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“Lendo e escrevendo o mundo” com Matemática: estudando trigonometria com alunos do 9° ano do Ensino Fundamental

“Reading and Writing the World” with Mathematics: studying trigonometry with students from the 9th grade of Elementary School

Resumo

O artigo explora os limites e possibilidades de uma atividade voltada para o ensino de Matemática para a justiça social, utilizando o conceito de leitura e escrita do mundo com a Matemática proposto por Eric Gutstein. Nesse sentido, foram trabalhados conteúdos de trigonometria no triângulo retângulo, aplicados a uma situação de adequação da acessibilidade de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Os/As participantes da atividade foram alunos/as do 9° ano do Ensino Fundamental em posição confortável de uma escola da rede privada no interior de São Paulo. Os dados, provenientes dos diários dos/as estudantes, respostas a um questionário reflexivo e meu próprio diário, revelam que é possível atingir objetivos da Educação Matemática para justiça social: foi possível realizar a leitura e escrita do mundo com a Matemática, melhorar o desempenho escolar, mudar concepções acerca da Matemática e desenvolver a capacidade de ação social dos/as participantes. Dentre os limites destaca-se o fato de o projeto ter sido realizado com um grupo restrito de estudantes, algumas dificuldades instransponíveis sem auxílio do professor e o pouco tempo disponível para esta atividade. Esperase, no entanto, que esses aspectos possam ser melhorados com a ampliação da experiência e realização de outros projetos de mesma natureza.

Palavras-chave:
Educação Matemática Crítica; Justiça Social; Leitura e Escrita do Mundo com a Matemática; Ensino Fundamental; Trigonometria

Abstract

This article explores the limits and possibilities of teaching Mathematics for social justice, according to the concepts of reading and writing the world with Mathematics conceived by Eric Gutstein. Ninth grade students in a comfortable position from a private school in a small town in São Paulo participated in a study group, applying trigonometric properties of the right triangle to plan accessible facilities for people with disabilities and impaired mobility. Data were gathered from the students' and the author's diaries, and answers to a reflective questionnaire. Results show it is possible to achieve goals of teaching Mathematics for social justice: reading and writing the world with Mathematics, succeeding academically, changing one's orientation to mathematics and bolstering the individual's social agency. Concerning limits, the small scale of the study group, difficulties that demanded the teacher's assistance and the limited time the participants had for the activity stood out. It is expected that these aspects can be improved by expanding the groups and performing other projects.

Keywords/Palabras clave:
Critical Mathematics Education; Social Justice; Reading and Writing the World with Mathematics; Elementary School; Trigonometry

1 Começando…

Conforme apontado por Apple (2006)APPLE, M. W. A ideologia e a reprodução cultural e econômica. In: APPLE, M. W. Ideologia e currículo. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 61-80., a Matemática ocupa um lugar privilegiado nos currículos escolares, pois é considerada de suma importância para o progresso científico, tecnológico e econômico. Ainda segundo o autor, pouco se contesta acerca de sua importância e o investimento no desenvolvimento de seu currículo, em relação a outras áreas do conhecimento, é sensivelmente maior, dada a sua utilidade e sua aparente estrutura estável, com conteúdos identificáveis e facilmente testáveis.

Os documentos oficiais brasileiros, que orientam a educação nacional, no que diz respeito à Matemática, seguem essa tônica. Entretanto, é possível observar como o currículo é um território em disputa no que diz respeito à formação de nossos/as jovens. Como, a partir da década de 1990, passamos a sofrer influência mais direta dos organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (ALTMANN, 2002ALTMANN, H. Influências do Banco Mundial no projeto educacional brasileiro. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 77-89, jan./jun. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v28n1/11656.pdf. Acesso em: 20 mai. 2019.
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), por meio de financiamentos da educação, seus ideais foram propagados nas propostas para esta área.

Assim, conforme assinala Altmann (2002ALTMANN, H. Influências do Banco Mundial no projeto educacional brasileiro. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 77-89, jan./jun. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v28n1/11656.pdf. Acesso em: 20 mai. 2019.
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, p. 83), o Banco Mundial “defende explicitamente a vinculação entre educação e produtividade, a partir de uma visão economicista”. Além disso, a autora destaca que os conteúdos a serem ensinados deveriam ser selecionados a partir de sua operacionalidade, visando a formação de talentos que difundissem o progresso técnico que pudesse ser incorporado aos sistemas produtivos, tornando os países emergentes da América Latina mais competitivos no mercado internacional.

Vimos aflorar, por meio da hegemonia neoliberal que tem se instaurado nas últimas décadas que esses organismos impõem, como aponta Libâneo (2018)LIBÂNEO, J. C. Políticas educacionais neoliberais e escola: uma qualidade de educação restrita e restritiva. In: LIBÂNEO, J. C.; MADEIRA FREITAS, R. A. M. Políticas educacionais neoliberais e escola pública: uma qualidade restrita de educação escolar. Goiânia: Editora Espaço Acadêmico, 2018., uma nova agenda para a formação das pessoas, baseadas nos interesses do mercado. Essa formação inclui conhecimentos considerados “básicos” (escrever e realizar algumas operações) para que as pessoas possam fazer parte da cadeia produtiva, preparando-as para o mercado de trabalho (FREITAS, 2014FREITAS, L. C. Os reformadores empresariais da educação e a disputa pelo controle do processo pedagógico na escola. Educação & Sociedade, Campinas, v. 35, n. 129, p. 1085-1114, out./dez. 2014.).

A Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a disciplina de Matemática, por exemplo, dedica uma seção inteira à exposição sobre a prioridade que deve ser dada para o contexto do trabalho, assumindo que “o trabalho enquanto produção de bens e serviços revela-se como a prática humana mais importante para conectar os conteúdos do currículo à realidade” (SÃO PAULO, 2012SÃO PAULO. Currículo do estado de São Paulo: matemática e suas tecnologias. São Paulo: SE, 2012. 72 p., p. 22).

Seria ingenuidade abdicar da formação para o trabalho, entretanto ressalto que compartilho da posição de Frankenstein (2012FRANKENSTEIN, M. Beyond math content and process: proposals for underlying aspects of social justice education. In: WAGER, A. A.; STINSON, D. W. Teaching mathematics for social justice: conversations with educators. Virgínia: The National Council of Teachers of Mathematics/Inc, 2012. p 49-62., p. 51, tradução minha), para quem “o propósito mais abrangente de toda educação é contribuir para a luta por um mundo mais justo”. Ora, tais propósitos mais abrangentes para a Educação e para a Educação Matemática são expressos, inclusive, no documento supracitado, porém de maneia mais tímida: a Matemática compõe, juntamente com a língua materna, um “meio de expressão e compreensão da realidade” (SÃO PAULO, 2012SÃO PAULO. Currículo do estado de São Paulo: matemática e suas tecnologias. São Paulo: SE, 2012. 72 p., p. 32).

Embora fique evidenciado, assim, o caráter não consensual do currículo, infelizmente, no cenário atual, vê-se o favorecimento de uma concepção para as finalidades da educação que a torna restrita e restritiva aos interesses do capital internacional (LIBÂNEO, 2018LIBÂNEO, J. C. Políticas educacionais neoliberais e escola: uma qualidade de educação restrita e restritiva. In: LIBÂNEO, J. C.; MADEIRA FREITAS, R. A. M. Políticas educacionais neoliberais e escola pública: uma qualidade restrita de educação escolar. Goiânia: Editora Espaço Acadêmico, 2018.).

Alternativas contestadoras de tal hegemonia são encontradas na Educação Matemática para a justiça social ou Educação Matemática crítica (POWELL, 2012POWELL, A. B. The histoical development of citicalmathematics education. In: WAGER, A. A.; STINSON, D. W. Teaching mathematics for social justice: conversations with educators. Virgínia: The National Council of Teachers of Mathematics/Inc, 2012. p. 21-34.), sem distinção no uso deste ou daquele termo, por serem “abordagens em grande parte sobrepostas” (SKOVSMOSE, 2017SKOVSMOSE, O. O que poderia significa educação matemática crítica para diferentes grupos de estudantes? RPEM, Campo Mourão, v. 6, n. 12, p. 18-37, jul./dez. 2017., p. 19).

Gutstein (2006GUTSTEIN, E. Reading and writing the world with mathematics: toward a pedagogy for social justice. New York: Routledge, 2006.; 2009GUTSTEIN, E. Possibilities and challenges in teaching mathematics for social justice. In: ERNEST, P.; GREER, B.; SRIRAMAN, B. (Ed.). Critical issues in mathematics education. Charlotte: IAP/INC, 2009.; 2012GUTSTEIN, E. Reflections on teaching and learning mathematics for social justice in urban schools. In: WAGER, A. A.; STINSON, D. W. Teaching mathematics for social justice: conversations with educators. Virgínia: The National Council of Teachers of Mathematics/Inc, 2012. p. 63-80.), Frankenstein (2012)FRANKENSTEIN, M. Beyond math content and process: proposals for underlying aspects of social justice education. In: WAGER, A. A.; STINSON, D. W. Teaching mathematics for social justice: conversations with educators. Virgínia: The National Council of Teachers of Mathematics/Inc, 2012. p 49-62. e Skovsmose (2007SKOVSMOSE, O. Educação crítica: incerteza, matemática, responsabilidade. São Paulo: Cortez, 2007.; 2013SKOVSMOSE, O. Educação matemática crítica: a questão da democracia. 4. ed. Campinas: Papirus, 2013. (Coleção Perspectivas em Educação Matemática).; 2014SKOVSMOSE, O. Um convite à educação matemática crítica. Campinas: Papirus, 2014. (Coleção Perspectivas em Educação Matemática).), apontam para novos caminhos para a Educação Matemática, de modo a orientá-la para o desenvolvimento da consciência sociopolítica dos estudantes e do seu potencial de atuação em suas realidades imediatas ou em contextos mais amplos, sem deixar de lado o aprendizado da Matemática escolar em seu sentido mais tradicional; uma visão menos alienante do aprendizado de Matemática, muitas vezes restrito a fórmulas e aplicações sem sentido para os/as estudantes.

Nesse sentido, o presente artigo analisa um trabalho realizado com um grupo de alunos/as de 9° ano em posição confortável (SKOVSMOSE, 2017SKOVSMOSE, O. O que poderia significa educação matemática crítica para diferentes grupos de estudantes? RPEM, Campo Mourão, v. 6, n. 12, p. 18-37, jul./dez. 2017.), para os/as quais leciono, de uma escola básica da rede privada do interior do Estado de São Paulo. Busca-se, por meio de uma situação concreta e inserindo conteúdos de trigonometria no triângulo retângulo, explorar as potencialidades e limitações da Educação Matemática para justiça social, por meio da leitura e escrita do mundo com Matemática (GUTSTEIN, 2006GUTSTEIN, E. Reading and writing the world with mathematics: toward a pedagogy for social justice. New York: Routledge, 2006.).

2 Educação Matemática para justiça social

Para Gutstein (2006GUTSTEIN, E. Reading and writing the world with mathematics: toward a pedagogy for social justice. New York: Routledge, 2006., p. 4, tradução minha, grifo do autor) a ideia central de uma Educação Matemática voltada para a justiça social é a de que

estudantes precisam estar preparados, por meio da educação matemática, para investigar e criticar injustiças, e desafiar, por meio de palavras e ações, estruturas e atos opressivos - isto é, “ler e escrever o mundo” com matemática.

A Educação Matemática voltada para justiça social insere-se dentro de uma pedagogia crítica e procura instigar os/as estudantes a pensar e agir no mundo, por meio do domínio do conhecimento matemático, pois ele também é importante para a participação na vida em sociedade (GUTSTEIN, 2009GUTSTEIN, E. Possibilities and challenges in teaching mathematics for social justice. In: ERNEST, P.; GREER, B.; SRIRAMAN, B. (Ed.). Critical issues in mathematics education. Charlotte: IAP/INC, 2009.). Pode-se dizer inclusive que ele é uma importante ferramenta para que todos possam exercer os plenos direitos dentro de um regime democrático (SKOVSMOSE, 2013SKOVSMOSE, O. Educação matemática crítica: a questão da democracia. 4. ed. Campinas: Papirus, 2013. (Coleção Perspectivas em Educação Matemática).). Visto que a Matemática está imbricada nos mais diversos aspectos de nossas vidas podendo, inclusive, moldar comportamentos e fabricar realidades, compreendêlos é fundamental para a ampliação da dimensão de participação em uma democracia.

Para que isso ocorra, Gutstein (2006)GUTSTEIN, E. Reading and writing the world with mathematics: toward a pedagogy for social justice. New York: Routledge, 2006. propõe uma Educação Matemática para a justiça social, que encerra em si dois grandes objetivos pedagógicos principais que se desdobram em outros: os objetivos pedagógicos de justiça social e os objetivos pedagógicos de Matemática. O primeiro abrange ler e escrever o mundo com a Matemática, além de desenvolver identidades culturais e sociais positivas; o segundo implica ler a palavra matemática, obter sucesso acadêmico/escolar no sentido tradicional e mudar a percepção dos/as estudantes sobre a Matemática. Cada um destes objetivos será detalhado a seguir.

2.1 Objetivos pedagógicos da justiça social

Ler o mundo com a matemática significa, conforme Gutstein (2003GUTSTEIN, E. Teaching and leaning mathematics for social justice in an urban, latino school. Journal for research in Mathematics Education, Reston, v. 34, n. 1, p. 37-73, jan. 2003., p. 45, tradução minha)

usar a matemática para entender relações de poder, desigualdades de recursos, diferenças de oportunidades entre diversos grupos sociais e para entender discriminações explícitas baseadas em raça, classe, gênero, língua e outras diferenças […] usar a matemática para examinar esses diversos fenômenos, tanto na realidade imediata quanto em um contexto social mais amplo e para identificar relações e fazer conexões entre eles.

Isso significa que os/as estudantes, por meio do conhecimento matemático, devem ser capazes de compreender situações do dia a dia que os envolvem, diretamente ou não. Por exemplo, os/as estudantes desta pesquisa utilizaram conhecimentos de trigonometria no triângulo retângulo para verificar que uma rampa projetada para promover o acesso de pessoas deficientes ou com mobilidade reduzida a uma sala de aula de sua escola não estava adequada para este fim. Neste caso, os números, medidas e relações trigonométricas deixaram de ter um significado abstrato e passaram a fazer sentido para os/as estudantes, pois estavam conectados a uma situação real.

Escrever o mundo com a matemática significa agir no contexto em que se está inserido, buscando uma melhoria do cenário em questão. Novamente, partindo do exemplo deste estudo, após compreender a inadequação da situação, os/as estudantes agiram para modificá-la, projetando uma rampa nova e demandando da instituição a adequação do acesso à sala de aula.

Todavia, ler e escrever o mundo com Matemática não acontecem de forma imediata: é um processo que precisa ser desenvolvido com os/as estudantes com o auxílio do/a professor/a, para que os/as jovens passem a ver em si mesmos/as a capacidade de promover mudanças, de atuar na sociedade e, inclusive, contribuir com processos históricos (GUTSTEIN, 2006GUTSTEIN, E. Reading and writing the world with mathematics: toward a pedagogy for social justice. New York: Routledge, 2006.).

Desenvolver identidades culturais e sociais positivas diz respeito ao desenvolvimento de uma “competência cultural” (LADSON-BILLING, 1995b apud GUTSTEIN, 2006GUTSTEIN, E. Reading and writing the world with mathematics: toward a pedagogy for social justice. New York: Routledge, 2006., p. 28, tradução minha), isto é, a capacidade das pessoas manterem sua “integridade cultural”, respeitando e preservando características de suas comunidades, língua materna e costumes regionais, enquanto se apropriam do que é necessário para sobreviver e prosperar dentro da cultura dominante. Essa competência está fortemente relacionada com as perspectivas da Etnomatemática. No que diz respeito às identidades sociais positivas, Gutstein (2006)GUTSTEIN, E. Reading and writing the world with mathematics: toward a pedagogy for social justice. New York: Routledge, 2006. destaca o desenvolvimento da autoconfiança, perseverança e coragem para atuar socialmente, dentro do que um/a estudante é capaz em cada estágio de sua vida.

2.2 Objetivos pedagógicos da Matemática

Estes objetivos estão relacionados mais diretamente ao aprendizado da Matemática. Desse modo, em um primeiro momento, destaca-se ler a palavra matemática, pois sem esse objetivo, os de justiça social dificilmente se concretizam. Relaciona-se com saber Matemática em seu sentido mais comum: calcular, medir, raciocinar, argumentar, tratar informações, classificar, ordenar, quantificar, além de estabelecer relações, observar regularidades e coerências (BRASIL, 1997BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.). Sem de fato aprender como esse campo do saber opera, Gutstein (2006GUTSTEIN, E. Reading and writing the world with mathematics: toward a pedagogy for social justice. New York: Routledge, 2006., p. 30, tradução minha) argumenta que a leitura do mundo com a Matemática estaria prejudicada, afinal “os/as estudantes precisam de ferramentas específicas para transformar a sociedade com sucesso”, advogando a favor da Matemática como uma dessas ferramentas.

Como aprender matemática é condição necessária para que se concretizem os objetivos de justiça social, no horizonte tem-se que os/as estudantes consigam, também, obter sucesso acadêmico/escolar no sentido tradicional. Fica claro, ao observar esse objetivo, que o ensino de Matemática em nenhum momento é deixado de lado ou colocado em segundo plano; ou ainda que os/as estudantes que se interessem por prosseguir nos estudos em uma carreira voltada para a área das ciências exatas não sejam contemplados/as. Pelo contrário, esse objetivo prevê que os/as estudantes obtenham sucesso “em testes padronizados, passem pelo ensino médio, tenham sucesso na faculdade, tenham acesso a cursos avançados de matemática (se quiserem) e persigam uma carreira relacionada à matemática” (GUTSTEIN, 2006GUTSTEIN, E. Reading and writing the world with mathematics: toward a pedagogy for social justice. New York: Routledge, 2006., p. 30, tradução minha).

Por fim, mudar a percepção dos/as estudantes sobre a matemática configura-se como um importante objetivo na construção desse referencial, pois muitas pessoas temem, possuem traumas ou pensam que a Matemática é uma área do conhecimento destinada a uns poucos indivíduos “abençoados”, portanto inalcançável para as pessoas comuns. Isso se deve em grande parte ao modo como ela é tradicionalmente ensinada, portanto, a consecução desse objetivo implicaria em um desafio às práticas vigentes de Educação Matemática que, dentre outros, não promovem o senso crítico, a criatividade e o diálogo entre estudantes e professores (SKOVSMOSE, 2014SKOVSMOSE, O. Um convite à educação matemática crítica. Campinas: Papirus, 2014. (Coleção Perspectivas em Educação Matemática).). Mudar a percepção sobre a Matemática significa transformar a visão que se tem dela, de “uma série de regras automáticas desconectadas a serem memorizadas e regurgitadas, para uma ferramenta poderosa e relevante para entender fenômenos complicados do mundo real” (GUTSTEIN, 2006GUTSTEIN, E. Reading and writing the world with mathematics: toward a pedagogy for social justice. New York: Routledge, 2006., p. 30, tradução minha).

3 Caracterização da investigação

A investigação apresentada nesse artigo é de cunho qualitativo, de caráter exploratório e busca analisar uma situação particular na qual se buscou adotar pressupostos da Educação Matemática para justiça social para explorar e dar sentido aos conteúdos de trigonometria no triângulo retângulo. Ela foi realizada com alunos/as do 9° ano do Ensino Fundamental, tendo como tema gerador a questão da acessibilidade de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

A abordagem qualitativa encontra suporte e justificativa em Minayo (2015MINAYO, M. C. S. O desafio da pesquisa social. In: DESLANDES, S. F. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 34. ed. Petrópolis: Vozes, 2015., p. 21) para quem o "conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes".

Além disso, a abordagem qualitativa e a intenção de investigar um trabalho desenvolvido por mim no contexto da escola básica vão de encontro a um processo de maturação importante, enquanto professor e pesquisador. Como explica Garnica (2001GARNICA, A. V. M. Pesquisa qualitativa e educação (matemática): de regulações, regulamentos, tempos e depoimentos. MIMESIS, Bauru, v. 22, n. 1, p. 35-48, 2001., p. 42),

Referimo-nos, aqui, à maturidade vivencial em seu caráter mais amplo: é o contato com os pares, o conhecimento das articulações das e nas instituições, o tráfego pelo mundo acadêmico em suas múltiplas perspectivas, as concepções que se formam com a compreensão de textos, contextos e teorias, o experienciar de perspectivas que não são, em princípio, “nossas”, mas que a nós se oferecem como símbolos ávidos por serem interpretados.

Assim, esse estudo se configurou como uma oportunidade de experienciar uma perspectiva diferente para a Educação Matemática, que já vinha sendo estudada, articulando teoria e prática e vivenciando suas potencialidades e limitações.

3.1 O “Grupo de Quinta” e contexto da situação desencadeadora do estudo

A investigação foi realizada com um grupo de sete alunos/as de uma turma (dentre três) do 9° ano do Ensino Fundamental, para os/as quais leciono, de uma escola da rede privada do interior do Estado de São Paulo que aderiram voluntariamente ao projeto, denominado “Projeto Acessibilidade”.

A escolha destes alunos/as levou em conta, apenas, o aceite ao convite feito para a participação no projeto. Aqueles/as que aceitaram trabalhar na proposta compuseram, então, o denominado “Grupo de Quinta” dado que os encontros para trabalho e discussão aconteciam às quintas-feiras logo após a última aula do período. Tais estudantes, para terem suas identidades preservadas, serão referenciados/as como E01, E02, etc.

Uma característica dos/as envolvidos/as é que eles estão em “posição confortável” (SKOVSMOSE, 2017SKOVSMOSE, O. O que poderia significa educação matemática crítica para diferentes grupos de estudantes? RPEM, Campo Mourão, v. 6, n. 12, p. 18-37, jul./dez. 2017.), já que frequentam uma escola da rede privada de ensino, desfrutam de vantagens do sistema educacional e são economicamente bem estabelecidos. Embora não sejam desfavorecidos socialmente, Skovsmose (2017SKOVSMOSE, O. O que poderia significa educação matemática crítica para diferentes grupos de estudantes? RPEM, Campo Mourão, v. 6, n. 12, p. 18-37, jul./dez. 2017., p. 23) defende que a Educação Matemática crítica é igualmente importante para estes/as estudantes, pois "proporciona novas leituras e escritas do mundo".

O "Projeto Acessibilidade" foi proposto por mim, já que os/as estudantes não estavam acostumados com esse tipo de trabalho, mesmo em minhas aulas regulares de Matemática. Tomei como tema gerador uma situação ocorrida no início do ano letivo: um dos estudantes do grupo teve sua mobilidade reduzida, pois havia quebrado a perna. Até que ele se recuperasse, a turma foi transferida para uma sala de aula que facilitaria o seu acesso, já que a sala que era habitualmente usada ficava no 1° andar de um prédio acessível somente por escadas.

Mesmo com boas intenções, a escola não foi capaz de garantir a acessibilidade do aluno. Como a entrada de tal sala estava localizada em um desnível, foi colocada uma rampa de acesso, impossível de ser vencida (o aluno não conseguia subi-la utilizando muletas nem cadeira de rodas, necessitando sempre do suporte de algum colega, professores ou funcionários).

Sendo assim, a proposta de leitura e escrita do mundo com a Matemática abrangeu a compreensão da situação “por que a rampa não era adequada?”, seguida de uma proposta de adequação da rampa, anexada a uma carta elaborada em conjunto pelos/as participantes e entregue por eles/as diretamente à diretora da escola (Apêndices A Apêndice A: Carta elaborada pelos/as estudantes e entregue à direção da escola Prezada Diretora Pedagógica […], Um dos maiores problemas do Brasil contemporâneo é a questão da acessibilidade para deficientes ou pessoas com mobilidade reduzida. Segundo a lei, no decreto número 5.296, de 2 de dezembro de 2004, acessibilidade é a condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ligado a mobilidade. Os deficientes geralmente encontram dificuldade para acessar lugares mais altos através de rampas, já que as mesmas podem estar com medidas que não condizem com o permitido pela lei. Diante desse problema, devemos fazer todo o possível para facilitar a acessibilidade, em todos os espaços a que as pessoas têm direito de frequentar. Na escola […], os alunos do nono ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio usam o bloco D para terem acesso à sala de aula, porém, esse bloco possui somente escadas. Quando algum aluno fica incapacitado de realizar esforço para acessar as classes, é preciso que toda a classe utilize uma sala especial (sala 1; próxima às catracas da entrada da […]), a qual possui uma pequena rampa. Essa rampa tem vinte e cinco centímetros de altura e sessenta e cinco centímetros de base. Com um conhecimento básico de trigonometria, se dividirmos vinte cinco por sessenta e cinco encontraremos a tangente, que no caso vale 0,384, e aponta para um ângulo de 21°. Conforme a NBR 9050 (Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT) para normas de acessibilidade, a inclinação máxima permitida é de 8,33%, o que equivale a 5°. Diante desses dados, podemos concluir que a rampa fornecida pela escola não obedece às regras impostas pela NBR 9050, dificultando cada vez mais a acessibilidade para alunos com um impasse. Na presença desse problema, alguns alunos, com auxílio e orientação do professor de Matemática, decidiram projetar uma rampa de acordo com as regras da NBR 9050, como consta em anexo. A rampa projetada tem dois metros e dezessete centímetros de base, dois metros e trinta e seis centímetros de comprimento e dezesseis centímetros e meio de altura, resultando numa inclinação de quatro graus. Porém, o chão de onde está a porta da sala tem uma inclinação de dois graus, o que nos fez planejar outra rampa com a finalidade de deixar o ângulo de inclinação nulo. Essa rampa tem dois graus de inclinação, dois metros e dezessete centímetros de base e oito centímetros e meio de altura. Como a rampa é muito comprida, iria atrapalhar a entrada dos alunos que utilizam as catracas, então planejamos fazer o acesso à rampa voltado para a esquerda. Essa decisão nos trouxe outro problema: a necessidade de projetar um patamar exatamente na entrada da porta e no final da rampa. Esse patamar terá vinte e cinco centímetros de altura. Logo, pensando no tema da acessibilidade no ambiente escolar da [escola], pedimos para que a direção da escola providencie as mudanças necessárias quanto à questão da rampa. Dessa maneira, a instituição atuará na melhoria da educação e ajudará na construção de uma sociedade mais justa, com oportunidades para todos, conforme o lema da escola. Atenciosamente, Os/As estudantes. e B Apêndice B: Projeto de adequação da acessibilidade à sala de aula (perfil) ).

Os encontros presenciais semanais eram destinados às discussões, atuação sobre o problema (realizando medidas, cálculos e esboços) e esclarecimentos de eventuais dúvidas. Nos intervalos entre um encontro e outro, os alunos podiam se manifestar, também, durante as aulas regulares e por meio de um aplicativo destinado à troca de mensagens instantâneas. As atividades tiveram início no último bimestre letivo de 2018 e duraram seis semanas.

3.2 Fonte e método de análise dos dados

Os dados são provenientes de três fontes principais: os diários de bordo dos estudantes; as respostas que eles deram a um questionário proposto para a reflexão após a finalização das atividades; e minhas próprias reflexões durante o projeto.

Os diários de bordo consistiam em cadernos entregues aos/às alunos/as para que eles/as registrassem as etapas e tentativas de resolução do problema, bem como demais percepções e sentimentos em relação ao trabalho realizado (frustração, dificuldades, motivação, etc).

Após o término do projeto, solicitei aos estudantes que respondessem um pequeno questionário reflexivo com seis questões abertas sobre suas experiências e expectativas em relação ao que fora desenvolvido, bem como o aprendizado decorrente do envolvimento em suas atividades (Apêndice C Apêndice C: Questionário para a reflexão O que você gostou (ou não gostou) a respeito do projeto desenvolvido no último bimestre? Quais eram suas expectativas em relação a esse projeto? Conte-me em que medida elas foram, ou não, atendidas. Como foram as suas experiências de aprendizado da matemática durante esse projeto? Em que elas diferem das suas experiências nas outras aulas? Como você avalia o aprendizado do conteúdo (trigonometria no triângulo retângulo) durante essa experiência? Explique para mim, em linhas gerais, o que você fez nesse projeto. Após esse projeto, como você relaciona o aprendizado da matemática com o entendimento de questões sociais relevantes (como a estudada) e sua capacidade de atuar sobre elas? ).

Esses dados foram analisados à luz da análise temática, característica da análise de conteúdo (BARDIN, 2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. 1. ed. São Paulo: Edições 70, 2016.). O tema, segundo Bardin (2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. 1. ed. São Paulo: Edições 70, 2016., p. 135) "é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado, segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura". Fazer uma análise temática, então, implica em "descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compõem a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição, pode significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido" (idem). A categorização das unidades de registro foi realizada a priori, levando-se em consideração o referencial teórico que embasa este trabalho e serão exploradas com mais detalhes na próxima seção.

Por fim, minhas reflexões foram devidamente registradas durante esse trabalho. Tais reflexões, provenientes da interação com os/as estudantes e da observação da participação destes/as no projeto diziam respeito ao meu planejamento e reação dos/as participantes. Tal qual Tanko (2015)TANKO, M. G. Reading and writing the world' with mathematics in a Middle Eastern context. Learning and Teaching in Higher Education: Gulf Perspectives, Dubai, v. 12, n. 2, p. 1-23, 2015. Disponível em: http://lthe.zu.ac.ae. Acesso em: 14 ago. 2018.
http://lthe.zu.ac.ae...
, pude notar o entusiasmo, algumas frustrações perante dificuldades encontradas para solucionar os problemas, a colaboração e o trabalho em equipe e o domínio do conteúdo matemático em questão.

4 Resultados e discussão

Nesta seção será exposta uma síntese do que foi realizado em cada encontro com os/as estudantes, por meio de suas anotações realizadas no diário de bordo. Busca-se descrever, analisar e ilustrar, com excertos e esboços encontrados nos diários, as estratégias dos/as estudantes, bem como suas percepções e sentimentos em relação à atividade, eventuais dificuldades e a consecução dos objetivos da Educação Matemática para a justiça social.

1° encontro: o primeiro encontro realizado com os/as estudantes teve como objetivo principal expor o projeto e contextualizar a situação a ser estudada. Como esse foi o primeiro trabalho dessa natureza que nós estávamos realizando, convidei-os/as a pensarem sobre outros assuntos ou problemas que eles gostariam de explorar no futuro. Essa primeira exposição, necessária para aproximar as pessoas do trabalho que seria desenvolvido, despertou a curiosidade de um dos estudantes:

Até então, pensava que a matemática podia ser usada para coisas simples, como calcular o preço de dez pacotes de bolacha sabendo que um custa x reais. Mas, após a aula, descobri que não é só isso: a matemática pode ser usada para resolver problemas mais complexos (Diário do estudante E03, 2018).

Percebe-se certa surpresa por parte do aluno, que revela, por meio de um exemplo comum, as marcas do ensino tradicional de Matemática que, de certo modo, impediram-no de vislumbrar aplicações de conteúdos da disciplina em situações mais complexas da vida real.

Outra estudante revela a dificuldade de pensar em outros temas para estudo, ao passo que sua colega demonstra, apesar de estar feliz por fazer algo diferente, incertezas e mesmo medo em relação ao projeto, pois há maiores riscos de terem suas dificuldades expostas:

Pensar num tema para o trabalho foi muito difícil […] (Diário da estudante E01, 2018).

No começo fiquei muito feliz, mas depois fiquei assustada, com medo de que não consiga fazer nada, de não saber fazer as contas, etc. (Diário da estudante E06, 2018).

Essa insegurança é natural e pode manifestar-se, como aponta Gutstein (2009)GUTSTEIN, E. Possibilities and challenges in teaching mathematics for social justice. In: ERNEST, P.; GREER, B.; SRIRAMAN, B. (Ed.). Critical issues in mathematics education. Charlotte: IAP/INC, 2009., na forma de resistência a novas formas de se trabalhar a Matemática. No caso desses/as estudantes, em particular, não foram observadas resistências, embora em alguns encontros alguns deles/as ficassem mais distantes ou à margem, como observadores do trabalho dos demais colegas.

2° encontro: neste encontro foram realizadas as medições e o cálculo necessário para compreender a situação da rampa de acesso à sala de aula. Dois estudantes (E01 e E03) trouxeram as normas de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). O documento em questão dispõe sobre a acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos (ABNT NBR 9050, 2004ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050:2004: acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. [S.l.]: ABNT: 2004.).

De acordo com esse documento, rampas de acesso podem ter inclinação máxima de 8,33%, equivalente a 5°, para um desnível de até 80 cm. Com relativa facilidade os/as estudantes conseguiram determinar o ângulo de inclinação da rampa de acesso à sala, medindo o tamanho do desnível entre o chão e a porta e o comprimento horizontal da rampa utilizada para acessá-la, conforme o esboço a seguir do estudante E03:

Figura 1
Esboço do perfil da rampa da escola, com suas respectivas medidas.

O estudante esboçou a situação por meio de um triângulo retângulo e, aplicando a ideia de tangente encontrou o valor desta. Consultando uma tabela com valores para tangente, foi possível verificar, então, que esta rampa possui inclinação de 21°. Pode-se dizer que nesta situação, o objetivo de ler o mundo com a Matemática foi atingido, pois o resultado impressionou os/as participantes:

Medimos a rampa e vimos que está mais para um escorregador. O [E03] e a [E01] trouxeram as normas, a rampa é obrigada a ter 5° e a da escola tem 21°. Fiquei em choque e explicou a razão pela qual tínhamos que empurrar o cadeirante para entrar na sala (Diário da estudante E07, 2018).

O cadeirante em questão era o estudante E04, que, no início do ano, passou um período com a perna quebrada e precisou da cadeira de rodas para se locomover, conforme descrito anteriormente.

Após essa constatação, mantendo-se o desnível de 25 cm indicado na figura e sabendo que a inclinação máxima da rampa deveria ser de 5°, os/as alunos/as fizeram uma projeção de qual deveria ser o comprimento horizontal ideal para que a rampa ficasse adequada às normas de acessibilidade, conforme a figura a seguir:

Figura 02
Esboço do perfil da rampa adequada

Com essa projeção, começa a se desenhar a ideia de escrita do mundo com a Matemática. Entretanto, um novo e inesperado problema surgiu. Esta sala de aula está situada imediatamente após as catracas que dão acesso ao interior da escola. Posicionar a rampa nova, com seus 2,85 m de comprimento horizontal na mesma posição da antiga, comprometeria o fluxo de entrada dos/as demais alunos/as, pois ela se configuraria como uma barreira em frente a tais catracas. Modificar a sua posição, girando-a 90° no sentido horário e deixando-a paralela à porta também apresentaria um novo desafio: o piso da escola possui uma leve inclinação, que se apresenta como uma nova variável a ser considerada no projeto da rampa. Esses problemas foram relatados pelos/as estudantes ao final do 2° encontro:

[…] segundo as normas de acessibilidade, vimos que a rampa de 5° iria ocupar muito espaço das catracas, então pensamos em fazer ela de lado, porém surgiu um problema aquele chão não era reto […](Diário do estudante E04, 2018).

Medimos qual seria o comprimento correto da rampa, porém temos um obstáculo antes de projetar a rampa corretamente; o chão da área é irregular (inclinado). Vamos ter que fazer mais contas para saber a forma adequada de projetar a rampa (Diário da estudante E02, 2018).

Pensamos na possibilidade de retirar as duas últimas catracas […] mas a rampa deve ter pelo menos 3 m de comprimento. Surge [sic] outros problemas como a leve inclinação do piso (socorro) (Diário da estudante E05, 2018).

Achei que seria fácil assim, todos acharam, mas o que não sabíamos era que o chão era desnivelado, não era reto! Agora temos que calcular esse desnível (Diário do estudante E03, 2018).

Precisaríamos esticar a rampa, mas tinha as catracas e então pensamos em virar e subir com a rampa, mas o chão também é inclinado (Diário da estudante E07, 2018).

Essa nova variável já havia sido prevista por mim, no entanto, foi omitida para os/as alunos para que eu pudesse captar suas reações e como eles/as reagiriam a esse novo fato.

3° encontro: nesse encontro os/as participantes foram convidados a atuar autonomamente, sem minha presença, já que eu estaria participando de um evento em outra cidade durante toda a semana. Houve muita dificuldade e dúvidas de como determinar a inclinação do piso da escola, conforme relatado a seguir. É possível perceber, e pude constatar pessoalmente no encontro seguinte, sentimentos de desânimo e angústia nos relatos de alguns dos/as estudantes, por não conseguirem encontrar a solução para o problema que se lhes revelava. Surgem, também, dúvidas quanto a própria finalização e exequibilidade da proposta:

Tivemos que nos reunir sem o [professor], mas tivemos problemas. Não estávamos conseguindo calcular a inclinação, nada dava certo, não chegávamos em nenhum resultado. Foi uma aula perdida (Diário da estudante E07, 2018).

Hoje nosso professor não veio, então estávamos sozinhos. Por esse motivo percebi que todos ficaram perdidos no que fazer, mas tínhamos que calcular a inclinação do desnível do chão (Diário do estudante E03, 2018).

FOI UM DESASTRE! Totalmente frustrado [sic], ficamos tentando encontrar a medida da inclinação […] não conseguimos. […] Ao mesmo tempo que está sendo divertido realizar esse projeto, não estou tão otimista sobre o resultado esperado de enviar o protótipo da rampa e ela ser construída. Meu pensamento foi com base nos progressos e nos poucos dias restantes, para cada solução aparece um problema e isso atrasa os procedimentos (Diário da estudante E05, 2018).

Segundo relato de E03, nesse dia a turma resolveu trabalhar em dois grupos: um formado por este e por E01, E05 e E07 e outro formado por E02, E04 e E06. Ambos arriscaram um modo de encontrar a inclinação do chão, sendo a solução proposta pelo grupo de E03 a que se revelou como a mais plausível.

Figura 03
Esboço da solução do problema da inclinação do chão, proposto pelo grupo de E03.

[…] nos dividimos em 2 grupos. O meu e das meninas fez cálculos com base na parede, tentando criar um triângulo, com o chão sendo a hipotenusa. Assim:

Não conseguimos fazer isso, pois encontramos dificuldade em manter a trena reta, ou seja, o ângulo de 90° não se formou (Diário do estudante E03, 2018).

Tentamos medir a distância entre o chão e o teto em dois pontos diferentes para ver a diferença entre as duas medidas e assim calcular a inclinação, sem sucesso (Diário do estudante E04, 2018).

A solução relatada por E04 e seu grupo carece de mais detalhes, não sendo possível explorá-la mais profundamente. Por isso a solução proposta pelo grupo de E03 foi acatada por todos ao final desse encontro. Eles/as enviaram, via mensagem instantânea, a dúvida de como "manter a trena reta" para por em prática a estratégia que pretendiam concretizar. Sugeri que pesquisassem sobre um instrumento utilizado na construção civil, o fio de prumo, e como utilizá-lo. Mesmo sem resolver o principal problema desse encontro, ambos os grupos vislumbraram a solução final do problema do acesso à sala de aula, conforme as figuras e relatos a seguir:

Pensamos também em, para nivelar o chão, colocar uma rampa. Desse modo, com o chão reto, poderíamos colocar a rampa oficial. Ficaria assim: (Diário do estudante E03, 2018).

Pensei em formar um retângulo com outro [triângulo] e colocar a rampa que projetamos em cima (Diário do estudante E02, 2018).

Figura 04
Esboço da solução final, proposta pelo grupo de E03
Figura 05
Esboço e parte do relato da solução final, proposta pelo grupo de E02

4° encontro: munidos do conhecimento acerca da utilização do fio de prumo, nesse encontro os/as estudantes conseguiram determinar a inclinação do chão que os incomodava. A turma improvisou um fio de prumo utilizando barbante e giz encontrados na escola. Além do conceito de tangente da trigonometria no triângulo retângulo, foi relembrada a ideia de ângulo alterno interno. A estudante parte da proposta apontada anteriormente

Os ângulos marcados são iguais [Figura 06], portanto descobrindo o ângulo do triângulo descobrimos a inclinação do chão. Para isso utilizamos trigonometria → relação de tangente (cateto oposto/cateto adjacente). Portanto: 8,1 : 267 = 0,030

Olhando na tabela esse valor corresponde a 2°. Então a inclinação do chão é 2° (Diário da estudante E01, 2018).

Figura 06
Esboço da solução para o problema da inclinação do chão feito por E01.

A turma não apresentou dificuldades em utilizar os conceitos matemáticos (ler a palavra matemática); mostravam-se cientes do que era necessário mobilizar para efetuar os cálculos. Todavia, as dificuldades se manifestavam-se em quando usar os conceitos e cálculos e a partir de quais dados (que eles/as deveriam encontrar ou produzir).

Com todos os dados em mãos, o "projeto mais promissor da rampa" (conforme E06), foi então esboçado. Como a turma utilizou um "nivelador" para apoiar a nova rampa, como haviam previsto, esta ficou com uma inclinação menor do que a esperada, de apenas 4°.

Figura 07
Esboço da situação final, sem escala.

5° e 6° encontros: o penúltimo encontro foi destinado à elaboração do desenho, em escala, da adequação da rampa de acesso à sala de aula. Ela foi desenhada em perfil, como vinham fazendo até então (Apêndice B Apêndice B: Projeto de adequação da acessibilidade à sala de aula (perfil) ). Destaca-se que, tal desenho e forma de representação do projeto estão de acordo com as capacidades desses/as jovens do 9° ano. Não foi exigido deles um projeto formal, com todo o rigor usado na construção civil, por não ser esse o objetivo da atividade. A ideia era a de que, munidos desse estudo realizado pelos/as estudantes, os responsáveis pela escola tomassem as providências necessárias para adequação da rampa.

Ao final dessa etapa, foi iniciada a escrita em conjunto da carta que seria entregue à diretora. Para facilitá-la, foi utilizada a ferramenta Google Docs, em modo de compartilhamento. Limitei minha atuação, nesta etapa, ao apontamento de pequenos erros ortográficos, deixando a cargo dos/as estudantes a redação do documento. Essa etapa, de demanda de adequação do acesso das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, configura-se como um importante passo em direção à competência de atuação social e escrita do mundo. A carta foi entregue no último encontro, acompanhada de uma breve exposição dos/as estudantes sobre o trabalho desenvolvido.

Tendo em vista aprofundar o conhecimento acerca do cumprimento dos objetivos pedagógicos da justiça social e da Matemática, foram analisadas as respostas a seis questões de um questionário destinadas à reflexão sobre o trabalho desenvolvido no "Projeto Acessibilidade".

Os objetivos foram agrupados no quadro abaixo, e sua consecução é destacada por meio de excertos significativos das respostas obtidas com o questionário.

Quadro 01
Objetivos da Educação Matemática para Justiça Social com excertos das respostas dos/as estudantes ao questionário reflexivo

4.1 Possibilidades

Ao observar as etapas da atividade desenvolvida e o quadro acima, são reveladas possibilidades, mediante planejamento, de se colocar em prática formas de ensinar Matemática que tragam sentido para os/as estudantes, por meio do estudo de situações do dia a dia e questões sociais relevantes. Utilizando a proposta de Educação Matemática para justiça social de Eric Gutstein foi possível atingir, concomitantemente, os objetivos pedagógicos da justiça social e da Matemática.

Outro aspecto importante a se destacar é que o trabalho foi realizado com estudantes em posição confortável. Ainda há poucos trabalhos realizados com esse grupo de estudantes, mas considero um grupo a ser contemplado também, pois como apontado, eles/as também possuem o desejo de melhorar as condições de vida de outras pessoas. Esse tipo de trabalho pode, de fato, ampliar sua visão de mundo.

Finalmente, esse trabalho foi importante para que eu pudesse articular teoria e prática, explorando o potencial de novas formas de ensinar, enquanto professor. Esse tipo de pedagogia pode ser explorada com estudantes nas licenciaturas ou professores/as em formação continuada, já que nem todos frequentam o meio acadêmico ou estão envolvidos com pesquisas da área.

4.2 Limitações

Reconheço que o trabalho possui suas limitações. Uma delas diz respeito ao número de envolvidos/as no projeto, já que este foi realizado com indivíduos que aderiram voluntariamente a ele. Uma futura exploração do tema com uma turma maior, durante as aulas regulares se faz necessário, para descobrir novos desafios que possam se apresentar ao/à professor/a. Essa recomendação é particularmente importante para incentivar o trabalho com a justiça social e, como afirma Tanko (2015TANKO, M. G. Reading and writing the world' with mathematics in a Middle Eastern context. Learning and Teaching in Higher Education: Gulf Perspectives, Dubai, v. 12, n. 2, p. 1-23, 2015. Disponível em: http://lthe.zu.ac.ae. Acesso em: 14 ago. 2018.
http://lthe.zu.ac.ae...
, p. 14, tradução minha), mostrar que "ensinar para justiça social não deixa os estudantes em desvantagem acadêmica; ao contrário, providencia a eles oportunidades de estarem mais bem preparados para suas futuras jornadas educacionais".

Outra limitação encontrada diz respeito ao tempo: o projeto aqui descrito foi realizado com encontros semanais. Talvez este pudesse ser otimizado e realizado em uma semana, dentro das aulas regulares de Matemática (que costumam ser 5 ou 6 na maioria das escolas). Em turmas maiores, os/as estudantes poderiam se dividir em grupos e investigar situações diferentes que abrangessem um mesmo conteúdo ou mesmo com conteúdos diferentes, dependendo da disponibilidade e disposição do/a professor/a.

Por fim, uma limitação encontrada diz respeito ao envolvimento dos/as estudantes. Embora, de maneira geral, tenham ficado felizes e animados com a proposta, algumas vezes relataram não interagirem ou ficarem à margem, como observadores de outros/as colegas. Vale ressaltar que, mesmo à margem, a atividade pode contribuir com a formação de todos/as, desde que procurem entender o que está sendo feito, sintam-se à vontade para esclarecer dúvidas, colocar novas questões e expressarem suas opiniões.

5 Considerações finais

Embora o trabalho aqui apresentado tenha suas limitações, por meio da análise da produção dos estudantes é possível verificar que a proposta de Educação Matemática para justiça social de Eric Gutstein mostra-se relevante, atual e aplicável, seja com estudantes de escola pública ou privada em posição confortável.

Desse modo constata-se que tais estudantes foram capazes de ampliar sua visão de mundo, fazendo novas leituras dele; muitos saíram empolgados com a possibilidade de atuação na sociedade utilizando a Matemática; e a compreensão dos problemas e do conteúdo usado para promover esse estudo foi ampliada, auxiliando em eventuais dificuldades. Destaca-se, sobretudo, a mudança na percepção da Matemática, que deixou de ser algo abstrato e "inútil" (como apontou um estudante) para ganhar significado em uma situação concreta.

Ao analisar a minha experiência enquanto professor, apesar do trabalho que tal projeto demanda, desde a sua elaboração até a sua execução, passando por problemas que podem não ser previstos, considero-a enriquecedora e motivadora para mais trabalhos desse tipo. Contornar as adversidades foi interessante, pois abria novas possibilidades de discussão e tratamento do conteúdo. O próximo passo será aperfeiçoar a experiência, buscando ampliá-la para a prática diária, numa tentativa de atingir mais estudantes.

Para além dos conteúdos, observar o interesse dos/as jovens em atuar sobre um problema socialmente relevante e demandar uma mudança foi gratificante e espero que esse trabalho possa ressoar com outros educadores. Independentemente da posição em que os/as estudantes se encontram, desenvolver competências críticas pode contribuir para o melhor funcionamento da sociedade como um todo, a partir de atuações locais.

Agradecimentos

Aos professores Ole Skovsmose, Miriam Godoy Penteado e Eric Gutstein e aos meus queridos alunos e alunas que participaram desse projeto: Elisa Braga, Eduardo Henrique Machado, Ian Rosada de Araújo, João Pedro Magri, Lia Naomi Okada, Lucas Piovani Ferreira e Sofia de Lima Castellar

Referências

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    » http://lthe.zu.ac.ae

Apêndice A: Carta elaborada pelos/as estudantes e entregue à direção da escola

Prezada Diretora Pedagógica […],

Um dos maiores problemas do Brasil contemporâneo é a questão da acessibilidade para deficientes ou pessoas com mobilidade reduzida. Segundo a lei, no decreto número 5.296, de 2 de dezembro de 2004, acessibilidade é a condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ligado a mobilidade. Os deficientes geralmente encontram dificuldade para acessar lugares mais altos através de rampas, já que as mesmas podem estar com medidas que não condizem com o permitido pela lei. Diante desse problema, devemos fazer todo o possível para facilitar a acessibilidade, em todos os espaços a que as pessoas têm direito de frequentar.

Na escola […], os alunos do nono ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio usam o bloco D para terem acesso à sala de aula, porém, esse bloco possui somente escadas. Quando algum aluno fica incapacitado de realizar esforço para acessar as classes, é preciso que toda a classe utilize uma sala especial (sala 1; próxima às catracas da entrada da […]), a qual possui uma pequena rampa.

Essa rampa tem vinte e cinco centímetros de altura e sessenta e cinco centímetros de base. Com um conhecimento básico de trigonometria, se dividirmos vinte cinco por sessenta e cinco encontraremos a tangente, que no caso vale 0,384, e aponta para um ângulo de 21°. Conforme a NBR 9050 (Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT) para normas de acessibilidade, a inclinação máxima permitida é de 8,33%, o que equivale a 5°. Diante desses dados, podemos concluir que a rampa fornecida pela escola não obedece às regras impostas pela NBR 9050, dificultando cada vez mais a acessibilidade para alunos com um impasse.

Na presença desse problema, alguns alunos, com auxílio e orientação do professor de Matemática, decidiram projetar uma rampa de acordo com as regras da NBR 9050, como consta em anexo. A rampa projetada tem dois metros e dezessete centímetros de base, dois metros e trinta e seis centímetros de comprimento e dezesseis centímetros e meio de altura, resultando numa inclinação de quatro graus. Porém, o chão de onde está a porta da sala tem uma inclinação de dois graus, o que nos fez planejar outra rampa com a finalidade de deixar o ângulo de inclinação nulo. Essa rampa tem dois graus de inclinação, dois metros e dezessete centímetros de base e oito centímetros e meio de altura.

Como a rampa é muito comprida, iria atrapalhar a entrada dos alunos que utilizam as catracas, então planejamos fazer o acesso à rampa voltado para a esquerda. Essa decisão nos trouxe outro problema: a necessidade de projetar um patamar exatamente na entrada da porta e no final da rampa. Esse patamar terá vinte e cinco centímetros de altura.

Logo, pensando no tema da acessibilidade no ambiente escolar da [escola], pedimos para que a direção da escola providencie as mudanças necessárias quanto à questão da rampa. Dessa maneira, a instituição atuará na melhoria da educação e ajudará na construção de uma sociedade mais justa, com oportunidades para todos, conforme o lema da escola.

Atenciosamente,

Os/As estudantes.

Apêndice B: Projeto de adequação da acessibilidade à sala de aula (perfil)


Apêndice C: Questionário para a reflexão

  1. O que você gostou (ou não gostou) a respeito do projeto desenvolvido no último bimestre?

  2. Quais eram suas expectativas em relação a esse projeto? Conte-me em que medida elas foram, ou não, atendidas.

  3. Como foram as suas experiências de aprendizado da matemática durante esse projeto? Em que elas diferem das suas experiências nas outras aulas?

  4. Como você avalia o aprendizado do conteúdo (trigonometria no triângulo retângulo) durante essa experiência?

  5. Explique para mim, em linhas gerais, o que você fez nesse projeto.

  6. Após esse projeto, como você relaciona o aprendizado da matemática com o entendimento de questões sociais relevantes (como a estudada) e sua capacidade de atuar sobre elas?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2019
  • Aceito
    05 Jun 2019
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