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Caminhos sinuosos até o Nordeste indígena: William Hohenthal Jr., antropólogo norte-americano na década de 1950

Sinuous paths to the indigenous Northeast region of Brazil: William Hohenthal Jr., a North-American anthropologist in the 50s

Resumo

Este artigo é uma contribuição à história da etnologia e à antropologia do conhecimento. Ele analisa parte da trajetória biográfica do antropólogo norte-americano William D. Hohenthal Jr., interessando-se particularmente pelas circunstâncias que levaram este autor a realizar uma pesquisa empírica junto aos povos indígenas do Nordeste do Brasil, na década de 1950. Hohenthal Jr. foi um pioneiro: até então, pouco se sabia sobre esses povos e era comumente aceito que não existiam mais índios nessa região. Ele publicou dados históricos e etnográficos essenciais para gerações de pesquisadores e para os povos de hoje. Uma análise sobre a troca de cartas entre William Hohenthal Jr. e Robert Lowie, principalmente, nos ajuda a entender a elaboração de seu projeto de pesquisa, sob vários pontos de vista inédito. Isso nos permite considerar tal pesquisa realizada sob o ângulo de uma construção minuciosa, de um projeto inovador que foi necessário defender. Hohenthal Jr. preparou essa pesquisa no Nordeste a partir de 1945, passou por mal-entendidos com Lowie, enfrentou a falta de conhecimentos de Wagley na atribuição de uma bolsa, entre muitas outras peripécias.

Palavras-chave
História da etnologia; William Hohenthal Jr.; Nordeste do Brasil; Povos indígenas

Abstract

This paper is a contribution to the history of ethnology and the anthropology of knowledge. It analyzes a part of the biographic itinerary of the North American anthropologist William D. Hohenthal Jr. and is particularly focused on the circumstances that entailed him to carry out empirical researches among indigenous peoples in the Northeast region of Brazil in the 50s. Hohenthal Jr. was a pioneer: until then, little was known about these peoples and it was commonly assumed that there was no more indigenous in this region. He published historical and ethnographical data that still essentials for researchers and indigenous peoples. An analysis of the correspondence exchanges between, principally, William Hohenthal Jr. and Robert Lowie helps us to understand the elaboration of a research proposal in many ways unprecedented. It allows us to consider Hohenthal Jr.’s work from the angle of its meticulous construction, as groundbreaking proposal that it was necessary to defend. Hohenthal Jr. prepared his fieldwork in the Northeast region of Brazil since 1945, passed on misunderstandings with Lowie, faced the lack of knowledge of Wagley during the attribution of a fellowship, among other incidents.

Keywords
History of ethnology; William Hohenthal Jr; Northeast region of Brazil; Indigenous peoples

INTRODUÇÃO

Os antropólogos interessados pelos povos indígenas do Nordeste do Brasil nas últimas décadas citam quase sistematicamente os textos de William Hohenthal Jr. Esse norte-americano foi um verdadeiro pioneiro, do ponto de vista etnográfico: ele foi um dos primeiros a realizar um trabalho empírico, ou melhor, trabalhos empíricos1 1 O que chamei em outro lugar, sobre minha própria experiência, de ‘multietnografia’ (Menta, 2020a). Isso difere de uma etnografia multissituada, na medida em que consiste em realizar várias etnografias com vários grupos, e não etnografias diferentes de um mesmo grupo espalhado geograficamente. com grupos indígenas nesta região. Os dados etnográficos, arquivísticos e arqueológicos que produziu tornaram-se referências muitas vezes fundamentais. Descobri o trabalho deste autor durante a escrita da minha dissertação de mestrado sobre os indígenas Pankararé do estado da Bahia (Menta, 2010Menta, C. (2010). L’once et le chat sauvage. Émergence ethnique des Indiens pankararé, Nahia, Brésil. [Dissertação Mestrado, Université Lumière Lyon II].). Hohenthal Jr. foi o primeiro antropólogo a mencionar a presença desse grupo e os laços que os unem aos Pankararu do estado de Pernambuco (Hohenthal Jr., 1960aHohenthal Jr., W. D. (1960a). As tribos indígenas do médio e baixo São Francisco. Revista do Museu Paulista, 12, 37-71.).

É igualmente impossível não o mencionar em muitos outros contextos etnográficos. A primeira publicação de Hohenthal Jr. sobre o Nordeste indígena versa especificamente sobre a presença missionária no vale do rio São Francisco (Hohenthal Jr., 1952Hohenthal Jr., W. D. (1952). Little known groups of Indians reported in 1696 on the São Francisco in northeastern Brazil. Journal de la Société des Américanistes, 41(1), 31-37. https://doi.org/10.3406/jsa.1952.2396
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). Nesse texto, o autor analisa o conflito, opondo missionários e a família d’Ávila, grande família de posseiros e pioneiros que possuía terras imensas, divididas entre Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Bahia. Trata-se de um artigo histórico, publicado na França, que mostra todo potencial de pesquisas no Nordeste. Ele publicou, dois anos depois, um texto histórico e etnográfico sobre os Shucurú (Hohenthal Jr., 1954Hohenthal Jr., W. D. (1954). Notes on the Shucurú Indians of Serra de Ararobá. Revista do Museu Paulista, Nova Série, 8, 93-166.), no qual citou arquivos do século XVI, apresentando elementos de prova da presença dos Xukuru nas terras que habitam. Essa publicação foi utilizada tanto por antropólogos, em trabalhos científicos, como para o processo de demarcação territorial (Mikaluk, 2016Mikaluk, M. (2016). Colonial subjugation and human rights abuses: twenty-first century violations against Brazil’s rural indigenous Xukuru Nation. Contemporary Rural Social Work Journal, 8(1), 6. https://digitalcommons.murraystate.edu/crsw/vol8/iss1/6
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). Na sua publicação de 1960 (Hohenthal Jr., 1960aHohenthal Jr., W. D. (1960a). As tribos indígenas do médio e baixo São Francisco. Revista do Museu Paulista, 12, 37-71.), aborda 43 grupos, extintos ou não, do médio e baixo São Francisco. Ele descreveu brevemente cada um desses grupos, oferecendo informações históricas que encontrou em suas pesquisas de arquivos, além de dados etnográficos por ele obtidos. Esse texto é muito útil para antropólogos, historiadores e povos indígenas. Enfim, no mesmo ano e na mesma revista, publicou um texto em inglês no qual descreveu, de uma maneira mais elíptica, a situação dos povos indígenas do Nordeste desde a chegada dos europeus (Hohenthal Jr., 1960bHohenthal Jr., W. D. (1960b). The general characteristics of Indian cultures in the rio São Francisco valley. Revista do Museu Paulista, 12, 73-86.). Seus trabalhos são fundamentais para a geração atual de pesquisadores: ele desbravou o campo, escrevendo sobre povos cuja existência não era conhecida e apresentando dados históricos únicos.

Era raro, nessa época, que os grupos do Nordeste tivessem sua identidade indígena oficializada. Igualmente raros foram os antropólogos interessados em pesquisar essas populações (Pacheco de Oliveira, 1998Pacheco de Oliveira, J. (1998). Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais. Mana, 4(1), 47-77. https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100003
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). Por que e como Hohenthal Jr. decidiu realizar sua pesquisa no Nordeste do Brasil e, além disso, junto a grupos indígenas? Quais foram os dados provenientes para sua escolha? Quais etapas foram necessárias? Graças a quais elementos o autor teve a certeza para a realização de uma pesquisa empírica de qualidade?

Este artigo é uma contribuição à metodologia, à história da etnologia e à antropologia do conhecimento. Trata-se de uma parte da jornada biográfica 2 2 Joyce e Gillespie (2015) trazem uma crítica interessante ao tema da ‘vida dos objetos’, introduzindo a noção de ‘itinerário’ ou ‘jornada biográfica’. O pesquisador tem a oportunidade de escolher um espaço e um momento específico desta biografia. Repito esta observação aqui, aplicando-a a este autor norte-americano: não discutirei a vida de William Hohenthal Jr., mas uma parte específica dela. de Hohenthal Jr. Não é um olhar para sua produção científica, nem mesmo um ensaio biográfico que tenderia à exaustão. Estou interessado em como ele construiu seu objeto de estudo e o caminho pelo qual ele passou antes de chegar aos índios Fulni-ô, em 19513 3 Hohenthal Jr. concluiu seu doutorado em antropologia na Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1951. Logo depois, viajou para o Nordeste do Brasil. Ele já conhecia o Brasil – mas não o Nordeste – e tinha residido no país algumas vezes: a primeira vez, entre 1934 e 1936, quando seu pai trabalhava para o exército norte-americano e a segunda vez, entre os anos de 1941 e 1947, quando ele mesmo se engajou no exército. Hohenthal Jr. era casado com uma brasileira e tinha um perfeito domínio da língua. . Interesso-me também pela atuação que teve entre esses povos, na sua presença sensível no campo. Meu pressuposto é de que sua jornada até chegar ao Nordeste foi particularmente longa devido às muitas armadilhas encontradas, mas também à originalidade pretendida, o que teve influência sobre seu modo de ser, uma vez no campo. Para demonstrar isso, analiso arquivos presentes na Biblioteca Bancroft, da Universidade da Califórnia, Berkeley, os quais consistem principalmente em trocas de correspondências entre 1945 e 1953.

INTRODUÇÃO NA ANTROPOLOGIA E PRESENÇA NO BRASIL

William Hohenthal Jr. nasceu em 1919 em Corning, Califórnia. Filho de uma família militar suíço-alemã, ele passou sua juventude entre as Filipinas e os Estados Unidos. Segundo Karen Bruhns (1999)Bruhns, K. O. (1999). William Dalton Hohenthal Jr. Anthropology Newsletter, Death Notices, 21-22., que escreveu um obituário sobre ele, sua introdução na antropologia veio após um encontro com grupos indígenas nas Filipinas (onde ficou entre 1929 e 1932). Quando ele tinha quinze anos, seu pai foi transferido para o Brasil (de 1934 a 1936). Ele estudou e aprendeu a dominar o idioma português.

Entre 1941 e 1947, Hohenthal Jr. esteve envolvido no exército norte-americano. Ele, então, passou vários anos no Brasil e foi forçado, após obter seu mestrado, em 1941, a fazer uma pausa nos seus estudos. Foi durante sua residência no Brasil que começaram as trocas de correspondências que hoje se encontram disponíveis na Biblioteca Bancroft, em Berkeley. Em 1945, ele averiguou e questionou Robert Lowie 4 4 Robert Lowie (1883-1957) era professor da Universidade da Califórnia, Berkeley. Ele foi um dos grandes antropólogos interessados na causa indígena, sendo um dos primeiros antropólogos norte-americanos (era de origem austríaca) a introduzir temas indígenas sul-americanos na literatura norte-americana. sobre a possibilidade de fazer um doutorado em Berkeley, sob sua orientação, a partir de dados brasileiros. Ele queria aproveitar ao máximo seu conhecimento do país, do idioma e a sua presença no Brasil para criar uma rede de contatos. Acima de tudo, queria ter certeza da viabilidade de um projeto como esse.

O principal contato de Lowie no Brasil era Curt Nimuendajú, antropólogo brasileiro de origem alemã. Esses dois pesquisadores nunca se encontraram 5 5 Eles trabalharam oficialmente juntos de 1935 a 1942, através de financiamento do Instituto de Ciências Sociais da Universidade da Califórnia, Berkeley. Lowie frequentemente insistia para que as instituições norte-americanas financiassem as pesquisas de campo de Nimuendajú, como a Fundação Rockfeller em 1942. Ele também tentou várias vezes levar Nimuendajú para os Estados Unidos, sem sucesso (Faulhaber, 2012). , mas eles mantiveram contato por cartas. Em uma carta datada de 25 de outubro de 1945, uma das primeiras disponíveis na Biblioteca Bancroft, Hohenthal Jr. pedia a Lowie que escrevesse uma carta de recomendação no propósito de conhecer Nimuendajú. A ideia de poder pesquisar no Brasil era, sem dúvida, o cerne de seus pensamentos.

Na mesma carta, Hohenthal Jr. explicava que estava partindo para o Rio de Janeiro, como membro da Joint American-Brazilian Comission. Uma vez lá, ele se desesperou para conhecer Nimuendajú pessoalmente. Este último vivia no Pará, enquanto Hohenthal Jr. estava instalado no Sudeste (Hohenthal Jr., 1946Hohenthal Jr., W. D. (1946, Janeiro 21). Carta a Robert Lowie. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Janeiro 21). Ele esperava voltar para a universidade e iniciar um doutorado ao retornar aos Estados Unidos, previsto para 1947. Na carta, Hohenthal Jr. perguntava a Lowie sobre o futuro da antropologia na América do Sul. É neste contato que ele evoca explicitamente pela primeira vez com Lowie a possibilidade de uma pesquisa de campo no Brasil:

What is the future of South American Anthropology in general, specifically, let’s say archeology and ethnology in Brazil? I’ve been collecting some very interesting works (all in Portuguese) on those two subjects. . . . With my knowledge of the country, its language, and the many contacts that I have here, I should think that Brazil would be a good field for me to specialize in. Also, this is a virgin territory in regards anthropology in general

(Hohenthal Jr., 1946Hohenthal Jr., W. D. (1946, Abril 25). Carta a Robert Lowie. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Janeiro 21).

Ele pedia a opinião de Lowie, expressando a importância de tais reflexões: a possibilidade de realizar um doutorado em Berkeley sob sua orientação e a partir de dados brasileiros constituiria um “turning point in [his] life” (Hohenthal Jr., 1946Hohenthal Jr., W. D. (1946, Janeiro 23). Carta a Robert Lowie. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Janeiro 21). Dois dias depois, ele escreveu novamente para Lowie. O intervalo das trocas de correspondências entre eles geralmente era longo, o que nos faz pensar que havia uma certa urgência nessa carta. De fato, Hohenthal Jr. tinha uma triste notícia para anunciar:

I stated in my last letter that I had not yet met Nimuendajú. Today, in a casual conversation with a Brazilian infantry captain who just arrived from the North, the subject of anthropology came up. This officer gave me the startling news that Kurt Nimuendajú died while on a field trip in the State of Maranhão some six weeks ago.

I questioned this officer very closely and he swore that it was the “famous foreign ethnologist with the rare name, the Indian name, who married an Indian and who lived with the Indians many years, and who could be found, while in civilization, at the Museo Belém do Pará”.

It seems that he died of some as yet undetermined cause, and was not killed by violence

(Hohenthal Jr., 1946Hohenthal Jr., W. D. (1946, Janeiro 21). Carta a Robert Lowie. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Janeiro 23).

Hohenthal Jr. lamentou anteriormente não poder encontrar Nimuendajú por causa da distância que os separava. Dois dias depois, ele soube de sua morte e teve que avisar Lowie. Isso também teve o efeito de atrasar o progresso da elaboração de seu projeto pessoal. Hohenthal Jr. realmente contava com Nimuendajú para direcioná-lo a um campo e introduzi-lo ao ambiente. Lowie respondeu às duas cartas em uma só, em 1º de fevereiro, na qual, entre outras coisas, ele incentivava Hohenthal Jr. a continuar seus estudos e a trabalhar no Brasil. Assim, a partir de janeiro de 1946 e após reflexões e algumas trocas com Lowie, Hohenthal Jr. foi apoiado em sua escolha do Brasil como país para a realização de seu trabalho de campo. Agora, devia refinar as buscas, encontrando, por exemplo, um contato confiável capaz de substituir Nimuendajú.

PRIMEIRAS PALAVRAS SOBRE O NORDESTE DO BRASIL E SUAS “VERY LITTLE KNOWN TRIBES”

Em 25 de abril de 1946, Hohenthal Jr. renovou o contato com Lowie. Ele voltaria ao Brasil em pouco tempo. Seu objetivo era aproveitar a oportunidade para iniciar a aprendizagem da língua alemã (uma língua importante para o doutorado) e continuar suas leituras antropológicas. Lowie o incentivava a continuar seus estudos com a condição de que ele cumprisse suas obrigações governamentais.

Ele, então, forneceu informações que seriam um ponto-chave para as futuras pesquisas de Hohenthal Jr. Desejando não apenas encorajá-lo, mas também apoiá-lo em seus esforços, ele o direcionou para outro antropólogo brasileiro:

I wonder whether you will have a chance to visit Belem. If so, you might make the acquaintance of the Director, whose name is, I think, Estevas de Oliveira [sic]. I gathered from what the late Nimendajú wrote me that this man has some good observational material about very little known tribes, such as the Fulnio, but is timid about publication. Perhaps you could induce him to publish, or to let you have the material for translation

(Hohenthal Jr., 1946Hohenthal Jr., W. D. (1946, Janeiro 23). Carta a Robert Lowie. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Abril 25).

Como ‘órfão’ de Nimuendajú, Lowie incentivou Hohenthal Jr. a contatar seu sucessor no Museu Goeldi, Carlos Estevão de Oliveira. Não havia menção ao Nordeste do Brasil, mas sim as “very little known tribes”, como os Fulni-ô, com quem o antropólogo havia realizado pesquisas na década de 1920 (Oliveira, 1942Oliveira, C. E. (1942). O ossuário da “Gruta-do-Padre” em Itaparica e algumas noticias sobre remanescentes indígenas do Nordeste. Boletim do Museu Nacional, 14-17, 151-184.). O desejo de Lowie era de que Hohenthal Jr. entrasse em contato com este pesquisador. Ele não o conhecia pessoalmente, assim como Nimuendajú, mas apreciava seus escritos (que citou em parte, como em seu artigo publicado em Handbook of South American Indians – HSAI, sobre os Pankararu – Lowie, 1946Lowie, R. H. (1946). The Pancararu. In J. H. Steward (Org.), Handbook of South American Indians (Vol. 1: The marginal tribes) (pp. 561). Smithsonian Institution & Bureau of American Ethnology.) e tinha ouvido muitos elogios de Nimuendajú6 6 Dessa forma, o leitor pode apreciar as trocas de cartas entre Nimuendajú e Estevão de Oliveira, compiladas em um livro intitulado “Cartas do sertão de Curt Nimuendajú para Carlos Estevão de Oliveira” (Nimuendajú, 2000). sobre sua escrita. Estevão de Oliveira poderia se revelar um contato importante no Brasil, tanto para Hohenthal Jr. como para ele mesmo.

Carlos Estevão de Oliveira nasceu em Recife, no Nordeste do Brasil. Ele foi jornalista de formação, assim como seu pai e seu irmão (Cunha, 1989Cunha, O. R. (1989). Carlos Estevão de Oliveira (1880-1946). In O. R. Cunha, Talento e atitude: estudos biográficos do Museu Emílio Goeldi I (pp. 103-121). Museu Paraense Emílio Goeldi.). Esse fato certamente ajuda a explicar a ‘timidez’ em relação à publicação em que Estevão de Oliveira parece demonstrar, mencionada por Lowie. Se ele nunca havia o conhecido pessoalmente, nem nunca haviam se correspondido, Lowie o conhecia por nome pelo menos desde 1936. Em 6 de fevereiro deste ano, Nimuendajú enviou uma carta a Lowie, na qual ele falava de Estevão de Oliveira e de sua falta de confiança no tocante à relação que mantinha com seus dados:

[Dr. Carlos Estevão] é tão pouco etnólogo profissional como eu, mas trata-se do único brasileiro que trabalha séria e objetivamente nesse campo [do Nordeste do Brasil]. Fala muito ao seu favor que ele, que entre todos os patrícios é o que possui os conhecimentos etnográficos mais amplos, ainda não publicou quase nada justamente porque ele reconhece que não domina totalmente a matéria

(Nimuendajú, 2000Nimuendajú C. (2000). Cartas do sertão de Curt Nimuendajú para Carlos Estevão de Oliveira (Coleção Coisas de Índios). Museu Nacional de Etnologia/Assírio & Alvim., p. 354).

Não sabemos qual era a natureza do questionamento de Lowie, mas é certo que esses elogios de Nimuendajú foram ouvidos. Essa ‘timidez’ também seria importante para que Hohenthal Jr. entrasse em contato com Estevão de Oliveira sobre essas “very little known tribes”.

A AMBIVALÊNCIA DAS “VERY LITTLE KNOWN TRIBES”

Lowie não abordou em sua carta nenhuma das características culturais, sociais e históricas dos índios com quem Estevão de Oliveira trabalhava. Ele mencionou apenas um aspecto: são “very little known tribes”. Ele citou os Fulni-ô como exemplo, mas sabia que o antropólogo brasileiro já havia trabalhado com outros grupos indígenas, dos quais ele era, em alguns casos, o único a possuir dados empíricos.

Com Alfredo Dâmaso, Estevão de Oliveira contribuiu muito para a formalização da identidade dos índios Fulni-ô (Arruti, 2013Arruti, J. M. (2013). “La reproduction interdite”: disposititfs de nomination, réflexivité et médiations anthropologiques parmi les peuples indiens du Nordeste brésilien. Dilemmes Anthropologiques, 4, 57-77. https://doi.org/10.4000/bresils.240
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). Para isso, realizou pesquisas arqueológicas e etnográficas e divulgou os resultados obtidos. O contexto particular do Nordeste do Brasil é, certamente, um segundo argumento para explicar a ‘timidez’, em termos de publicações, de Estevão de Oliveira. Os grupos da região há muito tempo eram vistos pejorativamente como caboclos, e não como índios. Estevão de Oliveira passou pouco tempo no campo, a fim de estabelecer rapidamente uma estratégia de reconhecimento étnico do grupo. Não dominar totalmente os dados, para usar a expressão de Nimuendajú, também pode ser entendido como não ter dados suficientes para explicar o que teria o mérito de ser.

O trabalho de Arruti (2013)Arruti, J. M. (2013). “La reproduction interdite”: disposititfs de nomination, réflexivité et médiations anthropologiques parmi les peuples indiens du Nordeste brésilien. Dilemmes Anthropologiques, 4, 57-77. https://doi.org/10.4000/bresils.240
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nos ajuda a melhor entender as pesquisas e a metodologia de Carlos Estevão de Oliveira. Este último chegou aos Pankararu pela primeira vez em 1935 para pesquisas preliminares. No ano seguinte, ele retornou e iniciou uma série de transformações culturais para garantir que a organização social Pankararu correspondesse ao que ele acreditava serem as expectativas do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão governamental encarregado da supervisão de grupos indígenas e processos de oficialização identitária. Em um texto publicado em 1942, Estevão de Oliveira apresentou a possibilidade de uma grande área cultural no Nordeste do Brasil (Oliveira, 1942Oliveira, C. E. (1942). O ossuário da “Gruta-do-Padre” em Itaparica e algumas noticias sobre remanescentes indígenas do Nordeste. Boletim do Museu Nacional, 14-17, 151-184.). Ele estabeleceu uma comparação analítica entre os dados obtidos junto aos Fulni-ô e os dos Pankararu. Por exemplo, os terreiros rituais dos Pankararu eram numerosos e espalhados; esse grupo não tinha agenciamentos social e ritual evidentes. Ao contrário, os Fulni-ô apresentavam uma organização em duas metades exogâmicas, central para os planos social e ritual. As disparidades culturais observadas seriam, segundo o autor, o resultado de perdas devido aos contatos. Assim, essas transformações culturais dos Pankararu também visavam a uma aproximação cultural com os Fulni-ô.

Por que Lowie chamava de “very little known tribes” os grupos com quais Estevão de Oliveira trabalhava? Vemos aqui pelo menos duas explicações. A primeira é que eles eram, de fato, “little known”, pouco conhecidos, no verdadeiro sentido da expressão que ele usava por uma questão de objetividade. Poucas pesquisas tinham sido feitas sobre grupos indígenas no Nordeste do Brasil e, de fato, poucos dados foram publicados sobre eles, e poucas imagens foram divulgadas. Hildebrando de Menezes (1935)Menezes, H. (1935). Os praiás de Tacaratú. Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, 33(155-158), 45-48., Estevão Pinto (1938)Pinto, E. (1938). Alguns aspectos da cultura artística dos Pancarús de Tacaratu. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, (2), 57-92. e Carlos Estevão de Oliveira (1942)Oliveira, C. E. (1942). O ossuário da “Gruta-do-Padre” em Itaparica e algumas noticias sobre remanescentes indígenas do Nordeste. Boletim do Museu Nacional, 14-17, 151-184., por exemplo, são os poucos antropólogos (ou jornalistas) que obtiveram dados dos Pankararu e os publicaram. Em 1938, Mário de Andrade também passou alguns dias junto a essa etnia, com a Missão de Pesquisas Folclóricas. Se ele registrou rituais (em áudio e vídeo), não publicou nada sobre essa experiência (Albuquerque, 2014Albuquerque, M. A. S. (2014). O praiá pankararu: objeto-fetiche modernista. PROA Revista de Antropologia e Arte, 1(5), 1-16. https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/proa/article/view/2334
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). Para os Fulni-ô, as pesquisas e as publicações foram um pouco mais numerosas.

No entanto, esses trabalhos não chegaram aos Estados Unidos, principalmente porque os pesquisadores raramente liam em português7 7 Em uma carta datada de 25 de outubro de 1945, Hohenthal Jr. explicava a Lowie que estava ciente dos problemas de comunicação que encontrava ao lidar com um ‘antropólogo brasileiro’. Isso foi confirmado por Lowie. Esse problema se devia, em especial, à proibição do uso do idioma alemão pelas autoridades brasileiras e à necessidade decorrente do uso de outro idioma. A resposta de Lowie indicava que ele não conhecia o português: “. . . the Brazilian authorities would not permit us to use German, consequently he wrote in Portuguese and I answer in English. This was harder on me than on him, for he had read a considerable amount of professional anthropological literature in English, whereas I have to painfully dig out meanings from a Portuguese dictionary, and, as you know, there is no good Portuguese-English dictionary. . .” (Lowie, 1945, Outubro 30). A proibição do uso da língua alemã no Brasil em 1945 obrigou Nimuendajú a escrever suas cartas em português, que Lowie teve grande dificuldade de entender. . O primeiro volume de HSAI, focado nas ‘tribos marginais’, foi publicado em 1946. Robert Lowie estava no comando da última seção, dedicada aos ‘Índios do Leste do Brasil’. Ele escreveu a introdução e alguns artigos. João Pacheco de Oliveira (1998)Pacheco de Oliveira, J. (1998). Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais. Mana, 4(1), 47-77. https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100003
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observa que a seção dedicada aos grupos indígenas do Nordeste estava organizada em artigos curtos, para os quais existiam mais fontes históricas do que fontes etnográficas. Segundo esse autor, essas populações são, então, descritas pelo que supostamente foram, e não pelo que são. Para o pequeno artigo sobre os Pankararu, apenas duas referências foram usadas por Lowie – a de Alencastre (1857)Alencastre, J. M. P. (1857). Memória. Revista do Instituto de Historia e Geografia do Brasil, 20, 5-164. e a de Estevão (Estevão Pinto, 1938Pinto, E. (1938). Alguns aspectos da cultura artística dos Pancarús de Tacaratu. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, (2), 57-92.).

Poucos conhecimentos, tanto históricos quanto antropológicos, estão, de fato, disponíveis sobre os índios do Nordeste brasileiro. Por exemplo, a família linguística à qual eles pertencem é fonte de debate. Lowie explicava que os Pankararu são “sometimes classed as of the Cariri family, but at the present stage of knowledge it should be regarded as isolated” (Lowie, 1946Lowie, R. H. (1946). The Pancararu. In J. H. Steward (Org.), Handbook of South American Indians (Vol. 1: The marginal tribes) (pp. 561). Smithsonian Institution & Bureau of American Ethnology., p. 561). Para os Fulni-ô, Métraux (1946, p. 571)Métraux, A. (1946). The teremembé. In J. H. Steward (Org.), Handbook of South American Indians (Vol. 1: The marginal tribes) (pp. 573-574). Smithsonian Institution & Bureau of American Ethnology. explicava que “Pompeu Sobrinho (1935)Pompeu Sobrinho, T. (1935). Indios Fulniôs, Karnijós de Pernambuco. Revista do Instituto de Ceará, 40, 31-58. analysed the few existing documents on their language – the Iatê – and concluded that Fulnio is an isolated tongue with no relationship to Cariri, with which it has been erroneously identified”. No entanto, sabemos hoje, e graças a algumas pesquisas realizadas posteriormente, que o Yathê falado pelos Fulni-ô pertence ao tronco linguístico Macro-Jê.

O artigo sobre os Teremembê, escrito por Métraux (1946)Métraux, A. (1946). The teremembé. In J. H. Steward (Org.), Handbook of South American Indians (Vol. 1: The marginal tribes) (pp. 573-574). Smithsonian Institution & Bureau of American Ethnology., é composto por duas partes: história e cultura. É importante observar que a segunda parte também foi redigida no passado, demonstrando, assim, que nenhum conhecimento recente estava disponível. Ele citou dois trabalhos novos, Pinto (1935)Pinto, E. (1935). Os indígenas do nordeste (Vol. 112). Companhia Editora Nacional. e Studart Filho (1931)Studart Filho, C. (1931). Notas históricas sobre os indígenas cearenses. Revista do Instituto de Ceará, 45, 53-103. https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1931/1931-NotasHistoricassobreIndigenasCearenses.pdf
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, mas nenhum deles baseado em pesquisa empírica.

Mas, se essas “very little known tribes” são mais conhecidas pelo que foram, elas representam um tipo de vazio informativo sobre o que são. A pesquisa empírica torna-se necessária para preencher essa lacuna etnográfica.

Na verdade, podemos imaginar que Lowie usasse essa expressão “little known tribes” estrategicamente. Tornava-se possível aproximar, em termos culturais, grupos indígenas do Nordeste do Brasil de grupos de outras regiões. As “little known tribes” atraíram antropólogos, muito mais do que os grupos ‘aculturados’ do Nordeste. Ao contrário dos índios da Amazônia, os grupos do Nordeste eram pouco conhecidos não porque viviam isolados, mas por excesso de contatos. Os coletivos indígenas então qualificados como “little known” eram numerosos. Referindo-se novamente ao HSAI, dois artigos ostentam essa qualificação em seu título: “Little-known tribes of the lower Amazon” (Nimuendajú, 1948aNimuendajú, C. (1948a). Little-known tribes of the lower Amazon. In J. H. Steward (Org.), Handbook of South American Indians (Vol. 3: The tropical forest tribes) (pp. 209-211). Smithsonian Institution & Bureau of American Ethnology.) e “Little-known tribes of the lower Tocantins river region” (Nimuendajú, 1948bNimuendajú, C. (1948b). Little-known tribes of the lower Tocantins river region. In J. H. Steward (Org.), Handbook of South American Indians (Vol. 3: The tropical forest tribes) (pp. 203-208). Smithsonian Institution & Bureau of American Ethnology.). Qualificar de “little known tribes” os grupos com os quais Estevão de Oliveira trabalhou permitia, simultaneamente, atestar sua presença enquanto esses grupos, na maioria das vezes, não eram pensados como índios e considerar uma pesquisa em muitos pontos inédita.

Essa expressão também possibilitava valorizar o pesquisador. Hohenthal Jr. tinha quase certeza de possuir algum tipo de exclusividade etnográfica8 8 Hohenthal Jr. continua sendo, até hoje, um dos relativamente poucos antropólogos norte-americanos que trabalharam com índios do Nordeste do Brasil. . Também combinava aventura e descoberta. Assim, as “little known tribes” atraíam o pesquisador, tornando ao mesmo tempo seu trabalho mais difícil e mais lento, devido à falta de conhecimento prévio.

Na conclusão de seu artigo sobre o trabalho de Hohenthal Jr., Grünewald e Palitot (2011)Grünewald, R. A., & Palitot, E. M. (2011). Etnografia de salvamento: Hohenthal Jr. no Nordeste do Brasil. In J. Pacheco de Oliveira (Org.), A presença indi?gena no nordeste (pp. 547-575). Contra Capa. evocam a importância da pesquisa deste estudioso para os índios: ele teria “os tirado da invisibilidade” (Grünewald & Palitot, 2011Grünewald, R. A., & Palitot, E. M. (2011). Etnografia de salvamento: Hohenthal Jr. no Nordeste do Brasil. In J. Pacheco de Oliveira (Org.), A presença indi?gena no nordeste (pp. 547-575). Contra Capa., p. 569). Apesar de sua descrição metodológica como uma ‘salvage ethnology’ (utilizando também a expressão de Métraux em “archeology of the mind”), a ideia geral de sua etnografia não era ‘salvar’ ou escrever sobre elementos culturais sobreviventes, mas descobrir o mundo indígena com uma preocupação pormenorizada, presente no vale do São Francisco, preenchendo a lacuna etnográfica existente. Nesse sentido, seu artigo resultante dessa experiência, intitulado “As tribos indígenas do médio e baixo São Francisco” (Hohenthal Jr., 1960aHohenthal Jr., W. D. (1960a). As tribos indígenas do médio e baixo São Francisco. Revista do Museu Paulista, 12, 37-71.), pode ser percebido como um Handbook centrado nos grupos indígenas dessa região. Ele foi projetado de maneira semelhante: reunia informações sobre as ‘43 tribos’ que estavam ou estão próximas ao rio São Francisco. Tratava-se de preencher uma lacuna etnográfica. Hohenthal Jr. teve a oportunidade de descobrir grupos até então desconhecidos. Ele utilizava tanto as referências históricas sobre grupos presentes e extintos, como dados etnográficos obtidos em primeira mão. A partir dessa afirmação de Lowie, Hohenthal Jr. parecia ter decidido que trabalharia no Nordeste do Brasil.

AMBIÇÕES INCONSISTENTES: A URGÊNCIA DE LOWIE E A INDISPONIBILIDADE IMEDIATA DE HOHENTHAL JR.

Em 11 de janeiro de 1947, Hohenthal Jr. informou a Lowie que retornaria ao Brasil a partir do mês de abril. Ele escreveu a Estevão de Oliveira sugerindo que publicasse seus dados sobre o Fulni-ô. Como explicara ao próprio Lowie, lhe disse: “Recently I wrote Dr Estevão de Oliveira at Belem do Para regarding your suggestion as to publication of material in his possession on little known tribes such as the Fulnio” (Hohenthal Jr., 1947, Janeiro 11). O fato de ele citar unicamente os Fulni-ô, como Lowie fizera, sugere que ele ainda não conhecia seu trabalho, nem mesmo os nomes dos grupos com os quais havia trabalhado. Ele propunha estabelecer contato entre os dois homens, assim que a resposta chegasse e se Estevão de Oliveira fosse uma boa pessoa.

Alguns dias depois, Lowie respondeu a carta. Esta resposta constitui a origem do que senti como uma tensão, devido a um mal-entendido.

As regards to Fulnio, what I would really like best would be to have someone trained in our field techniques going in there and doing as good job as is still possible. Obviously this would have to be done with the consent of Dr. Estevão de Oliveira

(Lowie, 1947Lowie, R. H. (1947, Janeiro 20). Carta a William Hohenthal Jr. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Janeiro 20).

Mais informações sobre o Fulni-ô foram entregues nesta carta: eles estavam à beira da extinção. Lowie explicava que seria interessante que algum pesquisador fosse para lá o mais rápido possível. O mal-entendido repousava sobre a identidade desse pesquisador que Lowie queria enviar para o Nordeste do Brasil. Certamente ele pensou em Hohenthal Jr., como explicou depois. A questão é que Hohenthal Jr. interpretou de maneira diferente.

De fato, Hohenthal Jr. forneceu a Lowie explicações sobre as medidas a serem tomadas para enviar um pesquisador. O estilo é mais direto do que o habitual, mais frio e menos pessoal. Hohenthal Jr. certamente imaginou que ele próprio poderia fazer a pesquisa. Ele era, então, confrontado com a urgência emitida por Lowie, devido à situação em que os Fulni-ô se encontravam. Hohenthal Jr. ainda estava no Exército americano e não pôde o deixar imediatamente

I suggest that the best way to get your man here is to seize the bull by the horn: write directly to Rondon himself at the Conselho and explain the problem.

Then work toward getting your man down here may be started from both sides, the Brazilian and the American through the State Department

(Hohenthal Jr., 1947Hohenthal Jr., W. D. (1947, Fevereiro 28). Carta a Robert Lowie. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Fevereiro 28).

Ele, então, fez uma série de perguntas a Lowie, em um tom que poderia parecer irônico, relacionado ao trabalho de campo e, mais especificamente, ao uso do idioma para as conversas e a coleta de dados. É particularmente nesta passagem que se percebe o aborrecimento de Hohenthal Jr.:

I’m rather curious as to how a field ethnologist gets his information other than that afforded by direct observation; does one need a Portuguese-English interpreter, and a Portuguese and Gê or Tupi interpreter, plus a Tupi-Gê (or whatever dialect is under study), or how is this done? I’m really serious about this, because I pride myself on my Portuguese and Spanish, + I’m married to a Brazilian so that I fancy I know tolerably good Portuguese

(Hohenthal Jr., 1947Hohenthal Jr, W. D. (1947, Janeiro 11). Carta a Robert Lowie. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Fevereiro 28).

Lowie pareceu perceber essa ligeira agressividade. Ele continuou dizendo que esperava que o próprio Hohenthal Jr. considerasse essa pesquisa e começasse a preparar o campo:

I am afraid I did not make myself altogether clear. My hope was that somehow you might pave the way for some field work among such people as the Fulnio, whom Oliveira made a beginning with. I understand, of course, that you are committed to other things at present, but I thought discussing the matter with Oliveira would perhaps make it easier for you in the future

(Lowie, 1947Lowie R. H. (1947, Março 13). Carta a William Hohenthal Jr. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Março 13).

As coisas ainda não estavam claras para Hohenthal Jr. Ele certamente pensava que Lowie queria enviar outra pessoa e que todas as suas perguntas e encorajamento na busca por informações preliminares foram destinadas apenas a enviar alguém rapidamente. Assim, ele explicava em sua resposta de 30 de março de 1947 que faria todo o possível para preparar o campo para um antropólogo da Universidade da Califórnia, Berkeley, que estivesse com interesse de vir para o Nordeste do Brasil.

Ele acrescentou que ainda não havia recebido resposta de Carlos Estevão de Oliveira. Na correspondência seguinte, insistiu e anexou uma carta do general Rondon. Não sabemos se conseguiu uma resposta ou mesmo se os dois homens finalmente se reuniram.

Mais tarde, naquele ano, Hohenthal Jr. explicou a Lowie que ele havia conhecido recentemente vários membros do SPI. Entre eles, estavam o general Rondon e o Dr. Serpa. Este último também informou que ele contratou um francês, Dr. Boudin, da Universidade de Paris, para realizar pesquisas com índios no Nordeste do Brasil. Max Boudin era linguista e trabalhou com os Fulni-ô (Boudin, 1949Boudin, M. H. (1949). Aspectos da vida tribal dos índios Fulniô. Cultura, 1(3), 47-76.).

Since my arrival I have met T. Dale Stewart of the Smithsonian, and we’ve had a few talks together about Brazilian anthropology. . .

Before I left Rio, the director of the Indian Service, Dr. Modesto de Donatini, the director of the Research Branch of the SPI, Dr. Serpa, and General Rondon, as well, assured me that American field researchers would be most welcome in Brazil, but that the SPI could not aid financially during the year 1947; perhaps in 1948 the Brazilian Government will be in a position to help defray the expenses of an investigator sent from California. As you know, this financial question was not at any time mentioned by me; it was a complete surprise that the Brazilian was willing to go so far and as to help financially our field technicians. As a matter of interests, Dr. Serpa has engaged a Frenchman by name of Boudin, from the Univ. of Paris, to work over the Northeastern tribe which you expressed interest in, as you will remember, in your letters to me. Actually, they prefer to have Americans. Wagley made a good name for himself here, and I think the American reputation is good

(Hohenthal Jr., 1947Hohenthal Jr., W. D. (1947, Junho 26). Carta a Robert Lowie. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Junho 26).

Hohenthal Jr. buscou informações com os seus contatos sobre a possibilidade de realizar pesquisas no Nordeste do Brasil. Só então ele soube que Max Boudin acabara de ser contratado pelo SPI para trabalhar com os Fulni-ô.

Após essa data, infelizmente não temos mais nenhuma correspondência. Hohenthal Jr. retornou a Berkeley e iniciou seu doutorado. Ele, então, executou uma pesquisa empírica na Baixa Califórnia, região onde, entre 1938 e 1941, havia realizado investigações preliminares. Defendeu uma tese em 1951, intitulada “The concept of cultural marginality and native agriculture in South America”, na qual questionou a ideia de ‘marginalidade’, então contígua às populações indígenas (Hohenthal Jr., 1951Hohenthal Jr., W. D. (1951, Setembro 9). Carta a Edward W. Gifford. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley.).

DAS DIFICULDADES NA OBTENÇÃO DE UMA BOLSA DE ESTUDOS

Pouco antes de concluir o doutorado, Hohenthal Jr. enviou um pedido de bolsa de pós-doutorado ao Social Science Research Council (SSRC), com projeto intitulado “Ethnographic survey of the Rio São Francisco valley”. Depois de tantos anos esperando, coletando informações e dados, ele agora podia fazer essa pesquisa no Nordeste do Brasil e, mais especificamente, no vale do São Francisco. É interessante concentrar-se nessa região em particular: os Fulni-ô não estavam lá, pois viviam mais ao norte; os dados coletados sugeriam uma impressionante concentração de grupos, tanto no passado quanto no presente.

Ele foi informado do resultado em 19 de abril de 1951, em uma carta de Joseph B. Casagrande, membro do Comitê do SSRC:

I am happy to report that the Committee on Area Research Training fellowships has provisionally voted to award you for 12 months, beginning June, 1951 . . . . This award is conditional pending approval by Dr. Charles Wagley, a member of the Committee . . .

The stipend offered is less than the amount you requested in your application. The Committee was unwilling to provide for your wife’s travel, which accounts for the greater portion of the reduction . . .

(Casagrande, 1951Casagrande, J. B. (1951, Abril 19). Carta a William Hohenthal Jr. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Abril 19).

Se a resposta fosse positiva, os documentos ainda deveriam ser aprovados por Charles Wagley, antropólogo e membro do comitê científico da bolsa de pesquisa. Este último, logo após a carta de Casagrande, expressou dúvidas pessoais quanto à possibilidade de realizar um projeto destinado a produzir pesquisas empíricas entre povos indígenas do Nordeste do Brasil. Não temos a carta que ele enviou. Aparentemente, ele a enviou diretamente para Lowie. No entanto, temos a resposta de John Rowe, arqueólogo e antropólogo, membro do Departamento de Antropologia de Berkeley. O motivo pelo qual ele respondeu a Wagley parece ser a proximidade que os unia. De fato, ele iniciou sua carta com “Dear Chuck”, apelido afetuoso que contraria a formalidade usual das cartas institucionais, ainda mais em relação a um contato com um membro do comitê científico do SSRC e do Departamento de Antropologia da Universidade de Columbia. Se não temos a carta de Wagley, a resposta de Rowe nos fornece informações importantes sobre seu conteúdo. Isso parece ser indicativo do que mencionamos anteriormente, a saber, a falta de conhecimento disponível sobre os grupos indígenas do Nordeste do Brasil. Apresento aqui a carta quase completa, pois está repleta de informações sobre o contexto da antropologia norte-americana deste período:

In a recent letter, Lowie passed on to us your suggestion that Hohenthal should have an alternative plan for the Brazilian field work for which he put in an application to the SSRC, and I want to write to explain the situation to you because Hohenthal is now absent in Lower California on a field trip.

As I understand it, you were concerned lest Hohenthal arrive in northeastern Brazil and find that all the Indian culture he proposes to survey are too broken down for investigation. I think we have enough information on the subject here in the department files to justify my assurance to you that there is no danger of such an eventuality. Hohenthal is not expecting to find untouched aboriginal cultures, and all he needs is an urance that at least one of the groups he will visit has maintained a degree of cultural distinction from the Neo-brazilian population and is functioning as a community.

This assurance is to hand in the form of a manuscript on the Fulnió language by Max H. Boudin, of which we have a copy. Boudin’s field work was done in 1947 at the Posts Indígena General Dantas Barreto, Águas Belas, Pernambuco. He describes a community of 1.256 Fulnió Indians divided into five clans who, in spite of missionary pressure, still maintain a large part of, perhaps all, of their pagan religion. Boudin gives enough text material on Fulnió culture waiting for somebody to collect it.

I feel reasonably confident, on the basis of references in Nimuendaju’s correspondence, that the situation of a number of the other groups listed by Hohenthal is equally promising; but even if none of the others worked out, there is still plenty of material for a first-class field study in Águas Belas.

I would be very happy to receive any suggestions you have that might be of assistance to Hohenthal’s project; as one of its sponsors, I am more or less holding the fort for him while he is in Mexico

(Rowe, 1951Rowe, J. H. (1951, Abril 25). Carta a Charles Wagley. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Abril 25).

Assim, parece explicitamente que Charles Wagley duvidava da presença de grupos indígenas no Nordeste do Brasil. Ele até aconselhou Hohenthal Jr. a ter um plano B, para não perder tempo. Rowe, para tentar convencê-lo, citou o trabalho de Boudin sobre o Fulni-ô. Ele mencionou um manuscrito que o Departamento de Berkeley possuía, no qual o autor parecia destacar o caráter indígena do grupo em questão. Rowe também informou que os grupos indígenas dessa região eram certamente bem diferentes daqueles que o próprio Wagley encontrou na Amazônia, e que Hohenthal Jr. estava bem ciente disso.

Também apreendemos na carta escrita por Casagrande que a remuneração obtida por Hohenthal Jr. para sua bolsa de estudos é de menor valor do que o que ele pediu: o comitê não pôde financiar a viagem de sua esposa. Diante dessa notícia, percebida como uma injustiça, alguns membros do Departamento de Antropologia da Universidade da Califórnia, Berkeley, quiseram responder. Assim, em 15 de maio de 1951, E. W. Gifford, professor de antropologia e então diretor do Museu de Antropologia, escreveu a Casagrande:

The matter that I am adversely criticizing is the cutting of Dr. Hohenthal’s grant for Brazilian field work to $4300 from a requested $5100, which had been asked because Mrs Hohenthal was to accompany her husband.

My opinion, from long experience, is that a wife on an anthropological expedition is a decided asset. This is especially true of ethnological field trips. The presence of the anthropologist’s wife, and perhaps children, establish his good reputation with the people, whereas a lone man anthropologist may be suspect. . . . .

If SSRC can make an additional $800 grant to Dr. Hohenthal, I am sure it will be well invested

(Gifford, 1951Gifford, E. W. (1951, Maio 15). Carta a Joseph B. Casagrande. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Maio 15).

Este aumento não pôde ser concedido, o que não impediu William Hohenthal Jr. de partir com sua esposa. Sabemos disso pela carta escrita em 9 de setembro de 1951, para Gifford, que começa da seguinte maneira: “This being a rather calm Sunday I determined to write you a brief letter to acquaint you with what Auta and I are doing here. . .” (Hohenhtal Jr., 1951Hohenthal Jr., W. D. (1951, Setembro 9). Carta a Edward W. Gifford. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Setembro 9).

Antes que Hohenthal Jr. partisse, e depois de receber sua bolsa, T. D. McCown escreveu para o reitor, A. R. Davis, pedindo que Hohenthal Jr. se tornasse pesquisador associado do departamento, sem nenhum custo ou salário:

Dr. Hohenthal has been awarded a post-doctoral fellowship by the Social Science Research Council to undertake anthropological investigations in Brazil. Hohenthal is one of the ablest scholars we have recently earned the PhD in anthropology in this Department, and we are of the unanimous opinion that what is in effect an honorary Research Assistantship would bring scholarly rewards and distinction to the University through his holding it

(McCown, n.d.McCown, T. D. (n.d.). Carta a A. R. Davies. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley.).

Hohenthal Jr. viajou para o Brasil com sua esposa em junho de 1951. Eles passaram seis semanas no Rio de Janeiro, coletando dados de vários arquivos na cidade, bem como livros nas bibliotecas, com vistas à sua partida para o Nordeste. Passaram três dias em São Paulo, onde Hohenthal Jr. conheceu “Dr. Herbert Baldus of the Museu Paulista, an old friend of Curt Nimuendajú”, que teve a gentileza de lhe enviar algumas cartas deste último em que ele fala dos índios do Nordeste do Brasil (Hohenthal Jr., 1951Hohenthal Jr., W. D. (1951). The concept of cultural marginality and native agriculture in South America [Tese Doutorado, University of California]., Setembro 9).

Eles partiram para Recife no dia 9 de agosto, onde Hohenthal Jr. realizou uma pesquisa de arquivo. “So far, my efforts have proved fruitful, and I’ve got together some interesting historical and contemporary data which undoubtedly will serve me well in my fieldwork” (Hohenthal Jr., 1951Hohenthal Jr., W. D. (1951, Setembro 9). Carta a Edward W. Gifford. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Setembro 9). Ele estava se preparando para ir a Garanhuns por cerca de dez dias e depois seguir até Águas Belas, cidade dos Fulni-ô. “From that place, I plan to make a general survey of the region, checking other nearby tribes such as the Pancarú, Xucurú, Xocó and Natú, according to the plan I submitted the SSRC when I applied for the fellowship” (Hohenthal Jr., 1951, Setembro 9).

HOHENTHAL JR. JUNTO AOS FULNI-Ô, VISTO POR MÉTRAUX

Enquanto Hohenthal Jr. estava em Recife, sabemos que Alfred Métraux, que trabalhava na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), estava prestes a passar um tempo no Brasil. Em 14 de setembro, Lowie escreveu:

. . . it is extremely gratifying to learn that you are headed to Brazil. Hohenthal, as you may know, is there now, able at last to realize his ambition to do field work in the country in which he had his early schooling. The Fulnio ought to prove an interesting group

(Lowie, 1951Lowie, R. H. (1951, Setembro 14). Carta a Alfred Métraux. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Setembro 14).

Assim, Métraux tomou conhecimento das atividades planejadas por Hohenthal Jr. junto aos Fulni-ô. Ele passou alguns dias em sua companhia durante o mês de dezembro de 1951.

A partir desse encontro, dessa experiência e de pesquisas bibliográficas, ele publicou, em 1952, o artigo intitulado “Recherches sur les Indiens Fulniô de l’État de Pernambuco” (Métraux, 1952Métraux, A. (1952). Recherches sur les Indiens Fulniô de l’État de Pernambuco. Journal de la Société des Américanistes, 41(2), 500-502. https://www.jstor.org/stable/24720878
https://www.jstor.org/stable/24720878...
), no qual mencionou brevemente o fato de ter sido o anfitrião de Hohenthal Jr.

Poucos dias depois de deixar os Fulni-ô, Métraux deu notícias a Lowie sobre essa breve estada com Hohenthal Jr., elogiando a forma pela qual ele realizava sua pesquisa empírica:

I am sure that the news that last week I was among the Fulnio must has come as a surprise to you! I took advantage of my stay in Recife to spend about a week in the “posto indígena” of Aguas Belas, where I had the pleasure of meeting Dr. Hohenthal and his very charming Brazilian wife. I spent very pleasant days in this rather forbidding region and I gave myself the illusion of doing some field-work. Dr. Hohenthal and myself could transcribe the creation myth of the Fulni-ô and ascertain that they have sibs with animal names grouped in two moieties, sun and moon.

I was very well impressed by Dr. Hohenthal, who not only works with great energy, but also shows a patience which is endless. The Fulnio are difficult Indians and it is hard to uncover what is left of their ancient culture. Hohenthal has already collected a surprisingly large amount of information. He is certainly well fitted for this kind of work. In fact, he is so well fitted that I strongly suggested him that he should apply for a renewal of his fellowship, so as to be able to study the other Indian groups of the same region, the Potiguara, the Pancararu and the mysterious “Kariri” whom I visited last year in the sertao of Bahia. To my surprise, I learned that there was afairly [sic.] large group of Tupinamba still living in their reservation in the same region. All these Pernambuco Indians are so acculturated and so little is left of their former culture that I do not think it worth while to send another anthropologist from the States to study them. Moreover, I doubt that there are many anthropologists who are so modest and patient to accept this hard job of digging out bits of culture from uncertain memories. On behalf of Brazilian anthropology, I would like to request your support if Hohenthal were to ask for renewal or extension of his fellowship

(Métraux, 1951Métraux, A. (1951, Dezembro 20). Carta a Robert Lowie. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Dezembro 20).

Métraux passou vários dias com Hohenthal Jr. junto aos Fulni-ô e pôde perceber as qualidades deste último enquanto etnógrafo, a ponto de aconselhá-lo a solicitar uma extensão de sua bolsa de pesquisa. Ele parecia muito interessado nos dados que Hohenthal Jr. poderia coletar, especialmente junto aos Kariri, os quais ele conheceu pessoalmente. Ele pedia a Lowie para apoiar Hohenthal Jr. em uma solicitação para estender sua bolsa de estudos.

AS LEMBRANÇAS PANKARARU DE WILLIAM HOHENTHAL JR.

Depois de alguns meses junto aos Fulni-ô, Hohenthal Jr. viajou pelo sertão para conhecer outros grupos indígenas. Lourenço, seu guia Fulni-ô, o acompanhou. Ele visitou os Pankararu, Sucurú, Cambioá, Huamué ou Umã, Trucá e Wakona, do estado de Pernambuco; os Shocó, de Alagoas; os Natu, de Sergipe; os Pancararé e os Tushá, da Bahia.

Ligado à produção científica de Hohenthal Jr., meu interesse neste pesquisador também é pessoal, focado na figura sensível deste antropólogo, sobre a qualidade de sua experiência etnográfica e o testemunho de Métraux, que a descreveu como exemplar. Depois de pesquisar junto aos Pankararé, pesquisei junto aos Pankararu. William Hohenthal Jr. ficou lá por algumas semanas, em 1952. As histórias de sua presença ainda estão vivas nas lembranças de algumas famílias pankararu. Não sei se é raro conseguir informações sobre a presença de um antropólogo no campo, proveniente dos próprios pesquisados. O fato é que o ponto de vista indígena, as memórias que alguns índios guardam de Hohenthal Jr. e a maneira como eles falam sobre isso nos permitem responder a questionamentos de ordem metodológica e possibilitam guiar nossa própria presença no local. Seguramente, é nessa perspectiva que algumas histórias, positivas e negativas, me foram narradas. As que dizem respeito a William Hohenthal Jr. pertencem inequivocamente à primeira categoria.

É sobretudo concedido a Hohenthal Jr. um lugar central na história coletiva pankararu: “Na época, as aldeias do Nordeste estavam extintas. Alguns antropólogos vieram, Carlos Estevão [de Oliveira], Dr. William [Hohenthal Jr.]. Quando chegaram, provaram que havia lembranças de índios aqui” (José Auto, cacique pankararu, comunicação pessoal, 20 jan. 2015). Os grupos regionais eram, de fato, constantemente depreciados. Hohenthal Jr. aparece como um cientista que permitiu que os Pankararu fossem reconhecidos como índios por suas pesquisas antropológicas e arqueológicas. Esta é uma avaliação unânime.

Importante para apreensões externas, é igualmente relevante para as relações internas. Suas presença e ações são ativadas e usadas nas discussões como verdades históricas e culturais. Por exemplo, Hohenthal Jr. conheceu Narciso Pedro, pai de José Auto e então cacique pankararu. Ele o deixou como lembrança um cartão de visita pessoal, da Universidade da Califórnia, Berkeley, com a dedicatória: “Para meu amigo Narciso, cacique pankararu”. Este cartão de visita agora desfruta do status de evidência histórica para demonstrar a autoridade da família. Muitos caciques surgiram recentemente no cenário político pankararu, mas nenhum possui qualquer documento demonstrando a antiga autoridade política da família.

Grünewald e Palitot (2011)Grünewald, R. A., & Palitot, E. M. (2011). Etnografia de salvamento: Hohenthal Jr. no Nordeste do Brasil. In J. Pacheco de Oliveira (Org.), A presença indi?gena no nordeste (pp. 547-575). Contra Capa. questionam sobre a inserção de Hohenthal Jr. nas aldeias indígenas que ele visitou e, principalmente, quanto à possibilidade de ele ter assistido e participado de alguns rituais. Temos, para o caso pankararu, algumas possíveis respostas, fornecidas por José Auto:

[Esses antropólogos] perceberam que havia índios aqui. . . o Dr. William veio com uma missão: ele queria saber das coisas que ainda não aconteceram. Ele sabia muitas coisas, mas isso ele aprendeu com os Pankararu através da bebida jurema. Ele conhecia meu pai, Narciso Pedro, e eles prepararam a jurema para ele, no poró. Ele foi sem camisa, como todos os homens que estavam lá, e eles beberam a jurema. Então ele disse: “Muito bem, agora eu sei que há índios aqui”

(José Auto, cacique pankararu, comunicação pessoal, 25 jan. 2015).

A jurema é uma bebida ritual psicotrópica, preparada a partir da raiz da juremeira (Acacia jurema M. ou Mimosa nigra). Alguns anos antes de Hohenthal Jr., foi Carlos Estevão de Oliveira quem conseguiu adentrar ao poró, beber a jurema e imortalizar esse momento9 9 Algumas fotografias podem ser vistas em Athias & Pankararu (2016). (Menta, 2020bMenta, C. (2020b). Diplomatie rituelle. Exhiber les rituels pourl’usufruit de la terre dans le Nordeste du Brésil. Revue Terrain, 73, 206-227. https://doi.org/10.4000/terrain.20531
https://doi.org/10.4000/terrain.20531...
). O acesso aos rituais domésticos ainda hoje é permitido pelos Pankararu, embora de forma restrita. Nenhuma gravação, áudio ou visual, pode ser feita. O ritual em que a jurema é ingerida é praticado no ‘salão dos Homens’10 10 O ‘salão dos Homens’ não tem esse nome porque é reservado somente aos homens. ‘Homem’ é sinônimo de encantado, entidades invisíveis pankararu. São verdadeiros agentes sociais, e o uso da letra maiúscula serve para diferenciá-los de outros agentes. , uma sala adjacente ao terreiro de dança, na qual as máscaras rituais, praiá, são preservadas, ou no poró. O acesso a este espaço é reservado aos homens indígenas, e mais particularmente aos dançarinos, para que vistam suas máscaras anonimamente. A identidade humana sob a máscara deve permanecer em segredo. Hohenthal Jr., em 1952, teve acesso à jurema e ao poró – o que responde parcialmente à pergunta de Grünewald e Palitot (2011)Grünewald, R. A., & Palitot, E. M. (2011). Etnografia de salvamento: Hohenthal Jr. no Nordeste do Brasil. In J. Pacheco de Oliveira (Org.), A presença indi?gena no nordeste (pp. 547-575). Contra Capa. quanto à sua inserção ritual.

Outro elemento nos permite desenvolver uma resposta nessa direção. Junto aos Pankararu, as ‘sementes-mestres’ são pequenas pedras, evocações metonímicas de entidades invisíveis e da relação pessoal mantida entre uma pessoa e uma entidade. Elas são conservadas dentro do ‘salão dos Homens’, em uma pequena bolsa, para que o especialista ritual encarregado do local possa prestar os cuidados necessários. Elas são frequentemente consideradas parte do segredo de uma família e são mantidas a salvo dos olhos curiosos. Pertencem a uma entidade invisível que, através do envio de uma ‘semente-mestre’, mostra seu desejo em se relacionar com um indivíduo (Menta, 2020cMenta, C. (2020c). Imbroglio de l’au-delà. Le vrai du faux dans les relations avec le monde invisible chez les Indiens pankararu du Nordeste du Brésil. Annales de la Fondation Fyssen, 33, 77-87. https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-03046055
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). Fui um dia para conhecer uma ‘semente-mestre’, na companhia de José Auto. Depois de uma estada em Paris, eu retornei com um cachimbo e o presenteei. Ele se emocionou, pois a semelhança deste com uma das ‘sementes-mestres’ de seu salão era, segundo ele, impressionante e nada comum. Ele, então, quis me mostrar, para que eu compartilhasse parte dos meus sentimentos. Ele me disse:

Muitas pessoas na aldeia pensam que se trata de um segredo, mas não é verdade. A prova é que você não é o primeiro a ver essa ‘semente-mestre’. Antes de você, eu a mostrei a um promotor público, porque era necessário provar a ele que estamos fazendo as coisas por um bom motivo11 11 Através desta formulação, José Auto desejava explicar que as relações com o mundo invisível são reais e que definem muitas partes da vida ritual e social pankararu. . Antes dele, meu pai havia mostrado ao Dr. William. Então, se ele a tinha mostrado, nós também podemos. O Dr. William ficou muito impressionado com a ‘semente-mestre’ e queria levá-la para a Califórnia. Ele pediu permissão. Minha avó, Maria Pedro, respondeu: "Doutor, eu daria a você com muito prazer, mas ela voltará porque pertence a esse lugar". Ele foi embora e, três dias depois, a ‘semente-mestre’ estava de volta, estava de volta ao salão

(José Auto, cacique pankararu, comunicação pessoal, 14 mar. 2015).

William Hohenthal Jr., de acordo com as histórias sobre ele obtidas junto aos Pankararu, pertence positivamente à história coletiva, bem como a algumas histórias de família.

UM RETORNO DESEJADO AO CAMPO

Em 28 de abril de 1952, Casagrande agradeceu a Hohenthal Jr. por seu terceiro relatório e o parabenizou pela quantidade de novos dados que ele trouxe: “I am impressed by the amount of new information you are unearthing on your survey – certainly enough for several lifetimes of intensive work” (Casagrande, 1952Casagrande, J. B. (1952, Abril 28). Carta a William Hohenthal Jr. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Abril 28). Na mesma carta, ele informou a Hohenthal Jr. que o SSRC era incapaz de financiar uma extensão de sua bolsa de estudos. Ele mencionava a falta de recursos financeiros e o grande número de solicitações. No entanto, William Hohenthal Jr., ciente do trabalho que ainda precisava ser realizado na região, queria partir o mais rápido possível. Assim, ele confiava ao jornal local Gazette CA, em um artigo publicado em 26 de agosto de 1952 (McKnight, 1952McKnight, G. (1952, Agosto 26). Kensington man finds primitive Brazil tribes. Gazette CA., Agosto 26), que desejava retornar junto aos índios do Nordeste do Brasil nos próximos dois anos (Figura 1).

Figura 1
William D. Hohenthal Jr. junto à sua esposa, retornando do Nordeste do Brasil.

É certamente por esse motivo que, como Estevão de Oliveira, atrasou a publicação dos dados que estavam em seu poder. Ele queria arrecadar mais recursos financeiros para voltar para o Nordeste do Brasil. Ao retornar aos Estados Unidos, Hohenthal Jr. começou a escrever um manuscrito sobre os Shucurús. Ele o enviou a Rowe e depois a Lowie, para obter um retorno crítico e, assim, publicá-lo (Hohenthal Jr., 1954). Depois das observações críticas sobre este manuscrito, Lowie o encorajou a escrever um artigo sobre os Fulni-ô.

Em 1952, o Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de São Francisco, Califórnia, começou a procurar por um professor. Em janeiro de 1953, quando o processo já estava em andamento e o perfil de Hohenthal Jr. era considerado, Lowie escreveu para Donald Castelberry para apoiar seu ex-aluno:

. . . it gives me pleasure to say that Dr. Hohenthal has proved his outstanding worth both as a research man and as a teaching assistant in our Department. . . . He has a pleasant personality and has always within my experience proved absolutely trustworthy in every respect. I can confidently recommend him for any position, feeling sure that he will acquit himself more than creditably

(Lowie, 1953Lowie, R. H. (1953, Janeiro 22). Carta a Donald Castelberry. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Janeiro 22).

Hohenthal Jr. ingressou na universidade em 1953. Foi professor quando ocorreram grandes greves na universidade, em 1960. Em seguida, lecionou no Brasil e depois na Universidade do Alasca. Ele retornou à Universidade do Estado de São Francisco, Califórnia, em 1970 e lá permaneceu até o final de sua carreira. Ele nunca teve a oportunidade de retornar ao campo.

CONCLUSÃO

Em 1951, quando o antropólogo norte-americano William D. Hohenthal Jr. viajava pela primeira vez para o Nordeste do Brasil, tendo como objetivo a realização de pesquisas científicas com grupos indígenas, os conhecimentos e dados anteriormente coletados eram ínfimos. A própria indigeneidade desses grupos era frequentemente questionada. Por que e como, então, este autor tomou essa decisão? Ele foi um verdadeiro pioneiro. Interessei-me pela maneira como ele elaborou seu objeto de pesquisa, conseguiu viajar e completou sua etnografia. Este artigo é uma contribuição à história da etnologia pelo ângulo de uma parte do percurso biográfico de Hohenthal Jr. Foi necessário reconstruir uma parte da vida dele a partir de correspondências trocadas entre 1945 e 1953.

Hohenthal Jr. já tinha conhecimento do Brasil: passou dois anos no país quando era adolescente, e seis trabalhando para o Exército norte-americano. Foi durante essa segunda temporada, entre 1941 e 1947, que começou a imaginar a possibilidade de realizar pesquisas antropológicas no Brasil. Iniciou conversas a esse respeito com Robert Lowie em 1945. A relação mantida entre Lowie e Hohenthal Jr. foi fundamental para Hohenthal Jr. e seu trabalho. Lowie o incentivava a encontrar Curt Nimuendajú, seu principal contato no Brasil. Infelizmente, ele faleceu antes que esse encontro se tornasse possível. Seu sucessor, à época na direção do Museu Goeldi, Carlos Estevão de Oliveira, foi, então, designado por Lowie como um possível contato de referência. Lowie tinha conhecimento de seu trabalho sobre povos do Nordeste do Brasil, que ele designava em carta a Hohenthal Jr. como “very little known tribes”, o que atiçou a sua curiosidade.

Portanto, o caminho até o Nordeste indígena foi longo. Hohenthal Jr. voltou para os Estados Unidos em 1947 e iniciou pesquisas para seu doutorado na Califórnia. Defendeu sua tese em 1951. Ele apresentou um pedido de bolsa de pós-doutorado nesse mesmo ano; cena de novas peripécias: Charles Wagley, membro do comitê científico da bolsa de pesquisa, duvidou da presença de povos indígenas no Nordeste do Brasil e o aconselhou a ter um plano B. Todas as correspondências analisadas no artigo são reveladoras do contexto científico dos anos 1950. Wagley era especialista sobre a Amazônia e, apesar de os Fulni-ô e os Pankararu já terem sua identidade indígena oficialmente formalizada, poucas informações sobre essa indigeneidade tinham sido divulgadas, menos ainda nos Estados Unidos.

Em agosto de 1951, Hohenthal Jr. pôde finalmente viajar para o Nordeste do Brasil. Depois de umas semanas em Recife, direcionou-se para a aldeia Fulni-ô, na qual permaneceu por três meses, durante os quais teve a oportunidade de encontrar Alfred Métraux. Depois, foi para outras aldeias da região, entre as quais a aldeia Pankararu, onde deixou lembranças vivas.

De volta aos Estados Unidos em 1952, ele desejava prorrogar sua bolsa de pesquisa para passar mais um ano junto aos povos indígenas do Nordeste do Brasil. Isso nunca se tornou possível, e Hohenthal Jr. ingressou à Universidade Estadual de San Francisco em 1953.

Um conjunto de correspondências trocadas entre 1945 e 1953 me permitiram traçar esse itinerário e destacar os caminhos que levaram Hohenthal Jr. ao Nordeste do Brasil. Ao fazer isso, esta pesquisa reflete novos objetos e questionamentos inéditos na encruzilhada de uma antropologia dos saberes e de uma história da disciplina.

  • 1
    O que chamei em outro lugar, sobre minha própria experiência, de ‘multietnografia’ (Menta, 2020aMenta, C. (2020a). Multiplicar los campos de investigación. Una multi-etnografia bajo el prisma de la practica ritual con pueblos indígenas en la región Nordeste des Brasil. Revista de Antropologia y Sociologia : VIRAJES, 22(1), 13-36.). Isso difere de uma etnografia multissituada, na medida em que consiste em realizar várias etnografias com vários grupos, e não etnografias diferentes de um mesmo grupo espalhado geograficamente.
  • 2
    Joyce e Gillespie (2015)Joyce, R. A., & Gillespie, S. D. (Orgs.). (2015). Things in motion: object itineraries inanthropological practice. SAR Press. trazem uma crítica interessante ao tema da ‘vida dos objetos’, introduzindo a noção de ‘itinerário’ ou ‘jornada biográfica’. O pesquisador tem a oportunidade de escolher um espaço e um momento específico desta biografia. Repito esta observação aqui, aplicando-a a este autor norte-americano: não discutirei a vida de William Hohenthal Jr., mas uma parte específica dela.
  • 3
    Hohenthal Jr. concluiu seu doutorado em antropologia na Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1951. Logo depois, viajou para o Nordeste do Brasil. Ele já conhecia o Brasil – mas não o Nordeste – e tinha residido no país algumas vezes: a primeira vez, entre 1934 e 1936, quando seu pai trabalhava para o exército norte-americano e a segunda vez, entre os anos de 1941 e 1947, quando ele mesmo se engajou no exército. Hohenthal Jr. era casado com uma brasileira e tinha um perfeito domínio da língua.
  • 4
    Robert Lowie (1883-1957) era professor da Universidade da Califórnia, Berkeley. Ele foi um dos grandes antropólogos interessados na causa indígena, sendo um dos primeiros antropólogos norte-americanos (era de origem austríaca) a introduzir temas indígenas sul-americanos na literatura norte-americana.
  • 5
    Eles trabalharam oficialmente juntos de 1935 a 1942, através de financiamento do Instituto de Ciências Sociais da Universidade da Califórnia, Berkeley. Lowie frequentemente insistia para que as instituições norte-americanas financiassem as pesquisas de campo de Nimuendajú, como a Fundação Rockfeller em 1942. Ele também tentou várias vezes levar Nimuendajú para os Estados Unidos, sem sucesso (Faulhaber, 2012Faulhaber, P. (2012). The production of the handbook of south american indians vol. 3 (1936-1948). Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, 9(1), 84-111. https://doi.org/10.1590/S1809-43412012000100003
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    ).
  • 6
    Dessa forma, o leitor pode apreciar as trocas de cartas entre Nimuendajú e Estevão de Oliveira, compiladas em um livro intitulado “Cartas do sertão de Curt Nimuendajú para Carlos Estevão de Oliveira” (Nimuendajú, 2000Nimuendajú C. (2000). Cartas do sertão de Curt Nimuendajú para Carlos Estevão de Oliveira (Coleção Coisas de Índios). Museu Nacional de Etnologia/Assírio & Alvim.).
  • 7
    Em uma carta datada de 25 de outubro de 1945, Hohenthal Jr. explicava a Lowie que estava ciente dos problemas de comunicação que encontrava ao lidar com um ‘antropólogo brasileiro’. Isso foi confirmado por Lowie. Esse problema se devia, em especial, à proibição do uso do idioma alemão pelas autoridades brasileiras e à necessidade decorrente do uso de outro idioma. A resposta de Lowie indicava que ele não conhecia o português: “. . . the Brazilian authorities would not permit us to use German, consequently he wrote in Portuguese and I answer in English. This was harder on me than on him, for he had read a considerable amount of professional anthropological literature in English, whereas I have to painfully dig out meanings from a Portuguese dictionary, and, as you know, there is no good Portuguese-English dictionary. . .” (Lowie, 1945Lowie, R. H. (1945, Outubro 30). Carta a William Hohenthal Jr. Arquivo da Bancroft Library, UC-23, box 72. University of California, Berkeley., Outubro 30). A proibição do uso da língua alemã no Brasil em 1945 obrigou Nimuendajú a escrever suas cartas em português, que Lowie teve grande dificuldade de entender.
  • 8
    Hohenthal Jr. continua sendo, até hoje, um dos relativamente poucos antropólogos norte-americanos que trabalharam com índios do Nordeste do Brasil.
  • 9
    Algumas fotografias podem ser vistas em Athias & Pankararu (2016)Athias, R., & Pankararu, S. (2016). As forças encantadas: dança e ritual entre os Pankararu. Imagem & Palavras. http://renatoathias.blogspot.com/2016/06/
    http://renatoathias.blogspot.com/2016/06...
    .
  • 10
    O ‘salão dos Homens’ não tem esse nome porque é reservado somente aos homens. ‘Homem’ é sinônimo de encantado, entidades invisíveis pankararu. São verdadeiros agentes sociais, e o uso da letra maiúscula serve para diferenciá-los de outros agentes.
  • 11
    Através desta formulação, José Auto desejava explicar que as relações com o mundo invisível são reais e que definem muitas partes da vida ritual e social pankararu.

AGRADECIMENTOS

A pesquisa que originou este artigo foi realizada durante o pós-doutorado na Universidade da Califórnia, Berkeley. Eu agradeço calorosamente à Fundação Fyssen, pela bolsa de estudos, e a William F. Hanks, por sua hospitalidade e apoio. Agradeço também a Bancroft Library pela disponibilidade. Uma versão anterior do presente texto foi lida, corrigida e questionada por Jaqueline Souza, que agradeço pelo apoio.

  • Menta, C. (2021). Caminhos sinuosos até o Nordeste indígena: William Hohenthal Jr., antropólogo norte-americano na década de 1950. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 16(2), e20190142. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0142

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2019
  • Aceito
    15 Nov 2020
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