Open-access Infusão de morfina e cetamina, associada ou não à lidocaína, em gatas submetidas à ovariossalpingo-histerectomia

[Infusion of morphine and ketamine, with or without lidocaine, in cats undergoing ovariohysterectomy]

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos analgésicos transoperatórios da infusão contínua de morfina e cetamina, associada ou não à lidocaína, em gatas submetidas à OSH eletiva. Foram utilizadas 16 fêmeas adultas, hígidas, pré-medicadas com acepromazina (0,1mg/kg) e morfina (0,5mg/kg), ambas pela via intramuscular, induzidas com cetamina (1mg/kg) e propofol (4mg/kg), pela via intravenosa, e mantidas sob anestesia geral inalatória com isoflurano a 1,4 V%. Os animais foram alocados aleatoriamente em dois grupos: grupo morfina, lidocaína e cetamina (MLK, n=8), que recebeu bolus de lidocaína (1mg/kg), pela via IV, seguido de infusão de morfina, lidocaína e cetamina (0,26mg/kg/h, 3mg/kg/h e 0,6mg/kg/h, respectivamente); e grupo morfina e cetamina (MK, n=8), que recebeu bolus de solução salina, seguido de infusão de morfina e cetamina, nas mesmas doses do MLK. Os momentos avaliados foram: M0, basal, cinco minutos após a indução; M1, imediatamente após a aplicação do bolus de lidocaína ou solução salina; M2, M3, M4 e M5, a cada cinco minutos, até completar 20 minutos do início da infusão; M6, após a incisão da musculatura; M7, após pinçamento do primeiro pedículo ovariano; M8, após pinçamento do segundo pedículo ovariano; M9, após pinçamento da cérvix; M10, após sutura da musculatura; M11, ao final da cirurgia; e M12, M13 e M14, intervalos de cinco minutos, até completar uma hora de infusão. A FP no M0 foi maior no MLK quando comparado ao MK. Em ambos os grupos, a PAS foi maior no M7 e no M8 em relação ao M0, porém no MK, além da PAS, a FP foi maior do M7 ao M13, assim como a f. Os animais do MK necessitaram de um número maior de resgates transoperatorios, total de 23, do que o MLK, total de sete. Conclui-se que a adição de lidocaína incrementou a analgesia oferecida, reduzindo o número de resgates analgésicos transoperatórios, a dose total de fentanil, bem como a probabilidade de os animais necessitarem dese tipo de resgate.

Palavras-chave: felinos; analgesia multimodal; infusão contínua; anestésico local

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the trans-operative analgesics, continuous infusion of morphine and ketamine, with or without lidocaine in cats undergoing elective OSH. Sixteen adult cats were used, otherwise healthy, pre-medicated with acepromazine (0.1mg/kg) and morphine (0.5mg/kg), both intramuscularly, induced with ketamine (1mg/kg) and propofol (4mg/kg), intravenous, maintained under general inhalation anesthesia with isoflurane 1.4 V%. The animals were randomly allocated into two groups: morphine, lidocaine and ketamine (MLK, n= 8), which received intravenous bolus of lidocaine (1mg/kg) followed by infusion of morphine, lidocaine and ketamine (0.26mg / kg/h, 3mg / kg/h and 0.6mg / kg/h, respectively); Morphine and ketamine (MK, n= 8), who received bolus of saline followed by infusion of morphine and ketamine at the same doses of MLK. The evaluated moments were: M0, basal, 5 minutes after induction; M1 immediately after the application of lidocaine bolus injection or saline; M2, M3, M4 and M5, every 5 minutes to complete 20 minutes after the start of infusion; M6, after the incision of the musculature; M7, after clamping of the first ovarian pedicle; M8, after clamping of the second ovarian pedicle; M9, after clamping of the cervix; M10, after suturing of the musculature; M11, at the end of surgery; And M12, M13 and M14, 5 minute intervals until completing one hour of infusion. The time to extubating and full recovery of animals, and the need for rescue analgesic fentanyl intraoperatively were also evaluated. HR in M0 was higher in MLK when compared to MK. In both groups the SBP was higher in M7 and M8 compared to M0, but the MK, addition of SAP, HR was greater M7 to M13, as well as f. MK animals required a greater number of trans-operative rescues than the MLK. It was concluded that the addition of lidocaine to the protocol using morphine and ketamine increased its analgesia.

Keywords: felines; multimodal analgesia; continuous infusion; local anesthetic

INTRODUÇÃO

Os anestésicos inalatórios são incapazes de bloquear os estímulos nocivos gerados pelo ato cirúrgico, pois são desprovidos de efeitos analgésicos (Katz, 2001). Dessa forma, tem-se empregado a associação de múltiplos fármacos analgésicos, cujos efeitos são desempenhados em diferentes vias da dor, denominando-se analgesia multimodal (Muir et al., 2003). Assim, fármacos distintos podem ser associados na forma de infusão contínua, como a combinação de morfina, lidocaína e cetamina. A cetamina é um fármaco amplamente utilizado, que atua por inibição não competitiva de receptores glutaminérgicos do tipo NMDA, com propriedades anti-hiperalgésicas em doses subanestésicas (Harper, 2007). Steagall et al. (2016) observaram ainda maior redução no requerimento de isoflurano em gatas submetidas à infusão contínua de remifentanil quando associado à cetamina.

Da mesma forma, a morfina é amplamente empregada em felinos, porém parece ser menos efetiva nessa espécie quando comparada aos cães, podendo esse fato ser creditado à produção limitada do metabólito ativo, a morfina-6-glucoronídeo (Taylor et al., 2001). Muir et al. (2003) verificaram redução de 48% da CAM do isoflurano em cães submetidos à infusão contínua de morfina; já em felinos, esses dados são escassos.

Com relação à lidocaína, seu efeito analgésico tem sido reportado em diversas espécies, como cães (Smith et al., 2004; Ortega e Cruz, 2011), equinos (Robertson et al., 2005), humanos (Kawamata et al., 2002) e ratos (Ness, 2000). Em felinos, Pypendop e Ilkiw (2005) são taxativos ao contraindicarem a utilização desse fármaco nessa espécie, em virtude da depressão cardiovascular acentuada, creditando isso a uma possível toxicidade da lidocaína. No entanto, não há estudos na literatura avaliando a infusão da associação de morfina, lidocaína e cetamina em felinos nem a sua eficácia analgésica. Nesse sentido, objetivou-se avaliar se a adição de lidocaína no protocolo de analgesia multimodal utilizando morfina e cetamina promoverá um incremento da analgesia quando comparada à infusão somente de morfina associada à cetamina em gatas submetidas à ovário-histerectomia eletiva.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética para Uso de Animais da instituição de origem (Ceua, protocolo nº 1.12.13). Foram utilizadas 16 gatas adultas, hígidas, com peso médio de 2,82±0,6kg, provenientes da rotina hospitalar e encaminhadas para o procedimento de ovariossalpingo-histrectomia eletiva (OSH). Foi realizado exame físico completo e laboratorial, a fim de se comprovar o estado de higidez dos animais, excluindo do estudo aqueles que apresentassem quaisquer alterações nesses exames. O internamento em sala isolada e individual ocorreu 24 horas antes da cirurgia, para a ambientalização, sendo nesse momento submetidos ao jejum sólido de 12 horas e restrição hídrica de seis horas.

No dia do estudo, os animais receberam medicação pré-anestésica com acepromazina, na dose de 0,1mg/kg, e morfina, na dose de 0,5mg/kg, pela via IM. Após 20 minutos, realizou-se a venopunção cefálica para inserção de um cateter venoso calibre 22G e administração de fluidoterapia a uma taxa de 10mL/kg/h. Ato contínuo, os animais foram induzidos à anestesia geral com propofol, na dose de 4mg/kg, e cetamina, na dose de 1mg/kg, pela via IV. Em seguida, foi realizada a intubação orotraqueal, com sonda de Murphy de tamanho compatível, conectando-se o paciente ao sistema anestésico, administrando-se isoflurano com uma concentração expirada de 1,4 V%, aferido por meio do analisador de gases, diluído em oxigênio 100% com fluxo de 200mL/kg/min, em circuito de Mapleson tipo D, sendo, então, o animal posicionado em decúbito dorsal. Durante todo o estudo, a concentração expirada de isoflurano foi mantida sempre em 1,4 V%, independentemente do plano anestésico do paciente, porém o plano anestésico foi avaliado por meio de uma escala que será descrita a seguir.

Após cinco minutos da indução e intubação orotraqueal, em seguida à primeira avaliação, os animais foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos: grupo morfina, lidocaína e cetamina (MLK, n=8), que recebeu bolus de lidocaína a 2% sem vasoconstritor, na dose de 1mg/kg, pela via IV, seguido de infusão de morfina, lidocaína e cetamina, nas taxas de 0,24mg/kg/h, 3mg/kg/h e 0,6mg/kg/h, respectivamente; e grupo morfina e cetamina (MK, n=8), que recebeu bolus de solução salina no mesmo volume e via anterior que o bolus de lidocaína, seguido de infusão de morfina e cetamina, nas taxas de 0,24mg/kg/h e 0,6mg/kg/h, respectivamente. O anestesista experiente foi sempre o mesmo, porém desconhecia o tratamento que estava sendo empregado. Além do bolus dos tratamentos, nesse momento todos os animais recebiam ampicilina, na dose de 20mg/kg, pela via IV.

As infusões dos fármacos foram realizadas com o auxílio de uma bomba de infusão de seringa, sendo as diluições preparadas em um frasco de Ringer Lactato de 500mL adicionando-se 12mg de morfina e 30mg de cetamina, no GMK. Já no GMLK, repetia-se o processo anterior, porém adicionavam-se também 150mg de lidocaína sem vasoconstritor. A solução preparada foi infundida aos animais na velocidade de 10mL/kg/h, imediatamente após o bolus de lidocaína ou solução salina.

Os parâmetros avaliados foram: frequência de pulso (FP) e saturação periférica de oxi-hemoglobina (SpO₂), por meio da oximetria de pulso na língua do paciente; frequência respiratória (f) e pressão parcial de dióxido de carbono ao final da expiração (EtCO₂), por meio da capnografia, sendo o sensor (side-stream) acoplado entre a interface do traqueotubo do paciente e do sistema anestésico; temperatura corporal (T°C), por meio do termômetro esofágico; pressão arterial sistólica (PAS), com auxílio do Doppler vascular, na artéria palmar superficial, e manômetro anaeroide, sendo a leitura realizada na forma de triplicata, cujo valor registrado era a média aritmética das três aferições, sendo a diferença entre os valores não superior a 10% da anterior. Caso isso ocorresse, eram realizadas mais três aferições, até não haver mais essa diferença.

A concentração expirada de isoflurano foi padronizada em 1,4 V%, verificada por meio de analisador de gases, em todos os animais, durante o transoperatório. e mantida durante todo o estudo. Avaliou-se, então, o plano anestésico dos pacientes, sendo atribuídos escores de acordo com a classificação a seguir: 0: superficial (animal com globo ocular centralizado ou rotacionado, com presença de reflexos palpebrais medial e lateral e tônus mandibular); 1: ideal (globo ocular rotacionado, sem presença de reflexos palpebrais ou com presença de reflexo palpebral medial e sem tônus mandibular); ou 2: profundo (globo ocular centralizado, sem reflexos palpebrais nem tônus mandibular).

O procedimento cirúrgico foi executado sempre pelo mesmo cirurgião experiente, 20 minutos após o início das infusões. Os resgates analgésicos transoperatórios foram realizados com fentanil, na dose de 2,5µg/kg, pela via IV, quando houvesse aumento igual ou superior a 20% em ao menos dois de três parâmetros (FP, f e/ou PAS), comparando-se aos parâmetros imediatamente anteriores ao início da cirurgia. O procedimento cirúrgico prosseguia apenas após estabilização desses parâmetros. Caso não houvesse redução de tais parâmetros, uma nova dose de 2,5µg/kg de fentanil era administrada.

Os momentos avaliados foram: M0 (cinco minutos após indução e manutenção com isoflurano); M1 (imediatamente após a aplicação do bolus de lidocaína ou solução salina); M2, M3, M4 e M5 (cinco, 10, 15 e 20 após o início da infusão, respectivamente); M6 (após a incisão da musculatura); M7 (após pinçamento do primeiro pedículo ovariano); M8 (após o pinçamento do segundo pedículo ovariano); M9 (após pinçamento da cérvix); M10 (após suturada musculatura); M11 (ao final da cirurgia); e M12, M13 e M14 (intervalos de cinco minutos até completar uma hora de infusão). Após 60 minutos de infusão, ela foi suspensa juntamente com a anestesia geral inalatória, dando-se início à avaliação do tempo necessário para extubação e do tempo para recuperação total (quando o animal era capaz de permanecer em decúbito esternal sem auxílio e sem nenhum estímulo). Após o período de recuperação total, os animais receberam meloxicam, na dose de 0,1mg/kg, pela via IM.

A normalidade dos dados foi verificada por meio do teste de Shapiro-Wilk. Os dados estão reportados como média±desvio-padrão para os dados paramétricos e como mediana (valor mínimo e máximo) para os dados não paramétricos. Para verificar possíveis diferenças entre os grupos, utilizou-se o teste t. Para análise entre tempos em relação ao momento basal, empregou-se análise de variância de uma via com repetições múltiplas (One Way ANOVA-RM), seguida pelo teste de Dunnett. Com relação ao número de resgates transoperatórios, foi realizada a curva de Kaplan-Meier e o teste de Mann-Whitney para o total de resgates. As diferenças foram consideradas estatisticamente significativas quando P≤0,05.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O peso médio dos animais no MLK e no MK foi de 2,54±0,56 e 3,1±0,59, respectivamente, não havendo diferença estatística entre os grupos. No M0, entre os grupos, a FP foi 22,1% maior no MLK quando comparada à do MK (Tab. 1), entretanto, nesse momento, os animais ainda não estavam sob efeito dos tratamentos propostos, não se podendo, portanto, atribuir essa diferença ao protocolo estudado. Ao se correlacionarem esses dados com os dados de plano anestésico (Tab. 3), verificou-se que, apesar de não ter diferido estatisticamente, nesse momento a mediana dos animais do MK foi de 1, enquanto a mediana do MLK foi de 0, estando 71% dos animais do MLK em plano superficial de anestesia, o que pode ser responsável pela maior FP observada no MLK quando comparado ao MK. Como a concentração expirada de isoflurano foi padronizada em todo o estudo em 1,4 V%, atribuiu-se essa diferença a uma variação individual em alguns animais do MLK durante a indução anestésica, quando esses animais tiveram alguma reação após o procedimento de intubação orotraqueal, o que foi contornado com o passar do estudo, visto que os animais acabaram entrando em plano anestésico.

No MK, a FP aumentou, em média, 35,3% do M7 ao M13 em relação ao M0 e diminuiu no MLK 25,2% e 19,1% no M4 e no M5, respectivamente, em relação ao M0. Analisando-se a f, essa foi 46,6% maior no M12 em relação ao M0 no MK. Já a PAS foi maior no M7 e no M8 em relação ao M0, em ambos os grupos, sendo esse aumento, em média, de 25,8% no MLK e de 35,2% no MK (Tab. 1). Esses dados corroboram os de Devitt et al. (2005), os quais observaram que os sinais de maior estímulo nociceptivo durante a histerectomia estão na separação digital do pedículo ovariano, sendo a PA uma variável promissora, a fim de se estimar o trauma cirúrgico (Rigaud et.al., 2011; Hoglund et al., 2011). Nos demais momentos, não houve diferença significativa entre os grupos quanto à FP, f, PAS, EtCO2 e SpO2 (Tab. 1).

Com base nos resultados apresentados, os autores creditam essas diferenças em relação ao basal no MK à resposta autonômica do paciente ao estímulo cirúrgico, observando-se, então, o aumento da FP, da f e da PAS, ou seja, o MK não foi eficaz em ofertar uma analgesia adequada durante o transoperatório. Além disso, no MLK, somente uma das três variáveis, a PAS, foi maior em relação ao basal no M7 e no M8. Com isso, é implícito pensar no sinergismo dos fármacos utilizados, em que a potência analgésica foi maior no MLK do que no MK devido à adição de lidocaína ao protocolo. Esse dado vai ao encontro ao descrito na literatura, em que a lidocaína reduziu o consumo de opioides, a intensidade dolorosa e o tempo de hospitalização em pacientes humanos (Marret et al., 2008; Oliveira et al., 2012; Kang et al., 2012).

Tabela 1
Valores médios e desvio-padrão da frequência de pulso (FP), respiratória (f), pressão arterial sistólica (PAS), fração expirada de dióxido de carbono (EtCO2) e saturação periférica de oxigênio (SpO2) em felinos submetidos à infusão contínua de morfina, lidocaína e cetamina (MLK) ou morfina e cetamina (MK)

O número de resgates analgésicos transoperatórios com fentanil está representado na Tab. 2. Os animais do MK necessitaram de um número maior de resgates transoperatórios e, consequentemente, maiores doses totais de fentanil do que os animais do MLK. Além disso, por meio da análise de sobrevivência pela curva de Kaplan-Meier (Fig. 1), observa-se maior probabilidade dos animais do MLK (84,2%±5,6) em não receberem resgate analgésico quando comparados aos do MK (66,1%±5,6). Esses dados vão ao encontro do já descrito na literatura humana em que se utilizou infusão contínua de lidocaína (Marret et al., 2008; Oliveira et al., 2012; Kang et al., 2012). Em cães submetidos à cirurgia de catarata por facoemulsificação, a infusão de lidocaína, na dose de 1,5mg/kg/h, ofereceu analgesia adequada, chegando a ser similar à infusão de morfina, na dose de 0,1mg/kg/h (Smith et al., 2004). Da mesma forma, Ortega e Cruz (2011) descrevem que a lidocaína preveniu a resposta nociceptiva, diminuindo o requerimento de fentanil transanestésico em cães submetidos a diversos procedimentos da rotina hospitalar, em taxas variadas de 3mg/kg/h até 12mg/kg/h, sugerindo seu uso como parte de protocolos de analgesia balanceada.

A concentração expirada de isoflurano foi padronizada no presente estudo em 1,4 V%, no entanto o plano anestésico foi avaliado utilizando-se um escore, que pode avaliar possíveis efeitos sinérgicos entre a associação de fármacos e a anestesia inalatória. Assim, mediante tal procedimento, verificou-se que, no M12, no M13 e no M14 (Tab. 3), o MLK apresentou planos anestésicos mais profundos que o MK, portanto, inferiu-se que a associação de lidocaína a morfina e cetamina potencializa a ação desses últimos fármacos. Muir et al. (2003) observaram maior redução da concentração alveolar mínima (CAM) de isoflurano ao utilizarem a associação de morfina, cetamina e lidocaína do que ao utilizarem a lidocaína ou a cetamina de maneira isolada. Como no presente estudo não foi avaliada a CAM, não se pode inferir nada sobre essa variável, no entanto, com os dados encontrados, sugere-se que o protocolo utilizando MLK teria maior efeito redutor na concentração expirada de isoflurano do que o protocolo utilizando MK, sendo necessários estudos futuros na espécie felina para se comprovar tal afirmação.

Tabela 2
Valores de mediana, valor mínimo e valor máximo do número de resgates transoperatórios por animal e da dose total de fentanil por animal, em felinos submetidos à infusão contínua de morfina, lidocaína e cetamina (MLK) ou morfina e cetamina (MK)

Figura 1
Análise de sobrevivência de Kaplan-Meier, que demonstra a probabilidade de não ocorrer resgate analgésico transoperatório em felinos submetidos à infusão de morfina, lidocaína e cetamina (MLK) ou morfina e cetamina (MK), anestesiados com isoflurano e submetidos à OSH eletiva.

Tabela 3
Valores de mediana, mínimo e máximo do plano anestésico no período transoperatório em felinos submetidos à infusão de morfina, lidocaína e cetamina (MLK) ou morfina e cetamina (MK), anestesiados com isoflurano e submetidos à OSH eletiva

Os valores da EtCO₂ foram mensurados por meio de um sistema de coleta automático de fluxo lateral (side-stream). O fato de os valores terem permanecido em todos os momentos abaixo dos valores de referência constitui uma limitação da técnica de capnografia utilizada, o sistema side-stream, devido ao peso reduzido dos felinos.Valores similares de EtCO2 foram observados também por diversos autores que utilizaram o mesmo sistema side-stream em felinos anestesiados, independentemente do protocolo em questão (Nyiom et al., 2013; Steagall et al., 2016). Os tempos para extubação nos grupos MK e MLK foram 3,13±2,09 e 5,5±2,92 minutos, respectivamente, e os tempos de recuperação total (quando os animais permaneciam em decúbito esternal sem auxílio) foram 7,38±2,87 e 11,63±5,72 minutos, não havendo diferença estatística entre os grupos. Esses dados corroboram os descritos por Hornickle e Snyder (2016), em cuja pesquisa a infusão de MLK não aumentou o tempo de extubação quando comparada à anestesia epidural em cães. Entretanto, em seu estudo, Hornickle e Snyder (2016) observaram tempos relativamente longos para a recuperação total quando comparados aos do presente estudo (26±18min), o que se justifica pelas diferenças no metabolismo dos fármacos nas diferentes espécies estudadas, assim como o tempo total de anestesia, que, no trabalho de Hornickle e Snyder (2016), foi de 255±53min e, na presente pesquisa, foi padronizado em 60min. Com base nisso, pode-se sugerir que ambas as infusões exercem um certo efeito residual, porém a adição de lidocaína não prolonga a recuperação quando comparada à infusão de morfina e cetamina.

CONCLUSÃO

Com base no apresentado, conclui-se que a adição de lidocaína no protocolo de analgesia balanceada utilizando morfina e cetamina incrementou a analgesia oferecida por esses fármacos, diminuindo, assim, o número de resgates analgésicos transoperatórios, a dose total de fentanil e a probabilidade de os animais necessitarem desse tipo de resgate. Estudos adicionais são necessários para avaliar os efeitos hemodinâmicos da infusão de morfina, lidocaína e cetamina, bem como para verificar uma possível redução do requerimento por parte dessa associação em felinos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2020

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2018
  • Aceito
    06 Maio 2019
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