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Problemas da criação de Dostoiévski (1929): gênese do texto e fontes bibliográficas

RESUMO

O objetivo deste artigo é buscar uma melhor compreensão do conceito de romance polifônico proposto por Mikhail Bakhtin no livro Problemas da criação de Dostoiévski (1929), por meio da recuperação da gênese do texto na cronologia da obra bakhtiniana, bem como dos interlocutores russos e soviéticos de duas áreas: crítica/teoria da literatura e filosofia. A pesquisa bibliográfica e o cotejo dos textos revelaram, por um lado, as fontes do conceito de polifonia, e, por outro, as formulações originais de Bakhtin.

PALAVRAS-CHAVE:
Problemas da criação de Dostoiévski ; Polifonia; Diálogo

ABSTRACT

The aim of this article is to arrive at a better understanding of Mikhail Bakhtin’s concept of the polyphonic novel, proposed in the book Problems of Dostoevsky’s Creation (1929), in the first place, by recovering the genesis of the text within the chronology of Bakhtin’s works, and secondly, through Russian and Soviet interlocutors in two fields: Literary Theory/Criticism, and Philosophy. Bibliographic research, and cross-checking texts revealed, on the one hand, the sources of the concept of polyphony, and, on the other, Bakhtin’s original formulations.

KEYWORDS:
Problems of Dostoevsky’s Creation ; Polyphony; Dialogue

Problemas da criação de Dostoiévski [Проблемы творчества Достоевского] (doravante PCD) foi o primeiro livro publicado por Bakhtin, em 1929, texto que ficou mundialmente conhecido após sua segunda edição, em 1963, com o título Problemas da poética de Dostoiévski [Проблемы поэтика Достоевского] (doravante PPD), e que não para de produzir reedições e traduções. Em 2000, saiu o volume II de M. M. Bakhtin. Obras reunidas, organizado por Serguei Botcharóv, L. Miélikhova, V. L. Mákhlin e B. Pul, com a edição de 1929 e materiais de arquivo. Em 2017, vieram à luz na Rússia duas novas reedições, ambas formadas simultaneamente pelos textos de 1929 e 1963: a do Centro de Iniciativas em Humanidades [Центр гуманитарных инициатив] é precedida por uma pequena apresentação do volume e por um prefácio de Natália Konstantínovna Boniétskaia, doutora em teoria da literatura pelo Instituto da Literatura Universal Maksím Górki, historiadora da filosofia russa, culturóloga e tradutora; e a da editora “Э”, que reeditou PCD e PPD na coleção Biblioteca da Literatura Mundial acompanhados de um longo posfácio de Serguei Botcharóv, um dos principais editores das M. M. Bakhtin. Obras reunidas.

Considerando que essa breve relação das reedições russas recentes atesta a atualidade das e o interesse pelas proposições presentes em PCD e PPD, nosso objetivo neste artigo é buscar uma melhor compreensão do conceito de romance polifônico proposto por Mikhail Bakhtin no texto de 1929, primeiramente, por meio da recuperação de sua gênese na cronologia da obra bakhtiniana e, em seguida, de seus interlocutores russos e soviéticos de duas áreas: crítica/teoria da literatura e filosofia.

1 Origens do texto

Embora saibamos com precisão a data de publicação do PCD, o início da sua escrita e a relação com outros textos produzidos por Bakhtin nos anos 1920 são temas de discussão entre estudiosos russos e possuem grande relevância à compreensão da sua arquitetônica teórico-metodológica. A primeira notícia sobre a produção do livro aparece já em 1922, no jornal de Vítebsk A vida da arte [Жизнь Искусства] (reproduzido abaixo), em uma nota que diz o seguinte: “O jovem pesquisador Bakhtin escreveu um livro sobre Dostoiévski e um tratado sobre a ‘Estética da criação verbal’” (1922, p.4)1 1 No russo: “Молодым учёном М. М. Бахтным написана книга о Достоевском и трактат ‘Эстетика словесного творчества’”. . Essa informação aponta para a relação entre o trabalho sobre Dostoiévski e os textos filosóficos do início dos anos 1920, em particular O autor e o personagem na atividade estética (2003 [1923-1924])2 2 Data fixada nos comentários dos editores de M. M. Bakhtin. Obras reunidas. Vol. 1 (2003, p.499). , pois, conforme já assinalado por Nikoláev (1996)НИКОЛАЕВ, Н. Достоевский и античность как тема Пумпянского и Бахтина (1922-1963) [NIKOLÁEV, N. Dostoiévski e a antiguidade como tema de Pumpiánski e Bakhtin (1922-1963)], Вопросы литературы, No. 3, p.115-127, 1996., a abordagem da relação entre o autor e os personagens no romance de Dostoiévski é parecida com a do texto sobre o autor e o personagem e ainda com uma afirmação do livro de Pumpiánski Dostoiévski e a antiguidade, de 1922, de que “o personagem torna-se um concorrente do seu poeta” (1922, p.16)3 3 No russo: “Герой становится конкурентом своего поэта”. . Os editores do vol. I das M. M. Bakhtin. Obras reunidas (2003, p.505) também defendem que o texto sobre Dostoiévski, “com toda a probabilidade, refratou em si e concretizou a problemática dos outros trabalhos”4 4 No russo: “по всей вероятности, преломлял в себе и конкретизировал проблематику других работ”. , isto é, os trabalhos filosóficos do início dos anos 1920.


Reprodução da primeira página e da página 4 do jornal A vida da arte [Жизнь искусства] de 22 a 28 de agosto de 1922

Nikoláev (1996)НИКОЛАЕВ, Н. Достоевский и античность как тема Пумпянского и Бахтина (1922-1963) [NIKOLÁEV, N. Dostoiévski e a antiguidade como tema de Pumpiánski e Bakhtin (1922-1963)], Вопросы литературы, No. 3, p.115-127, 1996. levanta a hipótese de que, como o conceito de polifonia não apareceu em trabalhos dos anos 1920 anteriores a PCD, esse texto, apesar dos indícios de que sua escrita começou em 1922, foi integralmente reescrito em 1928.

Há ainda traços da relação de PCD e de PPD com Marxismo e filosofia da linguagem, publicado por Volóchinov em 1929. Nos rascunhos preparatórios a PPD, escritos entre 1961 e 1963 e presentes no volume VI das M. M. Bakhtin. Obras reunidas (2002), Bakhtin aproxima a metalinguística da filosofia da linguagem e da estilística da escola de Vossler:

Falamos sobre a palavra e não sobre a língua, uma vez que temos em vista a vida concreta e variada da palavra em sua integralidade, e não a língua como objeto da linguística, obtida por meio da abstração de alguns aspectos essenciais da palavra concreta viva. Esses aspectos são estudados pela filosofia da linguagem e pelas disciplinas metalinguísticas. Nossas últimas análises têm um caráter metalinguístico essencial, que, certamente, não exclui mesmo suas relações estreitas com a linguística (BAKHTIN, 2002, p.355; grifos nossosБАХТИН, M. М. М. Бахтин Собрание Сочинений [BAKHTIN, M. M. M. Bakhtin obras reunidas]. T. 6. Москва: Русские Словари /Языки Славянской Культуры, 2002. [Organizadores. S. G. Botcharóv, V. V. Kójinov])5 5 No russo: “Мы говорим о слове, а не о языке, так как имеем в виду конкретную и многогранную жизнь слова в его целокупности, а не язык как предмет лингвистики, полученный путём отвлечения от некоторых существенных сторон живого конкретного слова. Эти стороны изучаются философией языка и металингвистивами дисциплинами. Наши последующие анализы носят в основном металингвисческий характер, что, конечно, не исключает и их теснейшей связи с лингвистикой”. .

Aqui caracterizamos um conjunto de fenômenos que há muito tempo têm chamado a atenção de teóricos da literatura, que se ocupam de questões de estilística (e também de linguistas, por exemplo, alguns da escola de Vossler). Do nosso ponto de vista, os vosslerianos ocuparam-se não tanto de problemas linguísticos, quanto de metalinguísticos, isto é, estudaram fenômenos não no sistema da língua, mas nas formas de seu funcionamento vivo nos diversos campos da cultura (predominantemente literários). Esses fenômenos, se os estudarmos em sua essência, isto é, como fenômenos de natureza dialógica, extrapolam os limites da linguística estrita, isto é, são metalinguísticos (BAKHTIN, 2002, p.356; grifos nossosБАХТИН, M. М. М. Бахтин Собрание Сочинений [BAKHTIN, M. M. M. Bakhtin obras reunidas]. T. 6. Москва: Русские Словари /Языки Славянской Культуры, 2002. [Organizadores. S. G. Botcharóv, V. V. Kójinov])6 6 No russo: “Мы охарактеризуем здесь ряд явлений, которые уже давно привлекали внимание литературоведов, занимавшихся вопросами стилистики (а также и лингвистов, некоторых, например, школы Фосслера). С нашей точки зрения, фосслерианцы занимались не столько строго лингвистическами, сколько металингвистическими проблемами, т, е. изучали явления не в системе языка, а в формах их живого функционирования в различных областях культуры (преимущественно художественных). Явления эти, если их изучать по существу, т. е. как явления диалогической природы, выходят за пределы строгой лингвистики, т. е. металингвистичны”. .

Os editores do vol. 2 de M. M. Bakhtin. Obras reunidas apontam que uma das linhas que orientou a elaboração do livro sobre Dostoiévski, entre 1922 – ano da primeira notícia sobre a produção da obra – e sua publicação em 1929, foi a participação na problemática linguística e da filosofia da linguagem, que foram objeto de uma série de trabalhos de Volóchinov e que se refletiram na teoria do diálogo e no tema da “palavra em Dostoiévski” de PCD.

Nikolai Vassíliev, em seu texto de apresentação do Colóquio “90 anos de Problemas da obra de Dostoiévski7 7 À época, a tradução desse livro para o português estava em curso e o título provisório era “Problemas da obra de Dostoiévski”. A partir das discussões realizadas durante o Colóquio com pesquisadores russos e brasileiros, decidimos que a tradução mais adequada para “творчество” seria “criação”. (1929-2019), observa essa filiação e aproximação da metalinguística bakhtiniana em relação à filosofia da linguagem e à estilística da escola de Vossler, campos que merecem uma pesquisa mais cuidadosa a fim de compreendermos com mais profundidade e precisão a proposta bakhtiniana de fundar a metalinguística.

Passemos a cotejar brevemente a abordagem comum da atividade estética nos textos O autor e o personagem na atividade estética (1923-24) e Problemas da criação de Dostoiévski (1929). Botcharóv e Nikoláev, os editores do vol. I das M. M. Bakhtin. Obras reunidas (2003), consideram que o gênero do texto sobre o autor e o personagem deve ser considerado como um “tratado”, espécie que, no início do século XX, dispensava citações dos oponentes e predecessores teóricos. Assim como afirmado no texto Por uma filosofia do ato (2003), o texto sobre o autor e o personagem [Автор и герой в эстетической деятельности] compreende a segunda parte do projeto maior de investigação dos aspectos fundamentais da arquitetônica do mundo real vivenciado e cujo objetivo é analisar a ética da criação artística ou literária. Logo no início do texto, Bakhtin define a arquitetônica do seguinte modo: “A arquitetônica – como disposição e relação conceitual e intuitiva necessária e não casual das partes e aspectos concretos, singulares em um todo concluído – é possível apenas em torno de um ser humano enquanto personagem” (BAKHTIN, 2003 [1923-24], p.70BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)8 8 No russo: “Архитектоника – как воззрительно-интуитивно необходимое, не случайное расположение и связь конкретных, единственных частей и моментов в завершенное целое – возможно только вокруг данного человека – героя”. . E ainda dentro do mesmo parágrafo continua:

A prosa, para concluir-se e fundir-se em uma obra acabada, deve usar o processo estetizado do indivíduo criador – do seu autor, refletir em si a imagem da existência finalizada da sua criação, pois do interior do sentido puro e abstraído do seu autor, ela não pode encontrar quaisquer aspectos concludentes e arquitetonicamente ordenadores (BAKHTIN, 2003 [1923-24], p.71BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)9 9 No russo: “Проза, чтобы завершиться и отлиться в законченное произведение, должна использовать эстетизованный процесс творческого индивидуума – автора её, отразить в себе образ законченного события творчества его, ибо изнутри своего чистого, отвлеченного от автора смысла она не может найти никаких завершающих и архитектонически упорядочивающих моментов”. .

Nesse texto, a atividade estética criativa resulta da relação do autor criador em torno de seus personagens, um dos aspectos centrais do conceito de polifonia. Nas últimas páginas do manuscrito O autor e o personagem na atividade estética, Bakhtin retoma o conceito de arquitetônica para defender que a composição é determinada pela arquitetônica do mundo artístico:

As formas da visão artística e de conclusão do mundo determinam os procedimentos extraliterários e não o contrário, a arquitetônica do mundo artístico determina a composição da obra (a ordem, a distribuição e a conclusão, o encadeamento das massas verbais) e não o contrário (BAKHTIN, 2003 [1923-24], p.253BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)10 10 No russo: “Формы художественного видения и завершения мира определяют внешнелитературные приёмы, а не наоборот, архитектоника художественного мира определяет композицию произведения (порядок, распределение и завершение, сцепление словесных масс), а не наоборот”. .

Em síntese, a arquitetônica artística tem seu centro organizador na atividade autoral em relação ao personagem, a qual se constitui de formas de visão artística e de conclusão do mundo que determinam a construção composicional da obra literária e, mais particularmente no que nos interessa aqui, a construção do romance polifônico de Dostoiévski.

A referência explícita a Dostoiévski é encontrada nas seguintes passagens:

  1. No início da seção O problema da relação entre o autor e o personagem [Проблема отношение автора к герою] (2003 [1923-24], p.88), Bakhtin caracteriza essa relação como arquitetonicamente estável e dinâmica e propõe o seguinte plano para seu ensaio: “apontaremos de modo sucinto só os caminhos e tipos de sua individualização e, por fim, poremos à prova nossas conclusões sobre a relação entre o autor e o personagem na obra de Dostoiévski, Púchkin etc.” (BAKHTIN, 2003 [1923-24], p.71BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)11 11 No russo: “мы лишь вкратце наметим пути т типы её индивидуализации и наконец проверим наши выводы на анализе отношения автора к герою в творчестве Достоевского, Пушкина и др”. . Vemos que a análise do personagem em Dostoiévski, entre outros, estava no plano de trabalho de Bakhtin.

  2. No final da última seção de O autor e o personagem na atividade estética (2003 [1923-24], p.258; grifos nossos), Dostoiévski volta a ser citado como um dos exemplos para a crise do autor:

    É abalada e apresentada como não essencial a própria posição da extralocalização, questiona-se no autor o direito de ficar fora da vida e dar-lhe acabamento. Começa a desintegração de todas as formas transgredientes e estáveis (acima de tudo na prosa que vai de Dostoiévski até Biéli; para a lírica a crise da autoria tem sempre uma importância menor: Aniénski etc.) a vida torna-se compreensível e factualmente ponderável só do interior, só lá onde eu a vivencio como eu, na forma da relação consigo próprio, nas categorias valorativas do meu eu-para-mim: compreender significa entrar no objeto, contemplá-lo com os próprios olhos dele, recusar a essencialidade da extralocalização em relação a ele [...]12 12 No russo: “Расшатывается и представляется несущественной самая позиция вненаходимости, у автора оспаривается право быть вне жизни и завершать её. Начинается разложение всех устойчивых трансгредиентных форм (прежде всего в прозе от Достоевского до Белого, для лирики кризис авторства всегда имеет меньшее значение – Анненский и пр.); жизнь становится понятной и событийно весомой только изнутри, только там, где я переживаю её как я, в форме отношения к себе самому, в ценностных категориях моего я-для-себя: понять – значит вжиться в предмет, взглянуть на него его же собственными глазами, отказаться от существенности своей вненаходимости ему [...]”. .

  3. Por fim, a última página é acompanhada por uma cópia do manuscrito, na qual se vê o título da seção seguinte: O problema do autor e do personagem na literatura russa [Проблема автора и героя в русской литературе], que não é seguido de nenhum texto, o que, por um lado, aponta para o inacabamento do manuscrito e, por outro, mostra mais uma vez a intenção de Bakhtin de usar exemplos da literatura russa para colocar à prova suas teses, entre os quais bem provavelmente estaria Dostoiévski.


Reprodução das últimas duas páginas do ensaio O autor e o personagem na atividade estética [Автор и герой в эстетической деятельности] (2003 [1923-24], p.262-263)

Além dessas três menções explícitas, a releitura de O autor e o personagem na atividade estética (2003 [1923-24]) à luz da observações de Botcharóv e Nikoláev de que há uma relação estreita entre o trabalho sobre Dostoiévski e os textos filosóficos do início dos anos 1920, em particular O autor e o personagem na atividade estética (2003 [1923-1924]), permitiu a identificação de dois aspectos comuns às abordagens da atividade estética nos dois textos mencionados: 1) O papel da língua e do estilo na atividade estética; 2) A autoconsciência como princípio orientador da construção do personagem no romance polifônico.

Em relação ao primeiro aspecto, sob influência da polêmica com os formalistas, Bakhtin preocupa-se em situar o papel da língua, enquanto conceito da Linguística, como um aspecto, um meio material que deve ser superado pela atividade estética. Essa discussão, já presente no texto O autor e o personagem na atividade estética, orientará, a nosso ver, as análises estilísticas de PCD13 13 Conforme demonstramos em recente artigo (GRILLO, 2019), as análises estilísticas dos últimos capítulos de PCD foi o aspecto mais bem avaliado pelos resenhadores russos e estrangeiros, logo após a publicação de PCD (1929) por Bakhtin. e a proposta de metalinguística em PPD14 14 M. M. Бахтин Sobránie Sotchiniénii [M.M. Bakhtin obras reunidas]. Vol. 6. Москва: Русские Словари /Языки Славянской Культуры, 2002. [Organizadores. S. G. Botcharóv, V. V. Kójinov) , uma vez que a língua, enquanto objeto da linguística, não é suficiente para explicar o papel da palavra no enunciado literário.

De fato, o artista trabalha com a língua, mas não como língua, como língua ele a supera, pois ela não deve ser percebida como língua em sua definição linguística (morfológica, sintática, lexicológica etc.), e só na medida em que ela se torna um meio de expressão artística. (A palavra deve cessar de ser sentida como palavra) (BAKHTIN, 2003 [1923-1924], p.249BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)15 15 No russo: “Действительно, язык обрабатывает художник, но не как язык, как язык он его преодолевает, ибо он не должен восприниматься – как язык в его лингвистической определённости (морфологической, синтаксической, лексикологической и пр.), и лишь постольку он становится средством художественного выражения. (Слово должно перестать ощущаться как слово)”. .

[...] O estilo propriamente verbal (a relação do autor com a língua e suas maneiras de operar com a língua condicionadas por essa relação) é o reflexo na natureza do material de seu estilo artístico (o reflexo da relação com a vida e o mundo da vida e, por meio dessa relação, da maneira convencional de elaboração do homem e do seu mundo); o estilo artístico não trabalha com palavras, mas com aspectos do mundo, com valores do mundo e da vida; o estilo pode ser definido como o conjunto de procedimentos de enformação e de conclusão do homem e do seu mundo, e esse estilo determina também a relação com o material, a palavra, cuja natureza certamente é preciso conhecer para compreender essa relação (BAKHTIN, 2003 [1923-1924], p.251-52BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)16 16 No russo: “[...] Собственно словесный стиль (отношение автора к языку и обусловленные им способы оперирования с языком) есть отражение на данной природе материала его художественного стиля (отношение к жизни и муру жизни и обусловленного этим отношением способа обработки человека и его мира); художественный стиль работает не словами, а моментами мира, ценностями мира и жизни, его можно определить как совокупность приёмов формирования и завершения человека и его мира, и этот стиль определяет собою и отношение к материалу, слову, природу которого, конечно, нужно знать, чтобы понять это отношение”. .

Por isso a estilística crescida no solo do Classicismo conhece apenas a vida da palavra em um único contexto fechado. Ela ignora todas aquelas mudanças que ocorrem com a palavra no processo de sua passagem de um enunciado concreto para outro e no processo de orientação mútua desses enunciados. Ela conhece apenas aquelas mudanças que se realizam no processo de passagem da palavra do sistema da língua para o enunciado poético monológico. A vida e as funções da palavra no estilo de um enunciado concreto são percebidas no contexto da sua vida e das suas funções na língua. As relações internamente dialógicas da palavra consigo própria em um contexto alheio, em lábios alheios, são ignoradas. Nesses moldes é elaborada a estilística até o presente momento (BAKHTIN, 1929, p.97-98БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)17 17 No russo: “Поэтому выросшая на почве классицизма стилистика знает только жизнь слова в одном замкнутом контексте. Она игнорирует те изменения, которые происходят со словом в процессе его перехода из одного конкретного высказывания в другое и в процессе взаимно-ориентации этих высказываний. Она знает лишь те изменения, которые совершаются в процессе перехода слова из системы языка в монологическое поэтическое высказывание. Жизнь и функции слова в стиле конкретного высказывания воспринимаются на фоне его жизни и функций в языке. Внутренне-диалогические отношения слова к тому же слову в чужом контексте, в чужих устах, игнорируются. В этих рамках разрабатывается стилистика и до настоящего времени”. .

Em ambos os textos, a língua, seja como “definição linguística” seja como “sistema da língua”, não é suficiente para dar conta da palavra no estilo artístico ou no enunciado artístico. A estilística proposta por Bakhtin deve dar conta da relação da palavra entre palavras, da relação do autor com os personagens, da reação da palavra à palavra. Enquanto no texto O autor e o personagem na atividade estética, a ênfase de Bakhtin recai sobre o estilo como relação do autor com o material, como expressão da relação do autor com o mundo dos outros, em PCD o conceito de enunciado artístico e concreto vem para primeiro plano e o estilo é analisado por meio da relação dialógica entre enunciados.

O segundo aspecto é o papel da autoconsciência tanto na atividade estética, quanto no romance polifônico de Dostoiévski.

A forma deve empregar o aspecto transgrediente à consciência do personagem (à sua autovivência possível e à sua autoavaliação concreta), mas que tem com ele uma relação que o determina – como um todo – de fora, isto é, seu endereçamento de fora, as fronteiras dele, além das fronteiras do seu todo. A forma é uma fronteira elaborada esteticamente ... As fronteiras são vivenciadas diferentemente em sua essência: de dentro na autoconsciência e de fora na vivência estética do outro (BAKHTIN, 2003 [1923-1924], p.165BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)18 18 No russo: “Форма должна использовать трансгредиентный сознанию героя (его возможному самопереживанию и конкретной самооценке) момент, но имеющий к нему отношение, определяющий его – как целое – извне, т. е. его обращённость вовне, его границы, причём границы его целого. Форма есть граница, обработанная эстетически … Границы существенно различно переживаются: изнутри в самосознании и извне в эстетическом переживании другого”. .

A autoconsciência, como dominante artística da construção do personagem, já é por si própria suficiente para decompor a unidade monológica do mundo artístico, mas com a condição de que o personagem, como autoconsciência, de fato se represente e não se expresse, isto é, não se funda com o autor, não se torne seu porta-voz, e, consequentemente, com a condição de que as ênfases da autoconsciência do personagem de fato sejam objetivadas e que na própria obra ocorra uma distância entre o personagem e o autor. Se o cordão umbilical que une o personagem com seu criador não tiver sido cortado, teremos diante de nós não uma obra, mas um documento pessoal (BAKHTIN, 1929, p.60БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)19 19 No russo: “Самосознание, как художественная доминанта ы построении героя, уже само по себе достаточно, чтобы разложить монологическое единство художественного мира, но при условии, что герой, как самосознание, действительно изображается, а не выражается, т. е. не сливается с автором, не становится рупором для его голоса, при том условии, следовательно, что акценты самосознания героя действительно объективированы и что в самом произведении дана дистанция между героем и автором. Если же пуповина, соединяющая героя с его творцом, не обрезана, то перед нами не произведение, а личный документ”. .

No texto O autor e o personagem (1923-24), a autoconsciência é a vivência da forma a partir do interior do personagem, já em PCD (1929) a autoconsciência é o princípio básico de construção do personagem do romance polifônico e permite a decomposição da unidade monológica do mundo artístico.

2 Polifonia e seus precursores na crítica literária russa e soviética

Bakhtin elaborou sua tese sobre a transformação revolucionária do gênero romance por Dostoiévski em diálogo com uma tradição de estudos literários, principalmente russos, entre os quais ele selecionou os mais próximos à sua proposição para resenhar no primeiro capítulo de seu livro: “Dos novos trabalhos sobre ele, russos e estrangeiros, nos deteremos apenas em alguns, justamente naqueles que se aproximaram mais da particularidade fundamental de Dostoiévski, como a compreendemos” (BAKHTIN, 1929, p.11БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)20 20 No russo: “Из новых работ о нём, русских и иностранных, мы остановимся лишь на немногих, именно на тех, которые ближе всего подошли к основной особенности Достоевского, как мы её понимаем”. . À luz dessa proposição, parece-nos que as críticas e insuficiências apontadas por Bakhtin nos trabalhos resenhados não eliminam seus acertos e, com isso, o fato de que as propostas bakhtinianas têm suas raízes, entre outros, neles.

Ao lermos esses trabalhos e as resenhas produzidas por Bakhtin a respeito deles no capítulo 1 – O romance polifônico de Dostoiévski (colocação do problema), verificamos que o termo “polifonia” já tinha sido utilizado por um teórico da literatura, Vassíli Komaróvitch (1894-1942), ao analisar o romance de Dostoiévski O adolescente:

Desse modo, a subordinação teleológica de elementos (enredos) pragmaticamente separados é o princípio da unidade artística do romance de Dostoiévski. E, nesse sentido, ele pode ser equiparado ao todo artístico na música polifônica: cinco vozes da fuga, que entram subsequentemente e se desenvolvem na harmonia contrapontística, lembram a “condução de vozes” do romance de Dostoiévski. Essa equiparação, se ela for correta, leva a uma definição mais geral do próprio princípio da unidade. Assim como na música, o romance de Dostoiévski realiza a mesma lei da unidade que ocorre em nós mesmos, no “eu” humano: a lei da atividade com um objetivo específico. Já no romance “O adolescente”, esse princípio da unidade é totalmente adequado àquilo que nele está simbolicamente representado: o “amor – ódio” de Versílov por Akhmakóva, símbolo dos impulsos trágicos da vontade individual em relação ao supraindividual; portanto todo o romance é também construído com base no tipo de um ato volitivo individual (KOMARÓVITCH, 1925, p.67-68; grifos nossosКОМАРОВИЧ, В. Роман Достоевского “Подросток”, как художественное единство [KOMARÓVITCH, V. O romance de Dostoiévski “O adolescente”, como unidade artística]. In: ДОЛИНИН, А. С. Достоевский: статьи и материалы [DOLÍNIN, A. Dostoiévski: artigos e materiais]. Ленинград: Мысль, 1925. с. 31-68.)21 21 No russo: “Телеологическое соподчинение прагматически разъединенных элементов (сюжетов) является таким образом началом художественного единства романа Достоевского. И в этом смысле он может быть уподоблен художественному целому в полифонической музыке: 5 голосов фуги, последовательно вступающих и развивающихся в контрапунктическом созвучии, напоминают ‘голосоведение’ романа Достоевского. Такое уподобление, - если оно верно, - ведёт к более обобщенному определению самого начала единства. Как в музике, так и в романе Достоевского осуществляется тот же закон единства, что и в нас самих, в человеческом ‘я’, - закон целесообразной активности. В романе же Подросток этот принцип его единства совершенно адэкватен тому, что в нём символически изображено: ‘любовь-ненависть’ Версилова и Ахмаковой – символ трагических порывов индивидуальной воли к сверхличному; соответственно этому весь роман и построен по типу индивидуального волевого акта”. .

Komaróvitch22 22 Nossa gratidão à professora russa Ekaterina Vólkova Américo, por nos auxiliar na identificação da sílaba tônica dos nomes próprios russos e por ter revisado algumas traduções. encontra na polifonia a melhor analogia para explicar como os quatro grupos de enredo do romance, apesar de fraca ligação entre si, formam uma unidade no “ato volitivo individual”, que possui uma dimensão trágica ao simbolizar a supremacia da vontade individual sobre a coletiva, tema recorrente nas análises da obra de Dostoiévski. A crítica de Bakhtin aponta três insuficiências nessa abordagem: a não consideração da combinação de consciências plenivalentes com seus mundos, o fato de que as vozes permanecem autônomas e de que ocorre uma combinação de muitas vontades.

Dando um passo atrás, identificamos que o teórico da literatura Viatcheslav Ivánov já havia utilizado as metáforas musicais e o contraponto para analisar a obra de Dostoiévski. Os editores do vol. 2 de M. M. Bakhtin. Obras reunidas (2000) afirmam que “Sem dúvida, o artigo de Viatcheslav Ivánov ‘Dostoiévski e o romance tragédia’ (1911) foi a mais importante e primordial entre as fontes diretas das concepções de PCD” (2000, p.435)23 23 No russo: “Безусловно, из прямых источников концепции ПТД статья Вячеслава Иванова ‘Достоевский и роман трагедия’ (1911) была важнейшим и первичным”. e ainda “a influência velada dos impulsos do trabalho de Ivánov sobre o livro foi mais ampla e importante do que as citações diretas desse nome em suas páginas” (2000, p.436)24 24 No russo: “Скрытое действие импульсов от работ Иванова в книге обширнее и значительнее прямого упоминания этого имени на её страницах”. . A tese de Ivánov sobre o “romance-tragédia” utiliza a ideia de “multivocalidade” para caracterizar a multiplicidade de pontos de vista ideológicos orquestrados por Dostoiévski:

O entusiasmo de Schiller, “seu beijo para o mundo todo”, a felicidade universal em Deus e na Terra, que obriga Dimítri Karamázov a entoar o hino, tudo isso foi, na orquestra multivocal da obra de Dostoiévski, emitido ininterruptamente pela harpa do apelo místico [...] É possível adivinhar o que Dostoiévski aprendeu da composição de George Sand, esta chamada por ele de “precursora de um futuro mais feliz”? Diríamos: acima de tudo o “caráter ideológico” na composição do romance, sua agudeza filosófica e social, que o aproxima, na própria tarefa, do tipo romance-teorema” (IVÁNOV, 1916, p.15; grifos nossosИВАНОВ, В. Достоевский и роман-трагедия [IVÁNOV, V. Dostoiévski e o romance-tragédia]. В: Борозди и Межи. Опыты эстетические и критические. [IVÁNOV, V. Сisuras e limites. Ensaios estéticos e críticos] Москва: Мусагет, 1916. с.3-61)25 25 No russo: “Шиллеров дифирамбический восторг, его ‘поцелуй всему миру’ во имя живого Отца ‘над звездами’, - та вселенская радость о Земле и Боге, которая нудить Дмитрия Карамазова воспеть гимн, и именно словами Шиллера, - всё это было, в многоголосом оркестре творчества Достоевского, непрестанно звучавшею арфой мистического призыва [...] Можно догадываться, что из сочинении Жоршь-Сандь Достоевский, назвавший её ‘предчувственницей более счастливого будущего’ учился – чему? – мы бы сказали: больше всего ‘идейности’ в композиции романов, их философической и общественной обостренности, всему, что сближает их, в самом задании, с типом романа-теоремы”. .

O individualismo idealista e a autossuficiência resultam no isolamento do homem, aspectos apontados por Ivánov como revelações da obra de Dostoiévski para seus contemporâneos. O personagem ideólogo – por exemplo, o homem do subsolo ou Raskólnikov de Crime e castigo – formula sua ideologia no isolamento que o leva à hostilidade contra o outro. No texto A crise do individualismo (1909), Ivánov vê na contemporaneidade do século XIX a luta entre os princípios do individualismo e da comunhão/espírito comunitário [соборность], em que o primeiro assimila o segundo e cria um tipo especial de espírito caracterizado por Ivánov como “demoníaco”.

Ivánov (1916)ИВАНОВ, В. Достоевский и роман-трагедия [IVÁNOV, V. Dostoiévski e o romance-tragédia]. В: Борозди и Межи. Опыты эстетические и критические. [IVÁNOV, V. Сisuras e limites. Ensaios estéticos e críticos] Москва: Мусагет, 1916. с.3-61 continua com a metáfora musical para caracterizar a arquitetônica do romance por meio da técnica do “contraponto”, em que duas ou mais linhas melódicas soam simultaneamente, formando um conjunto polifônico em que as individualidades sonoras são a base da composição:

Semelhantemente a um criador de sinfonias, ele utilizou o seu mecanismo na arquitetônica da tragédia e aplicou no romance o método equivalente ao desenvolvimento temático e contrapontístico na música, - método cujos desvios e transformações o compositor usa para levar-nos à percepção e à vivência psicológicas do todo da obra, enquanto unidade (IVÁNOV, 1916, p.20; grifos nossosИВАНОВ, В. Достоевский и роман-трагедия [IVÁNOV, V. Dostoiévski e o romance-tragédia]. В: Борозди и Межи. Опыты эстетические и критические. [IVÁNOV, V. Сisuras e limites. Ensaios estéticos e críticos] Москва: Мусагет, 1916. с.3-61)26 26 No russo: “Подобно творцу симфоний, он использовал его механизм для архитектоники трагедии и применил к роману метод, соответствующий тематическому и контрапунктическому развитию в музыке, - развитию, излучинами и превращениями которого композитор приводить нас к восприятию и психологическому переживанию целого произведения, как некоего единства”. .

A técnica contrapontística é o mecanismo de composição do que Ivánov chamou de “romance-tragédia”, ou seja, apesar de soarem em conjunto, as vivências psicológicas permanecem isoladas e levam à tragédia. A relação entre autor e personagem e entre os personagens baseia-se no realismo da afirmação da subjetividade alheia:

O conhecimento não é a base do realismo defendido por Dostoiévski, mas a penetração (p.33) [...] a penetração é um transcensus do sujeito, como condição perante a qual é possível passar a reconhecer o outro eu não como objeto, mas como outro sujeito. [...] O símbolo dessa penetração consiste em uma afirmação absoluta com toda a vontade e a compreensão da existência alheia: “tu és” (IVÁNOV, 1916, p.34-35ИВАНОВ, В. Достоевский и роман-трагедия [IVÁNOV, V. Dostoiévski e o romance-tragédia]. В: Борозди и Межи. Опыты эстетические и критические. [IVÁNOV, V. Сisuras e limites. Ensaios estéticos e críticos] Москва: Мусагет, 1916. с.3-61)27 27 No russo: “Не познание есть основа защищаемого Достоевским реализма, а ‘проникновение’ [...] Проникновение есть некий transcendus субъекта, такое его состояние, при котором возможным становится воспринимать чужое я не как объект, а как другой субъект. Символ такого проникновения заключается в абсолютном утверждения, всею волею и всем разумением чужого бытия: ‘ты еси’”. .

O realismo das subjetividades em interação, em que a relação eu-outro suplanta a relação eu-objeto, é, segundo Ivánov, a fé de Dostoiévski para superar o individualismo.

Muito embora tenha partido dessas reflexões de Ivánov, Bakhtin reformulou o conceito de romance-tragédia para o de romance polifônico, pois considerava que Ivánov tentou “reduzir uma forma artística nova a uma vontade artística já conhecida” (BAKHTIN, 1929, p.16БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)28 28 No russo: “вести новую художественную форму к уже знакомой художественной воле”. . Antes de Bakhtin, porém, Pumpiánski (1922)ПУМПЯНСКИЙ, Л. В. Достоевский и Античность [PUMPIÁNSKI, L. Dostoiévski e a Antiguidade]. Петербург: Замыслы, 1922., em seu libreto Dostoiévski e a antiguidade [Достоевский и античность], já havia rejeitado a tese de que o romance de Dostoiévski se aproximava da tragédia grega, pois esta seria uma memória de fatos já ocorridos, passados, ou, em outros termos, uma última onda totalmente fictícia dos acontecimentos, enquanto que a poesia de Dostoiévski é uma profecia, uma antecipação de um tempo futuro, portanto o romancista não é um poeta trágico. Contudo, o núcleo da crítica de Bakhtin à abordagem de Ivánov está no fato de que este teria feito uma análise a partir de uma orientação ético-religiosa e não demonstrou como essa orientação assumiu uma forma literária concreta ou um “princípio de construção artística do todo verbal do romance”, como vemos no fragmento a seguir:

Infelizmente, Ivánov não mostrou como esse princípio de visão de mundo de Dostoiévski torna-se um princípio da visão de mundo artística e da construção artística do todo verbal do romance. Com efeito, ele é essencial para o teórico da literatura somente nessa forma, na forma do princípio da construção literária concreta, e não como princípio ético-religioso de uma visão de mundo abstrata. E somente nessa forma ele pode ser revelado no material empírico de obras literárias concretas (BAKHTIN, 1929, p.15БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)29 29 No russo: “Иванов, к сожалению, не показал, как этот принцип мировоззрения Достоевского становится принципом художественного видения мира и художественного построения словесного целого-романа. Ведь только в этой форме, в форме принципа конкретного литературного построения, е не как этико-религиозный принцип отвлечённого мировоззрения, он существенен для литературоведа. И только в этой форме он может быть объективно вскрыт на эмпирическом материале конкретных литературных произведений”. .

De modo semelhante, Askóldov (1922АСКОЛЬДОВ, С. Религиозно-этическое значение Достоевского [ASKÓLDOV, S. A significação ético-religiosa de Dostoiévski]. In: ДОЛИНИН, А. С. Достоевский: статьи и материалы [Dostoiévski: artigos e materiais]. Санкт Петербург: Мысль, 1922. p.1-32., 1925АСКОЛЬДОВ, С. Психология характеров у Достоевского [ASKÓLDOV, S. A psicologia dos caráteres em Dostoiévski]. In: ДОЛИНИН, А. С. Достоевский: статьи и материалы II [DOLÍNIN, A. Dostoiévski: artigos e materiais II]. Санкт Петербург: Мысль, 1925. p.5-27.) teria passado da visão de mundo ético-religiosa de Dostoiévski diretamente ao conteúdo de seus romances, sem analisar como esse conteúdo assumiu uma forma literária, compreendida como procedimentos artísticos particulares da construção do romance. Contudo, o próprio Bakhtin reconhece as formulações de Askóldov a respeito da grande autonomia interna dos personagens de Dostoiévski, que são representados como “personalidades” [личность]30 30 Palavra russa que cobre um espectro de conceitos e pode ser traduzida para o português como: personalidade, pessoa, indivíduo. :

Personalidade – é a formação de uma origem mais interior e mais individualizada. Nele sempre sentimos claramente um centro imutável em relação a todas as influências exteriores e insuperáveis do “eu” único no mundo e humanamente irrepetível. Esse centro está potencialmente presente em cada pessoa, mas não são muitos que têm consciência dele, conservam-no e o descobrem. O conflito de caracteres com as circunstâncias exteriores é dramático. É uma luta para a qual normalmente há saída e pacificação. O conflito de personalidades, de suas antinomias exteriores e interiores, é trágico. Diante de uma pressão exterior, as personalidades se afastam e se fecham no subsolo, ou travam uma luta, cuja saída em todo caso não é a pacificação. A vida não pode transformá-los a seu modo. Isso não significa que elas são imutáveis. A personalidade frequentemente sofre metamorfoses essenciais. A flexibilidade lhe é própria em algum grau. Contudo, essas metamorfoses ocorrem a partir do interior. Nesse sentido, o seu desenvolvimento é mais orgânico, o que, porém, não exclui as mais agudas crises na vida deles (ASKÓLDOV, 1922, p.2-3АСКОЛЬДОВ, С. Религиозно-этическое значение Достоевского [ASKÓLDOV, S. A significação ético-religiosa de Dostoiévski]. In: ДОЛИНИН, А. С. Достоевский: статьи и материалы [Dostoiévski: artigos e materiais]. Санкт Петербург: Мысль, 1922. p.1-32.)31 31 No russo: “Личность – это оформленность наиболее внутреннего происхождения и наиболее индивидуализированная. В ней всегда явственно ощутим неизменяемый, для всяких внешних воздействий непреодолимый стержень единственного в мире и неповторяемого человеческого ‘я’. Потенциально этот стержень заложен во всяком человеке, но далеко не многие его осознают, сохраняют и раскрывают. Столкновения характеров с внешними условиями драматичны. Это борьба, в которой обыкновенно есть исход и примирение. Столкновение личностей, их внешние и внутренние антиномии трагичны. При внешнем давлении они или сторониться и скрываются в подполье, или вступают в борьбу, исход которой во всяком случае не примирение. Жизнь не может перековать из на свой лад. Из этого не следует, что они неизменны. Личность часто претерпевает коренные метаморфозы. Ей в высокой степени свойственна гибкость. Но эти метаморфозы идут изнутри. В этом отношении их рост наиболее органичен, что, однако, не исключает в их жизни самых острых кризисов”. .

Essa definição de “personalidade” auxilia, a nosso ver, a compreensão do modo de construção dos personagens de Dostoiévski e não é negada por Bakhtin em seu capítulo sobre O personagem em Dostoiévski:

O autor deixa para seu personagem a última palavra. O projeto do autor precisa justamente da palavra ou mais precisamente da tendência para ela. Ele constrói o personagem não por meio de palavras alheias, nem de definições neutras; ele não constrói um caráter, tipo ou temperamento; de um modo geral, não há uma imagem do personagem, mas justamente a palavra do personagem sobre si próprio e sobre o seu mundo (BAKHTIN, 1929, p.63БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)32 32 No russo: “Автор действительно оставляет за своим героем последнее слово. Именно оно или, точнее, тенденция к нему и нужна автору для его замысла. Он строит героя не из чужих слов, не из нейтральных определений, он строит не характер, не тип, не темперамент, вообще не образ героя, а именно слово героя о себе самом и о своём мире”. .

As três modalidades de personagem – caráter, tipo ou temperamento – também são descritas por Askóldov para mostrar que a “personalidade” é a especialidade de Dostoiévski. Nessa passagem, Bakhtin lança mão da classificação de Askóldov e não inclui a “personalidade” entre os modos de construção de personagem inadequados para compreender Dostoiévski. Ao contrário, essa “personalidade”, a nosso ver, parece ser um dos componentes na construção dos personagens de Dostoiévski.

Embora os editores do vol. 2 de M. M. Bakhtin. Obras reunidas afirmem que Viatcheslav Ivánov tenha sido a mais importante fonte das ideias de PCD, o próprio Bakhtin atribui grande valor a dois trabalhos do teórico da literatura Leonid Gróssman e o cita literalmente não só no capítulo 1, A particularidade fundamental da obra de Dostoiévski e sua elucidação na literatura crítica [Основная Особенность Творчества Достоевского и её Освещение в Критической литературе], mas também no capítulo 4, A função do enredo de aventura nas obras de Dostoiévski [Функция авантюрного сюжета в произведениях Достоевского], e no capítulo 3 da segunda parte, A palavra do personagem e a palavra na narração nos romances de Dostoiévski [Слово героя и слово рассказа в романах Достоевского]. No texto A poética de Dostoiévski [Поэтика Достоевского] (1925)33 33 A edição de 1962 do livro de Bakhtin, Problemas da poética de Dostoiévski, praticamente reproduz o título de um dos livros de Gróssman, A poética de Dostoiévski (1925). , Gróssman afirma que “na pessoa de Dostoiévski, a evolução do romance europeu viveu uma das etapas mais revolucionárias com base em tradições, práticas e lendas seculares”34 34 No russo: “в лице Достоевского Эволюция европейского романа пережила один из своих самых крупных революционных этапов, в корне преобразивших ее вековые традиции, навыки и предания”. (1925, p.1), ou seja, assim como Bakhtin, Gróssman apontou que Dostoiévski realizou uma inovação no romance europeu.

Bakhtin cita em PCD uma passagem em que Gróssman teria corretamente analisado a significação do diálogo para a construção da multiplanaridade do romance de Dostoiévski:

A forma da conversa ou da discussão, em que distintos pontos de vista podem alternadamente sobressair-se e refletir nuances variadas de confissões opostas, convém especialmente à encarnação de uma filosofia eternamente em formação e nunca enrijecida. Diante de um artista e espectador de imagens, como Dostoiévski, no momento das suas reflexões profundas sobre o sentido dos fenômenos e sobre o segredo do mundo, deve ter sido representada essa forma de filosofar, na qual é como se cada opinião se tornasse um ser vivo e expusesse uma voz humana inquieta (GRÓSSMAN, 1924, p.10ГРОССМАН, Л. Путь Достоевского [GRÓSSMAN, L. O caminho de Dostoiévski]. Ленинград: Брокгаус-Ефрон, 1924.)35 35 No russo: “Форма беседы или спора, где различные точки зрения могут поочередно господствовать и отражать разнообразные оттенки противоположных исповеданий, особенно подходит к воплощению вечно слагающейся и никогда не застывающей философии. Перед таким художником и созерцателем образов, как Достоевский, в минуту его углубленных раздумий о смысле явлений и тайне мира, должна была представить эта форма философствования, в которой каждое мнение словно становиться живым существом и излагается взволнованным человеческим голосом”. .

Nesse trecho muitas das ideias de Bakhtin estão antecipadas, em especial a encarnação de ideias, as vozes que expressam pontos de vista sobre o mundo e o diálogo em que essas duas propostas anteriores acontecem. A avaliação de Dostoiévski como um artista e consequente inovador literário era um tema polêmico à época, segundo afirmação de Gróssman de que:

Dostoiévski é um artista? Até os dias atuais o pensamento crítico russo estava inclinado a responder negativamente a essa questão. Reconhecendo a importância enorme de Dostoiévski como pensador, a crítica russa frequentemente rejeitava o valor puramente artístico de suas páginas (GRÓSSMAN, 1925, s. p.ГРОССМАН, Л. Поэтика Достоевского [GRÓSSMAN, L. A poética de Dostoiévski]. Москва: Госуд. Акад. Худож. Наук., 1925. Disponível em: http://az.lib.ru/g/grossman_l_p/text_1925_poetika_dostoevskogo.shtml). Acesso em: 30/10/2019.
http://az.lib.ru/g/grossman_l_p/text_192...
)36 36 No russo: “Художник ли Достоевский? До последнего времени русская критическая мысль была склонна отвечать на этот вопрос отрицательно. Признавая великое значение Достоевского, как мыслителя, она отвергала обычно чисто художественную стоимость его страниц”. .

Nesse contexto de rejeição de Dostoiévski como artista, fica ainda mais evidente a posição de Bakhtin de reiterar o objetivo de seu trabalho de revelar os “princípios de representação e construção do todo do romance”37 37 No russo: “принципы изображения и построения всего романа”. , (BAKHTIN, 1929, p.39БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.) a “visão artística”38 38 No russo: “художественное видение”. (BAKHTIN, 1929, p.47БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.) ou os “novos princípios de composição artística dos elementos e da construção do todo”39 39 No russo: “новые принципы художественного сочетания элементов и построения целого”. (BAKHTIN, 1929, p.51БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.) do romancista russo, em detrimento, a nosso ver, das suas ideias filosóficas, religiosas, sociológicas e psicológicas.

Não citada por Bakhtin, mas desenvolvida por Gróssman logo após essa citação, é a tese de que um dos eixos centrais da filosofia de Dostoiévski foi o “problema da personalidade e a sociedade” (GRÓSSMAN, 1924, p.11ГРОССМАН, Л. Путь Достоевского [GRÓSSMAN, L. O caminho de Dostoiévski]. Ленинград: Брокгаус-Ефрон, 1924.)40 40 No russo: “Одним из центральных узлов философии Достоевского была проблема личности и общества”. . A arquitetônica polifônica do romance de Dostoiévski proposta por Bakhtin, a nosso ver, tentava resolver o conflito entre um princípio de coletividade em vias de ruir e o surgimento de uma sociedade individualista. Passemos a analisar alguns dos interlocutores filósofos de Bakhtin em PCD.

3 Filosofia russa e o romance polifônico

Se, por um lado, o conceito de romance polifônico foi elaborado por Bakhtin em diálogo com a crítica literária russa e soviética citada e resenhada por ele no primeiro capítulo de PCD (1929), por outro, a interlocução com filósofos religiosos russos mencionados brevemente por Bakhtin também constituem elos precedentes na cadeia de elaboração do conceito de polifonia:

A monologização filosófica é o caminho fundamental da bibliografia crítica sobre Dostoiévski. Foram por esse caminho Rósanov, Volínski, Merejkósvski, Chestóv etc. Ao tentarem inserir à força a multiplicidade de consciências, mostrada pelo artista, nos moldes sistêmico-monológicos de uma visão de mundo, esses pesquisadores precisaram recorrer ou à antinomia ou à dialética. Das consciências concretas e integrais dos personagens (e do próprio autor) foram extirpadas as teses ideológicas, que ou eram dispostas na ordem dialética dinâmica ou eram opostas entre si como antinomias absolutas não elimináveis. No lugar da interação de algumas consciências imiscíveis eram colocadas a inter-relação de ideias, pensamentos, posições, que satisfazem uma consciência (BAKHTIN, 1929, p.13БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)41 41 No russo: “Путь философской монологизации – основной путь критической литературы о Достоевском. По этому пути шли Розанов, Волинский, Мережковский, Шестов и др. Пытаясь втиснуть показанную художником множественность сознаний в системно-монологические рамки единого мировоззрения, эти исследователи принуждены были прибегать или к антиномике или к диалектике. Из конкретных и цельных сознаний героев (и самого автора) вылущивались идеологические тезисы, которые или располагались в динамический диалектический ряд или противоставлялись друг другу как не снимаемые абсолютные антиномии. Вместо взаимодействия нескольких неслиянных сознаний подставлялось взаимоотношение идей, мыслей, положений, довлеющих одному сознанию”. .

Embora Bakhtin destaque a insuficiência da abordagem filosófica por considerá-la monológica, sentimos, ao lermos os trabalhos de filósofos russos de diferentes orientações – Chestóv, Berdiáiev, Solovióv, estes dois últimos citados pela pesquisadora russa Natália Konstantínovna Boniétskaia (2017)БОНЕЦКАЯ, H. K. Тема Достоевского в трудах М. М. Бахтина [BONIÉTSKAIA, N. K. O tema de Dostoiévski nos trabalhos de M. M. Bakhtin]. В: Михаил Бахтин. Избранное том II. Поэтика Достоевского [Mikhail Bakhtin. Seleção vol. II. A poética de Dostoiévski]. Mосква: Центр гуманитарных инициатив, 2017. p.5-12. – sobre Dostoiévski, que o pensamento bakhtiniano tem neles interlocutores para a elaboração do conceito de romance polifônico, em que as consciências imiscíveis e o diálogo são elementos essenciais. No referido prefácio ao volume II, Mikhail Bakhtin. Seleção. A poética de Dostoiévski [Михаил Бахтин. Избранное том II. Поэтика Достоевского] da editora Centro de iniciativas em humanidades, a acima citada pesquisadora russa Natália Konstantínovna Boniétskaia declara:

Quando lemos o livro de Bakhtin sobre Dostoiévski, tendo na memória as concepções da obra de Dostoiévski elaboradas por filósofos russos, encontramos o tempo todo em Bakhtin as intuições e os sentidos deles, traduzidos além disso como que em um outro, por princípio, plano de pensamento, e refratados em um outro, por princípio, discurso (BONIÉTSKAIA, 2017, p.8БОНЕЦКАЯ, H. K. Тема Достоевского в трудах М. М. Бахтина [BONIÉTSKAIA, N. K. O tema de Dostoiévski nos trabalhos de M. M. Bakhtin]. В: Михаил Бахтин. Избранное том II. Поэтика Достоевского [Mikhail Bakhtin. Seleção vol. II. A poética de Dostoiévski]. Mосква: Центр гуманитарных инициатив, 2017. p.5-12.)42 42 No russo: “Когда мы перечитываем книгу Бахтина о Достоевском, имея в памяти концепции творчества Достоевского, созданные русскими философами, мы постоянно встречаем у Бахтина их интуиции, смыслы, переведенные при этом как бы в совершенно иной мыслительный план, - преломленные в принципиально другом дискурсе”. .

Após a leitura dos citados filósofos russos, sentimos que eles constituem uma camada de formulações retomada e reformulada em termos próprios por Bakhtin e, portanto, as análises desses autores neste artigo foram fundamentais para um aprofundamento – assim esperamos – na compreensão do conceito de polifonia. Segundo nossa leitura do prefácio da pesquisadora Natália Boniétskaia, os elementos da reformulação própria e original de Bakhtin a partir da teoria literária e da filosofia religiosa russas são os seguintes: a existência ética desenvolvida nos trabalhos do início dos anos 1920, o diálogo ético elevado, a linha cômico-carnavalizada da cultura popular no texto de 1963 e o predomínio do espírito da sátira menipeia.

Passemos a levantar as formulações de três filósofos russos mencionados acima – Vladímir Sergiéevitch Solovióv, Nikolai Aleksándrovitch Berdiáiev e Liev Chestóv – que nos pareceram importantes a uma compreensão mais ampla da abordagem teórica bakhtiniana.

Começando pelo texto mais antigo entre os lidos por nós, Vladímir Sergiéevitch Solovióv (1853-1900) propõe em Três discursos em memória de Dostoiévski [Три речи в память Достоевского] (1884) que o “movimento social” é o objeto do mundo artístico de Dostoiévski:

o mundo artístico de Dostoiévski. Nele tudo está em fermentação, nada se estabeleceu, tudo está ainda evoluindo. O objeto do romance não é o ser/existir da sociedade, mas o movimento social. De todos os nossos notáveis romancistas, só Dostoiévski tomou o movimento social como objeto principal de sua obra (SOLOVIÓV, 1884, s. p.СОЛОВЁВ, С. Три речи в память Достоевского [SOLOVIÓV, S. Três discursos em memória de Dostoiévski]. Москва: Университетская типография, 1884. Disponível em: http://www.vehi.net/soloviev/trirechi.html Acesso: 10/02/2020.
http://www.vehi.net/soloviev/trirechi.ht...
)43 43 No russo: “художественный мир Достоевского. Здесь все в брожении, ничто не установилось, все еще только становится. Предмет романа здесь не быт общества, а общественное движение. Изо всех наших замечательных романистов один Достоевский взял общественное движение за главный предмет своего творчества”. .

Esse objeto, tema ou questão transforma-se, no trabalho de Bakhtin sobre Dostoiévski, no próprio modo de existência da palavra que, ao ser um meio de comunicação social e, portanto, situar-se entre consciências, personalidades, coletividades e até gerações, está sempre em movimento:

O problema da orientação do discurso para a palavra alheia possui uma importância sociológica primordial. A palavra é social por natureza. A palavra não é um objeto, mas um meio de comunicação social em eterno movimento e em eterna mudança. Ela nunca satisfaz uma única consciência, uma única voz. A vida da palavra está na passagem de uma boca a outra boca, de um contexto a outro contexto, de uma coletividade social a outra, de uma geração a outra geração (BAKHTIN, 1929, p.131БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)44 44 No russo: “Проблема ориентации речи на чужое слово имеет первостепенное социологическое значение. Слово по природе социально. Слово не вещь, а вечно поджиная, вечно изменчивая среда социального общения. Оно никогда не довлеет одному сознанию, одному голосу. Жизнь слова – в переходе из уст в уста, из одного контекста в другой контекст, от одного социального коллектива к другому, от одного поколения к другому поколению”. .

Embora também vejamos aqui a ideia de enérgeia do trabalho do famoso linguista alemão Wilhelm Humboldt, citado por Valentín Volóchinov em Marxismo e filosofia da linguagem (2018 [1929]) e por Mikhail Bakhtin em Os gêneros do discurso (2016 [1952-53]), o movimento social de Solovióv é relido por Bakhtin em termos de sua teoria do diálogo. A recuperação dessa fonte ilumina um pouco mais a centralidade do conceito de diálogo em Bakhtin, essência da linguagem que é toda movimento e orientada para o discurso alheio. Para Bakhtin, o romance de Dostoiévski não é a tragédia do individualismo, da autossuficiência e do isolamento do homem no final do século XIX, como havia proposto Ivánov, mas sim polifônico, pois baseia-se no movimento do diálogo que é sempre transformação e que, sem esquecer o passado, olha para o futuro.

O segundo interlocutor que analisaremos é Nikolai Aleksándrovitch Berdiáiev (1874-1948), eminente filósofo e pensador cristão e político, publicou os livros A revelação do homem na obra de Dostoiévski [Откровение о человеке в творчестве Достоевского] em 191845 45 O ano da primeira publicação desse livro não estava disponível na edição adquirida e lida por nós. Encontramos a data 1918 no site das obras reunidas de N. Berdiáiev: http://www.vehi.net/berdyaev/. Acesso em: 20 abr. 2020. e A visão de mundo de Dostoiévski [Миросозерцание Достоевского] em 1921, época em que Bakhtin estava formulando sua filosofia do ato, sua teoria da relação entre autor e personagem e começando, conforme notícia de 1922 no jornal de Vítebsk A vida da arte [Жизнь искусства] (reproduzido acima), seu trabalho sobre Dostoiévski. A nosso ver, Bakhtin travou com o texto de Nikolai Berdiáiev um diálogo mais estreito, que dividimos em quatro aspectos inter-relacionados: a representação do movimento do mundo interior dos personagens, o princípio ético da responsabilidade humana diante da sua liberdade, as ideias encarnadas, o personalismo e a diferença entre o diálogo platônico e o diálogo em Dostoiévski.

O princípio artístico de que, na criação de Dostoiévski, tudo está em movimento, assim como já apontara Solovióv a propósito da representação da sociedade, internaliza-se na proposta de Nikolai Berdiáiev, ou seja, o movimento é característico do mundo interior dos personagens, que é dinâmico e está em constante conflito:

A Dostoiévski foi dado conhecer o homem em um movimento apaixonado, impetuoso e frenético, em uma dinâmica excepcional. Não há nada estático em Dostoiévski. Tudo está na dinâmica do espírito, no elemento ardente, na paixão frenética (BERDIÁIEV, 2018 [1921], p.16БЕРДЯЕВ, Н. Миросозерцание Достоевского [BERDIÁIEV, N. A visão de mundo de Dostoiévski]. Москва: T8RUGRAM, 2018 [1921].)46 46 No russo: “Достоевскому дано было познать человека в страстном, буйном, иступленном движении, в исключительной динамичности. Ничего статического нет у Достоевского. Он весь в динамике духа, в огненной стихии, в исступленной страсти”. .

Em sua antropologia, Dostoiévski descobre que a natureza humana é dinâmica em alto grau, na sua profundidade há um movimento ardente. A tranquilidade e o caráter estático só existem na superfície, na camada mais superficial do ser humano (BERDIÁIEV, 2018 [1921], p.51БЕРДЯЕВ, Н. Миросозерцание Достоевского [BERDIÁIEV, N. A visão de mundo de Dostoiévski]. Москва: T8RUGRAM, 2018 [1921].)47 47 No russo: “В своей антропологии Достоевский открывает, что человеческая природа в высшей степени динамична, в глубине её огненное движение. Покой, статичность существуют лишь в верхнем, в самом поверхностном пласте человека”. .

A tese bakhtiniana sobre o princípio polifônico de criação de Dostoiévski, em especial dos romances, tem na autoconsciência um de seus pilares fundamentais. Novamente aqui, Bakhtin relê essas proposições de Berdiáiev em termos próprios, nos quais a autoconsciência e a palavra dos personagens são o núcleo da caracterização, revelação e desenvolvimento deles:

O personagem de Dostoiévski não é uma imagem, mas uma palavra plenivalente, uma voz pura; nós não o vemos, nós o escutamos; tudo o que vemos e sabemos além de sua palavra não é essencial e é absorvido na palavra, como seu material, ou permanece fora dela, como um fator estimulador e provocador. [...] O epíteto “talento cruel”, dado a Dostoiévski por Mikháilovski, tem um fundamento, apesar de não ser tão simples quanto Mikháilovski considerava. Uma espécie de tortura moral – à qual Dostoiévski submete seus personagens com o propósito de conseguir deles a palavra da autoconsciência e, por meio desta, atingir seus limites últimos – permite dissolver tudo o que é material e objetivo, tudo o que é estável e imutável, tudo o que é mais exterior e neutro na representação do homem no medium puro de sua autoconsciência e autoenunciado (BAKHTIN, 1929, p.63-64БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)48 48 No russo: “Герой Достоевского не образ, а полновесное слово6 чистый голос; мы его не видим, - мы его слышим; всё же, что мы видим и знаем помимо его слова, - не существенно и поглощается словом, как его материал, лил остаётся вне его, как стимулирующий и провицирующий фактор. [...] Эпитет ‘жестокий талант’, данный Достоевскому Михайловским имеет под собою почву, хотя и не такую простую, какою она представлялась Михайловскому. Своего рода моральные пытки, которым подвергает своих героев Достоевский, чтобы добиться от них слова самосознания, доходящего до своих последних пределов, позволяют растворить все вещное и объектное, всё твёрдое и неизменное, всё внешнее и нейтральное в изображении человека в чистом medium’е его самосознания и самовысказывания”. .

Bakhtin concebe a palavra da autoconsciência como o princípio orientador da instabilidade e da dinamicidade do mundo e dos personagens no projeto artístico de Dostoiévski. A palavra da autoconsciência é responsável pela “sua inconclusibilidade, não fechamento e irresolução” (BAKHTIN, 1929, p.63БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)49 49 No russo: “своей незавершённостью, своей незакрытостью и нерешенностью”. . Bakhtin vai colocar na palavra e na autoconsciência o movimento incessante de constituição do mundo interior dos personagens. A palavra é aquele meio pelo qual o interior e o exterior, o psicológico e o ideológico, nos termos de Volóchinov (2018 [1929])VOLÓCHINOV, V. N. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018., se encontram e se revelam em um processo contínuo em que nada é estático, finalizado, concluído.

Decorrente do princípio da palavra da autoconsciência é a liberdade e autonomia dos personagens. Na leitura que Berdiáiev faz de Dostoiévski, a liberdade desempenha um papel central na luta contra os pré-determinismos elaborados por teorias positivistas do século XIX para explicar o ser humano. Essa liberdade traz um outro conceito-chave – a responsabilidade – pois seres livres são seres de escolhas e devem arcar com as consequências delas.

Dostoiévski foi “austero”, porque não quis retirar do ser humano o fardo da Liberdade, não quis livrar o ser humano do sofrimento às custas da perda da sua liberdade, depositou no ser humano uma responsabilidade enorme, correspondente ao valor dos seres livres (BERDIÁIEV, 2018 [1921], p.61БЕРДЯЕВ, Н. Миросозерцание Достоевского [BERDIÁIEV, N. A visão de mundo de Dostoiévski]. Москва: T8RUGRAM, 2018 [1921].)50 50 No russo: “Достоевский был ‘жесток’, потому что не хотел снять с человека бремени свободы, не хотел избавить человека от страдании ценою лишения его свободы, возлагал на человека огромную ответственность, соответствующую достоинству свободных”. .

A liberdade na teoria de Bakhtin está na relação entre o autor e os personagens e no princípio da palavra da autoconsciência. Por meio da autoconsciência, o personagem sempre tem a última palavra sobre si próprio51 51 Importante destacar que a ideia de “responsabilidade”, tão cara à filosofia do ato ético elaborada por Bakhtin no início dos anos 1920, não aparece explicitamente em PCD. Nossa hipótese é que a responsabilidade é um princípio ético da vida e não do mundo literário dos personagens. :

as obras de Dostoiévski são profundamente objetivas e por isso a autoconsciência do personagem, colocada como dominante, decompõe a unidade monológica da obra (é claro, sem destruir a unidade artística do novo tipo não monológico). O personagem torna-se relativamente livre e autônomo, pois tudo o que, no projeto autoral, fez ele definido, isto é, apreciado, o que o qualificou de uma vez por todas como imagem acabada da realidade, agora tudo isso já não funciona como uma forma que o conclui, mas como um material de sua autoconsciência (BAKHTIN, 1929, p.60БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)52 52 No russo: “Произведения Достоевского в этом смысле глубоко объективны, и потому самосознание героя, став доминантой, разлагает монологическое единство произведения (не нерушая, конечно, художественного единства нового, не монологического типа). Герой становится относительно свободным и самостоятельным, ибо все то, что делало его в авторском замысле определённым, так сказать, приговоренным, что квалифицировало его раз и навсегда как законченный образ действительности, - теперь всё это функционирует уже не как завершающая его форма, а как материал его самосознание”. .

A nosso ver, o terceiro conceito desenvolvido por Bakhtin a partir da interlocução com o trabalho de Berdiáiev é o personalismo do mundo de Dostoiévski. Berdiáiev conecta o personalismo à natureza divina e portanto imortal do ser humano e à sua liberdade, considerada o traço essencial do indivíduo, ou seja, o ser humano não existe sem liberdade. A liberdade de escolher entre o bem e o mal e se responsabilizar por suas escolhas conduz ao caminho do sofrimento, do qual só se pode fugir à custa da perda da liberdade. Contudo, sempre segundo Berdiáiev, a liberdade humana não é sinônimo nem da voluntariedade – que conduz à aniquilação da liberdade, pois a falta de limites própria da voluptuosidade torna a pessoa seu escravo – nem da revolta – que leva à negação do indivíduo a favor de um coletivismo sem limites. Trata-se, aqui, da crítica de Berdiáeiv aos ideais da Revolução de outubro de 1917. Vejamos a expressão do personalismo no seguinte fragmento:

Dostoiévski tinha um sentimento frenético da personalidade. Toda a visão de mundo dele é atravessada pelo personalismo. Com isso estava relacionado ainda o problema central para ele da imortalidade. Dostoiévski é um crítico genial da eudaimonia53 53 Doutrina que prega a felicidade como a finalidade da vida humana. contemporânea, ao revelar a sua incompatibilidade com a personalidade livre e digna. (BERDIÁIEV, 2018 [1921], p.4; grifos nossosБЕРДЯЕВ, Н. Миросозерцание Достоевского [BERDIÁIEV, N. A visão de mundo de Dostoiévski]. Москва: T8RUGRAM, 2018 [1921].)54 54 No russo: “У Достоевского было исступленное чувство личности. Всё его миросозерцание проникнуто персонализмом. С этим была связана и центральная для него проблема бессмертия. Достоевский – гениальный критик современного эвдемонизма, он раскрывает несовместимость его со свободой и достоинством личности”. .

Já Bakhtin relê o personalismo do mundo de Dostoiévski à luz da sua teoria do diálogo, em que as ideias são encarnadas e personalizadas, por isso a dialética, ao fixar-se no plano das relações lógicas nos limites de uma consciência isolada, não dá conta do universo personalista e dialógico de Dostoiévski:

De fato, tanto a dialética quanto a antinomia estão presentes no mundo de Dostoiévski. O pensamento de seus personagens é realmente dialético e às vezes antinômico. No entanto, todas as relações lógicas permanecem nos limites de consciências isoladas e não guiam as inter-relações no plano da coexistência entre elas. O mundo de Dostoiévski é profundamente personalista. Ele percebe e representa todo pensamento como a posição de um indivíduo. Por isso, mesmo nos limites das consciências isoladas, a série dialética ou antinômica é apenas um aspecto abstrato, entrelaçado de modo inseparável com outros aspectos da consciência integral e concreta (BAKHTIN, 1929, p.13; grifos nossosБАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)55 55 No russo: “И диалектика и антиномика, действительно, наличны в мире Достоевского. Мысль его героев, действительно, диалектична и иногда антиномична. Но все логические связи остаются в пределах отдельных сознаний и не управляют событийными взаимоотношениями между ними. Мир Достоевского глубоко персоналистичен. Всякую мысль он воспринимает и изображает как позицию личности. Поэтому даже в пределах отдельных сознаний диалектический или антиномический ряд лишь абстрактный момент, неразрывно сплетенный с другими моментами цельного конкретного сознания”. .

A nosso ver, a teoria do dialogismo que orienta as relações entre autor/personagens, narrador/personagens, personagem/personagem decorre da visão do ser humano como autoconsciente, autodeterminado, livre, inconcluso. Um ser dessa natureza não pode ser explicado pela dialética, mas compreendido por meio do diálogo.

Por fim, decorrente do personalismo do mundo de Dostoiévski é a distinção operada por Berdiáiev e Bakhtin entre o diálogo em Platão e no escritor russo. Berdiáiev reconhece que, em Dostoiévski, ocorre um intenso conflito interior dos personagens, este ausente do universo contemplativo de Platão:

Dostoiévski é muito distinto da contemplação de Platão e de muitos outros místicos. Não só no plano corporal e emocional ocorre um conflito tempestuoso de oposições polares, mas também no plano espiritual (BERDIÁIEV, 2018 [1921], p.52БЕРДЯЕВ, Н. Миросозерцание Достоевского [BERDIÁIEV, N. A visão de mundo de Dostoiévski]. Москва: T8RUGRAM, 2018 [1921].)56 56 No russo: “В этом созерцание Достоевского очень отлично от созерцания Платона, от созерцания многих мистиков. Не только в телесном и душевном плане происходит бурные столкновения полярных противоположностей, но и в плане духовном”. .

Bakhtin também salienta as diferenças entre Platão e Dostoiévski, só que no plano de sua teoria do diálogo e das relações dialógicas:

A ideia em Dostoiévski nunca se aparta da voz. Por isso é errada em sua raiz a afirmação de que os diálogos em Dostoiévski são dialéticos. [...] A realidade última de Dostoiévski não é a ideia como uma conclusão monológica, ainda que dialética, mas o acontecimento da interação de vozes.

Essa é a diferença entre o diálogo de Dostoiévski e o de Platão. Neste último, apesar de ele não ser um diálogo monologizado por completo, nem pedagógico, ainda assim a multiplicidade de vozes anula-se na ideia. A ideia é concebida por Platão não como coexistência, mas como existência. [...] A própria comparação entre os diálogos de Dostoiévski e o diálogo de Platão parece-nos no geral não essencial e improdutiva, pois o diálogo de Dostoiévski de modo algum é puramente cognitivo e filosófico (BAKHTIN, 1929, p.239-240БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)57 57 No russo: “Идея у Достоевского никогда не отрешается от голоса. Потому в корне ошибочно утверждение, что диалоги Достоевского диалектичны. [...] Не идея как монологический вывод, хотя бы и диалектический, а событие взаимодействия голосов является последнею данностью для Достоевского. Этим диалог Достоевского отличается от платоновского диалога. В этом последнем, хотя он и не является сплошь монологизованным, педагогическим диалогом, всё же множественность голосов погашается в идее. Идея мыслится Платоном не как событие, а как бытие.[...] Самое сопоставление диалогов Достоевского с диалогом Платона кажется нам вообще несущественным и непродуктивным, ибо диалог Достоевского вовсе не чисто познавательный, философский диалог”. .

Na teoria bakhtiniana, o diálogo de Dostoiévski caracteriza-se pela coexistência de ideias encarnadas, personalistas, em que são vozes pessoais e sociais em interação. Nesse sentido, Bakhtin destaca, na sequência do fragmento acima, que os diálogos bíblicos de Jó e de alguns evangelhos são mais próximos do mundo de Dostoiévski58 58 Embora não seja nosso objetivo aqui comparar as edições de 1929 e 1963, vale destacar a mudança de opinião de Bakhtin a respeito do diálogo socrático na edição de 1963, conforme destacado por Botcharóv (2017). Uma possível explicação para essa mudança é a diminuição da influência do texto de Berdiáiev sobre o texto de Bakhtin na edição de 1963. .

Na área de filosofia russa, o terceiro interlocutor que analisaremos é Liev Chestóv (1866-1938). Resolvemos abordá-lo por último, pois pareceu-nos que a interlocução entre Liev Chestóv e Bakhtin é menos evidente e mais sutil. Assim como Berdiáiev, ele mudou-se para a França em 1921, fugindo da Revolução de Outubro. É considerado um filósofo existencialista. Em seu texto Dostoiévski e Nitzsche [Достоевский и Ницше] (2016 [1903]), a tese geral de Liev Chestóv é que Dostoiévski representa uma mudança radical na visão sobre o homem com o início de uma filosofia da tragédia59 59 Considerando que Ivánov (1911) caracterizou a obra de Dostoiévski como romance tragédia e que seu texto é posterior ao de Liev Chestóv (1903), pode ter ocorrido uma interlocução entre esses dois autores. . Vislumbramos um diálogo velado entre Liev Chestóv e Bakhtin na proposta de haver duas rupturas na obra de Dostoiévski: a primeira é uma ruptura radical que a obra de Dostoiévski representou na visão sobre o homem e a segunda é uma transformação qualitativa na evolução da própria obra de Dostoiévski a partir da novela Memórias do subsolo:

[...] acaba para o homem o reino milenar da “razão e da consciência”; começa uma nova era – da “psicologia”, que na Rússia Dostoiévski descobriu pela primeira vez. Contudo, o antagonismo aberto entre “razão e consciência”, por um lado, e “psicologia”, por outro, até o momento poucos se atrevem a reconhecer abertamente. A maioria propõe a possibilidade de manter a velha hierarquia, em que a psicologia tende a ocupar uma posição subalterna (CHESTÓV, 2016 [1903], p.52-53ШЕСТОВ, Л. Достоевский и Ницше. Апофеоз беспочвенности [CHESTÓV, L. Dostoiévski e Nietzsche. A apoteose da falta de base]. Санкт Петербург: Азбука, 2016 [1903].)60 60 No russo: “[...] кончается для человека тысячелетнее царство ‘разума и совести’; начинается новая эра – ‘психологии’, которую у нас в России впервые открыл Достоевский. Между прочим, прямой антагонизм между ‘разумом и совестью’, с одной стороны, и ‘психологией’, с другой, до сир пор мало кто решается признать открыто. Большинство предлагает возможным сохранить старую иерархию, при которой психологии приходится занимать подчинённое положение”. .

A atividade literária de Dostoiévski pode ser dividida em dois períodos. O primeiro começa com Gente pobre e termina com Memórias da casa dos mortos. O segundo começa com Memórias do subsolo e termina com o Discurso de Púchkin, essa apoteose sombria de toda a obra de Dostoiévski (CHESTÓV, 2016 [1903], p.25-26ШЕСТОВ, Л. Достоевский и Ницше. Апофеоз беспочвенности [CHESTÓV, L. Dostoiévski e Nietzsche. A apoteose da falta de base]. Санкт Петербург: Азбука, 2016 [1903].)61 61 No russo: “Литературная деятельность Достоевского может быть разделена на два периода. Первый начинается Бедными людьми и кончается Записками из Мёртвого дома. Второй начинается с Записок из подполья и заканчивается Пушкинской речью, этим мрачным апофеозом всего творчества Достоевского”. .

Liev Chestóv vê uma alteração profunda na visão de mundo a partir de Dostoiévski, ao qual ele associa as ideias do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, esclarecedor de muitos aspectos que haviam sido antecipados pelo escritor russo. Em ambos, predomina uma filosofia das contradições, em que está ausente a estabilidade e o equilíbrio, causando estranhamento. Na cronologia da obra de Dostoiévski, Liev Chestóv defende que é em Memórias do subsolo que ocorre a passagem da era da “razão e da consciência” para a da “psicologia”, com todas as suas contradições e instabilidades.

Bakhtin relê essas duas mudanças radicais em termos de uma ruptura na “visão artística”62 62 No russo: “художественное видение”. (BAKHTIN, 1929, p.47БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.) e no estabelecimento de “novos princípios de composição artística dos elementos e da construção do todo”63 63 No russo: “новые принципы художественного сочетания элементов и построения целого”. (BAKHTIN, 1929, p.51БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.). Assim como Liev Chestóv, Bakhtin também reconhece uma mudança radical operada por Dostoiévski, mas vê essa mudança nos princípios artísticos de sua obra, rejeitando, por um lado, “um ideologismo estreito, que busca antes de tudo uma compreensão e uma revelação puramente filosóficas”64 64 No russo: “Узкий же идеологизм, ищущий прежде всего чисто философских постижений и прозрений”. (BAKHTIN, 1929, p.4БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.), e, por outro, “Uma abordagem formalista estreita” que “não é capaz de ir além da periferia dessa forma”65 65 No russo: “Узко-формалистический подход дальше периферии этой формы пойти на способен”. (BAKHTIN, 1929, p.4БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.). O propósito de Bakhtin é atingir “a ideologia que determinou sua forma artística, sua construção romanesca excepcionalmente complexa e totalmente nova”, “sua inovação revolucionária no campo do romance, como forma artística”66 66 No russo: “идеология, которая определила его художественную форму, его исключительно сложное и совершенно новое романное построение”, “его революционное новаторство в области романа, как художественной формы”. (BAKHTIN, 1929, p.4БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.).

Por fim, Bakhtin também percebe uma mudança qualitativa na construção dos personagens a partir da novela Memórias do subsolo:

A polêmica com o outro sobre o tema de si próprio torna-se mais complexa em Memórias do subsolo por meio da polêmica com o outro sobre o tema do mundo e da sociedade. O personagem do subsolo, diferentemente de Diévuchkin e Goliádkin, é um ideólogo (BAKHTIN, 1929, p.186БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.)67 67 No russo: “Полемика с другим на тему о себе самом осложняется в Записках из подполья полемикой с другим на тему о мире и об обществе. Герой из подполья, в отличие от Девушкина и от Голядкина, - идеолог”. .

Para Bakhtin, a mudança está no surgimento dos personagens-ideólogos, que estão em constante diálogo polêmico consigo próprio e com os outros. Segundo Bakhtin, a revolta do homem do subsolo volta-se contra uma “ordem do mundo” [мировой строй] (BAKHTIN, 1929, p.186БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.) ou uma natureza, bem como contra a “vontade alheia” [чужая воль] (BAKHTIN, 1929, p.186БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.) que o determinariam.

Considerações finais

O objetivo central deste artigo foi aprofundar a compreensão do conceito de romance polifônico proposto pela primeira vez por Bakhtin em PCD (1929), por meio da pesquisa da gênese do texto e dos interlocutores russos e soviéticos de duas áreas: crítica/teoria literária e filosofia. Assim como o romance polifônico de Dostoiévski só se revela uma inovação sobre o fundo da tradição romanesca ocidental, a novidade e a profundidade da abordagem bakhtiniana podem ser mais bem avaliadas ao conhecermos o contexto acadêmico russo e soviético de sua formulação.

A primeira descoberta relevante é a notícia da redação de um trabalho sobre Dostoiévski por Bakhtin já em 1922. Esse dado aponta dois elementos importantes de PCD: por um lado, sua ligação estreita com os textos filosóficos de Bakhtin do início dos anos 1920, como bem apontou Botcharóv (2017)БОЧАРОВ, С. Г. Коментарии [BOTCHARÓV, S. Comentários]. In: БАХТИН, М. Проблемы поэтики Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski]. Москва: “Э”, 2017. p.613-638., e, por outro, considerando a ausência do termo “polifonia” nos trabalhos de Bakhtin anteriores a PCD, conforme observação de Nikoláev (1996)НИКОЛАЕВ, Н. Достоевский и античность как тема Пумпянского и Бахтина (1922-1963) [NIKOLÁEV, N. Dostoiévski e a antiguidade como tema de Pumpiánski e Bakhtin (1922-1963)], Вопросы литературы, No. 3, p.115-127, 1996., que a abordagem de Dostoiévski sofreu uma alteração significativa no final dos anos 1920.

Em conexão com esse segundo aspecto está o fato de que a perspectiva bakhtiniana do romance polifônico de Dostoiévski, quando lida em diálogo com filósofos e teóricos da literatura estudiosos de Dostoiévski, destaca-se por suas finas análises da palavra, do enunciado, do diálogo e do discurso. Conforme demonstramos no decorrer do artigo, Bakhtin não foi o primeiro a propor que a polifonia, o contraponto de vozes e a relação eu/outro são princípios norteadores da arte de Dostoiévski. Contudo, sua teoria da polifonia demonstra, por meio de análises estilísticas e metalinguísticas e com a ajuda de exemplos concretos retirados de textos de Dostoiévski, como esses princípios filosóficos, ideológicos, antropológicos e políticos adquiriram uma forma artística. Enquanto escritor literário, Dostoiévski soube, com sua arte, pressentir uma mudança radical na visão sobre o homem e o mundo. Embora essa mudança tivesse sido apontada por filósofos russos como Berdiáiev, Chestóv e Solovióv, foi Bakhtin quem melhor e mais profundamente soube descobrir e descrever essa inovação artística que materializou a guinada filosófica. A pesquisadora russa Natália Konstantínovna Boniétskaia levantou, de modo pertinente, as inovações de Bakhtin em relação à tradição de estudos de Dostoiévski na Rússia: a existência ética desenvolvida nos trabalhos do início dos anos 1920, o diálogo ético elevado, a linha cômico-carnavalizada da cultura popular no texto de 1963, o predomínio do espírito da sátira menipeia. A meu ver, é necessário acrescentar as análises estilísticas e metalinguísticas.

Fundadas sobre uma ética da criação artística ou literária, as análises estilísticas e metalinguísticas de PCD – com foco em diversos aspectos da palavra (o estilo como relação do autor com o material, como expressão da relação do autor com o mundo dos outros) – já estavam projetadas no texto O autor e o personagem na atividade estética (1923-24) e ganham uma reacentuação no espírito de outros dois textos publicados quase simultaneamente por Pável Medviédev, O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica (1928), e Valentín Volóchinov, Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem (1929). A principal reacentuação é o conceito de enunciado artístico e concreto em que o estilo é analisado por meio das relações dialógicas entre eles.

Por fim, as análises bakhtinianas do romance polifônico primam por um olhar atento aos aspectos inconclusos, inacabados, sempre em processo de transformação, singulares, plurais do homem e da sociedade. Diante da tragédia causada pelo isolamento e pelo individualismo, Bakhtin propõe um olhar próprio: a polifonia e as relações dialógicas, que procuram dar conta da possibilidade de uma convivência tensa de ideias personalizadas em meio ao conflito de visões de mundo. Assim como a ética artística de Dostoiévski projeta uma forma que olha para o futuro, o conceito de polifonia bakhtiniano é elaborado para compreender um mundo em constante transformação, plural, inconcluso, repleto de singularidades, que lembra muito as formulações do psicanalista brasileiro Jorge Forbes (2012)FORBES, J. Inconsciente e responsabilidade. Psicanálise do século XXI. Barueri: Manole, 2012., pensador das transformações contemporâneas do mundo que ele entende ser baseado em laços sociais horizontais, em padrões múltiplos, flexível, arriscado e responsável. Nesse quadro, a polifonia de Bakhtin revela-se surpreendentemente atual e potente.

Notes

  • 1
    No russo: “Молодым учёном М. М. Бахтным написана книга о Достоевском и трактат ‘Эстетика словесного творчества’”.
  • 2
    Data fixada nos comentários dos editores de M. M. Bakhtin. Obras reunidas. Vol. 1 (2003, p.499).
  • 3
    No russo: “Герой становится конкурентом своего поэта”.
  • 4
    No russo: “по всей вероятности, преломлял в себе и конкретизировал проблематику других работ”.
  • 5
    No russo: “Мы говорим о слове, а не о языке, так как имеем в виду конкретную и многогранную жизнь слова в его целокупности, а не язык как предмет лингвистики, полученный путём отвлечения от некоторых существенных сторон живого конкретного слова. Эти стороны изучаются философией языка и металингвистивами дисциплинами. Наши последующие анализы носят в основном металингвисческий характер, что, конечно, не исключает и их теснейшей связи с лингвистикой”.
  • 6
    No russo: “Мы охарактеризуем здесь ряд явлений, которые уже давно привлекали внимание литературоведов, занимавшихся вопросами стилистики (а также и лингвистов, некоторых, например, школы Фосслера). С нашей точки зрения, фосслерианцы занимались не столько строго лингвистическами, сколько металингвистическими проблемами, т, е. изучали явления не в системе языка, а в формах их живого функционирования в различных областях культуры (преимущественно художественных). Явления эти, если их изучать по существу, т. е. как явления диалогической природы, выходят за пределы строгой лингвистики, т. е. металингвистичны”.
  • 7
    À época, a tradução desse livro para o português estava em curso e o título provisório era “Problemas da obra de Dostoiévski”. A partir das discussões realizadas durante o Colóquio com pesquisadores russos e brasileiros, decidimos que a tradução mais adequada para “творчество” seria “criação”.
  • 8
    No russo: “Архитектоника – как воззрительно-интуитивно необходимое, не случайное расположение и связь конкретных, единственных частей и моментов в завершенное целое – возможно только вокруг данного человека – героя”.
  • 9
    No russo: “Проза, чтобы завершиться и отлиться в законченное произведение, должна использовать эстетизованный процесс творческого индивидуума – автора её, отразить в себе образ законченного события творчества его, ибо изнутри своего чистого, отвлеченного от автора смысла она не может найти никаких завершающих и архитектонически упорядочивающих моментов”.
  • 10
    No russo: “Формы художественного видения и завершения мира определяют внешнелитературные приёмы, а не наоборот, архитектоника художественного мира определяет композицию произведения (порядок, распределение и завершение, сцепление словесных масс), а не наоборот”.
  • 11
    No russo: “мы лишь вкратце наметим пути т типы её индивидуализации и наконец проверим наши выводы на анализе отношения автора к герою в творчестве Достоевского, Пушкина и др”.
  • 12
    No russo: “Расшатывается и представляется несущественной самая позиция вненаходимости, у автора оспаривается право быть вне жизни и завершать её. Начинается разложение всех устойчивых трансгредиентных форм (прежде всего в прозе от Достоевского до Белого, для лирики кризис авторства всегда имеет меньшее значение – Анненский и пр.); жизнь становится понятной и событийно весомой только изнутри, только там, где я переживаю её как я, в форме отношения к себе самому, в ценностных категориях моего я-для-себя: понять – значит вжиться в предмет, взглянуть на него его же собственными глазами, отказаться от существенности своей вненаходимости ему [...]”.
  • 13
    Conforme demonstramos em recente artigo (GRILLO, 2019GRILLO, S. V. C. Problemas da obra de Dostoiévski no espelho da crítica soviética e estrangeira. Revista da Anpoll, v. 1, n. 50, p.176-196, set.-dez.2019.), as análises estilísticas dos últimos capítulos de PCD foi o aspecto mais bem avaliado pelos resenhadores russos e estrangeiros, logo após a publicação de PCD (1929) por Bakhtin.
  • 14
    M. M. Бахтин Sobránie Sotchiniénii [M.M. Bakhtin obras reunidas]. Vol. 6. Москва: Русские Словари /Языки Славянской Культуры, 2002. [Organizadores. S. G. Botcharóv, V. V. Kójinov)
  • 15
    No russo: “Действительно, язык обрабатывает художник, но не как язык, как язык он его преодолевает, ибо он не должен восприниматься – как язык в его лингвистической определённости (морфологической, синтаксической, лексикологической и пр.), и лишь постольку он становится средством художественного выражения. (Слово должно перестать ощущаться как слово)”.
  • 16
    No russo: “[...] Собственно словесный стиль (отношение автора к языку и обусловленные им способы оперирования с языком) есть отражение на данной природе материала его художественного стиля (отношение к жизни и муру жизни и обусловленного этим отношением способа обработки человека и его мира); художественный стиль работает не словами, а моментами мира, ценностями мира и жизни, его можно определить как совокупность приёмов формирования и завершения человека и его мира, и этот стиль определяет собою и отношение к материалу, слову, природу которого, конечно, нужно знать, чтобы понять это отношение”.
  • 17
    No russo: “Поэтому выросшая на почве классицизма стилистика знает только жизнь слова в одном замкнутом контексте. Она игнорирует те изменения, которые происходят со словом в процессе его перехода из одного конкретного высказывания в другое и в процессе взаимно-ориентации этих высказываний. Она знает лишь те изменения, которые совершаются в процессе перехода слова из системы языка в монологическое поэтическое высказывание. Жизнь и функции слова в стиле конкретного высказывания воспринимаются на фоне его жизни и функций в языке. Внутренне-диалогические отношения слова к тому же слову в чужом контексте, в чужих устах, игнорируются. В этих рамках разрабатывается стилистика и до настоящего времени”.
  • 18
    No russo: “Форма должна использовать трансгредиентный сознанию героя (его возможному самопереживанию и конкретной самооценке) момент, но имеющий к нему отношение, определяющий его – как целое – извне, т. е. его обращённость вовне, его границы, причём границы его целого. Форма есть граница, обработанная эстетически … Границы существенно различно переживаются: изнутри в самосознании и извне в эстетическом переживании другого”.
  • 19
    No russo: “Самосознание, как художественная доминанта ы построении героя, уже само по себе достаточно, чтобы разложить монологическое единство художественного мира, но при условии, что герой, как самосознание, действительно изображается, а не выражается, т. е. не сливается с автором, не становится рупором для его голоса, при том условии, следовательно, что акценты самосознания героя действительно объективированы и что в самом произведении дана дистанция между героем и автором. Если же пуповина, соединяющая героя с его творцом, не обрезана, то перед нами не произведение, а личный документ”.
  • 20
    No russo: “Из новых работ о нём, русских и иностранных, мы остановимся лишь на немногих, именно на тех, которые ближе всего подошли к основной особенности Достоевского, как мы её понимаем”.
  • 21
    No russo: “Телеологическое соподчинение прагматически разъединенных элементов (сюжетов) является таким образом началом художественного единства романа Достоевского. И в этом смысле он может быть уподоблен художественному целому в полифонической музыке: 5 голосов фуги, последовательно вступающих и развивающихся в контрапунктическом созвучии, напоминают ‘голосоведение’ романа Достоевского. Такое уподобление, - если оно верно, - ведёт к более обобщенному определению самого начала единства. Как в музике, так и в романе Достоевского осуществляется тот же закон единства, что и в нас самих, в человеческом ‘я’, - закон целесообразной активности. В романе же Подросток этот принцип его единства совершенно адэкватен тому, что в нём символически изображено: ‘любовь-ненависть’ Версилова и Ахмаковой – символ трагических порывов индивидуальной воли к сверхличному; соответственно этому весь роман и построен по типу индивидуального волевого акта”.
  • 22
    Nossa gratidão à professora russa Ekaterina Vólkova Américo, por nos auxiliar na identificação da sílaba tônica dos nomes próprios russos e por ter revisado algumas traduções.
  • 23
    No russo: “Безусловно, из прямых источников концепции ПТД статья Вячеслава Иванова ‘Достоевский и роман трагедия’ (1911) была важнейшим и первичным”.
  • 24
    No russo: “Скрытое действие импульсов от работ Иванова в книге обширнее и значительнее прямого упоминания этого имени на её страницах”.
  • 25
    No russo: “Шиллеров дифирамбический восторг, его ‘поцелуй всему миру’ во имя живого Отца ‘над звездами’, - та вселенская радость о Земле и Боге, которая нудить Дмитрия Карамазова воспеть гимн, и именно словами Шиллера, - всё это было, в многоголосом оркестре творчества Достоевского, непрестанно звучавшею арфой мистического призыва [...] Можно догадываться, что из сочинении Жоршь-Сандь Достоевский, назвавший её ‘предчувственницей более счастливого будущего’ учился – чему? – мы бы сказали: больше всего ‘идейности’ в композиции романов, их философической и общественной обостренности, всему, что сближает их, в самом задании, с типом романа-теоремы”.
  • 26
    No russo: “Подобно творцу симфоний, он использовал его механизм для архитектоники трагедии и применил к роману метод, соответствующий тематическому и контрапунктическому развитию в музыке, - развитию, излучинами и превращениями которого композитор приводить нас к восприятию и психологическому переживанию целого произведения, как некоего единства”.
  • 27
    No russo: “Не познание есть основа защищаемого Достоевским реализма, а ‘проникновение’ [...] Проникновение есть некий transcendus субъекта, такое его состояние, при котором возможным становится воспринимать чужое я не как объект, а как другой субъект. Символ такого проникновения заключается в абсолютном утверждения, всею волею и всем разумением чужого бытия: ‘ты еси’”.
  • 28
    No russo: “вести новую художественную форму к уже знакомой художественной воле”.
  • 29
    No russo: “Иванов, к сожалению, не показал, как этот принцип мировоззрения Достоевского становится принципом художественного видения мира и художественного построения словесного целого-романа. Ведь только в этой форме, в форме принципа конкретного литературного построения, е не как этико-религиозный принцип отвлечённого мировоззрения, он существенен для литературоведа. И только в этой форме он может быть объективно вскрыт на эмпирическом материале конкретных литературных произведений”.
  • 30
    Palavra russa que cobre um espectro de conceitos e pode ser traduzida para o português como: personalidade, pessoa, indivíduo.
  • 31
    No russo: “Личность – это оформленность наиболее внутреннего происхождения и наиболее индивидуализированная. В ней всегда явственно ощутим неизменяемый, для всяких внешних воздействий непреодолимый стержень единственного в мире и неповторяемого человеческого ‘я’. Потенциально этот стержень заложен во всяком человеке, но далеко не многие его осознают, сохраняют и раскрывают. Столкновения характеров с внешними условиями драматичны. Это борьба, в которой обыкновенно есть исход и примирение. Столкновение личностей, их внешние и внутренние антиномии трагичны. При внешнем давлении они или сторониться и скрываются в подполье, или вступают в борьбу, исход которой во всяком случае не примирение. Жизнь не может перековать из на свой лад. Из этого не следует, что они неизменны. Личность часто претерпевает коренные метаморфозы. Ей в высокой степени свойственна гибкость. Но эти метаморфозы идут изнутри. В этом отношении их рост наиболее органичен, что, однако, не исключает в их жизни самых острых кризисов”.
  • 32
    No russo: “Автор действительно оставляет за своим героем последнее слово. Именно оно или, точнее, тенденция к нему и нужна автору для его замысла. Он строит героя не из чужих слов, не из нейтральных определений, он строит не характер, не тип, не темперамент, вообще не образ героя, а именно слово героя о себе самом и о своём мире”.
  • 33
    A edição de 1962 do livro de Bakhtin, Problemas da poética de Dostoiévski, praticamente reproduz o título de um dos livros de Gróssman, A poética de Dostoiévski (1925).
  • 34
    No russo: “в лице Достоевского Эволюция европейского романа пережила один из своих самых крупных революционных этапов, в корне преобразивших ее вековые традиции, навыки и предания”.
  • 35
    No russo: “Форма беседы или спора, где различные точки зрения могут поочередно господствовать и отражать разнообразные оттенки противоположных исповеданий, особенно подходит к воплощению вечно слагающейся и никогда не застывающей философии. Перед таким художником и созерцателем образов, как Достоевский, в минуту его углубленных раздумий о смысле явлений и тайне мира, должна была представить эта форма философствования, в которой каждое мнение словно становиться живым существом и излагается взволнованным человеческим голосом”.
  • 36
    No russo: “Художник ли Достоевский? До последнего времени русская критическая мысль была склонна отвечать на этот вопрос отрицательно. Признавая великое значение Достоевского, как мыслителя, она отвергала обычно чисто художественную стоимость его страниц”.
  • 37
    No russo: “принципы изображения и построения всего романа”.
  • 38
    No russo: “художественное видение”.
  • 39
    No russo: “новые принципы художественного сочетания элементов и построения целого”.
  • 40
    No russo: “Одним из центральных узлов философии Достоевского была проблема личности и общества”.
  • 41
    No russo: “Путь философской монологизации – основной путь критической литературы о Достоевском. По этому пути шли Розанов, Волинский, Мережковский, Шестов и др. Пытаясь втиснуть показанную художником множественность сознаний в системно-монологические рамки единого мировоззрения, эти исследователи принуждены были прибегать или к антиномике или к диалектике. Из конкретных и цельных сознаний героев (и самого автора) вылущивались идеологические тезисы, которые или располагались в динамический диалектический ряд или противоставлялись друг другу как не снимаемые абсолютные антиномии. Вместо взаимодействия нескольких неслиянных сознаний подставлялось взаимоотношение идей, мыслей, положений, довлеющих одному сознанию”.
  • 42
    No russo: “Когда мы перечитываем книгу Бахтина о Достоевском, имея в памяти концепции творчества Достоевского, созданные русскими философами, мы постоянно встречаем у Бахтина их интуиции, смыслы, переведенные при этом как бы в совершенно иной мыслительный план, - преломленные в принципиально другом дискурсе”.
  • 43
    No russo: “художественный мир Достоевского. Здесь все в брожении, ничто не установилось, все еще только становится. Предмет романа здесь не быт общества, а общественное движение. Изо всех наших замечательных романистов один Достоевский взял общественное движение за главный предмет своего творчества”.
  • 44
    No russo: “Проблема ориентации речи на чужое слово имеет первостепенное социологическое значение. Слово по природе социально. Слово не вещь, а вечно поджиная, вечно изменчивая среда социального общения. Оно никогда не довлеет одному сознанию, одному голосу. Жизнь слова – в переходе из уст в уста, из одного контекста в другой контекст, от одного социального коллектива к другому, от одного поколения к другому поколению”.
  • 45
    O ano da primeira publicação desse livro não estava disponível na edição adquirida e lida por nós. Encontramos a data 1918 no site das obras reunidas de N. Berdiáiev: http://www.vehi.net/berdyaev/. Acesso em: 20 abr. 2020.
  • 46
    No russo: “Достоевскому дано было познать человека в страстном, буйном, иступленном движении, в исключительной динамичности. Ничего статического нет у Достоевского. Он весь в динамике духа, в огненной стихии, в исступленной страсти”.
  • 47
    No russo: “В своей антропологии Достоевский открывает, что человеческая природа в высшей степени динамична, в глубине её огненное движение. Покой, статичность существуют лишь в верхнем, в самом поверхностном пласте человека”.
  • 48
    No russo: “Герой Достоевского не образ, а полновесное слово6 чистый голос; мы его не видим, - мы его слышим; всё же, что мы видим и знаем помимо его слова, - не существенно и поглощается словом, как его материал, лил остаётся вне его, как стимулирующий и провицирующий фактор. [...] Эпитет ‘жестокий талант’, данный Достоевскому Михайловским имеет под собою почву, хотя и не такую простую, какою она представлялась Михайловскому. Своего рода моральные пытки, которым подвергает своих героев Достоевский, чтобы добиться от них слова самосознания, доходящего до своих последних пределов, позволяют растворить все вещное и объектное, всё твёрдое и неизменное, всё внешнее и нейтральное в изображении человека в чистом medium’е его самосознания и самовысказывания”.
  • 49
    No russo: “своей незавершённостью, своей незакрытостью и нерешенностью”.
  • 50
    No russo: “Достоевский был ‘жесток’, потому что не хотел снять с человека бремени свободы, не хотел избавить человека от страдании ценою лишения его свободы, возлагал на человека огромную ответственность, соответствующую достоинству свободных”.
  • 51
    Importante destacar que a ideia de “responsabilidade”, tão cara à filosofia do ato ético elaborada por Bakhtin no início dos anos 1920, não aparece explicitamente em PCD. Nossa hipótese é que a responsabilidade é um princípio ético da vida e não do mundo literário dos personagens.
  • 52
    No russo: “Произведения Достоевского в этом смысле глубоко объективны, и потому самосознание героя, став доминантой, разлагает монологическое единство произведения (не нерушая, конечно, художественного единства нового, не монологического типа). Герой становится относительно свободным и самостоятельным, ибо все то, что делало его в авторском замысле определённым, так сказать, приговоренным, что квалифицировало его раз и навсегда как законченный образ действительности, - теперь всё это функционирует уже не как завершающая его форма, а как материал его самосознание”.
  • 53
    Doutrina que prega a felicidade como a finalidade da vida humana.
  • 54
    No russo: “У Достоевского было исступленное чувство личности. Всё его миросозерцание проникнуто персонализмом. С этим была связана и центральная для него проблема бессмертия. Достоевский – гениальный критик современного эвдемонизма, он раскрывает несовместимость его со свободой и достоинством личности”.
  • 55
    No russo: “И диалектика и антиномика, действительно, наличны в мире Достоевского. Мысль его героев, действительно, диалектична и иногда антиномична. Но все логические связи остаются в пределах отдельных сознаний и не управляют событийными взаимоотношениями между ними. Мир Достоевского глубоко персоналистичен. Всякую мысль он воспринимает и изображает как позицию личности. Поэтому даже в пределах отдельных сознаний диалектический или антиномический ряд лишь абстрактный момент, неразрывно сплетенный с другими моментами цельного конкретного сознания”.
  • 56
    No russo: “В этом созерцание Достоевского очень отлично от созерцания Платона, от созерцания многих мистиков. Не только в телесном и душевном плане происходит бурные столкновения полярных противоположностей, но и в плане духовном”.
  • 57
    No russo: “Идея у Достоевского никогда не отрешается от голоса. Потому в корне ошибочно утверждение, что диалоги Достоевского диалектичны. [...] Не идея как монологический вывод, хотя бы и диалектический, а событие взаимодействия голосов является последнею данностью для Достоевского. Этим диалог Достоевского отличается от платоновского диалога. В этом последнем, хотя он и не является сплошь монологизованным, педагогическим диалогом, всё же множественность голосов погашается в идее. Идея мыслится Платоном не как событие, а как бытие.[...] Самое сопоставление диалогов Достоевского с диалогом Платона кажется нам вообще несущественным и непродуктивным, ибо диалог Достоевского вовсе не чисто познавательный, философский диалог”.
  • 58
    Embora não seja nosso objetivo aqui comparar as edições de 1929 e 1963, vale destacar a mudança de opinião de Bakhtin a respeito do diálogo socrático na edição de 1963, conforme destacado por Botcharóv (2017)БОЧАРОВ, С. Г. Коментарии [BOTCHARÓV, S. Comentários]. In: БАХТИН, М. Проблемы поэтики Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski]. Москва: “Э”, 2017. p.613-638.. Uma possível explicação para essa mudança é a diminuição da influência do texto de Berdiáiev sobre o texto de Bakhtin na edição de 1963.
  • 59
    Considerando que Ivánov (1911) caracterizou a obra de Dostoiévski como romance tragédia e que seu texto é posterior ao de Liev Chestóv (1903), pode ter ocorrido uma interlocução entre esses dois autores.
  • 60
    No russo: “[...] кончается для человека тысячелетнее царство ‘разума и совести’; начинается новая эра – ‘психологии’, которую у нас в России впервые открыл Достоевский. Между прочим, прямой антагонизм между ‘разумом и совестью’, с одной стороны, и ‘психологией’, с другой, до сир пор мало кто решается признать открыто. Большинство предлагает возможным сохранить старую иерархию, при которой психологии приходится занимать подчинённое положение”.
  • 61
    No russo: “Литературная деятельность Достоевского может быть разделена на два периода. Первый начинается Бедными людьми и кончается Записками из Мёртвого дома. Второй начинается с Записок из подполья и заканчивается Пушкинской речью, этим мрачным апофеозом всего творчества Достоевского”.
  • 62
    No russo: “художественное видение”.
  • 63
    No russo: “новые принципы художественного сочетания элементов и построения целого”.
  • 64
    No russo: “Узкий же идеологизм, ищущий прежде всего чисто философских постижений и прозрений”.
  • 65
    No russo: “Узко-формалистический подход дальше периферии этой формы пойти на способен”.
  • 66
    No russo: “идеология, которая определила его художественную форму, его исключительно сложное и совершенно новое романное построение”, “его революционное новаторство в области романа, как художественной формы”.
  • 67
    No russo: “Полемика с другим на тему о себе самом осложняется в Записках из подполья полемикой с другим на тему о мире и об обществе. Герой из подполья, в отличие от Девушкина и от Голядкина, - идеолог”.

REFERÊNCIAS

  • АСКОЛЬДОВ, С. Религиозно-этическое значение Достоевского [ASKÓLDOV, S. A significação ético-religiosa de Dostoiévski]. In: ДОЛИНИН, А. С. Достоевский: статьи и материалы [Dostoiévski: artigos e materiais]. Санкт Петербург: Мысль, 1922. p.1-32.
  • АСКОЛЬДОВ, С. Психология характеров у Достоевского [ASKÓLDOV, S. A psicologia dos caráteres em Dostoiévski]. In: ДОЛИНИН, А. С. Достоевский: статьи и материалы II [DOLÍNIN, A. Dostoiévski: artigos e materiais II]. Санкт Петербург: Мысль, 1925. p.5-27.
  • БАХТИН, М. Проблемы творчества Достоевского [BAKHTIN, M. Problemas da criação de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.
  • BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  • БАХТИН, M. М. М. Бахтин Собрание Сочинений [BAKHTIN, M. M. M. Bakhtin obras reunidas]. Т. 2. Mосква: Русские Словари, 2000. [Organizadores S. G. Botcharóv, L. S. Melikhóva)
  • БАХТИН, M. М. М. Бахтин Собрание Сочинений [BAKHTIN, M. M. M. Bakhtin. Obras reunidas]. Т. 1 Moscou: Русские Словари /Языки Славянской Культуры, 2003. [Organizadores S. S. Averentsev, L. A. Gogotchvíli, V. V. Liapunov, V. L. Makhlin e N. I. Nikoláev]
  • БАХТИН, M. М. М. Бахтин Собрание Сочинений [BAKHTIN, M. M. M. Bakhtin obras reunidas]. T. 6. Москва: Русские Словари /Языки Славянской Культуры, 2002. [Organizadores. S. G. Botcharóv, V. V. Kójinov]
  • БАХТИН, M. Михаил Бахтин. Избранное том II. Поэтика Достоевского [BAKHTIN, M. Mikhail Bakhtin. Seleção vol. II. A poética de Dostoiévski]. Mосква: Центр гуманитарных инициатив, 2017.
  • БАХТИН. Проблемы поэтики Достоевского [BAKHTIN. Problemas da poética de Dostoiévski]. Москва: “Э”, 2017.
  • BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016 [1952-3].
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2020
  • Aceito
    22 Mar 2021
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