportável". No método de estimação de magnitude, o descritor de maior atribuição na dor crônica foi "Atormentadora" e na dor aguda foi "Terrível".

Conclusões:

a EMADOR é uma escala confiável e pode ser utilizada nas diferentes etapas do desenvolvimento humano.

Descritores:
Dor; Medição da Dor; Estágios do Ciclo de Vida

Abstract

Objective:

to describe acute and chronic pain from the perspective of the life cycle.

Methods:

participants: 861 people in pain. The Multidimensional Pain Evaluation Scale (MPES) was used.

Results:

in the category estimation method the highest descriptors of chronic pain for children/ adolescents were "Annoying" and for adults "Uncomfortable". The highest descriptors of acute pain for children/adolescents was "Complicated"; and for adults was "Unbearable". In magnitude estimation method, the highest descriptors of chronic pain was "Desperate" and for descriptors of acute pain was "Terrible".

Conclusions:

the MPES is a reliable scale it can be applied during different stages of development.

Descriptors:
Pain; Pain Measurement; Life Cycle Stages

Resumen

Objetivo:

la descripción del dolor agudo y crónico desde las perspectiva del ciclo de vida.

Métodos:

participaron 861 personas con dolor. Se utilizó la Escala Multidimensional de Evaluación del Dolor (EMEDOR).

Resultados:

en el método de estimación de categoría el descriptor de dolor crónico más alto para niños y adolescentes fue de Molesto y para adultos fue Incómodo. Los descriptores mayores de dolor agudo para niños y adolescentes fueron Complejo y para adultos Insoportable. En el método de estimación de magnitud, el mayor descriptor de dolor crónico fueron Atormentador y el mayor de dolor agudo fue Terrible.

Conclusiones:

la EMEDOR es una escala confiable y puede ser utilizada en diferentes etapas de desarrollo.

Descriptores:
Dolor; Dimensión del Dolor; Estagios del Ciclo de Vida

Introdução

A dor é considerada multidimensional11. Marquez JO. A dor e os seus aspectos multidimensionais. Ciênc Cult. 2011;63(2):28-32.) e inerente a existência humana, faz parte do processo do ciclo vital. Para melhor compreensão do processo da dor por meio do desenvolvimento humano, a teoria de Piaget torna-se recurso possível, por conceber o ciclo vital como uma construção contínua de um estado de menor equilíbrio para um de maior, impossibilitando a existência de um novo conhecimento sem qualquer saber prévio para assimilá-lo e transformá-lo, o que implica atividade inteligente como assimilação, acomodação e adaptação22. Piaget J. Six studies of Piaget. 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2011..

A teoria clássica de Piaget pode subsidiar estudos sobre a dor humana33. Borghi CA, Rossato LM, Damião EBC, Guedes DMB, Silva EMR, Barbosa SMM. Vivenciando a dor: a experiência de crianças e adolescentes em cuidados paliativos. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(spe):67-73.-44. Esteve R, Marquina-Aponte V. Children's pain perspectives. Child Care Health Dev. 2012;38(3):441-52., já que este autor estuda o ser humano desde o nascimento até a fase adulta, dividindo o desenvolvimento cognitivo em sensório-motor, pré-operacional, operações concretas e operações formais, e também relaciona cognição e afetividade55. Souza MTCC. As relações entre afetividade e inteligência no desenvolvimento psicológico. Psicologia: Teoria Pesqui. 2011;27(2):249-54..

É importante mencionar que uma das criticas contra o trabalho desenvolvido por Piaget, relaciona-se com o fato dele considerar os adolescentes (12 a 18 anos de idade) iguais aos adultos, ou seja considera que todos os maiores de 12 anos possuem pensamento logico-formal. Alguns autores66. Papalia DE, Feldman RD. Human Developemed. 12ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2013.) discutem uma etapa relacionada à de adultos chamada de Pensamento Pós-formal.

Eles descrevem a flexibilidade, adaptabilidade, abertura e individualismo como as caraterísticas deste pensamento. Estas caraterísticas permitem aos adultos lidar com situações ambíguas tais como a contradição, baseados no princípio que as situações complexas requerem soluções complexas, o que implica um pensamento muito mais complexo que aquele da etapa operacional formal que é característico da adolescência.

Num movimento progressivo há funções constantes e estruturas variáveis em seis níveis ou etapas sucessivas que implicam mecanismos reflexivos, ação, linguagem e pensamento.

Compreender a linguagem/expressão da dor nas várias situações do processo saúde/doença transforma-se num desafio que precisa ser superado e que se refere à forma na qual as pessoas pensam, veem e expressam a dor que é causada pelo evento vivido, especialmente quando estão em diferentes etapas do desenvolvimento humano. A proposta de desenvolvimento do Piaget considera a função intelectual como parte da integralidade fisiológica do ser humano. Nesta perspectiva teórica do ciclo vital, os conceitos de maturação e de experiência interagem entre si, uma vez que a presença de algumas estruturas psicológicas, dão sentido às informações capturadas pelo indivíduo em cada aquisição de experiência77. Dessen MA, Costa Junior AL. The science of human development: current trends and future prospects. Porto Alegre: Artmed; 2005..

Como a dor está influenciada por fatores culturais e situacionais, e também pelo cuidado, motivação, emoção e outras variáveis psicológicas, além das variáveis externas, muito das informações requeridas para que um procedimento de avaliação da dor seja apropriada, partem do que as pessoas pensam e relatam, complementada pela avaliação física88. Faleiros Sousa FAE, Pereira LV, Cardoso R, Hortense P. Multidimensional Pain Avaliation Scale, Rev Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(3):3-10..

Com a avaliação adequada, é possível examinar a natureza, origem e correlatos clínicos da dor, dependendo das caraterísticas emocionais, motivacionais e cognitivas, assim como os traços de personalidade dos pacientes88. Faleiros Sousa FAE, Pereira LV, Cardoso R, Hortense P. Multidimensional Pain Avaliation Scale, Rev Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(3):3-10..

Baseada nesses conceitos foi desenvolvida e validada a Escala Multidimensional de Avaliação da Dor (EMADOR), que contém 119 descritores de dor crônica e de aguda nas dimensões: afetiva/sensitiva e afetiva/cognitiva. Esta escala preenche os critérios psicométricos de fidedignidade, objetividade e consistência88. Faleiros Sousa FAE, Pereira LV, Cardoso R, Hortense P. Multidimensional Pain Avaliation Scale, Rev Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(3):3-10..

O objetivo deste estudo foi descrever a dor aguda e a crônica na perspectiva do ciclo vital, por meio dos descritores da EMADOR.

Métodos

Este é um estudo transversal com enfoque quantitativo abrangendo 861 pessoas com dor, entre 5 e 93 anos de idade, sendo 100 crianças/adolescentes e 761 adultos/idosos. Entre as 861 pessoas com dor, 688 apresentavam dor crônica, 647 foram avaliadas por meio do método de estimação de categorias e 41 pelo método de estimação de magnitude. Outros 173 pessoas apresentavam dor aguda, dos quais 125 foram avaliados pelo método de estimação de categoria e 48 pelo método de estimação de magnitude.

O estudo foi realizado em ambulatórios e enfermarias em hospitais e universidades de municípios de São Paulo, Minas Gerais e Paraná.

Recebeu a aprovação do Comitê de Ética de Pesquisa de um Hospital Público do Estado de São Paulo, número 1358/2011, por resolução 196/96, relacionada com a pesquisa envolvendo seres humanos.

Foi utilizada a EMADOR, contendo 119 descritores de dor aguda e 119 descritores de dor crônica, desenvolvida por Faleiros Sousa e colaboradores (88. Faleiros Sousa FAE, Pereira LV, Cardoso R, Hortense P. Multidimensional Pain Avaliation Scale, Rev Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(3):3-10..

Prévio à aplicação do instrumento, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi entregue, lido e assinado pelos participantes. Depois deste procedimento o instrumento foi aplicado. A tarefa a ser realizada pelos participantes encontrava-se descrita no início do instrumento para ser lida antes de sua execução.

Foram utilizados os métodos de estimação de categoria e de magnitude. No método de estimação de categoria, a tarefa de cada participante foi julgar numa escala com pontuação de 0 a 10, sendo 0 nenhuma atribuição na caracterização da dor e 10 maior atribuição na caracterização da dor, sendo 1 a 9 níveis intermediários de atribuição. No método de estimação de magnitude, a tarefa de cada participante foi julgar o quão quantitativamente um atributo tem maior ou menor atribuição em relação a outro atributo e assim, as razões entre eles foram estabelecidas.

Os métodos de estimação de magnitude e emparelhamento intermodal tem seu modo de respostas baseados no comprimento de linha. Estímulos padrão foram definidos previamente. A tarefa dos participantes foi assinalar um número que fosse proporcional a intensidade da dor sentida em relação ao estímulo padrão do método utilizado. Desse modo, se os participantes julgavam que uma determinada dor tinha duas vezes a intensidade da dor induzida, eles indicavam um número duas vezes maior que o estímulo padrão. Se eles julgavam que uma dor específica tinha a metade da intensidade da dor induzida, eles assinalavam a essa dor um número que era a metade da dor induzida de acordo com o estímulo padrão.

Os dados foram analisados descritivamente e quantitativamente e apresentados em tabelas. As médias aritméticas e geométricas e os desvios padrão foram calculadas.

Resultados

De acordo com vários pesquisadores66. Papalia DE, Feldman RD. Human Developemed. 12ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2013.) e o Estatuto Brasileiro da Criança (ECA) (99. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Treats of the Statute of the Child and Adolescent (ECA) and other measures. Brasília, DF, 1990. [Access Oct 15 2013]. Available from: http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/33/1990/8069.htm que define a adolescência como a fase entre doze e dezoito anos de idade, as categorias de analise deste estudo foram divididas em crianças de 5 a 7, de 8 a 11 e adolescentes de 12 a 18 anos de idade, enquanto que os adultos, considerados como possuidores de pensamento pós-formal, foram agrupados entre 19 e 93 anos de idade.

Os resultados relacionados com o uso do método de estimação por categoria estão descritos na Tabela 1 que apresenta também os descritores dos participantes (idades 5-18) com dor, utilizados com maior e menor atribuição na caracterização da dor crônica.

Tabela 1
Médias aritméticas e seus respectivos desvios-padrão de caracterização da dor crônica em relação à faixa etária entre 5 e 18, de acordo com a EMADOR. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2012

Os resultados relacionados com o uso do método de estimação por categoria estão descritos na Tabela 2 que também apresenta os descritores dos participantes (idades 19-93) com dor, utilizados com maior e menor atribuição na caracterização da dor crônica.

Tabela 2
Médias aritméticas e seus respectivos desvios-padrão de caracterização da dor crônica em relação à faixa etária entre 19 e 93, de acordo com a EMADOR. Ribeirão Preto , SP, Brasil, 2012

Os resultados relacionados ao uso do método de estimação de categorias estão descritos na Tabela 3, que apresenta também os descritores dos participantes (idades 5-18) com dor, utilizados com maior e menor atribuição na caracterização da dor aguda.

Tabela 3
Médias aritméticas e seus respectivos desvios-padrão de caracterização da dor aguda em relação à faixa etária entre 5 e 18, de acordo com a EMADOR. Ribeirão Preto , SP, Brasil, 2012

Os resultados relacionados com o uso do método de estimação de categorias estão descritos na Tabela 4, que apresenta também os descritores dos participantes (idades 22-69) com dor, utilizados com maior e menor atribuição na caracterização da dor aguda.

Tabela 4
Médias aritméticas e seus respectivos desvios-padrão de caracterização da dor aguda em relação à faixa etária entre 22 e 69, de acordo com a EMADOR. Ribeirão Preto , SP, Brasil, 2012

Na análise das 100 crianças/adolescentes que participaram no estudo, 51% registraram dor crônica e 49% dor aguda. Os dados da Tabela 1 mostram a caracterização da dor crônica e na Tabela 3 a da dor aguda, de acordo com a EMADOR para as faixas etárias relacionados com a infância e adolescência que estão subdivididos em três etapas de desenvolvimento.

Ema relação à população adulta na Tabela 2, os dados mostram os descritores com maior e menor atribuição de acordo com a EMADOR para a caracterização da dor crônica e na Tabela 4 para a caracterização da dor aguda. São detalhadas as médias aritméticas (Média) e os Desvios Padrão (DP)

A Tabela 5 apresenta vinte descritores da dor aguda e vinte da dor crônica na sua ordem de posição, com as respectivas médias geométricas (MG) que foram obtidas pelo método de estimação de magnitude.

Tabela 5
Média geométricas de caracterização da dor crônica e aguda através do Método Psicofísico de Estimação de Magnitude. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2012

Discussão

Considerando o caráter multidimensional da dor expresso nos descritores da EMADOR predominantemente em conjunção com os componente afetivo, e sensitivo enquanto outros compreendem o componente cognitivo, são estas díades afetivo/sensitiva e afetivo/cognitiva que acontecem já que a dor é considerada do ponto de vista das emoções11. Marquez JO. A dor e os seus aspectos multidimensionais. Ciênc Cult. 2011;63(2):28-32.

2. Piaget J. Six studies of Piaget. 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2011.

3. Borghi CA, Rossato LM, Damião EBC, Guedes DMB, Silva EMR, Barbosa SMM. Vivenciando a dor: a experiência de crianças e adolescentes em cuidados paliativos. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(spe):67-73.

4. Esteve R, Marquina-Aponte V. Children's pain perspectives. Child Care Health Dev. 2012;38(3):441-52.

5. Souza MTCC. As relações entre afetividade e inteligência no desenvolvimento psicológico. Psicologia: Teoria Pesqui. 2011;27(2):249-54.

6. Papalia DE, Feldman RD. Human Developemed. 12ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2013.

7. Dessen MA, Costa Junior AL. The science of human development: current trends and future prospects. Porto Alegre: Artmed; 2005.
-88. Faleiros Sousa FAE, Pereira LV, Cardoso R, Hortense P. Multidimensional Pain Avaliation Scale, Rev Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(3):3-10..

O fenômeno da existência está imerso em emoções e afetos que são vivenciados pelas pessoas, portanto a expressão da dor está permeada pela dimensão emocional, concebida e vivenciada através desta perspectiva1010. Barreo CLBT, Morato, HTP, Caldas MT. Prática Psicológica na Perspectiva Fenomenológica, Curitiba: Juruá Editora; 2013..

Quando o sujeito refere um descritor de dor, não está referindo somente o conteúdo da dor, mas também todo o conteúdo emocional presente na sua relação com a dor e com toda a dor contida nas relações entre as pessoas que estão envolvidas na doença. Em outras palavras, na comunicação humana, todo conteúdo transmitido vincula-se à relações entre indivíduos1111. Watzlawick P, Beavin JH, Jackson DD. Pragmática da comunicação humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. São Paulo: Cultrix; 1967..

Os resultados relacionados à contingencia das respostas das crianças mostram que em diferentes faixas etárias, os detalhes e elementos lógicos expressos nos descritores da dor aguda e crônica, revelam que a partir dos cinco anos de idade as crianças podem dar significado ao evento doloroso em forma categórica.

No estudo, por exemplo, as crianças menores de 7 anos mostraram evidências de significados precisos em verbalizações da dor, sugestivos de amadurecimento cognitivo, demostrando a possibilidade de desenvolvimento de pensamento sobre a dor como resultado de suas experiências, na perspectiva do desenvolvimento do ciclo vital.

As crianças com idades entre 5 e 7 anos caracterizaram as dimensões de dor crônica principalmente relacionadas com a dimensão afetivo/sensitiva, mais que na afetivo/cognitiva. Entende-se que este tipo de resposta à dor possa estar relacionada ao fato das crianças possuírem pensamento concreto1212. Piajet G, Inhelder B. A psicologia da crianca. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2006..

Pode ser considerado que para reconhecer sua dor, as crianças tendam a desenvolver um pensamento focado em sentimentos de seu próprio corpo, consistente com os achados da literatura que afirmam que os pensamentos das crianças são absolutos e que é difícil mudar a crença sobre a dor como uma dimensão física1313. Okada M, Teixeira MJ, Myagi KT. Treatment of pain in pediatric. Rev Med. 2001;80(1):157-69..

Um estudo qualitativo sinaliza que as crianças na etapa pré-operacional de desenvolvimento, descrevem a dor enfatizando os aspectos sensitivo e avaliativo, o que pode indicar a característica dessa fase, na qual as crianças tem representações simbólicas prematuras33. Borghi CA, Rossato LM, Damião EBC, Guedes DMB, Silva EMR, Barbosa SMM. Vivenciando a dor: a experiência de crianças e adolescentes em cuidados paliativos. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(spe):67-73..

Na faixa etária entre 8 e 11 anos predominou a dimensão afetivo/cognitiva da dor. Nesta etapa, o pensamento egocêntrico das crianças desenvolve-se na direção do pensamento lógico e da reversibilidade. As entidades linguísticas estão mais expandidas e operando1212. Piajet G, Inhelder B. A psicologia da crianca. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2006..

Verificou-se uma transição em termos do desenvolvimento das crianças na distinção do interno em relação ao externo, extrapolando da percepção de uma dor mais sensorial, para outra na qual são capazes de utilizar termos qualitativos, tais como as dimensões afetiva e cognitiva. Nesta situação, relações dinâmicas da família são fundamentais para o desenvolvimento das crianças e suas respostas frente à dor.

A percepção da dor pelos adolescentes de idades entre 12 e 18 apresentara escores altos na dimensão afetivo/cognitiva e escores menores para os descritores afetivo/sensitivos. A capacidade de introspeção e a compreensão da dor demostrada pelos adolescentes merece ser sublinhada, na medida em que são capazes de desconsiderar a dor afetivo/cognitiva associada ao sofrimento psicológico1212. Piajet G, Inhelder B. A psicologia da crianca. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2006.-1313. Okada M, Teixeira MJ, Myagi KT. Treatment of pain in pediatric. Rev Med. 2001;80(1):157-69..

Na análise por faixas etárias, os resultados relacionados com as características crônicas mostraram heterogeneidade nas respostas atribuídas à dor. Desta forma, as crianças entre 5 e 7 anos referiram a dimensão afetiva/sensitiva, representando significativamente o pensamento concreto, enquanto as crianças entre 8 e 11 anos falaram sobre a qualidade da dor na dimensão afetivo/cognitiva, o que representa a transição do pensamento concreto para o abstrato; e os adolescentes observaram a dor mediada pela sua natureza afetivo/cognitiva, representando a complementariedade da abstração lógico-formal descrita por Piaget44. Esteve R, Marquina-Aponte V. Children's pain perspectives. Child Care Health Dev. 2012;38(3):441-52.,1212. Piajet G, Inhelder B. A psicologia da crianca. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2006..

As pesquisas que estudam a dor das crianças/adolescentes mostram que desde os 4 anos de idade as crianças são capazes de descrever sua dor através de descritores sensitivos, da mesma forma que a dor é descrita pelas crianças maiores ou em adultos33. Borghi CA, Rossato LM, Damião EBC, Guedes DMB, Silva EMR, Barbosa SMM. Vivenciando a dor: a experiência de crianças e adolescentes em cuidados paliativos. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(spe):67-73.,1515. Bienvenu M, Jacquet D, Michelutti M, Wood C. L'expression verbale de la douleur chez l'enfant: comparaison intermodale entre sensation de douleur et manipulation tactile. Pain Res Manag. 2011;16(3):187-91..

Na faixa etária entre 19 e 93 anos, os descritores que melhor caracterizaram a dor crônica foram os da dimensão afetivo/sensitiva, cuja expressão refere à sensação física do evento doloroso, diferentemente da caracterização afetivo/cognitiva da dor na qual há, além da natureza emocional, explicações, racionalização e intelectualização do mencionado evento.

Um estudo que procurava avaliar as qualidades sensitivas, afetivas, temporais e miscelâneas da dor nos idosos com dor crônica, traz informação sobre as diferentes percepções de fatores variados que fazem parte da dor enquanto sintoma, em relação com pessoas com diferentes doenças, já que a percepção deste sintoma relaciona-se com os aspectos sensitivos, afetivos e emocionais, e não apenas a sua intensidade1616. Santos CC, Pereira LSM, Resende MA, Magno F, Aguiar V. Applicability of the Brazilian version of the McGill Pain Questionnaire in elderly patients with chronic pain. Acta Fisiatr. 2006;13(2):75-82.. Um outro estudo mostra a predominância da dor crônica nos idosos, destacando o prejuízo causado na qualidade de vida pelas dimensões afetiva e física da dor, tais como inatividade e isolamento social1717. Barbosa MH, Silva LC, Andrade EV, Luiz RB, Bolina AF, Mattia AL, et al. Evaluation of chronic pain in the institutionalized elderly. Reme - Rev Min Enferm. 2012;16(1):63-8..

Quando comparadas as características da dor aguda e crônica nas diferentes faixas etárias de crianças/adolescentes, os descritores utilizados para caracterizar a dor aguda foram principalmente relacionados à dimensão afetiva/cognitiva com poucas mudanças entre os diferentes grupos de idade; em contraste, os descritores utilizados para caracterizar dor crônico demonstraram pensamento operacional, ou seja, com mudanças ao longo do desenvolvimento.

Estes resultados não só demostram diferenças, mas também revelam uma semelhança relativa aos descritores "chata" e "desagradável", consistentes nas atribuições tanto para a dor aguda como crônica. Esta informação pode reforçar a presença de componentes afetivos e cognitivos na resposta à dor das crianças e adolescentes desse estudo, representando o continuo e complexo desenvolvimento do pensamento abstrato.

Este estudo traz a discussão sobre a afetividade na organização do pensamento humano e leva a entender a interconexão entre as dimensões cognitiva e afetiva, mostrando que os seres humanos não constroem relações exclusivamente logicas e racionais entre as realidades externas e internas, e que também não são somente emocionais em relação a sentimentos e estados da mente, mas que são uma soma destas duas dimensões como seres cognitivo-afetivos, que ao mesmo tempo pensam, sentem e tem afetos1818. Pinto FEM. The psychological subject and interfaces with the psychic dimensions: a brief dialogue on affectivity. Portal of Psychologists. Porto, Portugal, 2011. [Access June 12 2012]. Available from: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0538.pdf..

Pesquisa com crianças e adolescentes mostrou estar interconectada com a aplicação da EMADOR no presente estudo, pois demonstra que o uso de instrumentos de avaliação da dor possibilita o entendimento do que as crianças realmente experimentam, e não aquilo que os profissionais pensam que eles estão sentindo. Baseados nisso é preciso considerar os processos relacionados com a experiência das crianças, assim como suas etapas de desenvolvimento físico e mental1919. Rossato LM, Magaldi FM. Multidimensional tools: application of quality cards pain in children. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2006;14(5):77-84..

Para a faixa etária entre 19 e 93 anos, os descritores que melhor caracterizavam a dor aguda foram afetivo/cognitivo, sendo semelhantes aos de estudo desenvolvido para avaliar dor em pacientes com câncer, pois mostraram que os descritores mais frequentemente mencionados foram aqueles com o componente sensitivo, embora os que tinham os escores mais altos foram aqueles com o componente afetivo2020. Costa AIS, Chaves MD. Pain in cancer patients undergoing chemotherapy. Rev Dor, Pesqui Clín Terapêutica. 2012;13(1):45-9.. Portanto a faixa etária entre 19 e 93 destaca as dimensões afetivas e cognitivas, mesmo quando a dimensão sensitiva foi apresentada, demostrando um pensamento mais complexo que vai além dos aspectos físicos, levando em consideração outros aspectos presentes na compreensão do evento doloroso.

Em relação à estimação de magnitude para dor crônica e aguda, os cinco descritores com escores mais altos e baixos na sua caracterização estavam principalmente na dimensão afetivo/cognitiva.

Os estudos que avaliaram tanto a dor crônica como a aguda utilizando o método psicofísico de estimação de magnitude, tiveram resultados que indicam que a dimensão afetivo/cognitiva é a mais usada na caracterização da dor 2121. Sant'ana RPM, Pereira LV, Saltareli S, Faleiros Sousa, FAE. Chronic Pain Descriptors: A Phychophysical Study. Fechner Day. 2004;21:512-7.-2222. Sant'ana RPM, Pereira LV, Giuntini PB, Marquez JO, Faleiros Sousa FAE. Rev Dor, Pesqui Clín Terapêutica. 2003;4(1):42-51..

Quando comparados os dados mencionados com os deste estudo, a importância das dimensões afetiva e cognitiva podem ser percebidas nas pessoas que experimentam dor. Portanto os profissionais de saúde que avaliam e tratam estes pacientes no curso da experiência dolorosa não podem esquecer estas dimensões. Por meio destes dados pode ser identificado o fato que a percepção das pessoas adultas considera um conjunto de elementos que constituem sua dor. Além do aspecto físico, esta experiência está carregada de afetos e, tanto em dores crônicas como agudas, os pensamentos estão focados na compreensão da dor, portanto isso ocupa a mente do paciente e precisa de desenvolvimento no nível de ideias e afetos.

Os participantes que tiveram os scores mais altos na dimensão afetiva da dor, concordam com as expectativas de lidar com sua própria dor imersos no universo de significados simbólicos e atribuição de qualidades subjetivas. Estas qualidades subjetivas estão entrelaçadas com pessoas, objetos e lugares de experiências. Portanto o sujeito psicológico "direciona" o resultado de sua ação mental para a qualidade avaliativa2323. Pinto FEM. The (dis) affection of intelligence: the possible dialogue between cognitive and affective. Publicatio. 2005;13:7-12..

Isto mostra que não é possível entender a experiência dolorosa, somente na perspectiva da objetividade ou percebe-la como uma entidade conceitual universal, uma vez que a dor é uma experiência pessoal e, é por meio da linguagem que as características expressivas de cada sensação dolorosa podem ser expressas, diferenciando-se, significativamente, uma da outra.

Seja nas caracterizações agudas ou crônicas, a dor é percebida como "dor total" pois além da nocicepção, fatores físicos, emocionais, sociais espirituais, entre outros, afetam a gênese e a expressão dolorosa. A avaliação da dor é complexa, devido à variedade de aspectos que compõem o evento doloroso e é a base para o diagnostico, a proposta de tratamento e a avaliação dos resultados obtidos2525. Saunders C. Care of the dying - 4: Control of pain in terminal cancer. Nurs Times. 1976; 72(29):1133-1135..

Conclusão

Como resumo, quando são analisados os resultados deste estudo, identifica-se que as pessoas precisam ser olhadas de forma integrativa, como pessoas em desenvolvimento cuja história, cognição, desejos e afetos não podem ser ignorados. Todos os atributos são recursos que precisam ser considerados para uma avaliação mais completa que vai além da intensidade da dor, ou seja uma avaliação multidimensional da experiência total da dor, e deve ser observado que a EMADOR está validada e é um instrumento de fácil aplicação nas diferentes etapas do desenvolvimento

Este estudo pode contribuir ao mostrar uma realidade emergente da avaliação do quinto signo vital que não deve ser subestimada, visto que há necessidade de a equipe de saúde em geral ter consciência da complexidade e da multidimensionalidade existente na dor do existir no mundo em diferentes situações e perspectivas subjetivas, realidade que deve ser reconsiderada para possíveis melhorias no ensino, na pesquisa e na prática clínica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2015
  • Aceito
    15 Mar 2016
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