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A relação das ações preservacionistas na conduta do Ministério Público e da Municipalidade: a gestão do carnaval de Ouro Preto

The relationship of preservationist actions in the conduct of the Public Ministry and the Municipality: the management of the Ouro Preto carnival

RESUMO

Este estudo busca analisar a relação entre a conduta do Ministério Público e da administração municipal no que diz respeito às ações de preservação do patrimônio cultural urbano e edificado frente aos desafios impostos pela realização anual do carnaval na cidade de Ouro Preto, MG. Para tanto, utiliza como pressupostos teóricos o breve estudo das competências de preservação cultural que cabem aos municípios e ao Ministério Público, além de discutir as escassas diretrizes voltadas à realização de eventos em núcleos tombados, e analisa as ações praticadas até o momento por essas instituições na cidade, no que tange à proteção do patrimônio em relação à realização do carnaval. Tais ações estão voltadas singularmente à execução de Termos de Ajustamento de Conduta entre as instituições citadas, bem como à regulamentação municipal e ao contexto de tais práticas, que revelam o papel que cada instituição tem desempenhado na gestão dos impactos relacionados ao evento na cidade. Além disso, este estudo ressalta como o caso avaliado tornou-se paradigmático para que se criassem diretrizes protecionistas para a realização do evento em outras cidades brasileiras, além de refletir sobre as possibilidades, limites e interações interinstitucionais do ponto de vista preservacionista, com o intuito de colaborar para estimular a discussão sobre a realização de eventos em espaços urbanos tombados no debate patrimonial.

PALAVRAS-CHAVE:
Patrimônio cultural; Carnaval; Ouro Preto; Ministério Público; Políticas preservacionistas municipais

ABSTRACT

The present study seeks to analyze the relation between the conduct of the Public Ministry and the Municipal Administration concerning actions to preserve the urban and built cultural heritage in the face of challenges imposed by the annual carnival in Ouro Preto City, MG. To this purpose, it uses as theoretical assumptions the brief study of cultural preservation competencies that are the responsibility of the municipalities and the Public Prosecutor’s office, as well as discussing the limited guidelines aimed at holding events in protected areas and analyzing the actions carried out by these institutions so far in the city concerning the protection of heritage in relation to the realization of its Carnival. Such actions are singularly aimed at the execution of Terms of Conduct Adjustment among the mentioned institutions, as well as the municipal regulation and the context of such practices that reveal the role that each institution has played in the management of impacts related to the event in the city. In addition, the study highlights how the evaluated case has become paradigmatic for creating guidelines for event holding in other Brazilian cities, in addition to reflecting on interinstitutional possibilities and limits from a preservationist point of view, collaborating to stimulate discussion about the holding of events in urban spaces that are listed in the heritage debate.

KEYWORDS:
Cultural heritage; Carnival; Ouro Preto; Public Ministry; Municipal preservationist policies

INTRODUÇÃO

A realização do carnaval no Brasil gera uma série de consequências para o espaço urbano e, em cidades com núcleos tombados, essas implicações têm relação direta com a degradação do seu patrimônio cultural edificado. A festa concentra multidões de pessoas, e conta com a instalação de estruturas de palco, som e demais engenhos relacionados, oferecendo riscos às estruturas edificadas - ao causar fortes vibrações. Para além disso, há a ameaça de colisões em função do excesso de veículos no trânsito, além da provocação de riscos de incêndio e casos de vandalismo. A despeito da situação apontada, o fomento de políticas públicas municipais relativas ao tema não tem sido pauta do poder público, e nem tem tido respaldo das demais esferas de poder, e muito pouco em normas administrativas de órgãos patrimoniais no Brasil.

Nesse sentido, as ações do Ministério Público (MP) têm tomado certo protagonismo na questão ao longo dos últimos anos, especialmente na cidade de Ouro Preto (MG), uma vez que tem atuado de forma incisiva nas ações de proteção ao patrimônio. Tombada em nível nacional desde 1938 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e reconhecida desde 1980 como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), nas últimas décadas, a cidade vem sofrendo de forma mais intensificada com os riscos à preservação de seu patrimônio cultural urbano, uma vez que tornou-se palco de inúmeros eventos em seu espaço, e o carnaval transfigurou-se numa festividade de grandes proporções.

O presente estudo2 2 Este artigo é uma versão reelaborada do trabalho final apresentado ao curso de Especialização em Gestão e Conservação do Patrimônio Cultural, ministrado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), campus Ouro Preto, sob orientação da professora Maria Cristina Rocha Simão. tem como objeto de análise, portanto, o carnaval da cidade de Ouro Preto, propondo-se a examinar tanto as ações do executivo municipal em prol de medidas preservacionistas durante o evento, quanto do Ministério Público enquanto instituição fiscalizatória. De forma mais específica, o trabalho tem o propósito de analisar os Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) realizados sobre o tema entre essas duas instituições, bem como as ações do executivo municipal, que compreendem, de forma geral, o contexto das ações do poder público acerca da salvaguarda do patrimônio cultural durante o carnaval local. Através da proposição do Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPMG), de 2005 a 2019 foram realizados pelo menos 13 TACs,3 3 É possível que existam mais TACs realizados sobre o tema, mas a análise recaiu sobre aqueles cujo acesso foi viabilizado pelo MPMG. originados a partir da ineficiência de ações judiciais correlatas. Por meio da municipalidade, foi criado um conjunto de normas, bem como alguns estudos e audiências públicas. Isto posto, este estudo busca compreender quais são os alcances, limites e consequências da realização dos Termos de Ajustamento de Conduta quando relacionados à proteção do patrimônio durante o carnaval. Ao analisar a normativa criada pelo executivo municipal, procurou-se compreender também sua eficácia e suas insuficiências.

A primeira parte desse artigo avalia quais são as responsabilidades tanto do MP quanto do executivo municipal no que toca à preservação do patrimônio cultural urbano, dando especial enfoque às obrigações constitucionais e à potencialidade dos instrumentos que podem ser utilizados esse fim. Em seguida, analisa-se a existência de políticas públicas, diretrizes e/ou normativas específicas sobre a gestão do carnaval em núcleos tombados, ponderando sobre as possibilidades de referências existentes acerca do tema. Apresenta-se, então, o estudo de caso específico a respeito do carnaval de Ouro Preto, averiguando de forma pormenorizada as ações do Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPMG) e da prefeitura da cidade nesse ínterim. Por fim, é feito um balanço dessas ações, qualificando os instrumentos utilizados e a postura das instituições citadas com o propósito de compreender suas contribuições e limitações para o fomento de políticas públicas voltadas à preservação durante o evento.

Esta investigação se faz pertinente para uma reflexão mais ampla relativa à questão da gestão urbana do carnaval em núcleos tombados, tema presente no cotidiano de muitas cidades brasileiras, porém ainda ausente dos debates preservacionistas e, portanto, escasso de referências. Assim, para além da reflexão específica sobre a ação institucional no carnaval de Ouro Preto, o estudo objetiva contribuir para projetar percepções alternativas acerca da competência preservacionista, incluindo o Ministério Público como agente interventor nas políticas culturais e analisando a recente interação entre a instituição e a prefeitura sob a ótica patrimonial, além de ponderar sobre os impactos causados por eventos culturais nos espaços urbanos tombados, avaliando a potencialidade de ações preventivas - especialmente no que diz respeito ao carnaval.

ATRIBUIÇÕES DO EXECUTIVO MUNICIPAL E DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM BENEFÍCIO DA PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO

No começo do século XX, a institucionalização da preservação do patrimônio cultural no Brasil se estabeleceu privilegiando o instituto do tombamento, instrumento administrativo que registra bens em livros próprios com o intuito de protegê-los através de restrições oficiais. No entanto, muitas décadas se passaram e a questão preservacionista tornou-se muito mais complexa e cheia de nuances. Apesar do avanço representado pelo tombamento, ele, por si só, não é capaz (e talvez nunca tenha sido), isoladamente, de garantir a preservação cultural. Desta forma, tal instrumento tornou-se ineficaz para dar conta de salvaguardar o amplo espectro daquilo que se entende como patrimônio cultural, especialmente considerando-se a ampliação pela qual passou o seu conceito nas últimas décadas do século XX.4 4 Cf. Castriota (2009). Conforme aprofunda o autor, a ampliação do conceito de patrimônio está intimamente relacionada às noções mais recentes sobre a cultura, refletindo de forma contundente sobre as práticas preservacionistas. Assim, a antiga ideia que selecionava “monumentos históricos” de valor “excepcional” deu lugar à valorização de uma infinita gama de bens culturais. No campo do patrimônio edificado, também houve uma valorização que identifica a relevância de todos períodos históricos e suas manifestações arquitetônicas, sem preterir determinados estilos e épocas a outros. Além disso, deixa-se de considerar apenas bens isolados para se reconhecer entornos e contextos urbanos e paisagísticos como conjuntos a serem conservados. A dimensão imaterial do patrimônio também passou a ser considerada e valorizada, tornando-se alvo de formas específicas de políticas de preservação.

O grande marco legislativo que respaldou novas possibilidades de proteção patrimonial no Brasil foi a Constituição de 1988. Foi ela a balizadora de aspectos essenciais, uma vez estabelecidos, em seus artigos nº 215 e 216, “o conceito, a abrangência, os instrumentos e as responsabilidades pela proteção do patrimônio cultural brasileiro”.5 5 Miranda (2019, p. 96). Desta forma, a própria conceituação estabelecida, enquanto patrimônio “cultural”, (e não histórico e artístico - como ainda faz parte da própria terminologia do IPHAN), advém de uma opção que suscitou ampla discussão nacional e internacional, mas teve especial marco no Brasil mediante promulgação da carta magna, dado que a normativa provocou efeito na regulamentação correlata e nas práticas preservacionistas nacionais a partir de então, potencializando o reconhecimento das mais diversas formas de expressão cultural.

O art. 216 da Constituição determina que a proteção do patrimônio cultural deverá ser realizada pelo Poder Público junto à colaboração da comunidade, reiterando, entretanto, a responsabilidade gestora por parte da administração pública.6 6 Iphan (c2021). A proteção deveria se dar por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação do bem, e também por meio de outras formas de acautelamento e preservação. Assim, outro papel importante instituído foi o incremento dos instrumentos administrativos para salvaguarda do patrimônio cultural, anteriormente restrito ao ato do tombamento e às desapropriações.7 7 Cf. Brandão (2014).

Para além da extensão de instrumentos preservacionistas, a Constituição Federal também foi responsável por preconizar uma ampla descentralização administrativa em várias vertentes, incluindo então a responsabilidade conjunta de preservação do patrimônio pela federação, estados e municípios. Assim, embora legislações anteriores também tenham incluído a municipalidade na incumbência preservacionista,8 8 Já em 1934 a Constituição mencionou no art. 148: “Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual”. Em 1937, no artigo 134 estabeleceu: “Os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens ou locais particularmente dotados pela natureza, gozam da proteção e dos cuidados especiais da Nação, dos Estados e dos Municípios. Os atentados contra eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional” (BRASIL, 1937). No artigo 175 da Constituição de 1946, é citada de forma geral a responsabilidade pelo “poder público”, o que se repetiu na Constituição de 1967. Cf. Coelho (2013). a carta magna de 1988 foi decisiva na questão.

Essa descentralização possibilita que a municipalidade promova suas próprias políticas públicas de proteção ao patrimônio, que, embora devam estar balizadas pela normatização de outras esferas (quando existentes), pode incluir demandas próprias e peculiaridades regionais e temporais. Nesse sentido, é no nível municipal que as ações preservacionistas podem ter sua maior eficácia, uma vez que os mecanismos de gestão e participação popular estão mais próximos.9 9 Cf. Arroyo (2009). Não obstante, tal aproximação implica a ocorrência de conflitos de interesses, tendo o poder municipal a complexa incumbência de gerenciar incompatibilidades de ideias, definições e ações.10 10 Conforme aponta Cristina Simão, especialmente em locais com áreas urbanas tombadas, a população muitas vezes se sente privada de sua autonomia no que diz respeito à propriedade edificada, cujas regras costumam ser mais restritivas no que tange a inúmeros aspectos urbanos, como parcelamento, edificação e uso do solo. Essa situação fica evidente em sítios urbanos tombados nacionalmente, cuja ausência anterior da responsabilização municipal de preservação cultural delegava exclusivamente ao IPHAN todas as questões preservacionistas, inclusive no que toca à gestão urbana, causando uma inércia do poder público em relação ao tema e uma sobrecarga ao órgão preservacionista nacional. Como afirma a autora: “Certamente, as cidades que convivem rotineiramente com duas ou três instâncias diferenciadas de poder (Município, Estado e/ou União), atuando todas sobre o uso do solo urbano, de forma desarmônica e desarticulada, possuem uma dificuldade maior de entendimento da população quanto aos papéis a serem desempenhados por cada agente e, ainda, de relacionamento entre estes”. Simão (2013, p. 49).

Ao analisar o que nomeia de “cadeia lógica” da gestão do patrimônio cultural, Patrícia Silva sintetiza o papel municipal no fomento de políticas públicas que devem promover a atuação preservacionista. Segundo a autora, a postura da municipalidade diante da preservação cultural deve percorrer os campos da regulação e fontes de recursos (a base), das estruturas e arranjos administrativos (atores), e processos decisórios, monitoramento e controle (desempenho).11 11 Silva (2006). Aqui utiliza-se desse raciocínio como base conceitual para análise, adequando, contudo, alguns quesitos pertinentes ao objeto abordado. Nesse sentido, compreende-se, de forma sintética, que a atuação municipal em prol da elaboração de políticas públicas voltadas ao patrimônio cultural passa pela estruturação apresentada nos parágrafos a seguir.

Na base, o campo da regulação, embora a competência administrativa seja comum entre união, estados e municípios, como afirma José Eduardo Rodrigues ao se referir à ação preservacionista, o município poderá legislar sobre a questão caso haja “interesse local ou ordenamento jurídico insuficiente”.12 12 Rodrigues (2009, p. 32). Por isso, os municípios podem e devem fazê-lo, implementando meios que permitam a ação municipal em prol da preservação cultural.13 13 Nesse contexto é importante lembrar que a ampliação do conceito de patrimônio inclui a paisagem e a cidade como um todo no entendimento atual que o patrimônio cultural não é composto apenas por bens tombados isolados no espaço, mas fazem parte de um conjunto que engloba a dinâmica urbana, mesmo nas cidades onde não há núcleos urbanos tombados. Destarte, ao estar intimamente relacionada à gestão da preservação, a gestão urbana deve ser pilar da execução das políticas municipais de preservação. Conforme afirma Cristina Simão, “A preservação cultural configura-se como mais uma das questões urbanas a ser planejada, inserida no contexto de todo o complexo que é a cidade”. Simão, op. cit., p. 90. Assim, o Estatuto da Cidade foi de extrema relevância, ao criar diretrizes para a gestão urbana e incentivando a criação de instrumentos urbanísticos para regulação da cidade, bem como em prol da preservação cultural por meio da gestão urbana. Dessa forma, a elaboração de planos diretores que incluam a questão do patrimônio cultural e possibilitem a utilização dos instrumentos voltados para tal, torna-se uma aliada à função municipal de se responsabilizar pela proteção de seu patrimônio de forma mais justa e sustentável através de legislação própria. Para além de incentivar ações preservacionistas, a legislação específica deve prever suas fontes de recursos orçamentários, podendo criar fundos específicos, como fundos Municipais de Cultura e leis municipais de incentivo cultural. As prefeituras também podem angariar recursos financeiros por meio de outras fontes, advindos tanto da receita municipal, como, segundo José Rodrigues, de “doações, indenizações resultantes de condenações judiciais, decorrentes de Termos de Ajustamento de Conduta, pagamento de multas administrativas, etc.”.14 14 Rodrigues, op. cit., p. 31. Ademais, os recursos também podem provir de transferências de outras esferas, federais e estaduais.15 15 Destacando-se nesse âmbito os recursos do ICMS - os municípios mineiros deram um grande salto nesse sentido, com a aplicação da Lei Robin Hood e o incentivo do ICMS Patrimônio Cultural. As municipalidades foram incentivadas pelo governo estadual a fomentar uma política específica voltada ao patrimônio cultural, que envolve a criação de leis de tombamento, realização de registros e inventários, planos de salvaguarda, ações de conservação, restauro e educação patrimonial, apoio institucional e financeiro a projetos, o fomento ao aparato institucional local, e um sistema de gestão progressiva com participação popular principalmente por meio da criação de conselhos municipais de patrimônio. Ação pioneira no país, tal operação conta com intensa participação dos municípios mineiros e estimula a gestão de seu patrimônio cultural, junto a uma crescente conscientização sobre o tema por meio da população. Cf. Biondini, Starling e Carsalade (2014). A normatização relativa ao patrimônio do ICMS cultural em Minas Gerais consiste assim num verdadeiro manual de implementação de políticas públicas municipais voltado ao patrimônio, que tem tido sucesso graças à premiação alcançada pelos municípios, que consiste no repasse de receitas estaduais. “Não se pode, contudo, desconsiderar a tensão existente entre essas esferas, especialmente no que tange à obrigatoriedade de enquadramento dos municípios na metodologia proposta e aos valores conceituais do órgão estadual”. Ibid., p. 140. Empréstimos e financiamentos também podem ser utilizados, bem como o estabelecimento de parcerias estatais e com a iniciativa privada. Esse procedimento detém o potencial de assegurar ações de restauro e conservação, além do incremento e da capacitação técnica, bem como procedimentos de fiscalização, intervenções e difusão das informações relativas ao patrimônio.16 16 Cf. Silva, op. cit.

No quesito desempenho, os atores são de fundamental importância no processo decisório das ações patrimoniais locais. É importante, então, que haja a implantação de conselhos municipais de patrimônio, que devem auxiliar na definição de políticas públicas para a área com a participação representativa da sociedade civil, da administração pública e de demais envolvidos na defesa do patrimônio cultural local.17 17 Tal conselho deve ser consultivo e deliberativo, sendo crucial na escolha dos bens a serem tombados e registrados, e na definição de diretrizes e decisões relativas ao tema. Cf. Rodrigues, op. cit. É importante que os conselhos sejam verdadeiramente representativos dos grupos de cidadãos que compõem a dinâmica urbana e se relacionam ao patrimônio local, garantindo a inclusão democrática em decorrência da participação popular - inclusive conforme preconizado pela Constituição de 1988. Além disso, a criação de órgãos municipais específicos é essencial para o cumprimento do papel administrativo, suprindo a demanda de arranjos oficiais próprios voltados ao tema.18 18 Cf. Silva, op. cit. Nesse sentido, a utilização de instrumentos da gestão urbana que respeitem o patrimônio cultural e as boas práticas de urbanismo suscitadas pelo Estatuto da Cidade implicam a criação de secretarias de urbanismo, habitação e patrimônio pela administração municipal, dotadas de pessoal técnico especializado cujas atribuições sejam a orientação técnica e aprovação de projetos, bem como a criação, difusão e alimentação de bancos de dados que possibilitem o bom desempenho em relação à gestão urbana.19 19 Cf. Arroyo, op. cit.

A vigilância - atribuição dada pela Constituição de 1988 como um dos pilares da atuação do poder público na obrigação de proteger o patrimônio cultural - está relacionada ao monitoramento, devendo acompanhar a situação em que se encontram os bens protegidos com o intuito de minimizar possíveis riscos. “Esta competência, que segundo a melhor doutrina, é de natureza administrativa e não legislativa, impõe a todos os entes políticos o dever de exercer o poder de polícia administrativa quanto ao patrimônio cultural”.20 20 Rodrigues, op. cit., p. 32. O monitoramento deve estar direcionado não somente à vigilância do objeto preservado, mas também se associa a avaliações de políticas públicas, de planos e projetos e à fiscalização de sua implementação.21 21 Cf. Silva, op. cit. Em relação à avaliação de planos e projetos, os Conselhos de Patrimônio devem ter seu papel reconhecido como instituições democráticas que podem desempenhar o papel crítico e decisório. Embora a municipalidade tenha papel de destaque nesse trabalho, é importante ressaltar que, principalmente a respeito do monitoramento de planos e projetos municipais, os órgãos preservacionistas devem ser convidados a supervisioná-los, dado que já têm a responsabilidade de atuar nesse âmbito e são dotados de pessoal técnico especializado. O IPHAN e os órgãos patrimoniais estaduais deveriam, inclusive, ser integrados às demais ações preservacionistas da esfera municipal, com o intuito de atuar também no incremento do fomento das políticas públicas preservacionistas. Embora essa seja uma tarefa complexa, a avaliação de planos e projetos se mostra mais viável de ser realizada na prática, não demandando recursos financeiros e humanos extras para sua realização.

Compreendendo também que a vigilância suscita uma espécie de fiscalização em diversos âmbitos, para que essa seja viável, é necessário que existam informações para sua gestão contínua. Conforme afirma Patrícia Silva, a fiscalização é um meio de controle, pressupondo, para seu exercício: “(01) a identificação e o pleno conhecimento do bem cultural, (02) a motivação do ato de fiscalizar - ou seja, a condição de proteção - e (03) a existência e organização de estrutura operacional para tal”.22 22 Ibid., p. 118. Por esse motivo, a centralização de informações a respeito dos patrimônios culturais municipais provenientes de bancos de dados, inventários, registros, vistorias, laudos, além de dados espaciais georreferenciados também deve fazer parte da função da vigilância, ao criar recursos para leitura da condição urbana, dos bens culturais edificados e seus respectivos estados de conservação. Os atores responsáveis pelo gerenciamento de tais informações devem fazer parte do corpo técnico administrativo pertencente às secretarias correlatas sob a administração municipal. De acordo com Patrícia Silva:

[...] será no cotidiano dos órgãos de preservação, em sua rotina de análises e autorizações de intervenção no sítio urbano, que se obtém e se acumula informações sobre o bem protegido, inserindo-as nos procedimentos de vistoria com vistas à concessão de licenças ou acompanhamento daquelas já concedidas.23 23 Ibid.

Em relação às condições para viabilização da vigilância, seu exercício demanda corpo técnico específico, disposto na organização das estruturas administrativas, bem como procedimentos próprios de fiscalização.24 24 Ibid. Dentre os princípios para seu funcionamento, devem estar a definição clara das normas das diretrizes e critérios de intervenção sobre os bens protegidos, a fim de afastar procedimentos com parâmetros subjetivos, que costumam ser limitadores da ação fiscalizadora e da gestão.25 25 Esse tipo de atividade já faz parte da rotina do Iphan especialmente em cidades com núcleos tombados; no entanto, tal ação é marcada pela precariedade de recursos humanos e na maioria das vezes é sufocada pela demanda. Essa situação não tem sido diferente na maioria das prefeituras brasileiras - de forma geral, tais instituições enfrentam inúmeras barreiras para que a fiscalização em relação à preservação cultural seja realizada. Ibid.

Conforme demonstrado, existem inúmeras possibilidades para o desenvolvimento de políticas públicas municipais voltadas à preservação do patrimônio. No entanto, a atuação dos municípios brasileiros ainda é limitada nesse âmbito. Mais de três décadas após a promulgação da Constituição, ainda vive-se a transição do modelo de cultura preservacionista, cuja responsabilidade de tutela deixa de ser exclusividade da União e se expande para estados e municípios, mas ainda conta com a predominância “das dificuldades do poder municipal em conceber, implementar e desenvolver mecanismos de gestão do patrimônio cultural como parte da formulação de suas políticas urbanas”.26 26 Braz (2013, p. 127).

As razões para tal fato englobam vários fatores. Dentre elas, ressalta-se a inércia do Poder Executivo, principalmente em relação às cidades pequenas e médias, no que toca à ação preservacionista. Essas municipalidades também apresentam históricos de dificuldade na implantação de instrumentos de gestão urbana de forma geral, conforme afirma Cristina Simão: “Essas cidades, em sua grande maioria, desconhecem o papel do planejamento em seu cotidiano, trabalhando seu dia-a-dia da maneira que mais lhes é familiar ou que mais lhes é conveniente”.27 27 Simão, op. cit., p. 94. Também de acordo com a autora, a administração municipal “possui hoje poucas condições de assumir o papel fiscalizador e regulador do patrimônio cultural”, devido à sua ação conveniente com inclinações políticas ou circunstancialmente com os interesses locais predominantes. Acrescenta-se sua postura mutante a cada troca de gestão.28 28 Ibid., p. 47. Mesmo quando é possível o desenvolvimento da atividade, surgem outras dificuldades:

[...] a fragmentação dos serviços relacionados à gestão do patrimônio cultural urbano, estando a fiscalização delegada às secretarias de obra ou urbanismo, nem sempre se traduzindo em eficiência. [...] Nestas condições, a fiscalização é deficiente inclusive para o caso de obras novas devidamente aprovadas e detentoras de alvará de construção. No que tange ao patrimônio cultural a fiscalização é totalmente desprovida de qualquer procedimento instituído, guiando-se pela observação dos demais funcionários da prefeitura atentos aos movimentos de andaimes e remoção de entulhos, que acabam por acionar os fiscais da secretaria de obras.29 29 Silva, op. cit., p. 118.

Portanto, tem sido comum a omissão das prefeituras em relação à promoção de políticas públicas voltadas à preservação cultural. Atuando nesse sentido,30 30 Ainda que o presente estudo dê ênfase ao papel do Ministério Público, é preciso ressaltar que a Constituição de 1988 também possibilitou amplo potencial de atuação do poder judiciário no campo da preservação cultural (BRASIL, 1988). Assim, dilatação da responsabilidade preservacionista conjunta entre população e poder público, bem como dos procedimentos de preservação e acautelamento do patrimônio cultural, outorgaram importante função ao judiciário, segundo Brandão (2014, p. 128), ao possibilitar a promoção da “proteção e peculiar situação de risco e fragilidade inerente aos bens culturais” e “ao apreciar as lesões e ameaças ao direito aos bens culturais”, uma vez que seu artigo 216 lhe coloca o papel de apreciar qualquer lesão ou ameaça de direito. “tendo em vista a situação de risco e fragilidade inerente aos bens culturais, a atuação do Judiciário é de fundamental importância, pois, muitas vezes, constitui o único recurso para a defesa do patrimônio cultural”. Ibid., p. 107. Nesse sentido, a ação popular tem sido um importante instrumento utilizado na proteção do patrimônio cultural, em virtude de ser um dispositivo cuja função é proteger e fiscalizar atos ilegais ao patrimônio público, ambiental e cultural. Ibid., p. 110. o Ministério Público tem se tornado ator importante na cena da preservação cultural, uma vez que a instituição opera como fiscalizadora da aplicação das leis e do poder público. Embora integre a estrutura estatal, a instituição tem independência funcional e não pertence aos Três Poderes, garantindo assim sua autonomia de atuação - enfatizando-se, neste estudo, a vigilância a respeito das ações administrativas.31 31 É preciso destacar, no entanto, que a instituição teve suas funções modificadas ao longo do tempo no Brasil, e ora pertenceu ao executivo, ora se inclinou ao judiciário. Atualmente, a partir da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), enquanto estrutura governamental autônoma, estabeleceu-se como o cerne de uma discussão de cunho jurídico/político/filosófico sobre sua constituição enquanto um quarto poder. Embora não haja um consenso sobre o tema, é importante destacar que sua atuação não deve se omitir nem se exceder, (assim como dos demais poderes), integrando parte de um governo que possa ser passível de exame e controle mútuo pelas outras instituições governamentais interdependentes. Cf. Santos (2016). Sendo o patrimônio cultural um campo de ação basilarmente da ação pública, a instituição tem atuado cada vez mais na área, também porque, especialmente a partir da década de 1990, houve uma compreensão legal que o patrimônio cultural faz parte do meio ambiente.32 32 Segundo Miranda (2019, p. 96), “Nesse cenário, sabendo-se que a tutela do meio ambiente (lato sensu) engloba não somente os seus aspectos naturalísticos (água, ar, fauna, flora etc.), mas também os bens integrantes do meio ambiente urbanístico e do meio ambiente cultural, a partir da década de 1990, a defesa do patrimônio cultural no Brasil passou a constar dos melhores manuais de Direito Ambiental, ocupando capítulos próprios, conquanto, em geral, sintéticos.” e acrescenta: “ante a necessidade do estudo específico sobre um domínio antes pouco explorado, surgiu o Direito do Patrimônio Cultural brasileiro, que pode ser considerado como um ramo especializado do Direito Ambiental, que busca o conhecimento sistematizado e a correta aplicação das normas e princípios que disciplinam a proteção, preservação e gestão dos bens culturais em nosso país”. Ibid., p. 97. De maneira similar, o MP também tem tido um exercício no campo da preservação cultural, para além do papel de fiscalizador público enquanto defensor do patrimônio público e dos direitos coletivos.33 33 Cf. Brandão, op. cit. e Miranda (2012). Na qualidade de fiscalizador público, adquiriu potencial de vigilância nas esferas federal, estadual e municipal especialmente a partir da ação descentralizadora de 1988. Dessa forma, cabe ao MP exigir dos gestores públicos a correta observação à Constituição, ação que é feita pela instituição através de sua atuação nacional, por meio do MPF e por meio dos estados e municípios, contando com suas ramificações estaduais e suas respectivas promotorias sediadas nos municípios brasileiros.

Por conseguinte, os Ministérios Públicos Estaduais (MPE) têm sido fomentadores determinantes no processo de vigilância da municipalidade em relação ao seu patrimônio cultural, investigando, identificando e notificando os responsáveis sobre lacunas na ação preservacionista municipal e crimes contra o patrimônio cultural. Há de se destacar, sobretudo, dois pontos importantes sobre tal atuação: primeiro, a observação de que suas ações no campo do patrimônio cultural são recentes se comparadas às ações do executivo nacional em prol da mesma causa, que datam do início do século XX no Brasil. Desta forma, as ações preservacionistas do Parquet merecem maior atenção dentro do campo acadêmico patrimonial, acrescentando sua intervenção ao debate da atividade pública no âmbito cultural de forma a se compreender as possibilidades de atuação da instituição nas ações dessa natureza. Outra questão que vem à tona é da descentralização federativa preservacionista, que é tão recente quanto as atribuições de tutela preservacionista do Ministério Público. Assim, a interação direta entre município e o Ministério Público, em especial no que se refere à proteção do patrimônio cultural, é uma espécie de processo incipiente no histórico da área patrimonial, antes dominado pela ação administrativa com predominância no âmbito nacional através da ação do IPHAN e de órgãos patrimoniais estaduais.

Diversos instrumentos têm sido empregados pelo MP para atuar na vertente patrimonial, sendo as Ações Civis Públicas as do campo judicial,34 34 Embora a Ação Civil Pública seja aqui citada como instrumento usado no campo patrimonial, é relevante apontar que o instrumento tem sido usado nas mais diversas áreas, e foi responsável por ampliar significativamente a ação do Ministério Público no Brasil, a partir da Lei 7.347/1985, atribuindo à instituição a defesa dos interesses difusos e coletivos, uma vez que até então, a instituição atuava predominantemente na área criminal, com atuação restrita na área cível. Cf. MPU (c2021). aplicadas em diversos casos do contexto preservacionista, como nas situações de reparação de danos causados ao patrimônio. Destaca-se, porém, sua função preventiva, que na esfera preservacionista é de extrema relevância, uma vez que a deterioração causada pode ser irreversível, como afirma Marcos Miranda:

Com efeito, o princípio da prevenção é norteador da tutela do patrimônio cultural e diz respeito à absoluta prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento ou continuidade de ilícitos ou danos, de modo a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar negativamente a sua qualidade, pois diante da pouca valia da mera reparação, sempre incerta e, quando possível, na maioria das vezes excessivamente onerosa, a prevenção de danos ao patrimônio cultural é a melhor, quando não a única solução ante a dificuldade de retornar ao status quo ante bens dotados de especial valor, representando sua degradação ou desaparecimento, um empobrecimento do patrimônio de toda a humanidade.35 35 Miranda (2019, p. 108).

Portanto, sendo a Ação Civil Pública o instrumento utilizado quando há a necessidade de o Ministério Público recorrer ao judiciário, ela tem sido largamente utilizada para os casos em que há omissão do Poder Executivo, sendo o município, em muitos casos, condenado judicialmente a reparar danos ou atuar preventivamente. No entanto, é na esfera extrajudicial que o MP tem obtido maior eficácia no intuito de garantir a proteção aos interesses coletivos, incluindo a proteção do patrimônio cultural, auxiliando tanto na restauração de bens culturais quanto na prevenção de danos, fruto de sua eficiência, sua celeridade e seu potencial de resolução.36 36 Cf. Ferreira (2010), Miranda (2012). “Na esfera extrajudicial trabalha-se com o consenso, contando o Ministério Público com a boa vontade do responsável para o cumprimento voluntário das obrigações, o que passa a inexistir quando do ajuizamento de demanda perante o Poder Judiciário”.37 37 Ferreira (2010, p. 67). Há de se destacar que tal atuação, independentemente de homologação judicial, confere grande autonomia ao MP, ampliando o território do exercício da instituição para além da prática forense acusatória e investigativa, instituindo uma relação direta com a instituição governamental cujas ações serão fiscalizadas, com grande aptidão para garantir a efetividade da ação proposta, evitando a delonga da intervenção judiciária. Para tanto, os instrumentos utilizados pelo MP são os Inquéritos Civis, as Recomendações e o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC).

Os inquéritos civis, enquanto dispositivos investigatórios, arrecadam informações necessárias para esclarecer acontecimentos específicos e proceder com as medidas cabíveis. As recomendações exortam ou advertem aqueles que agem ou se omitem em relação a problemas que se incluem na defesa do MP, e, no caso de não cumprimento, o destinatário pode eventualmente se tornar réu em ações cíveis ou criminais.38 38 Cf. Miranda (2012). Já o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC)39 39 O Termo de Ajustamento de Conduta foi dispositivo criado em 1990, através do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e pouco depois incorporado ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). A despeito de ser citado nesse trabalho como instrumento utilizado pelo MP, não se trata de recurso de atribuição exclusiva do Parquet, mas pode ser utilizado por diversos órgãos públicos, como a Defensoria Pública, a União, Estados, Municípios, e as diversas autarquias e fundações públicas. Cf. Costa (2014). tem uma natureza de acordo entre o MP e o poder público ou particular, com obrigações negociadas entre as partes atendendo a prazos para seu cumprimento, “dispensando homologação judicial para ter força executiva em caso de descumprimento”:40 40 Ibid.

Por se tratar de uma alternativa à judicialização do conflito, o TAC constitui-se em título executivo e deve contemplar todos os aspectos que seriam deduzidos em eventual ação civil pública, abrangendo a imposição de obrigações de fazer ou não fazer, bem como a condenação em dinheiro nos casos de impossibilidade de recomposição do bem lesado. Deve-se prever, também, as medidas coercitivas (ex: multa diária, embargo de atividades etc.) para o caso de descumprimento das obrigações assumidas.41 41 Miranda, op. cit., p. 5.

Enquanto potencial de prevenção de danos, os TACs e as recomendações têm especial efetividade quando aplicados a situações efêmeras (como eventos) uma vez que, ao anteceder possíveis ameaças, garantem que os agentes cabíveis à proteção do patrimônio ajam de fato em prol de sua salvaguarda de forma a minimizar seus riscos de deterioração ou mesmo de destruição patrimonial. Enquanto instrumento de negociação, a realização de TACs demanda um diálogo entre os entes envolvidos, invocados pelo Ministério Público e, nesse sentido, ressalta-se o poder de escolha da instituição, que seleciona aqueles que julga sujeitos importantes no processo de proteção ao patrimônio. Há de se considerar, também, algumas especificidades do instrumento:

Mas o chamado TAC - Termo de Ajustamento de Conduta é meio excepcional de transação, somente cabível nos casos expressamente autorizados pela lei, com o intuito de permitir ao potencial agressor de direitos difusos, coletivos ou transindividuais de atender e se adequar ao interesse tutelado, tão somente em situações de nebuloso desenho normativo ou que demande contornos a serem melhor definidos. Com certeza, não é raro que existam casos em que nem sempre a legislação tem a completa previsibilidade de todos os pormenores e da dinâmica própria das práticas comerciais ou contratuais relativas aos interesses difusos e ou coletivos, difíceis na maioria das vezes de manejo na sua tutela judicial e complexa ou quase impossível de efetivação.42 42 Costa (2014). Acrescenta o autor: “Por isso, acredito que o instrumento deva sofrer alguma evolução no sentido de controle, talvez com a implementação de requisito de validade consistente, por exemplo, da aprovação dos TACs, mesmo aqueles propostos pelo Ministério Público ou outras entidades legitimadas, pelo Chefe do Ministério Público - Federal ou Estadual - ainda que por Procurador ou Grupo especialmente designado por portaria ou resolução para esse fim específico, conferindo maior segurança da conveniência e conformidade do acordo. Infelizmente, acordos sempre podem abrir margem para as especulações das mais variadas e o poder de firmá-los deve ser submetido a regime estrito de controle no momento da sua formação e conclusão, sem embargo do sempre possível controle jurisdicional em caso de provocação. Sem dúvida, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.

Essa falta de desenho normativo apontada por Leonel Costa aplica-se de forma apropriada à algumas lacunas da alçada preservacionista, e talvez explique o motivo pelo qual as ações do Ministério Público em relação ao patrimônio cultural têm sido feitas tendo como referência conceitual não somente a legislação correlata, mas também as Cartas Patrimoniais. Documentos criados principalmente como conclusão de discussões especializadas em eventos, essas cartas são tradicionalmente consensos - por vezes no âmbito internacional - sobre como atuar na salvaguarda patrimonial, utilizadas pelos profissionais da área, que acumulam o conhecimento da experiência prática de diversos contextos temporais e territoriais aliados às teorias de conservação e restauro. Embora tais teorias provenham de teóricos específicos, as cartas, enquanto forma de junção de ideias de determinado tempo e lugar, conseguem se atualizar com maior rapidez e abarcar a multiplicidade da questão patrimonial, cada vez mais diversa e complexa, além de tentar traduzir, de forma ampla, as ideias conceituais e recomendar com mais clareza as “boas” práticas de preservação cultural. É importante notar também, como ressalta Beatriz Kühl, que as cartas não são normativas e “suas indicações devem ser reinterpretadas e aprofundadas para as diversas realidades culturais de cada país, e ser, ou não, absorvidas em suas propostas legislativas”.43 43 Kühl (2010, p. 289). Embora as cartas sejam majoritariamente produzidas por instituições relacionadas diretamente à proteção do patrimônio cultural, em Minas Gerais, o próprio Ministério Público do estado44 44 Cf. MPMG (c2021). tem criado suas próprias cartas relacionadas ao tema, frutos de encontros da área sobre a questão.45 45 Dentre elas, destaca-se a Carta de Ouro Preto, de 2009, cujo conteúdo recomenda a utilização dessas cartas como referência específica para realização de Termos de Ajustamento de Conduta. Carta de Ouro Preto (2009). Enquanto o MP afirma ter as cartas como referência em suas condutas, não parece que o mesmo ocorre no poder público municipal.

Considerando as dificuldades das prefeituras em desempenhar seu papel preservacionista conforme relatado, o quadro atual demonstra uma intensa atuação do MP no combate à omissão do executivo municipal no seu dever de defender os direitos do cidadão ao auxiliar a preservação do patrimônio cultural. São inúmeros os casos em que a instituição chega, inclusive, a orientar as prefeituras quanto às ações a serem instituídas em prol da preservação do seu patrimônio, uma vez constatada a ausência de políticas públicas próprias para tanto. Como exemplo, temos o caso do município de Taquara, no Rio Grande do Sul, cuja ação do MP culminou num acordo por meio do TAC que previa uma série de ações administrativas visando resguardar o patrimônio cultural local, conforme relatou a promotora do Ministério Público, Ximena Cardozo Ferreira:

A análise de tais casos concretos revela o problema macro: a completa ausência de política pública local destinada à preservação do patrimônio cultural. Houvesse qualquer espécie de planejamento público, certamente o Ministério Público não teria necessidade de enfrentamento pontual de tantas questões. Ocorre que, ante a omissão estatal na formulação e implementação de políticas públicas nessa seara, os problemas tópicos se avolumam, num crescente perigo de perda do patrimônio cultural existente. Na tentativa de equacionar tal deficiência, propôs o Ministério Público à Administração Municipal, no ano de 2004, compromisso de ajustamento de conduta que constituía, em realidade, verdadeira formatação de política pública municipal relativa à proteção do patrimônio cultural. Por esse compromisso, o Município de Taquara assumiu as obrigações de (a) proceder ao inventário dos bens culturais existentes, buscando a cooperação técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul - IPHAE [sic]; (b) abster-se de conceder autorização para a demolição ou alteração de bens inventariados sem prévia consulta ao IPHAE [sic], devendo manter, para tanto, integração permanente entre os órgãos municipais relativos à cultura e às obras ou planejamento; (c) desenvolver periodicamente campanhas e promoções voltadas à educação patrimonial, de forma a orientar a população para a conservação dos bens culturais existentes no âmbito municipal; (d) incluir, quando da elaboração do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual, rubricas destinadas à conservação dos bens culturais existentes no Município de Taquara, atento ao princípio da prevenção de danos; e também de (e) priorizar, na instalação de órgãos públicos municipais, prédios considerados de valor histórico, arquitetônico ou cultural, observados os princípios da economicidade, da razoabilidade e também os regentes da Administração Pública insertos no caput do art. 37 da Constituição Federal.46 46 Ferreira (2010, p. 73).

O caso relatado é emblemático. Ainda que o Poder Executivo tenha o dever de fomentar políticas públicas preservacionistas, conforme já mencionado, a questão caminha a passos lentos - salvo exceções - em relação às municipalidades. Por outro lado, vemos uma atuação intensa do Ministério Público, ao denunciar ameaças e cobrar da administração pública o desempenho de seu papel de proteção do patrimônio cultural. Sendo complementares, não se confundem, portanto, o papel administrativo e o do Ministério Público. Enquanto as prefeituras têm o dever de fomentar políticas públicas preservacionistas - o que inclui propor legislação própria, engendrar fundos para tal, fomentar o conselho de patrimônio, prover condições de trabalho e pessoal no âmbito gestor, estimular o monitoramento por meio da fiscalização contínua, dentre outros procedimentos que compõem o conjunto de ações administrativas a favor da preservação cultural, o MP atua especialmente no amparo à vigilância, atuando nos casos em que há risco ou dano ao patrimônio cultural.

EVENTOS CULTURAIS E O CARNAVAL EM NÚCLEOS TOMBADOS

A questão do turismo relacionado ao patrimônio cultural começou a ser debatida especialmente a partir dos anos 1960, culminando na elaboração de Cartas Patrimoniais que passaram a incentivar o turismo como mola propulsora de desenvolvimento e, posteriormente, alertando para as ameaças que tal atividade poderia apresentar.47 47 No âmbito internacional, muitos desses debates ocorriam nos seminários da UNESCO. Inicialmente, as cartas posicionavam o turismo como forma educativa no sentido de incentivar a preservação por meio do reconhecimento do patrimônio - como apontou pioneiramente a Recomendação de Nova Délhi (1956). Em seguida, passa a predominar a ideia associativa entre patrimônio cultural e desenvolvimento econômico, como foi o caso das Normas de Quito, que efetivamente conecta a ideia da preservação ao desenvolvimento econômico, mais especificamente da América Latina. Segundo Köhler, essa tendência culminou na elaboração de documentos que inicialmente só ressaltavam os aspectos positivos do turismo, especialmente em núcleos urbanos tombados dos países subdesenvolvidos e, já a partir da década de 1970, com publicação do Manifesto de Amsterdã (1975) e da Recomendação de Nairóbi (1976), a atividade turística começa a ser vista de forma ambivalente - como algo benéfico, ao promover o patrimônio cultural, e, ao mesmo tempo em algo que poderia se estabelecer como ameaça a sua própria preservação, podendo promover “a perda de traços característicos locais”. Köhler (2019, p. 1). Pode-se destacar dois documentos cuja atenção é direcionada especificamente ao impacto do turismo em núcleos tombados, criando diretrizes para atuação na área. Elaboradas pelo comitê científico do Conselho Internacional de Monumento e Sítios (ICOMOS), as duas cartas citadas ainda são referência na atualidade: a “Carta do turismo cultural”,48 48 Esse documento apontou que o turismo é algo presente e irreversível no cotidiano global, portanto, afirmou a necessidade de se achar meios de se lidar com atividade e, ao ressaltar os efeitos positivos que tal atividade poderia ter, exortou sobre seus riscos, que poderiam causar “efeitos negativos, nocivos e destrutivos” ao patrimônio cultural. Nesse sentido, preconizou que fossem desenvolvidas regras e a elaboração de uma “política dirigida”, por meio da iniciativa de regiões, estados e municípios, anunciando também a necessidade de uma formação multidisciplinar para aqueles que lidam com o tema. Como afirma Celia Yáñez, essa Carta trouxe questões à frente de seu tempo, uma vez que tentava compreender as consequências de um turismo de massa ainda incipiente até então, advertindo sobre aspectos “éticos, sociais e econômicos da atividade, sendo a sua posição absolutamente fundamental e vigente na problemática turística atual”. Yáñez (2019, p. 74). de 1976, e sua versão atualizada, a “Carta internacional do turismo cultural”,49 49 Essa tornou-se uma espécie de versão atualizada da carta anterior. Estabelecida a partir de termos e conceitos mais contemporâneos, mencionou a criação de planos de gestão do patrimônio com avaliação contínua, além do incentivo a políticas, estratégias, planejamentos e programas específicos que incluam a participação de todos os atores envolvidos, bem como o estabelecimento de “limites aceitáveis” para uso do turismo, tendo em vista seus impactos nas mais diversas áreas. Também citou em especial o intercâmbio cultural que a atividade turística deve proporcionar, devendo ser também um meio de conscientização, incentivando “programas de ação” que valorizem a autenticidade “de modo a favorecer a compreensão e a apreciação deste património cultural” apontando, de forma mais específica, a criação de guias turísticos informativos locais, no entendimento que o patrimônio só é preservado quando há reconhecimento. ICOMOS (1999, p. 4). O documento indica também o reconhecimento de conflitos advindos da atividade turística, clamando para que a gestão preservacionista atue sobre a questão com procedimentos claros e de intervenção duradoura. Segundo Celia Yáñez, tal abordagem “holística”, em conjunto com a menção à inclusão das comunidades locais no debate, planejamento e participação na questão foi sua grande contribuição, “o que nunca havia sido abordado com tanta profundidade até então e tampouco foi totalmente alcançado ou implementado nos dias atuais”. Yáñez, op. cit., p. 75. de 1999). Ambos os documentos divulgam orientações gerais sobre a gestão da preservação em face do turismo, mas poderiam se aplicar, de forma mais específica, à questão dos eventos em núcleos tombados. Além disso, as cartas apontam orientações contemporâneas de gestão, aliadas ao entendimento da questão preservacionista considerando o cotidiano das populações autóctones. Embora ofereçam diretrizes gerais, ressaltam conceitos importantes e recomendam a execução de políticas de planejamento na área com o envolvimento da população, poder público e demais atores, prevendo também ações educativas e o monitoramento da questão por intermédio de avaliações frequentes dos projetos e ações relacionadas - medidas que têm grande potencial de serem adotadas pelos municípios, prevendo minimizar os impactos de determinadas atividades em núcleos tombados. No entanto, conforme afirma Celia Yáñez, a despeito da publicação desses documentos, a preservação de locais que se tornaram foco de turismo cultural é ainda complicada:

Apesar da vigência de princípios e conceitos tão importantes quanto os divulgados nessas duas cartas, a relação entre a proteção do patrimônio e o impacto do turismo no bem-estar dos povos e no desenvolvimento sustentável é hoje muito contraditória. Embora, quando administrado adequadamente, o setor colabore para a conservação dos monumentos e a economia dos locais de acolhimento, a escalada do segmento cultural banalizou e modificou as pautas de sua fruição, tornada consumo, não só empobrecendo a qualidade de vida e a identificação com o legado de muitas comunidades anfitriãs, mas também consagrando sua função econômica em detrimento de sua capacidade para responder às necessidades imateriais de beleza, harmonia e cultura, que só podem ser satisfeitas quando os bens culturais e naturais são visitados em condições apropriadas.50 50 Yáñez, op. cit., p. 76.

Os problemas apontados tornam-se ainda mais intensos quando relacionados à realização de eventos culturais nesses locais. Os impactos da concretização de eventos de grande porte em locais com sítios ou bens edificados tombados é um problema para o qual ainda pouco é dada a devida atenção - seja pelos órgãos patrimoniais, seja pelas administrações municipais. Acrescenta-se a superposição da omissão para os casos em que tais bens são tombados em nível estadual ou federal, implicando um histórico de lacunas da ação pública preventiva também nessas esferas.

Tratando-se do Carnaval em núcleos tombados, a realização desse tipo de evento demanda fundamentalmente ação pública em sua gestão e, de forma especial, atinge as municipalidades, que são as gestoras primordiais do evento. A festa transfigura-se em uma questão singular, que envolve não só a prática do turismo, mas também uma relação intensa com os moradores locais, uma demanda temporária por infraestrutura urbana específica e um risco altíssimo de deterioração ou mesmo destruição do patrimônio cultural durante as comemorações, que duram em média sete dias. Portanto, a gestão da preservação cultural nas cidades patrimonializadas também está relacionada à gestão de seus eventos culturais, como o carnaval, uma vez que nesses locais, o evento tem como suporte físico o próprio sítio histórico local.

No entanto, há de se notar que o território carnavalesco nos sítios históricos se corporifica não somente por meio da estrutura física, mas também resultante da integração entre a fruição da festa em si e do patrimônio paisagístico, urbano e edificado, dado que os festejos, em geral, são realizados nas ruas. Outrossim, a imaterialidade da festa se associa à materialidade do legado patrimonial,51 51 Em algumas localidades brasileiras, a própria festividade foi reconhecida como patrimônio imaterial em nível estadual, como no caso dos carnavais de Olinda, em Pernambuco, Maragogipe na Bahia e das “Práticas Carnavalescas do Estado de São Paulo”. Cf. Pernambuco (2009), Ipac (c2021), São Paulo (2021). Assim, a festividade em si também passou a ser valorizada em sua imaterialidade por sua relevância cultural, incrementando dispositivos de preservação no âmbito de natureza intangível. Ressalta-se que, embora o aspecto intangível seja essencialmente valorizado pelo patrimônio imaterial, o mesmo costuma estar vinculado a elementos materiais, como objetos, paisagens e territórios, como é o caso da festa do carnaval realizada em núcleos patrimonializados, cujo aspecto cultural se estende para a carga cultural do próprio ambiente onde ocorre o evento. Tal simultaneidade, que une duas faces (material e imaterial) sob o mesmo evento, ainda recebe pouca atenção e merece ser amplamente estudada e debatida pelos setores ligados à preservação cultural, de forma que possibilitem a criação de mecanismos de proteção mútua; considerando também que durante o carnaval, a coexistência do patrimônio cultural material e imaterial, tombados/registrados ou não, faz parte da valorização da festa como um todo, demandando um cuidado rigoroso não só com a preservação de elementos físicos, mas também com a proteção de expressões culturais intangíveis. Sem retirar a importância da discussão sobre o tema acima mencionado, o presente artigo discorre, no entanto, essencialmente dos impactos da festa sobre os bens materiais, em especial os bens edificados e espaços urbanos. com potencialidade latente de fortalecer o sentimento de pertencimento da comunidade local, além de tornar-se um duplo atrativo para o turismo, uma vez que, para além do evento, as cidades são também parte da atração. “Realizar o carnaval fora do perímetro do sítio histórico implicaria em descaracterizar o evento, tornando-o, inclusive, menos atrativo para o turista, que busca as singularidades locais”.52 52 Harchambois; Pontual (2007, p. 17). Não obstante, deve-se reiterar que o cenário atual ainda aponta para a carência de políticas públicas sobre o tema, e, por consequência, resulta na ausência de um aparato regulamentador em todas as esferas de poder e na falta de planejamento e monitoramento específico e eficaz para uma festa de extrema relevância como é o carnaval no Brasil, especialmente em núcleos tombados.

No país, o carnaval estabeleceu-se como uma das mais importantes manifestações culturais. Embora o evento ocorra anualmente em diversas cidades brasileiras, em algumas - e especialmente nas últimas décadas - ele deixou de ser espontâneo para se transformar em festas com grandes produções, megaestruturas e afluxo repentino de turistas para determinados destinos em voga. Aliado à produção midiática e mercadológica, o carnaval brasileiro se desenvolveu, nas últimas décadas, em parceria com o sucesso do marketing dos desfiles das escolas de samba e dos trios elétricos, modelo que se repete país afora.53 53 Cf. Dias (2002). Conforme já discutido, nas cidades com núcleos tombados essa dinâmica do evento pode gerar um incremento nas economias locais, mas, por outro lado, o carnaval compreende características que podem contribuir para a deterioração do patrimônio urbano e edificado caso não sejam tomados os devidos cuidados.

Nesse sentido, é preciso destacar que a realização do carnaval nas cidades acarreta um repentino influxo de visitantes e, portanto, para suportar a demanda criada pelo evento, é necessário o engendramento de infraestrutura urbana para tal, de modo a atender tanto aos turistas que ali se hospedam como aos próprios moradores, que não podem ficar desamparados durante a festividade. A questão da quantidade de pessoas que chegam para o evento na cidade é, portanto, condição primordial para pensar sua gestão e, assim, o monitoramento da hospedagem, bem como a avaliação de suas condições, é essencial para que as medidas cabíveis sejam tomadas no planejamento e na gestão da festa. Os serviços básicos, como o fornecimento de água, luz, iluminação das ruas, limpeza urbana e recolhimento de lixo, bem como a segurança de forma geral, ainda precisam ser garantidos, considerando o acréscimo na quantidade de pessoas na cidade durante o período. Impõe-se também o controle do trânsito, em especial do transporte público, de modo a assegurar a fluidez da mobilidade e minimizar os riscos de acidentes para todos. Ademais, a passagem de blocos carnavalescos, além da montagem de estruturas de shows - que implicam grande fluxo e concentração de pessoas em determinados locais durante a festa - devem asseverar a diligência do controle de trajetos coletivos, a organização da localização de palcos e estruturas relacionadas, a instalação de banheiros químicos, as medidas de prevenção a incêndios, a adequação das redes elétricas, o monitoramento da segurança via policiamento e a limpeza e reparação das ruas no pós-festa.

Embora as providências mencionadas sejam questões habituais da gestão urbana, essas ocorrências têm especial impacto em núcleos tombados, uma vez que se tornam ameaças ao patrimônio edificado. Portanto, para além da demanda urbana mencionada, enfatiza-se a proteção patrimonial nesses locais, dado que a infraestrutura desses eventos deve zelar pela proteção de seus bens - que envolve as próprias ruas, o casario, as igrejas, as fontes, as estátuas, os cemitérios etc. Por conseguinte, para adaptar-se à proteção do patrimônio, devem estar previstas ações que adequem a execução das festividades de forma a minimizar os riscos iminentes, conforme descrito a seguir.

A proteção física dos bens patrimoniais deve ser promovida, uma vez que estruturas temporárias podem alterar a percepção estética local ou mesmo deixar prejuízos permanentes, mesmo após sua retirada. A própria aglomeração de pessoas já acentua o risco do excesso de carga nas ruas, que causam vibrações que podem desestabilizar fisicamente o patrimônio edificado, suscitando então a necessidade do monitoramento da emissão de ruídos, na tentativa de reduzir a trepidação nas estruturas edificadas, ou mesmo de ações descentralizadoras, de forma que pulverizem grandes concentrações. A quantidade excessiva de veículos nas ruas também eleva os riscos de colisões em bens tombados, sendo, portanto, primordial o controle do trânsito com especial atenção aos veículos pesados. Para além disso, sendo o carnaval um momento festivo que conta com atitudes fortuitas, há a possibilidade de casos de vandalismo, intercorrendo, eventualmente, em perdas irreparáveis ao patrimônio cultural.54 54 Existem inúmeros exemplos da situação, amplamente noticiados pela mídia. Um deles é o ocorrido no carnaval do ano de 2012 em Ouro Preto, quando uma cruz em cantaria do século XIX foi quebrada em função da ação de três turistas, que subiram sobre a cruz para tirar fotos, durante a passagem de um bloco. Cf. Cruz do séc. XIX... (2012); Bragon (2012). Também podem decorrer fatos como incêndios, que podem danificar ou mesmo destruir o patrimônio edificado, provocados por gambiarras nas redes elétricas ou mesmo pelo hábito carnavalesco de jogar serpentinas e confetes para o alto, que podem cair nos fios de alta tensão. Em suma, existem inúmeras situações singulares que devem ser avaliadas a fim de elaborar ações de natureza preventiva para proteger o patrimônio durante a realização do evento.

Ainda são pouquíssimos os exemplos de normas que orientam esses procedimentos durante festividades em núcleos tombados. Em relação aos órgãos patrimoniais, no âmbito nacional, o IPHAN não tem regras específicas para realização de eventos, mas regulamentou, por intermédio de uma Portaria publicada em 2010, a necessidade de aprovação da instituição para realização de intervenções tanto em bens edificados tombados quanto em seu entorno, incluindo então dois itens relativos a eventos: instalações provisórias e a colocação de equipamento publicitário ou sinalização. A norma especifica quais informações são necessárias para tal avaliação, não estabelecendo, no entanto, parâmetros específicos para a análise. De forma genérica, a Portaria nº 420/2010 indica alguns princípios a serem levados em conta no diagnóstico, como a prevenção à degradação, perda física ou de autenticidade; o planejamento, a proporcionalidade, fiscalização e informação.55 55 Brasil (2010b). De forma mais particular, o IPHAN atua, eventualmente, em ações de proteção, solicitando, por exemplo, a colocação de tapumes nos bens imóveis durante a realização de festividades, sem regulamentação própria para tal.56 56 Conforme noticiado para o caso de Olinda, em 2007, quando o Iphan indicou distâncias mínimas entre os “monumentos” [sic] e as estruturas como palcos e trios elétricos, caixas de som, arquibancadas e barracas, e solicitou à prefeitura a colocação de tapumes para protegê-los. Cf. Iphan e prefeituras... (2007). Na cidade de Ouro Preto, o órgão também tem a prerrogativa de avaliar a questão estética das estruturas temporárias, tendo para tanto uma regra própria para aprovação, publicada na Portaria nº 312/2010.57 57 Cf. Brasil (2010a). Essa portaria não é, no entanto, voltada exclusivamente para o carnaval, e está inserida numa regulamentação de amplitude maior. O Iphan lançou essa normativa específica com a intenção de criar critérios claros para intervenções nas áreas inclusas no perímetro tombado de Ouro Preto. Nela, ao mencionar “os engenhos e/ou Veículos de Publicidade e Propaganda e da Sinalização Pública e Propaganda”, a instituição determina que esses artefatos voltados para eventos devem seguir critérios estéticos próprios indicados e devem ser retiradas em seguida a sua realização, além de requerer avaliação prévia da prefeitura e posteriormente do Iphan. Portanto, a norma atua em dois sentidos: por um lado, busca a prevenção de poluição visual da paisagem urbana, e por outro, procura minimizar possíveis impactos após retirada das estruturas temporárias. Não houve, entretanto, a criação de parâmetros de análise, recaindo sobre as avaliações, portanto, a experiência da prática cotidiana dos técnicos da instituição.58 58 Cf. Macieira (2021).

Já na esfera estadual, em Minas Gerais, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA) passou a atuar mais incisivamente a partir de 2012, quando começou a avaliar a viabilidade e as condições dos eventos em áreas ou bens tombados ou inventariados - em nível estadual - frente aos impactos que eles poderiam causar ao patrimônio cultural edificado. O procedimento foi regulamentado com a publicação da Portaria nº 14/2012 e atualizado em 2020, passando a constar uma apreciação mais detalhada que instituía o julgamento do impacto físico e estético às estruturas temporárias, bem como a recomendação de “ações de promoção e da preservação do patrimônio cultural e, mais especificamente, do bem protegido associado ao evento”.59 59 Cf. Iepha (2012, 2020). Embora a normativa estabeleça avanço na questão, a instituição continua sem critérios claros de avaliação e a aplicação da norma acaba restrita a áreas e bens tombados em nível estadual. Portanto, o órgão segue utilizando critérios empíricos e criando orientações específicas para cada caso analisado.60 60 Por meio dessa avaliação, o Iepha analisou 235 eventos em 2016, sendo 221 somente para Belo Horizonte. Em 2017, das 255 análises, 228 também foram para Belo Horizonte. Esse número caiu consideravelmente nos anos posteriores, tendo sido realizadas 212 análises em 2018, 146 em 2019, e apenas 19 em 2020, sendo o baixo número do último ano referente à diminuição de realização de eventos em geral, em função da ocorrência da pandemia de covid-19. Cf. Iepha (2021). A instituição também lançou, em 2014, em parceria com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), algumas diretrizes estaduais para a realização do evento, ponderando de forma mais específica sobre aspectos essenciais do carnaval, como a limpeza, segurança, prevenção a incêndios, emissão de ruídos, instalações provisórias e policiamento, além da indicação às prefeituras que orientem trajetos de trios e carros alegóricos e que órgãos preservacionistas avaliem a possibilidade de instalação de equipamentos. Nomeadas de “Mandamentos da folia”, essas recomendações não detêm caráter normativo, mas foram amplamente divulgadas pela mídia e enviadas anualmente às prefeituras mineiras com bens tombados em nível estadual a partir de 2014. Questão de suma importância para esse trabalho, impera que as recomendações sejam citadas na íntegra:

MANDAMENTOS DA FOLIA

1) A instalação de barracas, palcos, arquibancadas, caixas de som, telões e equipamentos em geral deve guardar distância dos bens culturais e da rede elétrica

2) O órgão de proteção do patrimônio cultural deve ser previamente consultado antes da instalação de equipamentos

3) Após o carnaval, o local em que ocorrem as festividades deve retornar à situação original, com limpeza, retirada de faixas, cartazes, enfeites etc.

4) As prefeituras, Cemig e Corpo de Bombeiros devem fiscalizar as instalações elétricas e uso de materiais inflamáveis, como botijões de gás e fogos de artifício

5) O Corpo de Bombeiros deve aprovar o local em que se concentrarão as atividades carnavalescas

6) A emissão de ruídos deve estar de acordo com os níveis e horários considerados adequados e aceitáveis pela legislação

7) Deverá haver policiamento ostensivo, contínuo e permanente durante todo tempo das festividades

8) Deverá haver banheiros públicos suficientes, instalados em locais adequados e afastados das fachadas dos imóveis e monumentos culturais

9) As prefeituras deverão orientar os trajetos dos trios elétricos e carros alegóricos para que não provoquem danos ao patrimônio ou exponham a segurança dos foliões

10) As prefeituras devem advertir os foliões para que não lancem ou acionem serpentinas, confetes, balões, foguetes, rojões e outros adereços em direção à rede elétrica.61 61 Werneck (2014).

É importante lembrar que essas recomendações foram feitas em parceria com o MPMG, ou seja, embora tenham sido aqui apresentadas como uma ação do executivo, os mandamentos são orientações extrajudiciais, não incorrendo em punição caso não sejam cumpridos. No entanto, essas diretrizes continuam sendo um dos pouquíssimos exemplos de orientação às municipalidades em decorrência do carnaval em núcleos tombados, continuando ainda hoje a nortear tal tipo de ação, sendo enviadas às prefeituras mineiras anualmente pelo IEPHA e/ou MPMG no período que antecede o carnaval.

Segundo a promotora de justiça do MPMG, Giselle Ribeiro de Oliveira, as orientações “têm surtido ótimos efeitos”: “A maioria dos municípios acata as recomendações e se organiza para proporcionar os festejos de forma segura para as pessoas e patrimônio cultural. O MPMG verificou uma diminuição no número de incidentes referentes ao patrimônio cultural ao longo dos anos”.62 62 MP DIVULGA recomendações... (2018).

Nesse sentido, é preciso ressaltar que não só em Minas, mas outras unidades dos Ministérios Públicos Estaduais brasileiros têm atuado na criação de instruções para a realização do carnaval em todo o país, fazendo uso dos instrumentos das recomendações e dos TACs para orientar a realização do evento em algumas cidades, avaliando as condições ambientais e a qualidade de vida da população durante a festa. Em alguns casos, as instituições apontam para a questão preservacionista, utilizando critérios semelhantes aos acima citados para a conduta das municipalidades em prol da preservação cultural durante o evento.63 63 Embora sejam muitos exemplos, a título de amostra pode-se citar o caso de Salvador (BA), local que abriga grande acervo do patrimônio cultural reconhecido nacional e internacionalmente, e realiza uma das maiores festas de carnaval do país; cujas recomendações de 2017 são praticamente iguais aos “Mandamentos da Folia” de 2014, podendo esse último ter sido, provavelmente, referência para a publicação das demais diretrizes. Cf. MPBA (2017). Como exemplo de TAC direcionado à realização do evento, há o caso da cidade de Marechal Deodoro, no estado de Alagoas, cuja efetuação do compromisso em 2019 versou sobre os diversos aspectos da festa. Embora o documento não tenha sido direcionado especificamente à proteção do patrimônio cultural, menciona em uma de suas cláusulas a questão do ordenamento do trânsito, incluindo a proibição de caixas acústicas do tipo paredão [sic] dentro do “sítio histórico” do município, conforme determinação do escritório técnico local do Iphan. É relevante notar que, nesse caso, o acordo não foi firmado apenas entre o MP e o município, tendo também como signatários representantes de secretarias do executivo (das secretarias de meio ambiente, de cultura, e preservação do patrimônio histórico, de transportes e trânsito), do conselho tutelar, da polícia civil e militar. Cf. MPAL (2019).

No nível municipal, podemos destacar ações isoladas. Há, por exemplo, o caso de Olinda, em Pernambuco, cujo conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico foi tombado em 1968 pelo IPHAN, e a cidade declarada patrimônio histórico e cultural da humanidade pela UNESCO em 1982. Dessa forma, convivem durante seu carnaval as diversas facetas de seu patrimônio material e imaterial, reconhecidos em diversos níveis, uma vez que, para além da própria festa reconhecida como patrimônio imaterial estadual, algumas de suas manifestações culturais carnavalescas são também reconhecidas individualmente como patrimônio imaterial.64 64 Nesse âmbito está o Frevo, registrado em nível nacional em 2007, pelo Iphan, e em nível internacional em 2012 pela Unesco. Iphan (c2021). Além disso, são registrados pelo Iphan o Maracatu Nação e o Maracatu de Baque Solto, expressões artísticas populares de Pernambuco que, embora não se manifestem somente durante o carnaval, tem no período da festa um de seus grandes momentos expressivos. Iphan (c2021). Na cidade, a prefeitura sancionou em 2001 uma lei própria, conhecida como “Lei do Carnaval”,65 65 Cf. Olinda (2001). com o intuito de regulamentar procedimentos relativos à gestão urbana durante o evento, bem como a própria manifestação festiva e seus impactos na cidade, considerando também a proteção ao seu patrimônio cultural edificado. Dentre o conjunto de normas, a lei confere grande importância à participação popular66 66 Ao prever a criação de uma Comissão Permanente do Carnaval, com a participação de diversos grupos representativos da sociedade local, indicar a inclusão da comunidade por meio da participação das entidades representativas das agremiações carnavalescas na elaboração do projeto do carnaval, além de incentivar a manifestação da cultura local autêntica por meio do incentivo à decoração das ruas pelos moradores. Também prevê apoio às agremiações comunitárias, de forma que aconteçam nas ruas do núcleo “histórico”, “consideradas como passarelas naturais”; na preferência da contratação de bandas, conjuntos de frevo e orquestras locais “que priorizem a execução do frevo pernambucano”, recomenda a realização de audiência pública para apresentação de relatórios relativos à festa. Essas ações tem conexão com a ponderação sobre os impactos do evento sobre a qualidade de vida da população local e sua relação com o patrimônio cultural, com entendimento que a festividade poderia contribuir para seu enfraquecimento. Cf. Harchambois e Pontual (2007). incentivando a inclusão democrática no processo de planejamento e o fomento do sentimento de pertencimento local. Ela também prevê ações relacionadas ao suprimento de infraestrutura (instalação de sanitários públicos e sanitários químicos volantes, iluminação das ruas da passarela natural), procedimentos de segurança (prevenção de incêndio e “montagem de esquema especial de proteção para o perímetro do carnaval e para o município em geral”), medidas de organização do trânsito (bloqueio de áreas para acesso de veículos e ordenamento do trânsito ), providências de limpeza (remoção do lixo, limpeza e lavagem das ruas no perímetro do carnaval) e de segurança ao patrimônio (com proibição de focos de animação não oficiais e a utilização de equipamentos de sonorização acima dos limites estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, no perímetro da passarela).67 67 Ibid.

A maioria das cidades com núcleos tombados, no entanto, continua a gerenciar seus eventos por meio da experiência prática, contando eventualmente com orientações vagas dos órgãos patrimoniais ou mais específicas dos MPEs. Embora exista um aparato de orientações e diretrizes voltadas à gestão urbana relacionada à preservação cultural, em relação às festas e eventos urbanos, existem pouquíssimos preceitos específicos alusivos. Ou seja, mesmo que a realização de eventos seja algo corriqueiro nas cidades, ainda é preciso que as municipalidades definam seu próprio caminho de posturas de gestão preventiva de danos. Porém, em núcleos tombados, a questão se torna mais complexa, ao demandar, para além da proteção dos moradores e turistas, a salvaguarda do patrimônio edificado. É uma demanda considerável no Brasil, se analisarmos a quantidade de cidades que realizam o evento em seu espaço, especialmente as cidades com áreas tombadas, que além de ter que lidar com o afluxo repentino de pessoas e a ocupação de espaços públicos por multidões, criando suas demandas temporais, ainda tem que resguardar seu patrimônio cultural, sendo o carnaval um evento que representa iminente risco à preservação.

A GESTÃO DOS IMPACTOS DO CARNAVAL EM OURO PRETO

A cidade de Ouro Preto conta, em seu calendário, com inúmeros eventos que ocorrem na área tombada. Tratando-se de cidade interiorana e com fortes raízes religiosas, as celebrações católicas são cerimônias solenes tradicionais que também se tornaram alvo do turismo.68 68 Tendo como um de seus expoentes as celebrações da Semana Santa, que faz parte do calendário da cidade desde o século XVIII. Durante essa época, os moradores enfeitam as janelas com colchas de renda e as ruas com serragem colorida, formando tapetes com motivos religiosos por toda a cidade onde passa a tradicional Procissão da Ressurreição no Domingo de Páscoa. A procissão costuma contar com a população local e com afluxo significativo de visitantes, tornando-se época importante para o setor turístico. Além dessas festividades, a cidade conta com outros grandes eventos anuais, como o Festival de Inverno69 69 Evento anual durante o mês de julho na cidade, o Festival de Inverno conta com manifestações e atividades culturais e artísticas, atraindo um público de turistas, intelectuais e artistas de todo o país, movimentando significativamente a cidade. e a Festa do Doze,70 70 Trata-se de comemoração anual do aniversário da Escola de Minas, pertencente à Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que ocorre sempre no dia 12 de outubro. O evento promove o encontro entre alunos e ex-alunos da instituição, com festas especialmente dentro das repúblicas estudantis, mas a partir das décadas de 80 e 90, tornou-se atrativo também para turistas, ganhando maiores proporções. Cf. Sayegh (2009). além de outros esporádicos que são atualmente parte do repertório de festas urbanas; todos esses eventos geram impactos e riscos significativos ao seu patrimônio cultural edificado.

Em relação ao carnaval, embora Ouro Preto sustentasse o evento em sua forma simples e tradicional, semelhante ao carnaval de muitas cidades do interior do país, a partir dos anos 1990, acompanhando a tendência de massificação do carnaval em todo o país, a festividade obteve novos contornos que implicaram um grande aporte de visitantes. Essa questão se deve, dentre outros fatores, ao crescimento do turismo e à mercantilização das festas populares brasileiras. No entanto, no caso de Ouro Preto, há um fator de peso nessa equação: por ser também uma cidade universitária, abrigo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), a cidade conta com inúmeras repúblicas estudantis que passaram a encabeçar um movimento de blocos carnavalescos cada vez maiores e mais profissionalizados. Com o crescimento desses blocos “estudantis”, associado ao incremento do turismo local, Ouro Preto passou a ser destaque na mídia nacional e grande atrativo durante o carnaval, apontada como um dos maiores destinos interioranos em época de carnaval no país. Estima-se que, a partir da década de 1990, a cidade tenha passado a receber 10.000 foliões durante a época de carnaval e, só no ano de 2019, contou com 45.000 foliões de fora - valor correspondente à quase dois terços da população local no momento.71 71 Cf. Rocha (2019) e Sayegh (2009).

Durante esses momentos festivos, as repúblicas estudantis - que em boa parte estão estabelecidas em casarões do século XVIII e XIX - também hospedam turistas, atividade controversa que inclusive gerou ações do MP a partir dos anos 2000, relacionados tanto ao desvio de finalidade de imóveis públicos (no caso das repúblicas federais)72 72 As chamadas repúblicas federais são as casas utilizadas para moradia de estudantes universitários, tratando-se, nesse caso, de imóveis pertencentes à instituição e, portanto, à União. Já as repúblicas particulares são casas privadas, alugadas e rateadas pelos estudantes. Em Ouro Preto, as repúblicas estudantis também fazem parte do cotidiano e mesmo da história da cidade desde a criação da universidade, com tradições próprias influenciadas pelas repúblicas estudantis de Coimbra, em Portugal. Cf. Sayegh, op. cit. para realização de festas privadas e hospedagem paga de grande número de pessoas,73 73 Não raro, a associação comercial local costumava alegar concorrência desleal com as repúblicas estudantis em termos de hospedagem, uma vez que não pagavam taxas e não tinham responsabilidade sobre a segurança dos hóspedes e demais obrigações que oneram o setor - provável motivo que incentivou posteriormente a criação de taxas específicas para tal. Ibid. quanto a respeito da perturbação do sossego e depredação do patrimônio - incluindo-se, nesse caso, as repúblicas particulares. Do ponto de vista da preservação do patrimônio cultural edificado, a utilização dos casarões enquanto repúblicas estudantis é um dos fatores responsáveis por garantir a variedade e intensidade de utilização, e, portanto, a vitalidade74 74 Segundo reflexão suscitada por Jane Jacobs, em sua obra referencial na qual discute os fatores de vitalidade urbana. Jacobs (2000). A questão da forma e intensidade de uso dos chamados “centros históricos” também tem sido pauta para a discussão preservacionista urbana há algumas décadas (AZEVEDO, 1974). do chamado “centro histórico” local.75 75 Cf. Sayegh, op. cit. Por outro lado, o uso abusivo e incompatível com a finalidade residencial do imóvel, ocasionado pelo acúmulo de pessoas hospedadas durante as festividades, cria situações de intensas ameaças à salvaguarda patrimonial, ao aumentar o risco de incêndio e de vandalismo e ao promover excesso de carga e de vibração, deixando as edificações vulneráveis à alterações irreversíveis de suas condições.76 76 Para além da questão da preservação, a hospedagem e realização de festas em repúblicas sempre suscitou conflitos com a comunidade local, principalmente em função do barulho, do vandalismo e da desordem deixada na cidade no pós-festa. Essas questões se intensificam durante a realização de grandes eventos, como o carnaval, dando início, a partir dos anos 2000, a um amplo debate acerca do tema por meio de audiências públicas agenciadas pelo legislativo municipal. Ibid.

A despeito do iminente risco que o carnaval manifestava à salvaguarda do patrimônio edificado, até a década de 1990 não existia planejamento do poder público para receber o evento e minimizar os impactos relacionados. Em 1999, momento em que o carnaval de Ouro Preto tomava grandes proporções e gerava impactos crescentes às mais diversas áreas, o Ministério Público de Minas Gerais propôs uma Ação Civil Pública ao município. Embora a denúncia mencionasse outras variáveis de degradação ambiental, como a ocupação desordenada de encostas e o tráfego intenso de veículos no centro histórico, ela apontava principalmente para a “ação de pessoas que em multidão acorrem a cidade especialmente nos períodos de festas populares”.77 77 MPMG (2009a, p. 33-34). Mas especificamente, a instituição ressaltou o “uso indiscriminado de aparelhos sonoros, às constantes interdições de ruas e praças para eventos os mais variados possíveis”, que, além de perturbar o sossego dos moradores, causaria a piora das condições ambientais locais, a degradação ao patrimônio cultural e a consequente piora na qualidade de vida dos cidadãos. Por meio da ação, a instituição solicitou um estudo de impacto ambiental do uso de veículos no centro da cidade durante festividades populares como exigência para que fossem realizados esses eventos.78 78 Ibid. A condenação do município, em 2001, condicionou a colocação de som à garantias de segurança - e apenas em locais determinados em função da concentração de pessoas e seus impactos ao patrimônio edificado -, assim como o desimpedimento de vias de acesso, colocação de hidrantes e exigência da vistoria do corpo de bombeiros antecedendo o evento. Embora essas medidas buscassem promover a segurança humana, também se encarregaram de minimizar as ameaças ao patrimônio cultural edificado, também alvo da denúncia. No entanto, o pedido da realização de estudo de impacto ambiental especificamente para o carnaval foi indeferido, tendo se arrastado por recursos judiciais em anos posteriores.

O processo judicial citado não foi o único, entretanto, em que o município de Ouro Preto foi denunciado pelo MP em função do carnaval. Em 2004, a instituição propôs nova Ação Civil Pública por improbidade administrativa79 79 Nesse caso a ação recaiu pessoalmente sobre a ex-prefeita Marisa Maria Xavier Sans, à frente da administração municipal durante os anos de 2001-2004. Cf. Minas Gerais (2008). sob o argumento do Poder Executivo ter desrespeitado a decisão judicial anterior, colocando aparelhos de som nos locais proibidos pela referida decisão e fixando tapumes que teriam retirado a visibilidade dos prédios históricos, além de ter promovido o evento sem prévia autorização do IPHAN.80 80 Ibid. A acusação culminou em condenação de pagamento de multa em primeira instância, mas houve recurso, com o argumento de

[...] que a construção de tapumes de proteção de monumentos históricos, sem fixar um prego sequer em tais monumentos, não modifica ou altera sua estrutura ou aparência; que, em todas as festividades carnavalescas, as proteções são feitas, todas sem autorização do IPHAN, eis que não se promovem alterações e nem modificações em prédios e nem em monumentos; que não há prova de que tenha destruído, modificado ou mutilado a coisa tombada, inocorrendo ofensa aos arts. 17 e 18 do Decreto-Lei nº 25/37”.81 81 Ibid.

Esse trâmite demonstra uma situação controversa, que talvez tenha consubstanciado uma das poucas iniciativas do executivo municipal com o intuito de proteger o patrimônio edificado durante o carnaval a partir da colocação de tapumes como obstáculo à colisões. A interpretação da ação pelo MP, no entanto, circundou a questão da “visibilidade dos prédios históricos” [sic], tendo como referência o Decreto-lei nº 25/1937 que regulamenta o ato do tombamento, cujo artigo 17 menciona: “As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas [...]”.82 82 Brasil (1937). Outra questão suscitada foi a realização da festividade sem autorização do IPHAN, que, todavia, não tinha nenhuma normativa correlata.83 83 Restringindo-se posteriormente, em 2010, a regulamentar a questão estética dos engenhos feitos para a festa, conforme mencionado em tópico anterior. O processo foi encerrado, no entanto, sem condenação, com o entendimento de que os tapumes não haviam prejudicado a visibilidade e nem alterado as características físicas dos bens que foram destinados a proteger.84 84 Interessante notar que, a partir de 2005, a prefeitura continuou a realizar a ação de proteger os transeuntes e patrimônio durante o carnaval, colocando tapumes em pontes, estátuas, fontes, imóveis e ruas. Tal ação culminou, inclusive, na criação de um projeto específico para tal na mesma época, em parceria com a Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP). Tal projeto, chamado Tapume+Arte, tornou-se uma forma de intervenção urbana, por meio da pintura artística desses tapumes como ação voluntária durante o carnaval, atividade que se estendeu à atualidade. FAOP... (2014). A despeito do fluxo da ação, essa situação demonstra também a ineficiência de processos judiciais quando o assunto é o risco ao patrimônio, uma vez que o trâmite do processo não impede que o bem possa passar por outros processos de ameaças e degeneração, tornando a demora da ação em curso um verdadeiro obstáculo para a preservação do patrimônio cultural - especialmente ao se tratar de eventos que demandam uma ação prioritariamente preventiva.

A partir de então, o município começou a se empenhar de forma incipiente nos assuntos relativos ao carnaval e seus impactos. Apesar da insuficiência do alcance das ações judiciais, elas muito provavelmente contribuíram para o direcionamento de olhares para a questão. Assim, em 2001, a câmara municipal de Ouro Preto propôs um seminário para discutir o carnaval a ser realizado no ano seguinte85 85 Cf. Ouro Preto (2001). e, já em 2004, a prefeitura lançou um decreto sobre a regulamentação do carnaval e a concessão do “alvará especial” para o evento - que se trata de documento especifico para permissão de funcionamento do comércio do ramo de bares lanchonetes e afins, bem como barracas e carros direcionados a essas atividades durante a festividade.86 86 Para aquisição de tal permissão, a prefeitura determinou número limitado e estruturas específicas de barracas disponibilizadas pela instituição. Como regras, os beneficiários, selecionados por sorteio, não poderiam alterar suas condições, e teriam que submeter às regras da vigilância sanitária, além de obter laudo permissivo do corpo de bombeiros. A prefeitura também exigiu que as instalações elétricas estivessem “em perfeito estado de conservação”. Ouro Preto (2004). Mas, embora a lei mencionasse a regulamentação do carnaval, ela somente ajustava as regras para o funcionamento do comércio temporário por meio do alvará especial, não se consolidando, portanto, como uma normativa que trata de outros aspectos da festa. Essas medidas passaram a ser repetidas com frequência, refazendo a regulamentação do carnaval e a exigência do alvará especial anualmente e de forma muito semelhante em quase todos os anos posteriores.87 87 Com exceção dos anos de 2005, 2016 e 2021, desde 2004 a prefeitura lança decretos anuais que “regulamenta o carnaval e os critérios de concessão de alvará especial”.

Foi especialmente a partir de 2005, com a mudança de gestão da prefeitura em conjunto com a atuação do MPMG, que os rumos do carnaval tomaram caminhos mais incisivos sobre a salvaguarda do patrimônio. Nesse ano, o MPMG decidiu agir com instrumentos extrajudiciais direcionados à questão, instituindo apuração preliminar para reunir as informações a respeito da organização municipal do carnaval, bem como restrições ao evento para garantir a segurança da população e do patrimônio histórico. Essas informações foram requisitadas à prefeitura, ao IPHAN e ao corpo de bombeiros.88 88 Cf. MPMG (2009a). Por meio da prefeitura, a nova equipe administrativa criou uma comissão específica para organização do carnaval de 2005, que, por sua vez, solicitou orientação ao MPMG a respeito das informações sobre as restrições ao carnaval.89 89 Ibid. Esse pedido administrativo revela a sujeição municipal ao MP, justificada, nesse momento, pelas sucessivas ações correlatas a que a prefeitura foi submetida, acrescentada do desconhecimento sobre a questão pela nova gestão. Essas interlocuções impulsionaram a realização do primeiro Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o município e o MPMG, visando estabelecer regras para a realização do carnaval daquele ano, considerando a segurança da população e também a proteção ao patrimônio cultural edificado.

O TAC de 2005 foi feito com base na sentença condenatória do município referente ao processo judicial iniciado em 1999. Suas considerações iniciais citam a antiga sentença e suas cláusulas abordam os compromissos assumidos pela prefeitura.90 90 TAC (2005). Dentre eles estão a elaboração de um projeto para o carnaval, reafirmando os termos da sentença, definindo a localização da aparelhagem de som, a avaliação e aprovação, pelo Corpo de Bombeiros, das condições de realização do evento, além da exigência de realização da festa mediante elaboração de um estudo do impacto das festividades nas edificações por meio da medição dos ruídos, que seria utilizado como referência para as futuras festividades - pedido que não havia sido atendido anteriormente por meio do processo judicial. O relatório dessa medição apresentou, no entanto, a conclusão que os níveis vibratórios não eram tão fortes a ponto de causar danos nas estruturas.91 91 Porém, ao analisá-lo, o Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do MPMG solicitou um monitoramento mais específico em locais de grandes concentrações de blocos nos anos seguintes. Cf. MPMG (2009a). Estabelecendo-se como o primeiro TAC local sobre o tema, esse documento foi concebido de forma mais geral, atendo-se a poucos aspectos para além da sentença judicial.92 92 Cf. Gonzaga (2018).

O resultado da medição realizada pode ter influenciado uma grande mudança ocorrida no carnaval daquele ano - a criação do Espaço Folia. Trata-se da utilização de um amplo espaço aberto de estacionamento, relativamente afastado das ladeiras setecentistas e pertencente à UFOP, para realização da festa de carnaval por alguns blocos privados, organizados pelas repúblicas estudantis. Essa ação ocorreu com o apoio da prefeitura, mas por iniciativa dos próprios organizadores de blocos em conjunto com uma empresa privada de organização de eventos. Assim, a concentração dos maiores blocos estudantis, com percursos que antes lotavam as ruas setecentistas, passou a ocorrer de forma fixa neste espaço a partir de então, tornando-se um grande marco de ação descentralizadora do evento. O fato também possibilitou o aumento de foliões nos blocos estudantis ouropretanos, pois, além de viabilizar um grande espaço para concentração de blocos, contou com ampla publicidade.93 93 Cf. MPMG (2009a). Posteriormente, a prefeitura avaliou que a utilização desse espaço desafogou o trânsito e reduziu consideravelmente o número de ocorrências policiais durante o evento, uma vez que deslocou a concentração de pessoas para longe da passagem de outros blocos carnavalescos, esvaziando espaços importantes da cidade, como a Praça Tiradentes e Rua Direita, que acumulavam multidões mesmo fora do horário da passagem de blocos.94 94 Ibid.

Para realização do carnaval de 2006 foi realizado novo TAC, que, para além das mesmas responsabilidades estabelecidas no acordo anterior, determinou que a Prefeitura Municipal se comprometesse a realizar novamente um estudo de impacto na região específica de maior concentração de pessoas durante o evento.95 95 Ibid. O estudo, entretanto, acabou sendo feito somente no ano de 2009, pois essa questão se arrastou judicialmente desde a primeira Ação Civil Pública.96 96 A prefeitura alegou que, sendo a área a ser analisada um local com predomínio de repúblicas estudantis da UFOP, a responsabilidade deveria recair também sobre tal instituição. Ibid. Nesse mesmo ano, o Poder Executivo municipal publicou duas leis alusivas: a primeira, Lei nº 185/2006, passou a exigir dos blocos com mais de 2.000 pessoas a concessão de um alvará específico, que obrigava a realização de um estudo de impacto ambiental, bem como apresentação do Termo de Ajustamento de Conduta realizado entre a prefeitura e o MP - documentos que deveriam ser protocolados junto à Secretaria Municipal97 97 Cf. Ouro Preto (2006). de Cultura e Patrimônio.98 98 A exigência da prefeitura também demonstra a mudança de estrutura organizacional da gestão assumida em 2005 que, nesse momento, havia criado novo órgão interno, a Secretaria Municipal de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano, que aliava a administração das questões preservacionistas à gestão urbana, estabelecendo com o Iphan um trabalho conjunto de regulação urbana dando destaque à proteção ao patrimônio cultural edificado. Ouro Preto (2006d), Silva (2006), Teixeira (2015). Esse fato demonstra o intuito da instituição de melhorar a gerência de riscos do evento por meio da responsabilização conjunta dos organizadores de grandes blocos carnavalescos, da ciência dos termos da condenação do município e dos impactos que a atividade causava, de forma que deveriam agir para minimizá-los. Também em 2006, a prefeitura criou uma nova modalidade de permissão para funcionamento de diversas atividades durante o evento, o chamado “alvará provisório”, por meio da Lei nº 216/2006.99 99 Cf. Ouro Preto (2006c). Esse alvará era destinado a estabelecimentos comerciais, industriais ou de prestação de serviços, mas tinha a finalidade de atuar principalmente sobre as atividades de hospedagem das repúblicas durante o carnaval - que, em muitos casos fazem “pacotes” unindo a hospedagem e a participação nos blocos com abadás próprios.100 100 A concessão desse alvará pela prefeitura às repúblicas foi, inclusive, alvo de ampla investigação do MP, uma vez que, tratando-se de imóveis da união, não era permitido que houvesse ali atividades comerciais ou realização de prestação de serviços. MPMG (2004a; 2009c; 2009d). Durante esse trâmite, as repúblicas chegaram a ser proibidas de realizarem festas que incluíam pacotes de hospedagens e participação nos blocos carnavalescos Cf. Costa (2009). A questão tem sido acompanhada por mais de 10 anos pelo Ministério Público federal e estadual, e as repúblicas seguem realizando as festividades com apoio da universidade, sob avaliação de prestação de contas, com a argumentação que o lucro gerado por tais atividades não serve ao enriquecimento pessoal, mas à manutenção e conservação dos imóveis. Alguns Inquéritos Civis, TACs e Recomendações foram elaborados sobre o tema, incentivando fiscalização in loco dessas atividades pela própria universidade durante grandes eventos, como o carnaval e, embora não seja a preocupação principal dessas ações a salvaguarda do patrimônio cultural, e sim do patrimônio público, ainda sim, essas tem sido ações paralelas que auxiliam na prevenção de riscos à preservação do acervo urbano e edificado. Brasil (2016), MPF (2019). Para realização da atividade a partir de então, as repúblicas deveriam apresentar101 101 Além de certidões negativas de débito federal, estadual e municipal e assinatura do Termo de Compromisso de cumprimento da Lei Estadual nº 14.130/2001, que trata da prevenção a incêndios. medidas de combate a incêndio mediante apresentação de projeto junto ao Corpo de Bombeiros.102 102 Cf. Ouro Preto (2006c).

Nesse ínterim, foram realizados também os TACs de 2007 e 2009, que continuaram a tatear a questão da realização do estudo de vibrações.103 103 A tratativa dessa questão foi o motivo pelo qual não se realizou TAC em 2008. Cf. MPMG (2009a). Após concluído, muitas de suas ponderações acabaram se tornando referência para realização dos novos termos sobre o tema na cidade.104 104 Cf. Gonzaga (2018). O resultado constatou que os valores das vibrações só estavam ligeiramente acima do aceitável em um local específico em função da diminuição da duração dos desfiles de blocos naquele ano e, atestou os efeitos positivos do deslocamento do eixo de concentração de foliões provocado pela utilização do Espaço Folia. A conclusão do estudo, inclusive, recomendou a continuação de utilização do espaço durante o carnaval,105 105 Cf. MPMG, op. cit. corroborou também que o maior índice de vibrações provinha dos desfiles de grandes blocos e recomendou monitoramentos posteriores. Assim, os TACs de 2007 e 2009 incluíram uma cláusula afirmando que a prefeitura deveria proibir a concessão de alvará a blocos carnavalescos com mais de 2.000 pessoas.106 106 Id., 2009b. Essa questão acabou por ser incorporada à ação municipal por meio regulamentador, que em 2009 revogou a Lei nº 185/2006, deixando de solicitar o estudo de impacto aos grandes blocos para então agir de forma mais restritiva, conforme recomendação do MP, passando a proibir a instituição de blocos com mais de 2.000 pessoas mediante a Lei nº 521/2009.107 107 A Lei nº 521/2009 exigiu, para o caso daqueles blocos que desfilariam no espaço da cidade, a definição prévia de trajetos e horários. Para o caso de espaços fechados, a lei determinou alguns critérios de prevenção ao risco de incêndio, bem como a limpeza do espaço e arredores, medidas de segurança, ações de destinação do lixo, e a proibição da propaganda de empresas patrocinadoras por meio de banners e outdoors, prevendo também o pagamento “a moradores que Residem em um raio de 100 m da concentração do bloco e que apresentam recomendação médica ajuda de custo no valor de 2000 PMs destinadas a permitir eles providenciar alternativa de hospedagem.” Ouro Preto (2009c).

Os TACs de 2007 e 2009 também criaram novas providências em função do resultado dos estudos, solicitando o desligamento de aparelhagem de som nas ruas após a passagem de blocos e obrigando a realização de vistoria prévia das estruturas montadas para o evento pelo Corpo de Bombeiros. Outra exigência importante incluída foi relativa à fiscalização do cumprimento do acordo, que também seria feita pelos bombeiros e pela polícia civil de Minas Gerais.108 108 Cf. MPMG (2009a). Além disso, o TAC de 2009 também proibiu a utilização de banners e outdoors na cidade para divulgação do evento.109 109 Com exceção do material “oficial” do carnaval, que ainda assim deveria passar por autorização do Iphan (MACIEIRA, 2021).

No ano seguinte, a realização de novo Termo de Ajustamento de Conduta, em 2010, trouxe uma série de medidas específicas a serem adotadas para preservação do patrimônio durante a realização das festividades carnavalescas:

O compromissário compromete-se a adotar todas as medidas administrativas tendentes a prevenir e/ou minimizar/mitigar impactos ao núcleo histórico tombado e ao entorno de bens culturais protegidos durante as festividades carnavalescas de 2010 e, em especial, assegurar:

1. a eventual instalação de barracas, palcos e equipamentos em geral, observando-se uma distância mínima - proporcional ao potencial de risco - dos bens culturais protegidos;

2. prévia autorização pelo órgão competente e o regresso ao status quo ante das ruas, logradouros públicos, praças e bens eventualmente impactados pelas estruturas necessárias à realização das festividades, inclusive mediante a fixação de faixas e cartazes.

3. o licenciamento e fiscalização pelos órgãos competentes das instalações elétricas e da utilização de materiais inflamáveis;

4. emissão de ruídos em níveis considerados adequados e aceitáveis pela legislação vigente;

5. policiamento ostensivo contínuo e permanente durante todo o período das festividades;

6. fiscalização e controle pelo poder público municipal quando da instalação de barracas, tendas, construções de madeira e lonas, etc;

7. ausência de danos aos bens protegidos quando da instalação ou remoção de objetos de decoração, enfeites, adornos, etc eventualmente fixados; e

8. a eventual a instalação de banheiros químicos em locais adequados e distantes das fachadas dos imóveis e monumentos tombados.110 110 TAC (2010).

Essas recomendações se repetiram ano a ano em todos os TACs posteriores, consolidando-se como cláusula imprescindível nos documentos firmados para os carnavais seguintes. O conjunto de medidas compreende uma síntese de boa parte dos problemas suscitados durante o carnaval com foco na salvaguarda patrimonial. Embora a maioria delas indique ações imprescindíveis, como policiamento e fiscalização, algumas que exigem o afastamento de instalações dos bens culturais, mostram-se inviáveis na prática, uma vez que o carnaval ocorre nas ruas e em meio de edificações antigas. De forma geral, tais providências podem ter grande êxito na prevenção à degradação do patrimônio edificado não somente durante o carnaval, mas também podem ser efetivas para a preservação no decurso de eventos de outras naturezas e em outras cidades.

As recomendações feitas para Ouro Preto foram muito provavelmente referência para criação das diretrizes correlatas (os já mencionados “Mandamentos da Folia”, adotadas pelo IEPHA em parceria com o MPMG), tornando-se parâmetro para a realização do carnaval em outras cidades brasileiras nos anos posteriores, conforme indicado em tópico anterior. Há de se lembrar que, embora o IPHAN devesse ter a competência sistemática sobre o tema, apenas em 2010 o órgão regulamentou providências acerca da matéria através das Portarias nº 420/2010 e nº 312/2010 (esta especificamente para Ouro Preto) que, ainda assim, tratam a questão de forma superficial em relação ao seu potencial, não incidindo diretamente sobre os diversos aspectos da realização de eventos. Desse modo, os TACs citados, bem como o conjunto de medidas específicas criadas em 2010 pelo MP, anteciparam as portarias do IPHAN - que só lançou sua limitada normativa no mesmo ano, mas meses após a celebração do acordo com a Prefeitura de Ouro Preto.

Nesse momento, é possível perceber que os TACs já haviam sido apropriados pela Prefeitura como instrumento de gestão anual do evento, uma vez que chegou, inclusive, a pedir a orientação do MPMG sobre ações do executivo acerca da realização do carnaval. Em 2011, a Secretaria de Turismo pediu permissão ao Ministério Público para colocação de “sonorização controlada e com repertório musical pré-selecionado”, nas ruas Direita e de São José com o intuito de “seleção de público” e evitar aglomerações, solicitando também que essa ação fosse acrescentada ao TAC a ser firmado naquele ano para a realização do próximo carnaval.111 111 Cf. MPMG (2011).

Posteriormente, as ações do MP relativas às repúblicas estudantis, bem como a realização de audiências públicas correlatas, deram origem a uma nova norma de hospedagem nesses locais, publicada em 2012. Para além das exigências anteriores, esse decreto exigiu um cadastro municipal dessas repúblicas, com informações sobre a capacidade de hospedagem e o valor cobrado para tal.112 112 Obrigando também a realizar termo de responsabilidade emitido previamente pela Vigilância Sanitária. Cf. Ouro Preto (2012c, 2012d). Nesse sentido, a prefeitura avançou ainda mais na prevenção de danos nesses locais, ao tentar evitar o acúmulo de pessoas nos casarões, que ameaça de forma peremptória a segurança humana e o patrimônio edificado.113 113 “As condições de hospedagem das repúblicas não têm padrão de pousadas e hotéis, ao contrário, o turista que lá se hospeda durante o carnaval tem direito a um colchão no chão, em meio a um quarto lotado deles. Mal há espaço para guardar a bagagem do visitante, que também faz parte de um público que não se preocupa em dormir no chão, com a contrapartida das festas que ocorrem nas repúblicas. Somente amigos dos moradores das repúblicas ou quem está hospedado pode participar das festas internas, e para garantir a entrada somente dessas pessoas, as repúblicas colocam seguranças nas respectivas portas dos casarões.” Sayegh (2009, p. 172).

No TAC de 2012,114 114 O TAC de 2012 também traz como novidade a exigência do cumprimento da Resolução nº 1/2011 da Comissão Municipal de Educação e controle da poluição sonora. TAC (2012). a prefeitura se comprometeu a “cientificar ao IPHAN de todos os engenhos e equipamentos que serão instalados no centro histórico de Ouro Preto”,115 115 Ibid. colocando no acordo, portanto, o cumprimento das Portarias do IPHAN lançadas em 2010. Nos últimos anos, a instituição tem exercido essa função relativamente ao carnaval de Ouro Preto, analisando propostas de instalações submetidas também ao juízo do Corpo de Bombeiros e à Prefeitura; e tem também participado das reuniões que antecedem a realização de TACs, convocadas pelo MPMG.116 116 Macieira (2021).

O TAC de 2014 avançou a respeito de medidas preventivas nas repúblicas, tanto na verificação da capacidade máxima de hospedagem (já tratada há dois anos no Decreto Municipal nº 2869/2012),117 117 Provável motivo pelo qual esse parágrafo tenha sido suprimido no TAC do ano seguinte. Cf. TAC (2015). quanto à fiscalização,118 118 Apesar da recomendação de fiscalização, não foi criada nenhuma regulamentação específica para tal ação durante o carnaval, nem há dados oficiais sobre o que já pode ter sido feito. De forma geral, tal atividade ocorre por meio de denúncias, relacionadas às mais diversas queixas sobre as posturas urbanas, e durante o evento, incide de forma mais incisiva sobre o excesso de barulho e perturbação do sossego, não tendo uma atuação especifica para a salvaguarda do patrimônio cultural. além de incidir sobre os impactos que as festividades em cada casa poderiam causar no entorno imediato:

CLÁUSULA SÉTIMA: O compromissário se obriga a exigir das repúblicas particulares que obtiverem o alvará provisório para realização de festividades e hospedagem que organizem o lixo, providencie banheiros químicos e seguranças nos arredores do imóvel, conforme recomendação exarada em reunião datada de 29 de janeiro de 2014.

PARÁGRAFO PRIMEIRO: Deverá constar do alvará especial a ser emitido pelo Município a limitação máxima de ocupação de cada República, conforme previsão no Auto de vistoria do corpo de bombeiros de cada moradia.

PARÁGRAFO SEGUNDO: O compromissário se obriga a realizar ações de fiscalização nas repúblicas, a fim de impedir a ocupação superior à permitida pelo corpo de bombeiros.119 119 TAC (2014).

O TAC de 2016 apresenta uma pequena, porém significativa mudança. Ao citar o conjunto das oito normas sobre medidas de preservação, muda o texto do item cinco, referente ao “policiamento ostensivo” para “vigilância administrativa ostensiva”.120 120 Id., (2016). Essa é uma mudança considerável, em que o MP amplia a noção do monitoramento para além da vigilância policial, incluindo a responsabilidade administrativa no processo.

A partir de então, pouco foi modificado tanto nos Termos de Ajustamento de Conduta quanto na normativa municipal relativa ao carnaval.121 121 O TAC de 2019 também condiciona a expedição de alvará às repúblicas federais somente após aprovação prévia da UFOP. Id., (2019). Durante esses anos, eventualmente, também foram criadas comissões e audiências públicas para debater e auxiliar na organização do evento. A Secretaria Municipal de Turismo participou ativamente de debates acerca do tema, que também contou com a participação de outras entidades, como o Conselho de Turismo e a Associação Comercial local.122 122 Cf. MPMG (2009a). A prefeitura também passou a realizar pesquisas anuais sobre o evento, em parceria com a UFOP e com o governo do estado de Minas Gerais, que visavam avaliar o perfil dos visitantes durante o carnaval, bem como suas expectativas, gastos e meios de hospedagem.123 123 Cf. PMOP (c2021). De forma geral, é possível perceber um esforço da prefeitura, ao longo de mais de quinze anos, em regulamentar o evento, considerando também a proteção ao patrimônio edificado. A legislação municipal criada acerca do tema balizou as questões de risco de incêndio, desconcentração de pessoas nas ruas e casarões, desimpedimento do trânsito e minimização de vibrações e excesso de carga.

Os TACs realizados pelo MPMG de 2005 a 2019 foram a princípio mais elementares e, com o passar dos anos e o gradual entendimento da complexidade da questão, houve um lento incremento nas recomendações pela instituição. Assim, as obrigações se mantinham ano a ano, sofrendo adições ou modificações para atender demandas cada vez mais específicas. Essa poderia ser considerada, inclusive, a justificativa para a repetição anual de elaboração do documento.

A discussão sobre a proteção patrimonial durante a realização do carnaval ainda não tem ecos nos estudos preservacionistas e, portanto, o MPMG atuou criando as recomendações presentes nos TACs firmados com o auxílio dos atores envolvidos, que ofereceram conclusões a partir da experiência prática local. É possível considerar que os acordos realizados entre de 2005 e 2009 são mais restritos, ao associar suas orientações à sentença judicial da condenação do município e ao estudo de impacto do evento. Com a conclusão do estudo, os TACs posteriores a 2010 passaram a considerar seu resultado para incidir de forma mais efetiva, modificando e reduzindo cada vez mais as áreas de colocação de aparelhos de som e palcos, bem como incluindo condições às repúblicas estudantis e seus blocos carnavalescos. Além disso, os TACs impulsionaram a criação de um projeto municipal anual especifico para o carnaval, com cautela em relação a horários e locais de colocação de som, que observasse a legislação acerca da prevenção e combate a incêndio e pânico e o planejamento da circulação do trânsito e dos blocos. Além disso, pautaram sobre a limitação do número de pessoas nos blocos, incentivando a criação de lei municipal específica para tal.124 124 Ibid. É possível perceber, nesses documentos, uma intenção de maior conexão entre o evento e a atuação dos órgãos preservacionistas, por meio da solicitação de avaliação de projetos para o carnaval,125 125 Cf. TAC (2019). não havendo, entretanto, regulamentação para tal, consubstanciando-se como uma limitação do poder público.

ARRANJOS PROVISÓRIOS PARA UM EVENTO PERMANENTE: O DESAFIO DA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PRESERVACIONISTAS PARA O CARNAVAL

A análise do papel da municipalidade e do Ministério Público no carnaval de Ouro Preto demonstra uma série de questões a serem ponderadas. Percebe-se que o Ministério Público teve a iniciativa de tentar excluir ou minimizar riscos durante o evento, após verificada a preterição do município acerca do tema. A instituição empenhou-se, inicialmente, mediante duas Ações Civis Públicas - que, de início, tiveram pouca efetividade para a implementação de ações preservacionistas. Posteriormente, um caminho factível encontrado foi a realização dos Termos de Ajustamento de Conduta, cuja efetividade pôde ser atestada ao longo dos anos, ao contribuir de forma válida não só para agir de imediato em prol da proteção ao patrimônio edificado durante o evento, mas também para o fomento de instrumentos de política pública municipais alusivos. Assim, ainda que os TACs não tenham sido fator único a contribuir para tanto, eles foram fundamentais para oficializar a demanda de um aparato de normas municipais preservacionistas direcionadas ao carnaval. Além disso, os TACs foram responsáveis por recomendar ações de prevenção de riscos e danos durante a realização do evento por cerca de quinze anos.

Dessa forma, embora os TACs não sejam, particularmente, instrumentos de política pública - e sequer de preservação cultural -, na ausência de ações correlatas, atuaram como medida paliativa, tal qual aliados na indução da criação de mecanismos administrativos preservacionistas no âmbito municipal. Além disso, num contexto mais amplo, é provável que esses TACs firmados em Ouro Preto tenham sido usados como referência para a atuação do Ministério Público em outras cidades mineiras e, ao que tudo indica, por conjectura influenciou a realização de recomendações e TACs semelhantes em outros estados e cidades importantes no contexto do carnaval no país, tornando-se modelo para execução de documentos congêneres em prol da preservação patrimonial no decurso de eventos culturais festivos. Presumivelmente, podem ter induzido até mesmo as atividades preservacionistas administrativas estaduais, ao serem matrizes para o estabelecimento das diretrizes do órgão preservacionista estadual local, o IEPHA, colocando a ação administrativa, também nesse caso, sob condução das recomendações do Ministério Público. Por conseguinte, é preciso reconhecer o mérito do Ministério Público no que concerne ao tema abordado, que atuou pioneiramente em relação à preservação do patrimônio cultural no contexto do carnaval de Ouro Preto, criando medidas preventivas específicas para o evento e versando sobre temas preservacionistas que por vezes antecederam a ação administrativa nas esferas municipal, estadual e nacional.

É inconteste, portanto, a eficácia da utilização dos TACs na conjuntura preservacionista, especialmente no que tange às ações preventivas durante a realização do carnaval. Há de se questionar, contudo, suas limitações - que não são poucas. Primeiramente, é preciso lembrar que esses compromissos excluíram, nesse processo, a participação de outros atores envolvidos na questão, como os órgãos preservacionistas, conselhos municipais de turismo/patrimônio, integrantes de repúblicas, representantes da universidade local, patrocinadores, promotores de blocos e demais entidades representativas da população - embora alguns desses atores tenham participado de reuniões que antecederam o estabelecimento desses compromissos, por via de regra, os termos eram firmados somente entre MPMG e o executivo municipal. Uma outra questão importante é a falta de obrigatoriedade tanto do Ministério Público em realizar tais acordos (o que torna sua realização vulnerável à dependência da ação ocasional da gestão da promotoria) quanto do município em aderir ao TAC, tornando a negociação um instrumento transitório de gestão da festa, uma configuração que, embora tenha tido eficácia atestada sob o ponto de vista da salvaguarda patrimonial, tem caráter provisório e dependente de renovação anual. No caso do carnaval de Ouro Preto, o histórico de denúncias judiciais por meio do Ministério Público pode ser fator de consentimento aos acordos anuais, ao negociar com seu acusador, no intuito de evitar novos processos. No entanto, a par da questão durante anos, o município já teria condições de realizar todas as ações previstas nos TACs, inexistindo necessidade de realizar novos acordos para engendrar intervenções correlatas, considerando também que os compromissos são instrumentos com efetividade para resolução de questões pontuais, e não para supervisão de processos ao longo dos anos.

De fato, as questões apontadas tornaram coadjuvante o papel da administração municipal nesse processo anual, uma vez que a prefeitura chegou, antes de agir em determinadas situações sobre a organização do carnaval local, a pedir orientações ao Ministério Público, transformando a instituição em um verdadeiro articulador do planejamento anual do carnaval em Ouro Preto. Não obstante, enquanto responsável pela vigilância dos direitos coletivos e fundamentais, teria o Ministério Público essa prerrogativa gestora das questões preservacionistas?

Compreendendo que é atribuição do Ministério Público atuar sobre a omissão administrativa em todas as esferas, é cabível que a instituição interfira na questão, podendo se tornar, inclusive, um impulso inicial para o fomento de políticas públicas, como ocorreu em Ouro Preto. Não se deve presumir, no entanto, que o poder público municipal se escuse continuamente de suas obrigações administrativas, postergando a outras instituições a responsabilidade que lhe cabe. Atendo-se mais pontualmente ao objeto aqui abordado, o papel administrativo de desenvolver políticas públicas é muito mais amplo, complexo e eficaz do que a realização de negociações anuais. Para o caso apresentado, tal equação se mostra desequilibrada, em virtude da redundância das ações do Ministério Público face à preterição da prefeitura, que revelam uma disfunção em que se cotejam, por um lado, a alta potencialidade operacional do poder municipal, e de outro, a ação contingente do Parquet.

No exemplo da prefeitura de Ouro Preto, embora a municipalidade não tenha se eximido completamente da responsabilidade de desenvolver políticas públicas correlatas, ainda atua timidamente em relação ao potencial que possui para tentar minimizar as ameaças ao patrimônio cultural edificado. Seu alienamento em relação ao tema foi quebrado aos poucos, ao longo dos anos, quando começou a legislar sobre o tema, inicialmente somente regulamentando o comércio eventual, mas depois atentando a outras questões alusivas, como o excesso de foliões nas repúblicas estudantis e em seus arredores; trajetos, horários e concentração de pessoas nos blocos; localizações de palcos e seus engenhos; destinação de lixo, etc. Assim, até o momento em que a prefeitura se eximia, os TACs se tornaram úteis para provocar atitudes do poder público municipal. Nesse processo, tanto os TACs quanto a legislação municipal foram se adequando às questões temporais mais específicas, à medida que os fatos aconteciam, em meio à experiência da gestão do carnaval ao longo dos anos, ocorrendo, em paralelo, processos judiciais, inquéritos, audiências públicas e denúncias correlatas.

Não se pode, portanto, falar em completa omissão do poder público municipal de Ouro Preto. Desde o levantamento da questão, ele tem agido, mesmo que de forma incipiente, para tentar minimizar as ameaças ao patrimônio em detrimento do evento. Ainda assim, é possível perceber que o executivo age de forma muito aquém de suas possibilidades, algo que se deve a alguns fatores: por um lado, é conveniente que o Ministério Público tome a frente de questões que suscitam conflitos de interesses circunstanciais locais. Além disso, a formulação de políticas públicas é empreitada muito mais complexa e morosa do que o cumprimento de regras estabelecidas por terceiros, isentando o poder executivo municipal de sua diligência, compreendida erroneamente como circunstancial.

Assim, ainda que a prefeitura tenha criado leis relativas ao tema, suas ações são insuficientes para resguardar o patrimônio cultural durante o evento de forma mais efetiva e perene, especialmente quando comparadas às possibilidades de atuação (muitas já inclusive delineadas pelos TACs). Conforme mencionado na primeira parte deste estudo, para além da regulamentação, a questão envolve também a criação de fontes de recursos, utilização de estruturas e arranjos administrativos, bem como a avaliação de planejamentos, projetos e ações e o constante monitoramento e vigilância, que implicam um trabalho contínuo de fiscalização com procedimentos claros. Tendo em vista a realização específica do carnaval, a festividade deveria ser acompanhada de políticas públicas próprias voltadas à preservação do patrimônio edificado, fomentadas não só no âmbito municipal, mas de forma mais abrangente, incluindo a ação dos órgãos preservacionistas, compreendendo que os impactos urbanos que o evento causa têm efeito generalizado nos “sítios históricos”. Esse fomento também deve incidir, portanto, sobre a gestão do evento de forma especial nos núcleos urbanos tombados.

Isto posto, deve-se reiterar que o incremento das políticas públicas voltadas ao tema implica uma regulação com diretrizes e leis mais específicas e atualizadas, bem como a obtenção de fontes de recursos, com a criação de fundos próprios, de outras esferas de governo, além de utilização de verbas de patrocinadores do evento - contemplando a base dessa demanda. A inclusão participativa nos processos de planejamento e avaliação, com amplo debate com a sociedade por meio de conselhos, comissões específicas e/ou grupos de trabalho representativos e ininterruptos, utilização ou criação de estruturas e arranjos administrativos, com capacitações sobre a implementação do planejamento do evento, com atribuição de papeis aos envolvidos também se faz necessária para tal desempenho.

Para além do processo de planejamento, são necessários constante vigilância e monitoramento administrativo, atendendo a diversas ações de fiscalização que podem ser mais modernizadas. Outrossim, é importante fomentar formas de incentivo à educação patrimonial dos foliões, por meio de de ações que devem ocorrer antes, durante e após a realização do evento. Nesse sentido, informação e fiscalização devem andar juntas, com a utilização de bancos de dados atualizados sobre o evento, incluindo elementos georreferenciados, como trajetos de blocos, localização de palcos, ocorrências, danos e ameaças, além de laudos, inventários e dossiês. Esse procedimento poderia ser de grande auxilio à ação fiscalizadora, que, para além da ação administrativa, poderia contar com a participação dos cidadãos, por meio de sistemas de informação, como aplicativos próprios, que ofereceriam informações sobre o evento, recomendações sobre condutas de preservação, e receberiam denúncias e solicitações.

REFERÊNCIAS

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    • OURO PRETO. Decreto nº 2.890, de 10 de fevereiro de 2012. Revoga o §2º do art. 2º do Decreto Municipal nº 2.862, que dispõe sobre as obrigações das repúblicas estudantis particulares e federais para realização de eventos e hospedagem no período do carnaval 2012. Diário Oficial do Município de Ouro Preto , Ouro Preto, 2012d. Disponível em: Disponível em: http://cmop.mg.gov.br/leis/ Acesso em: 1 mar. 2021.
      » http://cmop.mg.gov.br/leis/
    • OURO PRETO. Portaria nº 37, de 12 de setembro de 2001. Diário Oficial do Município de Ouro Preto , Ouro Preto, 2021. Disponível em: Disponível em: http://cmop.mg.gov.br/leis/ Acesso em: 1 mar. 2021.
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    • PERNAMBUCO. Lei nº 13.778, de 27 de maio de 2009. Considera o Carnaval de Olinda Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco. Diário Oficial do Estado de Pernambuco, Recife, 27 maio 2009.
    • SÃO PAULO. Resolução SC-15, de 5 de maio de 2021. Dispõe sobre o Registro das Práticas Carnavalescas de São Paulo como patrimônio cultural imaterial. Diário Oficial do Poder Executivo do Estado de São Paulo, São Paulo, 7 maio 2021.

    LIVROS, ARTIGOS E TESES

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    • AZEVEDO, Paulo Ormindo. O patrimônio: usar para preservar. Planejamento na Bahia, Salvador, v. 2, n. 4, p. 389-395, 1974.
    • BIONDINI, Isabella Virgínia Freire; STARLING, Mônica Barros de Lima; CARSALADE, Flávio de Lemos. A política do ICMS Patrimônio Cultural em Minas Gerais como instrumento de indução à descentralização de ações de política pública no campo do patrimônio: potencialidades e limites. Cadernos da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, v. 16, n. 25, p. 133-179, 2014.
    • BRANDÃO, Andressa Graziele de Barcelos. O Poder Judiciário e a defesa do patrimônio cultural: a ação popular como instrumento de proteção. Lex Magister, Porto Alegre, v. 53, p. 99-130, 2014.
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    • COELHO, Olínio Gomes Paschoal. Novos atores na preservação do patrimônio: estados, municípios e sociedade civil. In: AZEVEDO, Paulo Ormindo David de; CÔRREA, Elyane Lins Corrêa (org.). Estado e sociedade na preservação do patrimônio . Salvador: Edufba , 2013. p. 55-67.
    • COSTA, Leonel. Termo de ajustamento de conduta (TAC) e algumas observações sobre o seus limites. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4.140, 2014.
    • DIAS, Clímaco César Silveira. Carnaval de Salvador: mercantilização e produção de espaços de segregação, exclusão e conflito. 2002. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002.
    • FERREIRA, Ximena Cardozo. Atuação do Ministério Público na proteção do patrimônio cultural. Lex Magister , Porto Alegre, v. 29, p. 66-76, 2010.
    • GONZAGA, Michele Regina. Políticas de preservação em Ouro Preto - MG: o carnaval. 2018. Monografia. (Bacharelado em Conservação e Restauro) - Instituto Federal Minas Gerais, Ouro Preto, 2018.
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    SITES

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    • FAOP leva às ruas o programa Tapume+Arte e colore Carnaval de Ouro Preto: tapumes conhecidos por proteger e isolar áreas de construções se transformam em arte no Carnaval de Ouro Preto. Agência Minas Gerais, Belo Horizonte, 21 fev. 2014. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3bGjpBZ Acesso em: 10 mar. 2021.
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    • IPHAN. Maracatu de Baque Solto. Brasília, DF: Iphan , c2021b. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3AmA3Aj Acesso em: 13 ago. 2021.
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    • IPHAN e prefeituras protegem patrimônio no Carnaval pernambucano. Portal IPHAN, Brasília, DF, 16 fev. 2007. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3xIO89v Acesso em: 13 ago. 2021.
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    • MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. Histórico do Ministério Público no Brasil. Brasília, DF: MPU, c2021. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3j9lLNB Acesso em: 13 ago. 2021.
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    • MP DIVULGA recomendações para preservação do patrimônio no carnaval em Minas. Portal da Associação Mineira do Ministério Público, Belo Horizonte, 2018. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hne2Lr Acesso em: 11 fev. 2021.
      » https://bit.ly/3hne2Lr
    • PREFEITURA MUNICIPAL DE OURO PRETO. Pesquisas. Ouro Preto: Prefeitura Municipal, c2021. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/33G2aMI Acesso em: 20 mar. 2021.
      » https://bit.ly/33G2aMI
    • ROCHA, Anderson. Carnaval de Ouro Preto tem melhor público em 5 anos, com 45 mil foliões por dia. Hoje em Dia, Belo Horizonte, 11 mar. 2019. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3uPZzvC Acesso em: 23 fev. 2021.
      » https://bit.ly/3uPZzvC
    • WERNECK, Gustavo. Iepha dita normas para o carnaval em Ouro Preto e outras cidades históricas. Estado de Minas, Belo Horizonte, 5 fev. 2014. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/33T4Cj3 Acesso em: 25 fev. 2021.
      » https://bit.ly/33T4Cj3
    • 2
      Este artigo é uma versão reelaborada do trabalho final apresentado ao curso de Especialização em Gestão e Conservação do Patrimônio Cultural, ministrado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), campus Ouro Preto, sob orientação da professora Maria Cristina Rocha Simão.
    • 3
      É possível que existam mais TACs realizados sobre o tema, mas a análise recaiu sobre aqueles cujo acesso foi viabilizado pelo MPMG.
    • 4
      Cf. Castriota (2009CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio cultural: valores e sociedade civil. In: MIRANDA, Marcos Paulo de Souza; ARAÚJO, Guilherme Maciel; ASKAR, Jorge Abdo (org.). Mestres e conselheiros: manual de atuação dos agentes do patrimônio cultural . Belo Horizonte: IEDS , 2009. p. 39-46.). Conforme aprofunda o autor, a ampliação do conceito de patrimônio está intimamente relacionada às noções mais recentes sobre a cultura, refletindo de forma contundente sobre as práticas preservacionistas. Assim, a antiga ideia que selecionava “monumentos históricos” de valor “excepcional” deu lugar à valorização de uma infinita gama de bens culturais. No campo do patrimônio edificado, também houve uma valorização que identifica a relevância de todos períodos históricos e suas manifestações arquitetônicas, sem preterir determinados estilos e épocas a outros. Além disso, deixa-se de considerar apenas bens isolados para se reconhecer entornos e contextos urbanos e paisagísticos como conjuntos a serem conservados. A dimensão imaterial do patrimônio também passou a ser considerada e valorizada, tornando-se alvo de formas específicas de políticas de preservação.
    • 5
      Miranda (2019MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Particularidades da Ação Civil Pública na Defesa do Patrimônio Cultural. Lex Magister , Porto Alegre, v. 84, p. 95-127, 2019., p. 96).
    • 6
      Iphan (c2021IPHAN. Frevo. Brasília, DF: Iphan, c2021a. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yzAoPt . Acesso em: 13 ago. 2021.
      https://bit.ly/3yzAoPt...
      ).
    • 7
      Cf. Brandão (2014BRANDÃO, Andressa Graziele de Barcelos. O Poder Judiciário e a defesa do patrimônio cultural: a ação popular como instrumento de proteção. Lex Magister, Porto Alegre, v. 53, p. 99-130, 2014.).
    • 8
      Já em 1934 a Constituição mencionou no art. 148: “Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual”. Em 1937, no artigo 134 estabeleceu: “Os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens ou locais particularmente dotados pela natureza, gozam da proteção e dos cuidados especiais da Nação, dos Estados e dos Municípios. Os atentados contra eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional” (BRASIL, 1937BRASIL. Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 dez. 1937. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3uyCct6 . Acesso em: 15 fev. 2021.
      https://bit.ly/3uyCct6...
      ). No artigo 175 da Constituição de 1946, é citada de forma geral a responsabilidade pelo “poder público”, o que se repetiu na Constituição de 1967. Cf. Coelho (2013COELHO, Olínio Gomes Paschoal. Novos atores na preservação do patrimônio: estados, municípios e sociedade civil. In: AZEVEDO, Paulo Ormindo David de; CÔRREA, Elyane Lins Corrêa (org.). Estado e sociedade na preservação do patrimônio . Salvador: Edufba , 2013. p. 55-67.).
    • 9
      Cf. Arroyo (2009ARROYO, Michele Abreu. Para além do tombamento: possibilidades de instrumentos de proteção do patrimônio cultural nas políticas públicas municipais. In: MIRANDA, Marcos Paulo de Souza; ARAÚJO, Guilherme Maciel; ASKAR, Jorge Abdo (org.). Mestres e conselheiros: manual de atuação dos agentes do patrimônio cultural. Belo Horizonte: IEDS, 2009. p. 68-76.).
    • 10
      Conforme aponta Cristina Simão, especialmente em locais com áreas urbanas tombadas, a população muitas vezes se sente privada de sua autonomia no que diz respeito à propriedade edificada, cujas regras costumam ser mais restritivas no que tange a inúmeros aspectos urbanos, como parcelamento, edificação e uso do solo. Essa situação fica evidente em sítios urbanos tombados nacionalmente, cuja ausência anterior da responsabilização municipal de preservação cultural delegava exclusivamente ao IPHAN todas as questões preservacionistas, inclusive no que toca à gestão urbana, causando uma inércia do poder público em relação ao tema e uma sobrecarga ao órgão preservacionista nacional. Como afirma a autora: “Certamente, as cidades que convivem rotineiramente com duas ou três instâncias diferenciadas de poder (Município, Estado e/ou União), atuando todas sobre o uso do solo urbano, de forma desarmônica e desarticulada, possuem uma dificuldade maior de entendimento da população quanto aos papéis a serem desempenhados por cada agente e, ainda, de relacionamento entre estes”. Simão (2013SIMÃO, Maria Cristina Rocha. Preservação do patrimônio cultural em cidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2013., p. 49).
    • 11
      Silva (2006SILVA, Patrícia Reis da. A postura da municipalidade na preservação do patrimônio cultural urbano. 2006. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2006.).
    • 12
      Rodrigues (2009RODRIGUES, José Eduardo Ramos. Importância e responsabilidade dos Conselhos Municipais do Patrimônio Cultural. In: MIRANDA, Marcos Paulo de Souza; ARAÚJO, Guilherme Maciel; ASKAR, Jorge Abdo (org.). Mestres e conselheiros: manual de atuação dos agentes do patrimônio cultural . Belo Horizonte: Ieds, 2009. p. 25-39., p. 32).
    • 13
      Nesse contexto é importante lembrar que a ampliação do conceito de patrimônio inclui a paisagem e a cidade como um todo no entendimento atual que o patrimônio cultural não é composto apenas por bens tombados isolados no espaço, mas fazem parte de um conjunto que engloba a dinâmica urbana, mesmo nas cidades onde não há núcleos urbanos tombados. Destarte, ao estar intimamente relacionada à gestão da preservação, a gestão urbana deve ser pilar da execução das políticas municipais de preservação. Conforme afirma Cristina Simão, “A preservação cultural configura-se como mais uma das questões urbanas a ser planejada, inserida no contexto de todo o complexo que é a cidade”. Simão, op. cit., p. 90. Assim, o Estatuto da Cidade foi de extrema relevância, ao criar diretrizes para a gestão urbana e incentivando a criação de instrumentos urbanísticos para regulação da cidade, bem como em prol da preservação cultural por meio da gestão urbana. Dessa forma, a elaboração de planos diretores que incluam a questão do patrimônio cultural e possibilitem a utilização dos instrumentos voltados para tal, torna-se uma aliada à função municipal de se responsabilizar pela proteção de seu patrimônio de forma mais justa e sustentável através de legislação própria.
    • 14
      Rodrigues, op. cit., p. 31.
    • 15
      Destacando-se nesse âmbito os recursos do ICMS - os municípios mineiros deram um grande salto nesse sentido, com a aplicação da Lei Robin Hood e o incentivo do ICMS Patrimônio Cultural. As municipalidades foram incentivadas pelo governo estadual a fomentar uma política específica voltada ao patrimônio cultural, que envolve a criação de leis de tombamento, realização de registros e inventários, planos de salvaguarda, ações de conservação, restauro e educação patrimonial, apoio institucional e financeiro a projetos, o fomento ao aparato institucional local, e um sistema de gestão progressiva com participação popular principalmente por meio da criação de conselhos municipais de patrimônio. Ação pioneira no país, tal operação conta com intensa participação dos municípios mineiros e estimula a gestão de seu patrimônio cultural, junto a uma crescente conscientização sobre o tema por meio da população. Cf. Biondini, Starling e Carsalade (2014BIONDINI, Isabella Virgínia Freire; STARLING, Mônica Barros de Lima; CARSALADE, Flávio de Lemos. A política do ICMS Patrimônio Cultural em Minas Gerais como instrumento de indução à descentralização de ações de política pública no campo do patrimônio: potencialidades e limites. Cadernos da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, v. 16, n. 25, p. 133-179, 2014.). A normatização relativa ao patrimônio do ICMS cultural em Minas Gerais consiste assim num verdadeiro manual de implementação de políticas públicas municipais voltado ao patrimônio, que tem tido sucesso graças à premiação alcançada pelos municípios, que consiste no repasse de receitas estaduais. “Não se pode, contudo, desconsiderar a tensão existente entre essas esferas, especialmente no que tange à obrigatoriedade de enquadramento dos municípios na metodologia proposta e aos valores conceituais do órgão estadual”. Ibid., p. 140.
    • 16
      Cf. Silva, op. cit.
    • 17
      Tal conselho deve ser consultivo e deliberativo, sendo crucial na escolha dos bens a serem tombados e registrados, e na definição de diretrizes e decisões relativas ao tema. Cf. Rodrigues, op. cit.
    • 18
      Cf. Silva, op. cit.
    • 19
      Cf. Arroyo, op. cit.
    • 20
      Rodrigues, op. cit., p. 32.
    • 21
      Cf. Silva, op. cit.
    • 22
      Ibid., p. 118.
    • 23
      Ibid.
    • 24
      Ibid.
    • 25
      Esse tipo de atividade já faz parte da rotina do Iphan especialmente em cidades com núcleos tombados; no entanto, tal ação é marcada pela precariedade de recursos humanos e na maioria das vezes é sufocada pela demanda. Essa situação não tem sido diferente na maioria das prefeituras brasileiras - de forma geral, tais instituições enfrentam inúmeras barreiras para que a fiscalização em relação à preservação cultural seja realizada. Ibid.
    • 26
      Braz (2013BRAZ, Patrícia Reis de Matos. A postura da municipalidade na preservação do patrimônio cultural urbano. In: AZEVEDO, Paulo Ormindo David de; CÔRREA, Elyane Lins Corrêa (org.). Estado e sociedade na preservação do patrimônio. Salvador: Edufba, 2013. p. 127-150., p. 127).
    • 27
      Simão, op. cit., p. 94.
    • 28
      Ibid., p. 47.
    • 29
      Silva, op. cit., p. 118.
    • 30
      Ainda que o presente estudo dê ênfase ao papel do Ministério Público, é preciso ressaltar que a Constituição de 1988 também possibilitou amplo potencial de atuação do poder judiciário no campo da preservação cultural (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.). Assim, dilatação da responsabilidade preservacionista conjunta entre população e poder público, bem como dos procedimentos de preservação e acautelamento do patrimônio cultural, outorgaram importante função ao judiciário, segundo Brandão (2014BRANDÃO, Andressa Graziele de Barcelos. O Poder Judiciário e a defesa do patrimônio cultural: a ação popular como instrumento de proteção. Lex Magister, Porto Alegre, v. 53, p. 99-130, 2014., p. 128), ao possibilitar a promoção da “proteção e peculiar situação de risco e fragilidade inerente aos bens culturais” e “ao apreciar as lesões e ameaças ao direito aos bens culturais”, uma vez que seu artigo 216 lhe coloca o papel de apreciar qualquer lesão ou ameaça de direito. “tendo em vista a situação de risco e fragilidade inerente aos bens culturais, a atuação do Judiciário é de fundamental importância, pois, muitas vezes, constitui o único recurso para a defesa do patrimônio cultural”. Ibid., p. 107. Nesse sentido, a ação popular tem sido um importante instrumento utilizado na proteção do patrimônio cultural, em virtude de ser um dispositivo cuja função é proteger e fiscalizar atos ilegais ao patrimônio público, ambiental e cultural. Ibid., p. 110.
    • 31
      É preciso destacar, no entanto, que a instituição teve suas funções modificadas ao longo do tempo no Brasil, e ora pertenceu ao executivo, ora se inclinou ao judiciário. Atualmente, a partir da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.), enquanto estrutura governamental autônoma, estabeleceu-se como o cerne de uma discussão de cunho jurídico/político/filosófico sobre sua constituição enquanto um quarto poder. Embora não haja um consenso sobre o tema, é importante destacar que sua atuação não deve se omitir nem se exceder, (assim como dos demais poderes), integrando parte de um governo que possa ser passível de exame e controle mútuo pelas outras instituições governamentais interdependentes. Cf. Santos (2016SANTOS, Igor Spock Silveira. O Ministério Público como “Quarto Poder”: relevância do reconhecimento para o sistema constitucional. Revista Publicum, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 120-168, 2016.).
    • 32
      Segundo Miranda (2019MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Particularidades da Ação Civil Pública na Defesa do Patrimônio Cultural. Lex Magister , Porto Alegre, v. 84, p. 95-127, 2019., p. 96), “Nesse cenário, sabendo-se que a tutela do meio ambiente (lato sensu) engloba não somente os seus aspectos naturalísticos (água, ar, fauna, flora etc.), mas também os bens integrantes do meio ambiente urbanístico e do meio ambiente cultural, a partir da década de 1990, a defesa do patrimônio cultural no Brasil passou a constar dos melhores manuais de Direito Ambiental, ocupando capítulos próprios, conquanto, em geral, sintéticos.” e acrescenta: “ante a necessidade do estudo específico sobre um domínio antes pouco explorado, surgiu o Direito do Patrimônio Cultural brasileiro, que pode ser considerado como um ramo especializado do Direito Ambiental, que busca o conhecimento sistematizado e a correta aplicação das normas e princípios que disciplinam a proteção, preservação e gestão dos bens culturais em nosso país”. Ibid., p. 97.
    • 33
      Cf. Brandão, op. cit. e Miranda (2012MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Atuação do Ministério Público na defesa do patrimônio cultural. Revista da Associação Mineira do Ministério Público, Belo Horizonte, v. 43, n. 26, 2012. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/33Cqm2t . Acesso em: 15 fev. 2021.
      https://bit.ly/33Cqm2t...
      ).
    • 34
      Embora a Ação Civil Pública seja aqui citada como instrumento usado no campo patrimonial, é relevante apontar que o instrumento tem sido usado nas mais diversas áreas, e foi responsável por ampliar significativamente a ação do Ministério Público no Brasil, a partir da Lei 7.347/1985, atribuindo à instituição a defesa dos interesses difusos e coletivos, uma vez que até então, a instituição atuava predominantemente na área criminal, com atuação restrita na área cível. Cf. MPU (c2021MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. Histórico do Ministério Público no Brasil. Brasília, DF: MPU, c2021. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3j9lLNB . Acesso em: 13 ago. 2021.
      https://bit.ly/3j9lLNB...
      ).
    • 35
      Miranda (2019MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Particularidades da Ação Civil Pública na Defesa do Patrimônio Cultural. Lex Magister , Porto Alegre, v. 84, p. 95-127, 2019., p. 108).
    • 36
      Cf. Ferreira (2010FERREIRA, Ximena Cardozo. Atuação do Ministério Público na proteção do patrimônio cultural. Lex Magister , Porto Alegre, v. 29, p. 66-76, 2010.), Miranda (2012MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Atuação do Ministério Público na defesa do patrimônio cultural. Revista da Associação Mineira do Ministério Público, Belo Horizonte, v. 43, n. 26, 2012. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/33Cqm2t . Acesso em: 15 fev. 2021.
      https://bit.ly/33Cqm2t...
      ).
    • 37
      Ferreira (2010FERREIRA, Ximena Cardozo. Atuação do Ministério Público na proteção do patrimônio cultural. Lex Magister , Porto Alegre, v. 29, p. 66-76, 2010., p. 67).
    • 38
      Cf. Miranda (2012MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Atuação do Ministério Público na defesa do patrimônio cultural. Revista da Associação Mineira do Ministério Público, Belo Horizonte, v. 43, n. 26, 2012. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/33Cqm2t . Acesso em: 15 fev. 2021.
      https://bit.ly/33Cqm2t...
      ).
    • 39
      O Termo de Ajustamento de Conduta foi dispositivo criado em 1990, através do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e pouco depois incorporado ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). A despeito de ser citado nesse trabalho como instrumento utilizado pelo MP, não se trata de recurso de atribuição exclusiva do Parquet, mas pode ser utilizado por diversos órgãos públicos, como a Defensoria Pública, a União, Estados, Municípios, e as diversas autarquias e fundações públicas. Cf. Costa (2014COSTA, Leonel. Termo de ajustamento de conduta (TAC) e algumas observações sobre o seus limites. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4.140, 2014.).
    • 40
      Ibid.
    • 41
      Miranda, op. cit., p. 5.
    • 42
      Costa (2014COSTA, Leonel. Termo de ajustamento de conduta (TAC) e algumas observações sobre o seus limites. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4.140, 2014.). Acrescenta o autor: “Por isso, acredito que o instrumento deva sofrer alguma evolução no sentido de controle, talvez com a implementação de requisito de validade consistente, por exemplo, da aprovação dos TACs, mesmo aqueles propostos pelo Ministério Público ou outras entidades legitimadas, pelo Chefe do Ministério Público - Federal ou Estadual - ainda que por Procurador ou Grupo especialmente designado por portaria ou resolução para esse fim específico, conferindo maior segurança da conveniência e conformidade do acordo. Infelizmente, acordos sempre podem abrir margem para as especulações das mais variadas e o poder de firmá-los deve ser submetido a regime estrito de controle no momento da sua formação e conclusão, sem embargo do sempre possível controle jurisdicional em caso de provocação. Sem dúvida, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.
    • 43
      Kühl (2010KUHL, Beatriz Mugayar. Notas sobre a Carta de Veneza. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 287-320, 2010. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3JfOb2S . Acesso em: 17 mar. 2021.
      https://bit.ly/3JfOb2S...
      , p. 289).
    • 44
      Cf. MPMG (c2021MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Cartas Patrimoniais. Belo Horizonte: MPMG, c2021. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/33HOJLX . Acesso em: 19 mar. 2021.
      https://bit.ly/33HOJLX...
      ).
    • 45
      Dentre elas, destaca-se a Carta de Ouro Preto, de 2009, cujo conteúdo recomenda a utilização dessas cartas como referência específica para realização de Termos de Ajustamento de Conduta. Carta de Ouro Preto (2009CARTA DE OURO PRETO. IV Encontro Nacional do Ministério Público na Defesa do Patrimônio Cultural. Ouro Preto, 2009. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/35XJoEN . Acesso em: 7 fev. 2021.
      https://bit.ly/35XJoEN...
      ).
    • 46
      Ferreira (2010FERREIRA, Ximena Cardozo. Atuação do Ministério Público na proteção do patrimônio cultural. Lex Magister , Porto Alegre, v. 29, p. 66-76, 2010., p. 73).
    • 47
      No âmbito internacional, muitos desses debates ocorriam nos seminários da UNESCO. Inicialmente, as cartas posicionavam o turismo como forma educativa no sentido de incentivar a preservação por meio do reconhecimento do patrimônio - como apontou pioneiramente a Recomendação de Nova Délhi (1956). Em seguida, passa a predominar a ideia associativa entre patrimônio cultural e desenvolvimento econômico, como foi o caso das Normas de Quito, que efetivamente conecta a ideia da preservação ao desenvolvimento econômico, mais especificamente da América Latina. Segundo Köhler, essa tendência culminou na elaboração de documentos que inicialmente só ressaltavam os aspectos positivos do turismo, especialmente em núcleos urbanos tombados dos países subdesenvolvidos e, já a partir da década de 1970, com publicação do Manifesto de Amsterdã (1975) e da Recomendação de Nairóbi (1976), a atividade turística começa a ser vista de forma ambivalente - como algo benéfico, ao promover o patrimônio cultural, e, ao mesmo tempo em algo que poderia se estabelecer como ameaça a sua própria preservação, podendo promover “a perda de traços característicos locais”. Köhler (2019KÖHLER, André Fontan. As cartas patrimoniais e sua relação com o turismo cultural: teorias, práticas e seus desdobramentos no caso brasileiro. Revista Iberoamericana de Turismo, Penedo, v. 9, n. 2, p. 138-163, 2019., p. 1).
    • 48
      Esse documento apontou que o turismo é algo presente e irreversível no cotidiano global, portanto, afirmou a necessidade de se achar meios de se lidar com atividade e, ao ressaltar os efeitos positivos que tal atividade poderia ter, exortou sobre seus riscos, que poderiam causar “efeitos negativos, nocivos e destrutivos” ao patrimônio cultural. Nesse sentido, preconizou que fossem desenvolvidas regras e a elaboração de uma “política dirigida”, por meio da iniciativa de regiões, estados e municípios, anunciando também a necessidade de uma formação multidisciplinar para aqueles que lidam com o tema. Como afirma Celia Yáñez, essa Carta trouxe questões à frente de seu tempo, uma vez que tentava compreender as consequências de um turismo de massa ainda incipiente até então, advertindo sobre aspectos “éticos, sociais e econômicos da atividade, sendo a sua posição absolutamente fundamental e vigente na problemática turística atual”. Yáñez (2019YÁÑEZ, Celia Martínez. Carta Internacional de Turismo Cultural do Icomos de 1999: primeira aproximação para sua revisão e atualização. Revista do Patrimônio, Brasília, DF, n. 39, p. 71-90, 2019., p. 74).
    • 49
      Essa tornou-se uma espécie de versão atualizada da carta anterior. Estabelecida a partir de termos e conceitos mais contemporâneos, mencionou a criação de planos de gestão do patrimônio com avaliação contínua, além do incentivo a políticas, estratégias, planejamentos e programas específicos que incluam a participação de todos os atores envolvidos, bem como o estabelecimento de “limites aceitáveis” para uso do turismo, tendo em vista seus impactos nas mais diversas áreas. Também citou em especial o intercâmbio cultural que a atividade turística deve proporcionar, devendo ser também um meio de conscientização, incentivando “programas de ação” que valorizem a autenticidade “de modo a favorecer a compreensão e a apreciação deste património cultural” apontando, de forma mais específica, a criação de guias turísticos informativos locais, no entendimento que o patrimônio só é preservado quando há reconhecimento. ICOMOS (1999ICOMOS. Carta Internacional sobre o turismo cultural. Cidade do México: Icomos, 1999. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/37BADxN . Acesso em: 15 fev. 2021.
      https://bit.ly/37BADxN...
      , p. 4). O documento indica também o reconhecimento de conflitos advindos da atividade turística, clamando para que a gestão preservacionista atue sobre a questão com procedimentos claros e de intervenção duradoura. Segundo Celia Yáñez, tal abordagem “holística”, em conjunto com a menção à inclusão das comunidades locais no debate, planejamento e participação na questão foi sua grande contribuição, “o que nunca havia sido abordado com tanta profundidade até então e tampouco foi totalmente alcançado ou implementado nos dias atuais”. Yáñez, op. cit., p. 75.
    • 50
      Yáñez, op. cit., p. 76.
    • 51
      Em algumas localidades brasileiras, a própria festividade foi reconhecida como patrimônio imaterial em nível estadual, como no caso dos carnavais de Olinda, em Pernambuco, Maragogipe na Bahia e das “Práticas Carnavalescas do Estado de São Paulo”. Cf. Pernambuco (2009PERNAMBUCO. Lei nº 13.778, de 27 de maio de 2009. Considera o Carnaval de Olinda Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco. Diário Oficial do Estado de Pernambuco, Recife, 27 maio 2009.), Ipac (c2021IPAC. Carnaval de Maragogipe. Salvador: Ipac, c2021. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3Dp9Weq . Acesso em: 13 ago. 2021.
      https://bit.ly/3Dp9Weq...
      ), São Paulo (2021SÃO PAULO. Resolução SC-15, de 5 de maio de 2021. Dispõe sobre o Registro das Práticas Carnavalescas de São Paulo como patrimônio cultural imaterial. Diário Oficial do Poder Executivo do Estado de São Paulo, São Paulo, 7 maio 2021.). Assim, a festividade em si também passou a ser valorizada em sua imaterialidade por sua relevância cultural, incrementando dispositivos de preservação no âmbito de natureza intangível. Ressalta-se que, embora o aspecto intangível seja essencialmente valorizado pelo patrimônio imaterial, o mesmo costuma estar vinculado a elementos materiais, como objetos, paisagens e territórios, como é o caso da festa do carnaval realizada em núcleos patrimonializados, cujo aspecto cultural se estende para a carga cultural do próprio ambiente onde ocorre o evento. Tal simultaneidade, que une duas faces (material e imaterial) sob o mesmo evento, ainda recebe pouca atenção e merece ser amplamente estudada e debatida pelos setores ligados à preservação cultural, de forma que possibilitem a criação de mecanismos de proteção mútua; considerando também que durante o carnaval, a coexistência do patrimônio cultural material e imaterial, tombados/registrados ou não, faz parte da valorização da festa como um todo, demandando um cuidado rigoroso não só com a preservação de elementos físicos, mas também com a proteção de expressões culturais intangíveis. Sem retirar a importância da discussão sobre o tema acima mencionado, o presente artigo discorre, no entanto, essencialmente dos impactos da festa sobre os bens materiais, em especial os bens edificados e espaços urbanos.
    • 52
      Harchambois; Pontual (2007HARCHAMBOIS, Mônica A. M.; PONTUAL, Virgínia. As ameaças do Carnaval de massa ao patrimônio de Olinda. Olinda: Ceci, 2007., p. 17).
    • 53
      Cf. Dias (2002DIAS, Clímaco César Silveira. Carnaval de Salvador: mercantilização e produção de espaços de segregação, exclusão e conflito. 2002. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002.).
    • 54
      Existem inúmeros exemplos da situação, amplamente noticiados pela mídia. Um deles é o ocorrido no carnaval do ano de 2012 em Ouro Preto, quando uma cruz em cantaria do século XIX foi quebrada em função da ação de três turistas, que subiram sobre a cruz para tirar fotos, durante a passagem de um bloco. Cf. Cruz do séc. XIX... (2012CRUZ do século XIX é quebrada no carnaval de Ouro Preto, em MG. Portal G1 Minas, Belo Horizonte, 22 fev. 2011. Disponível em: Disponível em: https://glo.bo/3fUY3CE . Acesso em: 10 fev. 2021.
      https://glo.bo/3fUY3CE...
      ); Bragon (2012BRAGON, Rayder. Turistas são indiciados após dano a cruz histórica durante Carnaval em Ouro Preto (MG). UOL, Belo Horizonte, 2 mar. 2012. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/37FvzIN . Acesso em: 21 ago. 2021.
      https://bit.ly/37FvzIN...
      ).
    • 55
      Brasil (2010bIPHAN. Portaria nº 420, de 22 de dezembro de 2010. Dispõe sobre os procedimentos a serem observados para a concessão de autorização para realização de intervenções em bens edificados tombados e nas respectivas áreas de entorno. Brasília, DF: Iphan , 2010b. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3ycjh6w . Acesso em: 10 mar. 2021.
      https://bit.ly/3ycjh6w...
      ).
    • 56
      Conforme noticiado para o caso de Olinda, em 2007, quando o Iphan indicou distâncias mínimas entre os “monumentos” [sic] e as estruturas como palcos e trios elétricos, caixas de som, arquibancadas e barracas, e solicitou à prefeitura a colocação de tapumes para protegê-los. Cf. Iphan e prefeituras... (2007IPHAN e prefeituras protegem patrimônio no Carnaval pernambucano. Portal IPHAN, Brasília, DF, 16 fev. 2007. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3xIO89v . Acesso em: 13 ago. 2021.
      https://bit.ly/3xIO89v...
      ).
    • 57
      Cf. Brasil (2010aIPHAN. Portaria nº 312, de 20 de outubro de 2010. Dispõe sobre os critérios para a preservação do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Ouro Preto em Minas Gerais e regulamenta as intervenções nessa área protegida em nível federal. Brasília, DF: Iphan, 2010a. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hpz38j . Acesso em: 19 fev. 2021.
      https://bit.ly/3hpz38j...
      ). Essa portaria não é, no entanto, voltada exclusivamente para o carnaval, e está inserida numa regulamentação de amplitude maior. O Iphan lançou essa normativa específica com a intenção de criar critérios claros para intervenções nas áreas inclusas no perímetro tombado de Ouro Preto. Nela, ao mencionar “os engenhos e/ou Veículos de Publicidade e Propaganda e da Sinalização Pública e Propaganda”, a instituição determina que esses artefatos voltados para eventos devem seguir critérios estéticos próprios indicados e devem ser retiradas em seguida a sua realização, além de requerer avaliação prévia da prefeitura e posteriormente do Iphan. Portanto, a norma atua em dois sentidos: por um lado, busca a prevenção de poluição visual da paisagem urbana, e por outro, procura minimizar possíveis impactos após retirada das estruturas temporárias.
    • 58
      Cf. Macieira (2021).
    • 59
      Cf. Iepha (2012IEPHA. Portaria nº 14, de 3 de abril de 2012. Regulamenta o licenciamento de atividade ou evento em bem tombado ou inventariado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA/MG ou nas áreas de seus respectivos entornos. Diário Oficial do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 3 abr. 2012. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yGwvbv . Acesso em: 20 fev. 2021.
      https://bit.ly/3yGwvbv...
      , 2020IEPHA. Portaria nº 21, de 16 de março de 2020. Dispõe sobre os procedimentos e normas de instrução dos processos de avaliação da viabilidade de realização de eventos e de seu impacto em bens e áreas protegidas pelo Estado de Minas Gerais. Diário Oficial do Estado de Minas Gerais , Belo Horizonte, 18 mar. 2020. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3lTGHdr . Acesso em: 20 fev. 2021.
      https://bit.ly/3lTGHdr...
      ).
    • 60
      Por meio dessa avaliação, o Iepha analisou 235 eventos em 2016, sendo 221 somente para Belo Horizonte. Em 2017, das 255 análises, 228 também foram para Belo Horizonte. Esse número caiu consideravelmente nos anos posteriores, tendo sido realizadas 212 análises em 2018, 146 em 2019, e apenas 19 em 2020, sendo o baixo número do último ano referente à diminuição de realização de eventos em geral, em função da ocorrência da pandemia de covid-19. Cf. Iepha (2021IEPHA. Diretoria de Conservação e Restauração. Gerência de Monitoramento e Avaliação. [Correspondência]. Destinatário: Liliane Sayegh. Belo Horizonte, 18 mar. 2021. 1 e-mail.).
    • 61
      Werneck (2014WERNECK, Gustavo. Iepha dita normas para o carnaval em Ouro Preto e outras cidades históricas. Estado de Minas, Belo Horizonte, 5 fev. 2014. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/33T4Cj3 . Acesso em: 25 fev. 2021.
      https://bit.ly/33T4Cj3...
      ).
    • 62
      MP DIVULGA recomendações... (2018MP DIVULGA recomendações para preservação do patrimônio no carnaval em Minas. Portal da Associação Mineira do Ministério Público, Belo Horizonte, 2018. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hne2Lr . Acesso em: 11 fev. 2021.
      https://bit.ly/3hne2Lr...
      ).
    • 63
      Embora sejam muitos exemplos, a título de amostra pode-se citar o caso de Salvador (BA), local que abriga grande acervo do patrimônio cultural reconhecido nacional e internacionalmente, e realiza uma das maiores festas de carnaval do país; cujas recomendações de 2017 são praticamente iguais aos “Mandamentos da Folia” de 2014, podendo esse último ter sido, provavelmente, referência para a publicação das demais diretrizes. Cf. MPBA (2017BAHIA. Ministério Público do Estado da Bahia. Recomendação 001, 15 de fevereiro de 2017. Salvador: MPBA, 2017. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3fe2zeC . Acesso em: 20 fev. 2021.
      https://bit.ly/3fe2zeC...
      ). Como exemplo de TAC direcionado à realização do evento, há o caso da cidade de Marechal Deodoro, no estado de Alagoas, cuja efetuação do compromisso em 2019 versou sobre os diversos aspectos da festa. Embora o documento não tenha sido direcionado especificamente à proteção do patrimônio cultural, menciona em uma de suas cláusulas a questão do ordenamento do trânsito, incluindo a proibição de caixas acústicas do tipo paredão [sic] dentro do “sítio histórico” do município, conforme determinação do escritório técnico local do Iphan. É relevante notar que, nesse caso, o acordo não foi firmado apenas entre o MP e o município, tendo também como signatários representantes de secretarias do executivo (das secretarias de meio ambiente, de cultura, e preservação do patrimônio histórico, de transportes e trânsito), do conselho tutelar, da polícia civil e militar. Cf. MPAL (2019ALAGOAS. Ministério Público do Estado de Alagoas. Termo de Ajustamento de Conduta. Marechal Deodoro: MPAL, 2019.).
    • 64
      Nesse âmbito está o Frevo, registrado em nível nacional em 2007, pelo Iphan, e em nível internacional em 2012 pela Unesco. Iphan (c2021IPHAN. Frevo. Brasília, DF: Iphan, c2021a. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yzAoPt . Acesso em: 13 ago. 2021.
      https://bit.ly/3yzAoPt...
      ). Além disso, são registrados pelo Iphan o Maracatu Nação e o Maracatu de Baque Solto, expressões artísticas populares de Pernambuco que, embora não se manifestem somente durante o carnaval, tem no período da festa um de seus grandes momentos expressivos. Iphan (c2021IPHAN. Frevo. Brasília, DF: Iphan, c2021a. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yzAoPt . Acesso em: 13 ago. 2021.
      https://bit.ly/3yzAoPt...
      ).
    • 65
      Cf. Olinda (2001OLINDA. Lei Municipal nº 5306, de 28 de dezembro de 2001. Dispõe sobre os festejos carnavalescos no município e dá outras providências. Diário Oficial do Município de Olinda, Olinda, 2001.).
    • 66
      Ao prever a criação de uma Comissão Permanente do Carnaval, com a participação de diversos grupos representativos da sociedade local, indicar a inclusão da comunidade por meio da participação das entidades representativas das agremiações carnavalescas na elaboração do projeto do carnaval, além de incentivar a manifestação da cultura local autêntica por meio do incentivo à decoração das ruas pelos moradores. Também prevê apoio às agremiações comunitárias, de forma que aconteçam nas ruas do núcleo “histórico”, “consideradas como passarelas naturais”; na preferência da contratação de bandas, conjuntos de frevo e orquestras locais “que priorizem a execução do frevo pernambucano”, recomenda a realização de audiência pública para apresentação de relatórios relativos à festa. Essas ações tem conexão com a ponderação sobre os impactos do evento sobre a qualidade de vida da população local e sua relação com o patrimônio cultural, com entendimento que a festividade poderia contribuir para seu enfraquecimento. Cf. Harchambois e Pontual (2007HARCHAMBOIS, Mônica A. M.; PONTUAL, Virgínia. As ameaças do Carnaval de massa ao patrimônio de Olinda. Olinda: Ceci, 2007.).
    • 67
      Ibid.
    • 68
      Tendo como um de seus expoentes as celebrações da Semana Santa, que faz parte do calendário da cidade desde o século XVIII. Durante essa época, os moradores enfeitam as janelas com colchas de renda e as ruas com serragem colorida, formando tapetes com motivos religiosos por toda a cidade onde passa a tradicional Procissão da Ressurreição no Domingo de Páscoa. A procissão costuma contar com a população local e com afluxo significativo de visitantes, tornando-se época importante para o setor turístico.
    • 69
      Evento anual durante o mês de julho na cidade, o Festival de Inverno conta com manifestações e atividades culturais e artísticas, atraindo um público de turistas, intelectuais e artistas de todo o país, movimentando significativamente a cidade.
    • 70
      Trata-se de comemoração anual do aniversário da Escola de Minas, pertencente à Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que ocorre sempre no dia 12 de outubro. O evento promove o encontro entre alunos e ex-alunos da instituição, com festas especialmente dentro das repúblicas estudantis, mas a partir das décadas de 80 e 90, tornou-se atrativo também para turistas, ganhando maiores proporções. Cf. Sayegh (2009SAYEGH, Liliane Márcia Lucas. Dinâmica urbana em Ouro Preto: conflitos decorrentes de sua patrimonialização e de sua consolidação como cidade universitária. 2009. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.).
    • 71
      Cf. Rocha (2019ROCHA, Anderson. Carnaval de Ouro Preto tem melhor público em 5 anos, com 45 mil foliões por dia. Hoje em Dia, Belo Horizonte, 11 mar. 2019. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3uPZzvC . Acesso em: 23 fev. 2021.
      https://bit.ly/3uPZzvC...
      ) e Sayegh (2009SAYEGH, Liliane Márcia Lucas. Dinâmica urbana em Ouro Preto: conflitos decorrentes de sua patrimonialização e de sua consolidação como cidade universitária. 2009. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.).
    • 72
      As chamadas repúblicas federais são as casas utilizadas para moradia de estudantes universitários, tratando-se, nesse caso, de imóveis pertencentes à instituição e, portanto, à União. Já as repúblicas particulares são casas privadas, alugadas e rateadas pelos estudantes. Em Ouro Preto, as repúblicas estudantis também fazem parte do cotidiano e mesmo da história da cidade desde a criação da universidade, com tradições próprias influenciadas pelas repúblicas estudantis de Coimbra, em Portugal. Cf. Sayegh, op. cit.
    • 73
      Não raro, a associação comercial local costumava alegar concorrência desleal com as repúblicas estudantis em termos de hospedagem, uma vez que não pagavam taxas e não tinham responsabilidade sobre a segurança dos hóspedes e demais obrigações que oneram o setor - provável motivo que incentivou posteriormente a criação de taxas específicas para tal. Ibid.
    • 74
      Segundo reflexão suscitada por Jane Jacobs, em sua obra referencial na qual discute os fatores de vitalidade urbana. Jacobs (2000JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.). A questão da forma e intensidade de uso dos chamados “centros históricos” também tem sido pauta para a discussão preservacionista urbana há algumas décadas (AZEVEDO, 1974AZEVEDO, Paulo Ormindo. O patrimônio: usar para preservar. Planejamento na Bahia, Salvador, v. 2, n. 4, p. 389-395, 1974.).
    • 75
      Cf. Sayegh, op. cit.
    • 76
      Para além da questão da preservação, a hospedagem e realização de festas em repúblicas sempre suscitou conflitos com a comunidade local, principalmente em função do barulho, do vandalismo e da desordem deixada na cidade no pós-festa. Essas questões se intensificam durante a realização de grandes eventos, como o carnaval, dando início, a partir dos anos 2000, a um amplo debate acerca do tema por meio de audiências públicas agenciadas pelo legislativo municipal. Ibid.
    • 77
      MPMG (2009aMINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Inquérito Civil nº MPMG-0461.04.000003-0. Ouro Preto: MPMG , 2009a., p. 33-34).
    • 78
      Ibid.
    • 79
      Nesse caso a ação recaiu pessoalmente sobre a ex-prefeita Marisa Maria Xavier Sans, à frente da administração municipal durante os anos de 2001-2004. Cf. Minas Gerais (2008MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0461.04.016183-2/004. Ouro Preto: TJ-MG, 2008. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3eKgFVU . Acesso em: 1 mar. 2021.
      https://bit.ly/3eKgFVU...
      ).
    • 80
      Ibid.
    • 81
      Ibid.
    • 82
      Brasil (1937BRASIL. Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 dez. 1937. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3uyCct6 . Acesso em: 15 fev. 2021.
      https://bit.ly/3uyCct6...
      ).
    • 83
      Restringindo-se posteriormente, em 2010, a regulamentar a questão estética dos engenhos feitos para a festa, conforme mencionado em tópico anterior.
    • 84
      Interessante notar que, a partir de 2005, a prefeitura continuou a realizar a ação de proteger os transeuntes e patrimônio durante o carnaval, colocando tapumes em pontes, estátuas, fontes, imóveis e ruas. Tal ação culminou, inclusive, na criação de um projeto específico para tal na mesma época, em parceria com a Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP). Tal projeto, chamado Tapume+Arte, tornou-se uma forma de intervenção urbana, por meio da pintura artística desses tapumes como ação voluntária durante o carnaval, atividade que se estendeu à atualidade. FAOP... (2014FAOP leva às ruas o programa Tapume+Arte e colore Carnaval de Ouro Preto: tapumes conhecidos por proteger e isolar áreas de construções se transformam em arte no Carnaval de Ouro Preto. Agência Minas Gerais, Belo Horizonte, 21 fev. 2014. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3bGjpBZ . Acesso em: 10 mar. 2021.
      https://bit.ly/3bGjpBZ...
      ).
    • 85
      Cf. Ouro Preto (2001OURO PRETO. Portaria nº 37, de 12 de setembro de 2001. Diário Oficial do Município de Ouro Preto , Ouro Preto, 2021. Disponível em: Disponível em: http://cmop.mg.gov.br/leis/ . Acesso em: 1 mar. 2021.
      http://cmop.mg.gov.br/leis/...
      ).
    • 86
      Para aquisição de tal permissão, a prefeitura determinou número limitado e estruturas específicas de barracas disponibilizadas pela instituição. Como regras, os beneficiários, selecionados por sorteio, não poderiam alterar suas condições, e teriam que submeter às regras da vigilância sanitária, além de obter laudo permissivo do corpo de bombeiros. A prefeitura também exigiu que as instalações elétricas estivessem “em perfeito estado de conservação”. Ouro Preto (2004OURO PRETO. Decreto nº 041, de 3 de fevereiro de 2004. Dispõe sobre a regulamentação do carnaval de 2004 e os critérios de concessão do alvará especial. Diário Oficial do Município de Ouro Preto, Ouro Preto, 2004. Disponível em: Disponível em: http://cmop.mg.gov.br/leis/ . Acesso em: 1 mar. 2021.
      http://cmop.mg.gov.br/leis/...
      ).
    • 87
      Com exceção dos anos de 2005, 2016 e 2021, desde 2004 a prefeitura lança decretos anuais que “regulamenta o carnaval e os critérios de concessão de alvará especial”.
    • 88
      Cf. MPMG (2009aMINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Inquérito Civil nº MPMG-0461.04.000003-0. Ouro Preto: MPMG , 2009a.).
    • 89
      Ibid.
    • 90
      TAC (2005MINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Termo de Ajustamento de Conduta. Ouro Preto: MPMG, 2005.).
    • 91
      Porém, ao analisá-lo, o Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do MPMG solicitou um monitoramento mais específico em locais de grandes concentrações de blocos nos anos seguintes. Cf. MPMG (2009aMINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Inquérito Civil nº MPMG-0461.04.000003-0. Ouro Preto: MPMG , 2009a.).
    • 92
      Cf. Gonzaga (2018GONZAGA, Michele Regina. Políticas de preservação em Ouro Preto - MG: o carnaval. 2018. Monografia. (Bacharelado em Conservação e Restauro) - Instituto Federal Minas Gerais, Ouro Preto, 2018.).
    • 93
      Cf. MPMG (2009aMINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Inquérito Civil nº MPMG-0461.04.000003-0. Ouro Preto: MPMG , 2009a.).
    • 94
      Ibid.
    • 95
      Ibid.
    • 96
      A prefeitura alegou que, sendo a área a ser analisada um local com predomínio de repúblicas estudantis da UFOP, a responsabilidade deveria recair também sobre tal instituição. Ibid.
    • 97
      Cf. Ouro Preto (2006OURO PRETO. Lei nº 185, de 23 de fevereiro de 2006. Exige dos blocos carnavalescos ou folclóricos e congêneres, com mais de 2.000 (duas mil) pessoas para a concessão de alvará, o estudo de impactos ambiental e medidas mitigadoras. Diário Oficial do Município de Ouro Preto , Ouro Preto, 2006a. Disponível em: Disponível em: http://cmop.mg.gov.br/leis/ . Acesso em: 1 mar. 2021.
      http://cmop.mg.gov.br/leis/...
      ).
    • 98
      A exigência da prefeitura também demonstra a mudança de estrutura organizacional da gestão assumida em 2005 que, nesse momento, havia criado novo órgão interno, a Secretaria Municipal de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano, que aliava a administração das questões preservacionistas à gestão urbana, estabelecendo com o Iphan um trabalho conjunto de regulação urbana dando destaque à proteção ao patrimônio cultural edificado. Ouro Preto (2006dOURO PRETO. Lei Complementar nº 15, de 15 de abril de 2006. Altera a Lei Complementar nº 02/2005, modifica a denominação da Secretaria Municipal de Turismo, Indústria e Comércio e da Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio, suas respectivas competências e dá outras providências. Diário Oficial do Município de Ouro Preto , Ouro Preto, 2006d.), Silva (2006SILVA, Patrícia Reis da. A postura da municipalidade na preservação do patrimônio cultural urbano. 2006. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2006.), Teixeira (2015TEIXEIRA, Ricardo dos Santos. Uma conjuntura de aparências: a não construção de um sistema municipal de planejamento urbano em Ouro Preto. 2015. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.).
    • 99
      Cf. Ouro Preto (2006cOURO PRETO. Lei nº 216, de 10 de maio de 2006. Dispõe sobre concessão de Alvará Provisório de Funcionamento de estabelecimentos comerciais, industriais ou de prestação de serviços e dá outras providencias. Diário Oficial do Município de Ouro Preto , Ouro Preto, 2006c.).
    • 100
      A concessão desse alvará pela prefeitura às repúblicas foi, inclusive, alvo de ampla investigação do MP, uma vez que, tratando-se de imóveis da união, não era permitido que houvesse ali atividades comerciais ou realização de prestação de serviços. MPMG (2004aMINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Inquérito Civil nº MPMG-0461.09.000015-3. Ouro Preto: MPMG , 2004a.; 2009cMINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Peça de Informação nº 0461.09.000015-3. Ouro Preto: MPMG 2009c.; 2009dMINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Portaria nº MPMG-0461.09.000021-1. Ouro Preto: MPMG , 2009d.). Durante esse trâmite, as repúblicas chegaram a ser proibidas de realizarem festas que incluíam pacotes de hospedagens e participação nos blocos carnavalescos Cf. Costa (2009COSTA, Fernando. Repúblicas federais de Ouro Preto são impedidas de fazer festas pagas e vender pacotes de Carnaval. O Tempo, Belo Horizonte, 4 nov. 2009. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3tHLXkv . Acesso em: 15 fev. 2021.
      https://bit.ly/3tHLXkv...
      ). A questão tem sido acompanhada por mais de 10 anos pelo Ministério Público federal e estadual, e as repúblicas seguem realizando as festividades com apoio da universidade, sob avaliação de prestação de contas, com a argumentação que o lucro gerado por tais atividades não serve ao enriquecimento pessoal, mas à manutenção e conservação dos imóveis. Alguns Inquéritos Civis, TACs e Recomendações foram elaborados sobre o tema, incentivando fiscalização in loco dessas atividades pela própria universidade durante grandes eventos, como o carnaval e, embora não seja a preocupação principal dessas ações a salvaguarda do patrimônio cultural, e sim do patrimônio público, ainda sim, essas tem sido ações paralelas que auxiliam na prevenção de riscos à preservação do acervo urbano e edificado. Brasil (2016BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de demandas externas. Brasília, DF: TCU, 2016. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3tHMpiH . Acesso em: 15 fev. 2021.
      https://bit.ly/3tHMpiH...
      ), MPF (2019MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Recomendação MPF/MPE nº01, de 11 de fevereiro de 2019. Brasília, DF: MPF, 2019. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/33EBTy3 . Acesso em: 5 mar. 2021.
      https://bit.ly/33EBTy3...
      ).
    • 101
      Além de certidões negativas de débito federal, estadual e municipal e assinatura do Termo de Compromisso de cumprimento da Lei Estadual nº 14.130/2001, que trata da prevenção a incêndios.
    • 102
      Cf. Ouro Preto (2006cOURO PRETO. Lei nº 216, de 10 de maio de 2006. Dispõe sobre concessão de Alvará Provisório de Funcionamento de estabelecimentos comerciais, industriais ou de prestação de serviços e dá outras providencias. Diário Oficial do Município de Ouro Preto , Ouro Preto, 2006c.).
    • 103
      A tratativa dessa questão foi o motivo pelo qual não se realizou TAC em 2008. Cf. MPMG (2009aMINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Inquérito Civil nº MPMG-0461.04.000003-0. Ouro Preto: MPMG , 2009a.).
    • 104
      Cf. Gonzaga (2018GONZAGA, Michele Regina. Políticas de preservação em Ouro Preto - MG: o carnaval. 2018. Monografia. (Bacharelado em Conservação e Restauro) - Instituto Federal Minas Gerais, Ouro Preto, 2018.).
    • 105
      Cf. MPMG, op. cit.
    • 106
      Id., 2009bMINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Inquérito Civil nº MPMG-0461.09.000096-3. Ouro Preto: MPMG , 2009b..
    • 107
      A Lei nº 521/2009 exigiu, para o caso daqueles blocos que desfilariam no espaço da cidade, a definição prévia de trajetos e horários. Para o caso de espaços fechados, a lei determinou alguns critérios de prevenção ao risco de incêndio, bem como a limpeza do espaço e arredores, medidas de segurança, ações de destinação do lixo, e a proibição da propaganda de empresas patrocinadoras por meio de banners e outdoors, prevendo também o pagamento “a moradores que Residem em um raio de 100 m da concentração do bloco e que apresentam recomendação médica ajuda de custo no valor de 2000 PMs destinadas a permitir eles providenciar alternativa de hospedagem.” Ouro Preto (2009cOURO PRETO. Lei nº 521, de 17 de novembro de 2009. Dispõe sobre a regulamentação de concentrações e desfiles de blocos carnavalescos na sede de Ouro Preto. Diário Oficial do Município de Ouro Preto , Ouro Preto, 2009. Disponível em: Disponível em: http://cmop.mg.gov.br/leis/ . Acesso em: 1 mar. 2021.
      http://cmop.mg.gov.br/leis/...
      ).
    • 108
      Cf. MPMG (2009aMINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Inquérito Civil nº MPMG-0461.04.000003-0. Ouro Preto: MPMG , 2009a.).
    • 109
      Com exceção do material “oficial” do carnaval, que ainda assim deveria passar por autorização do Iphan (MACIEIRA, 2021).
    • 110
      TAC (2010MINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Termo de Ajustamento de Conduta . Ouro Preto: MPMG , 2010.).
    • 111
      Cf. MPMG (2011MINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Inquérito Civil nº MPMG-0461.11.000025-8. Ouro Preto: MPMG , 2011.).
    • 112
      Obrigando também a realizar termo de responsabilidade emitido previamente pela Vigilância Sanitária. Cf. Ouro Preto (2012cOURO PRETO. Decreto nº 2.860, de 19 de janeiro de 2012. Dispõe sobre as obrigações das repúblicas estudantis particulares e federais para realização de eventos e hospedagem no período do carnaval 2012. Diário Oficial do Município de Ouro Preto , Ouro Preto, 19 jan. 2012c. Disponível em: Disponível em: http://cmop.mg.gov.br/leis/ . Acesso em: 1 mar. 2021.
      http://cmop.mg.gov.br/leis/...
      , 2012dOURO PRETO. Decreto nº 2.890, de 10 de fevereiro de 2012. Revoga o §2º do art. 2º do Decreto Municipal nº 2.862, que dispõe sobre as obrigações das repúblicas estudantis particulares e federais para realização de eventos e hospedagem no período do carnaval 2012. Diário Oficial do Município de Ouro Preto , Ouro Preto, 2012d. Disponível em: Disponível em: http://cmop.mg.gov.br/leis/ . Acesso em: 1 mar. 2021.
      http://cmop.mg.gov.br/leis/...
      ).
    • 113
      “As condições de hospedagem das repúblicas não têm padrão de pousadas e hotéis, ao contrário, o turista que lá se hospeda durante o carnaval tem direito a um colchão no chão, em meio a um quarto lotado deles. Mal há espaço para guardar a bagagem do visitante, que também faz parte de um público que não se preocupa em dormir no chão, com a contrapartida das festas que ocorrem nas repúblicas. Somente amigos dos moradores das repúblicas ou quem está hospedado pode participar das festas internas, e para garantir a entrada somente dessas pessoas, as repúblicas colocam seguranças nas respectivas portas dos casarões.” Sayegh (2009SAYEGH, Liliane Márcia Lucas. Dinâmica urbana em Ouro Preto: conflitos decorrentes de sua patrimonialização e de sua consolidação como cidade universitária. 2009. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009., p. 172).
    • 114
      O TAC de 2012 também traz como novidade a exigência do cumprimento da Resolução nº 1/2011 da Comissão Municipal de Educação e controle da poluição sonora. TAC (2012MINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Termo de Ajustamento de Conduta . Ouro Preto: MPMG , 2012.).
    • 115
      Ibid.
    • 116
      Macieira (2021).
    • 117
      Provável motivo pelo qual esse parágrafo tenha sido suprimido no TAC do ano seguinte. Cf. TAC (2015MINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Termo de Ajustamento de Conduta . Ouro Preto: MPMG , 2015.).
    • 118
      Apesar da recomendação de fiscalização, não foi criada nenhuma regulamentação específica para tal ação durante o carnaval, nem há dados oficiais sobre o que já pode ter sido feito. De forma geral, tal atividade ocorre por meio de denúncias, relacionadas às mais diversas queixas sobre as posturas urbanas, e durante o evento, incide de forma mais incisiva sobre o excesso de barulho e perturbação do sossego, não tendo uma atuação especifica para a salvaguarda do patrimônio cultural.
    • 119
      TAC (2014MINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Termo de Ajustamento de Conduta . Ouro Preto: MPMG , 2014.).
    • 120
      Id., (2016MINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Termo de Ajustamento de Conduta . Ouro Preto: MPMG , 2016.).
    • 121
      O TAC de 2019 também condiciona a expedição de alvará às repúblicas federais somente após aprovação prévia da UFOP. Id., (2019MINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Termo de Ajustamento de Conduta . Ouro Preto: MPMG , 2019.).
    • 122
      Cf. MPMG (2009aMINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Inquérito Civil nº MPMG-0461.04.000003-0. Ouro Preto: MPMG , 2009a.).
    • 123
      Cf. PMOP (c2021PREFEITURA MUNICIPAL DE OURO PRETO. Pesquisas. Ouro Preto: Prefeitura Municipal, c2021. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/33G2aMI . Acesso em: 20 mar. 2021.
      https://bit.ly/33G2aMI...
      ).
    • 124
      Ibid.
    • 125
      Cf. TAC (2019MINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Termo de Ajustamento de Conduta . Ouro Preto: MPMG , 2017.).

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Abr 2022
    • Data do Fascículo
      2022

    Histórico

    • Recebido
      14 Maio 2021
    • Aceito
      07 Out 2021
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