Acessibilidade / Reportar erro

O contributo do estudo de aula na preparação e condução da discussão coletiva: perspetivas e dificuldades de duas futuras professoras dos anos iniciais

The contribution of lesson study in preparing and leading whole-class discussions: perspectives and difficulties of two elementary school preservice teachers

Resumo

Este artigo foi desenvolvido no âmbito de um estudo de aula realizado com duas futuras professoras dos anos iniciais com especialização em Matemática e Ciências Naturais. Pretende-se compreender as perspetivas e dificuldades das futuras professoras durante a sua participação no estudo de aula, relativamente à preparação e condução de discussões coletivas em aulas de natureza exploratória. A investigação segue uma metodologia qualitativa de caráter interpretativo, sendo os dados recolhidos por observação e transcrição das várias sessões do estudo de aula e das entrevistas iniciais e finais com as futuras professoras e ainda, por recolha documental das reflexões por elas escritas após o estudo de aula. Os resultados mostram que, durante as sessões do estudo de aula, as futuras professoras aprofundaram as perspetivas que já traziam sobre a preparação e condução de discussões coletivas. As aprendizagens mais significativas foram relativas à preparação da discussão coletiva, nomeadamente na adaptação de tarefas matemáticas e na antecipação do trabalho dos alunos. As futuras professoras também valorizaram o contributo das discussões para a aprendizagem dos alunos, em especial as situações de desacordo. Relativamente a dificuldades das futuras professoras, estas destacam a antecipação das estratégias de resolução dos alunos, o estabelecimento de conexões entre as respostas dos alunos e a gestão do tempo de aula.

Abordagem exploratória; Discussão coletiva; Estudo de aula; Formação inicial de professores

Abstract

This article was developed within the scope of a lesson study carried out with two elementary school preservice teachers with specialization in Mathematics and Science. It intends to understand the perspectives and difficulties of preservice teachers during their participation in lesson study, regarding the preparation and leading of whole class discussions in exploratory classes. The investigation follows a qualitative and interpretative methodology, through which data were collected by observation and transcription of the various sessions of the lesson study, as well as by transcriptions of audio-recordings of initial and final interviews with the preservice teachers and also by document collection of the written reflections produced by the preservice teachers after the lesson study. The results show that, during the lesson study sessions, the preservice teachers consolidated their previous perspectives on preparing and leading whole class discussions. The most significant learning was related to the preparation of whole class discussions, namely adapting mathematical tasks and anticipating students’ work. Preservice teachers also valued the contribution of whole-class discussions to students’ learning, especially in situations of disagreement. Regarding difficulties, the preservice teachers, highlighted the anticipation of students’ strategies for solving tasks, the establishment of connections between students’ answers, and class time management.

Exploratory Approach; Whole-class discussion; Lesson Study; Initial Teacher Education

1 Introdução

O estudo de aula é um processo formativo conhecido por promover o desenvolvimento do conhecimento de professores, podendo ser adaptado à formação inicial (PONTE, 2017a). Este processo é centrado nas aprendizagens dos alunos e visa a criação de momentos em que os futuros professores planificam aulas detalhadamente, partindo da antecipação do trabalho dos alunos (PONTE et al. , 2016). Depois de conduzirem a aula que planificaram, os futuros professores refletem sobre as aprendizagens dos alunos, fazendo a conexão entre o conhecimento teórico e os momentos da prática letiva, o que promove o desenvolvimento do seu conhecimento.

No Japão, país de onde o estudo de aula é oriundo, é utilizada, na aula de investigação, a abordagem curricular structured problem solving ( FUJII, 2018FUJII, T. Lesson study and teaching mathematics through problem solving: The two wheels of a cart. In: QUARESMA, M.; WINSLOW, C.; CLIVAZ, S.; PONTE, J. P.; NI SHÚILLEABHÁIN, A.; TAKAHASHI, A. (eds.). Mathematics lesson study around the world. Hamburg: Springer, 2018. p. 1-21. ). Essa abordagem apresenta semelhanças com a abordagem exploratória ( PONTE, 2005PONTE, J. P. Gestão curricular em Matemática. In: Grupo de Trabalho sobre Investigação (GTI) em Educação Matemática (prg.). O professor e o desenvolvimento curricular. Lisboa: APM, 2005. p. 11-34. ), comumente utilizada nos estudos de aula portugueses. A realização de aulas exploratórias é desafiante para os professores e, em particular, para futuros professores. É fundamental perceber como aulas dessa natureza podem ser organizadas e quais os aspetos a considerar aquando da sua preparação e condução, como é o caso da seleção de tarefas matemáticas apropriadas para a promoção de ambientes de aprendizagem significativos e desafiantes para os alunos. Desse modo, é necessário que o professor analise as características das tarefas que pretende propor aos alunos e opte por aquelas que vão ao encontro do objetivo de aprendizagem estabelecido para a aula.

É igualmente relevante a preparação do trabalho dos alunos, nomeadamente a antecipação dos momentos da aula, atendendo ao papel do professor e do aluno. A preparação atenta da aula permite que o professor seja capaz de gerir as intervenções dos alunos, de articular as ideias e promover um ambiente de aprendizagem produtivo. Esse trabalho contribui, ainda, para que o professor se sinta confiante quando confrontado com as respostas e dificuldades dos alunos o que, consequentemente, favorece uma discussão coletiva mais produtiva (PONTE; BRANCO; QUARESMA, 2014).

Ao realizarem aulas exploratórias, os futuros professores deparam-se com um desafio acrescido, dada a sua reduzida experiência no ensino da Matemática. Assim, é fundamental que a formação inicial promova oportunidades em que os futuros professores se envolvam, através da prática, na organização, condução e reflexão sobre aulas dessa natureza. Através do estudo de aula, podem considerar e refletir sobre os aspetos inerentes à preparação e condução de uma aula exploratória, num ambiente de colaboração com outros professores, mais experientes. O estudo de aula proporciona momentos em que os futuros professores pensam sobre a seleção e adaptação de tarefas matemáticas, a planificação das diferentes fases da aula, a sua condução, observação e reflexão sobre a aula com foco nas aprendizagens dos alunos (CONCEIÇÃO; BAPTISTA; PONTE, 2019).

Martins, Mata-Pereira e Ponte (2021) estudaram o desenvolvimento do conhecimento na preparação e condução de discussões coletivas em aulas exploratórias por futuros professores de Matemática do ensino secundário durante o estudo de aula, mas existe uma carência de investigações neste tema relativas a futuros professores dos anos iniciais. Nesse artigo participaram futuras professoras do ensino secundário que não se revelaram tão participativas na preparação da discussão coletiva como se mostraram noutras tarefas. E, segundo os autores, os principais desafios com que as futuras professoras se depararam, surgiram precisamente na condução da dicussão coletiva. Assim, no presente estudo focamo-nos somente nessa fase da aula exploratória, por considerarmos fundamental compreender de que forma o estudo de aula pode contribuir para ajudar os futuros professores a prepararem melhor a discussão coletiva, de forma a reduzir os imprevistos e a ultrapassar os desafios com que se deparam quando a conduzem.

Assim, este artigo visa compreender as perspetivas e as dificuldades de duas futuras professoras de Matemática dos anos iniciais durante a sua participação no estudo de aula com foco na preparação e condução de uma discussão coletiva conduzida numa aula exploratória. Para tal, após um enquadramento teórico e a apresentação da metodologia deste estudo, descrevemos e analisamos episódios relevantes para a compreensão desses aspetos, ocorridos num estudo de aula com duas futuras professoras.

2 O estudo de aula e a formação inicial de professores

Dado o estado inicial de desenvolvimento do conhecimento dos futuros professores, estes enfrentam desafios de diferente índole, nomeadamente quando selecionam e preparam tarefas matemáticas, antecipam o trabalho dos alunos, e gerem a aula e os imprevistos característicos da prática letiva (GALVÃO; PONTE; JONIS, 2018). Torna-se, portanto, essencial que os programas de formação inicial de professores lhes confiram oportunidades de experienciarem a sua prática profissional futura, criando situações nas quais trabalham de forma colaborativa e reflexiva sobre a prática letiva, realizando e observando aulas lecionadas por professores ou orientadores ( LEAVY; HOURIGAN, 2016LEAVY, A. M.; HOURIGAN, M. Using lesson study to support knowledge development in initial teacher education: Insights from early number classrooms. Teaching and Teacher Education , Cardiff, v. 57, [s.n.], p. 161-175, 2016. ; SANTOS et al., 2019SANTOS, L.; OLIVEIRA, H.; PONTE, J. P.; HENRIQUES, A. Pre-service teachers’ experiences in selecting and proposing challenging tasks in secondary classrooms. In: CONGRESS OF EUROPEAN RESEARCH IN MATHEMATICS EDUCATION, 11., 2019, Utrecht. Proceedings of CERME 11, 11th Congress of European Research in Mathematics Education. Utrecht: University of Utrecht, 2019. p. 3762-3769. ).

O estudo de aula, um processo formativo assente na colaboração e na reflexão, proporciona aos futuros professores o envolvimento em situações reais semelhantes às que irão enfrentar no seu futuro profissional. Nas sessões do estudo de aula, os futuros professores reúnem-se com outros professores, mais experientes, num ambiente colaborativo onde são convidados a partilharem ideias e experiências, a fim de planificarem, detalhadamente, a aula de investigação de acordo com objetivos bem definidos pelo grupo e com o tópico matemático selecionado. Quando planificam a aula, os futuros professores têm oportunidade para selecionar, discutir, adaptar e resolver tarefas matemáticas e, por conseguinte, para antecipar as estratégias de resolução que os alunos podem apresentar em aula, assim como as suas possíveis dificuldades. Com tal antecipação, os futuros professores preparam, ainda, intervenções adequadas aos vários momentos da aula.

Enquanto um dos professores leciona a aula de investigação, os restantes elementos do grupo observam os alunos, atentando as suas aprendizagens. As sessões seguintes do estudo de aula destinam-se à discussão e reflexão sobre a aula de investigação, procurando melhorar a abordagem adotada ( FUJII, 2018FUJII, T. Lesson study and teaching mathematics through problem solving: The two wheels of a cart. In: QUARESMA, M.; WINSLOW, C.; CLIVAZ, S.; PONTE, J. P.; NI SHÚILLEABHÁIN, A.; TAKAHASHI, A. (eds.). Mathematics lesson study around the world. Hamburg: Springer, 2018. p. 1-21. ). Assim, o estudo de aula constitui uma oportunidade para os futuros professores aprenderem e refletirem sobre os objetivos de aprendizagem dos alunos, sobre abordagens de ensino e sobre os seus próprios conhecimentos (PONTE, 2017a).

A sua participação no estudo de aula incentiva, ainda, a sua autorreflexão e o desenvolvimento do conhecimento sobre as aprendizagens e comportamentos dos alunos ( SIMS; WALSH, 2009SIMS, L.; WALSH, D. Lesson study with preservice teachers: Lessons from lessons. Teaching and Teacher Education , Cardiff, v. 25, n. 5, p. 724-733, 2009. ). Assim, o estudo de aula é um processo potenciador de colaboração, reflexão e superação das dificuldades dos futuros professores, que têm oportunidade para discutir tarefas, antecipar estratégias de resolução e dificuldades dos alunos e preparar a condução da aula, experienciando contextos reais e próximos daqueles com que se irão deparar no decorrer da sua prática profissional futura ( NI SHUILLEABHAIN; BJULAND, 2019NI SHUILLEABHAIN, A.; BJULAND, R. Incorporating lesson study in ITE: organizational structures to support student teacher learning. Journal of Education for Teaching, Abingdon, v. 45, [s.n.], p. 1-12, 2019. ).

3 A abordagem exploratória na aula de Matemática

A abordagem exploratória permite que sejam os alunos, assumindo um papel ativo e central na aula, a descobrir e construir o seu conhecimento. Aulas dessa natureza iniciam-se pela apresentação de uma tarefa desafiante para os alunos que, depois, trabalham sobre ela, envolvendo-se em atividades de exploração de conceitos e ideias matemáticas. Todavia, é uma abordagem complexa e exigente para o professor, justificando a necessidade de uma planificação e preparação cuidadosas. Uma aula exploratória é, usualmente, organizada em três fases: i) apresentação e interpretação da tarefa; ii) realização da tarefa; e iii) apresentação e discussão das resoluções e síntese final.

Na primeira fase, o professor apresenta a tarefa matemática aos alunos, que deverão sentir-se desafiados na sua interpretação e resolução. Depois, os alunos iniciam o seu trabalho autónomo, de forma individual ou em pequenos grupos, devendo, o professor, apoiá-los sem os influenciar ou induzir à resposta, evitando uniformizar as estratégias de resolução para que a discussão possa ser mais produtiva. Ainda nessa segunda fase, o professor observa o trabalho dos alunos, inteirando-se das estratégias que utilizaram, dos erros que cometeram e das dificuldades que manifestaram, para proceder à seleção e sequenciação das resoluções mais pertinentes e adequadas à discussão coletiva.

Por fim, na terceira fase cabe ao professor orquestrar a discussão coletiva, solicitando aos alunos que expliquem e justifiquem as suas resoluções, gerindo as intervenções e assegurando a qualidade matemática das suas explicações. Dessa forma, os alunos podem relacionar as ideias discutidas e fazer conexões matemáticas. Por último, a aula exploratória termina com uma síntese das principais ideias matemáticas exploradas ( PONTE, 2005PONTE, J. P. Gestão curricular em Matemática. In: Grupo de Trabalho sobre Investigação (GTI) em Educação Matemática (prg.). O professor e o desenvolvimento curricular. Lisboa: APM, 2005. p. 11-34. ; PONTE; BRANCO; QUARESMA, 2014).

A preparação de uma aula exploratória começa pela seleção de tarefas, as quais devem promover “momentos de reflexão e discussão com toda a turma” ( PONTE, 2005PONTE, J. P. Gestão curricular em Matemática. In: Grupo de Trabalho sobre Investigação (GTI) em Educação Matemática (prg.). O professor e o desenvolvimento curricular. Lisboa: APM, 2005. p. 11-34. , p. 15-16). Segue-se uma atenta antecipação das resoluções e dificuldades que os alunos podem apresentar, pelo que devem ser previstas várias formas possíveis de alcançar o objetivo de aprendizagem estabelecido para a aula, considerando-se, ainda, o tempo a usar em cada momento. Após planificar a aula, o professor irá lecioná-la, tendo sempre em consideração o grau de desafio das tarefas e a diversidade das produções dos alunos. Gere o tempo de aula conforme o previsto e o envolvimento dos alunos durante o trabalho autónomo, nomeadamente as suas intervenções e interações, de forma a criar um ambiente de aprendizagem desafiante e estimulante, que resulte em discussões coletivas ricas e interessantes que contribuam, significativamente, para a aprendizagem dos alunos ( CANAVARRO, 2011CANAVARRO, A. P. Ensino exploratório da Matemática: Práticas e desafios. Educação e Matemática , Lisboa, v. 115, [s.n.], p. 11-17, 2011. ; SANTOS et al., 2019SANTOS, L.; OLIVEIRA, H.; PONTE, J. P.; HENRIQUES, A. Pre-service teachers’ experiences in selecting and proposing challenging tasks in secondary classrooms. In: CONGRESS OF EUROPEAN RESEARCH IN MATHEMATICS EDUCATION, 11., 2019, Utrecht. Proceedings of CERME 11, 11th Congress of European Research in Mathematics Education. Utrecht: University of Utrecht, 2019. p. 3762-3769. ; STEIN et al., 2008STEIN, M. K.; ENGLE, R. A.; SMITH, M. S.; HUGHES, E. K. Orchestrating productive mathematical discussions: five practices for helping teachers move beyond show and tell. Mathematical Thinking and Learning, Adingdon, v. 10, n. 4, p. 313-340, 2008. ).

Compreendendo a exigência e os desafios associados a uma aula exploratória, é fundamental que os futuros professores tenham oportunidades de se familiarizar e refletir sobre essa abordagem. Por isso, a formação inicial pode ser um contexto para os futuros professores desenvolverem aprendizagens sobre aulas exploratórias, a sua organização, a sua condução e o seu contributo para a aprendizagem dos alunos (CONCEIÇÃO; BAPTISTA; PONTE, 2019).

4 Discussão matemática coletiva

Segundo Stein et al. (2008)STEIN, M. K.; ENGLE, R. A.; SMITH, M. S.; HUGHES, E. K. Orchestrating productive mathematical discussions: five practices for helping teachers move beyond show and tell. Mathematical Thinking and Learning, Adingdon, v. 10, n. 4, p. 313-340, 2008. , a discussão coletiva deve apoiar-se no pensamento dos alunos e promover o avanço de importantes ideias matemáticas. Para tal, deve ser um momento em que os alunos intervêm, apresentando as suas resoluções e justificando-as através da argumentação e do questionamento crítico e construtivo das resoluções dos colegas ( CANAVARRO, 2011CANAVARRO, A. P. Ensino exploratório da Matemática: Práticas e desafios. Educação e Matemática , Lisboa, v. 115, [s.n.], p. 11-17, 2011. ). Dado que a discussão coletiva, para ser produtiva, implica tanto ter por base o pensamento dos alunos como avançar importantes ideias matemáticas, o professor deve reformular as ideias que eles apresentam de forma incompleta ou mal formulada, para as transformar em ideias matematicamente corretas, completas e precisas (STEIN et al., 2008).

Para que a discussão coletiva seja benéfica para a aprendizagem dos alunos é fundamental que o professor a prepare e organize atentamente. Stein et al. (2008)STEIN, M. K.; ENGLE, R. A.; SMITH, M. S.; HUGHES, E. K. Orchestrating productive mathematical discussions: five practices for helping teachers move beyond show and tell. Mathematical Thinking and Learning, Adingdon, v. 10, n. 4, p. 313-340, 2008. apresentam um modelo de cinco práticas para preparar e realizar discussões coletivas: i) antecipar; ii) monitorizar; iii) selecionar; iv) sequenciar; v) estabelecer conexões entre as respostas dos alunos. Dessa forma, o professor antecipa e prevê as estratégias e respostas que os alunos poderão apresentar quando resolverem a tarefa, compreendendo como eles a podem interpretar e abordar do ponto de vista matemático.

Para além disso, também antevê a diversidade de estratégias, independentemente do seu nível de correção e compreende como poderá relacionar e estabelecer conexões entre as estratégias, interpretações, conceitos, representações, procedimentos e práticas que pretende que os alunos desenvolvam. Torna-se, então, essencial que o professor resolva de várias formas as tarefas que vai propor aos alunos, compreenda que diferentes estratégias apresentam diferentes níveis de sofisticação, identifique possíveis interpretações erradas da tarefa, consulte literatura de investigação sobre respostas e dificuldades comuns em tarefas semelhantes e consulte os documentos curriculares em vigor.

Segundo Potari e Jaworski (2002)POTARI, D.; JAWORSKI, B. Tackling complexity in mathematics teaching development: Using the teaching triad as a tool for reflection and analysis. Journal of Mathematics Teacher Education , Utrecht, v. 5, [s.n.], p. 351-380, dec. 2002. , o professor também deve preparar o seu questionamento. As questões colocadas devem conter um certo grau de desafio, incentivando momentos de exploração de desacordos, e permitindo ao professor compreender as dificuldades de comunicação dos alunos. Ainda no âmbito da preparação da discussão coletiva, a fase de monitorização é fundamental. Nesse momento, que já ocorre na aula, os alunos exploram a tarefa proposta e o professor circula pelos grupos de alunos prestando atenção ao seu raciocínio, estratégias utilizadas, dúvidas e dificuldades apresentadas.

Depois, o professor reconhece quais as respostas pertinentes para serem apresentadas à turma e que podem contribuir para o desenvolvimento da aula. Uma fase de monitorização produtiva ajuda o professor a selecionar quem e o que será o foco da discussão coletiva. Depois de avaliar a pertinência das respostas dos alunos, o professor seleciona aquelas a partilhar com a turma e que vão ao encontro do objetivo da aula. Segue-se a sequenciação das intervenções, importante para que o professor tire o maior partido possível da apresentação das respostas dos alunos e assegure uma discussão coletiva coerente e produtiva.

Por fim, já durante a própria discussão, o professor promove o estabelecimento de conexões matemáticas entre as respostas dos alunos e entre estas e os pontos-chave da tarefa e da aula. Tal conexão permite a articulação de estratégias e a promoção de uma discussão produtiva e significativa, na qual são trabalhadas ideias matemáticas. Neste momento, o professor filtra as ideias dos alunos, focando a sua atenção naquilo que é relevante e alertando-os para os processos matemáticos (FRANKE; KAMESI; BATTEY, 2007). Nessa fase, o desacordo sobre uma explicação permite que os alunos sejam incentivados a explicar e justificar os seus raciocínios, até que o desacordo seja resolvido, contribuindo para a construção de significados partilhados. O surgimento de desacordos promove, não apenas o raciocínio dos alunos, mas, também, o desenvolvimento de conceitos, procedimentos e representações, pelo que o professor deve criar momentos em que surjam para tirar o maior partido possível dessas situações, que podem ocorrer em sala de aula de forma imprevista ou preparada (PONTE, 2017b).

5 Metodologia

A metodologia adotada nesta investigação é de caráter qualitativo e de cunho interpretativo, visto que o foco de análise são as perspetivas e dificuldades manifestadas por duas futuras professoras relativamente à preparação e condução da discussão coletiva ( BOGDAN; BIKLEN, 1994BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação . Porto: Porto Editora, 1994. ). Assim, nossa análise está assentada nos dados recolhidos durante várias sessões do estudo de aula, das entrevistas e das reflexões escritas pelas futuras professoras.

Participaram no estudo de aula duas futuras professoras com os nomes fictícios de Adriana e Margarida, que estavam, à data do estudo, a frequentar o 1.º semestre do 2.º ano do Mestrado em Ensino no 1.º ciclo1 1 O 1.º ciclo inclui os alunos do 1.º ao 4.º ano de escolaridade (6-9 anos). e de Matemática e Ciências Naturais no 2.º ciclo2 2 O 2.º ciclo inclui os alunos do 5.º e 6.º anos (10-11 anos). numa Escola Superior de Educação (ESE), em Portugal. O estudo de aula foi parte integrante da unidade curricular de prática pedagógica, a qual estava a ser realizada no 2.º ciclo, numa turma de 5.º ano. Adriana, de 22 anos, retratou-se como uma futura professora insegura e com falta de confiança nas suas capacidades e conhecimentos, enquanto Margarida, de 23 anos, pela sua experiência enquanto treinadora de patinagem, se mostrou mais confiante para trabalhar com grupos de crianças. O par pedagógico foi supervisionado e orientado por uma professora da ESE e pela professora titular da turma do 5.º ano de uma escola pública, que contava com 29 anos de serviço. Ambas as professoras participaram em todas as sessões do estudo de aula, assim como a primeira autora, enquanto investigadora.

Recolhemos os dados através de observação das sessões do estudo de aula, da construção de um diário de bordo, de entrevistas semiestruturadas, realizadas individualmente às futuras professoras, antes e após o estudo de aula, e da recolha documental das reflexões escritas individuais de Adriana e Margarida. As entrevistas, em particular, foram realizadas com o intuito de aceder às perspetivas e dificuldades das futuras professoras sobre vários aspetos da preparação e condução de discussões coletivas. Registramos as sessões do estudo de aula através de instrumental audiovisual, e as entrevistas foram audiogravadas e, em ambos os casos, realizamos as transcrições das partes relevantes para o estudo. A reflexão escrita permitiu compreender as perspetivas e dificuldades relatadas pelas futuras professoras após o estudo de aula, bem como a forma como encararam a sua participação nesse processo.

Para a análise dos dados, consideramos os momentos relevantes para aceder às perspetivas e dificuldades identificadas nas sessões do estudo de aula, nas entrevistas e nos excertos pertinentes das reflexões escritas realizadas pelas futuras professoras. Desses momentos, selecionamos evidências que ilustram as perspetivas e opiniões de Adriana e Margarida em relação aos vários aspetos inerentes à preparação e condução de discussões coletivas, bem como às suas dificuldades. Assim, seguimos uma estratégia de análise temática assente na identificação de momentos significativos, resultando em episódios onde as aprendizagens das futuras professoras mais se evidenciam, analisando-as segundo o quadro teórico apresentado ( ERICKSON, 1986ERICKSON, F. Qualitative methods in research on teaching. In: WITTROCK, M. C. (ed.). Handbook of research on teaching. New York: Macmillan, 1986. p. 119-161. ).

6 Resultados

6.1 O estudo de aula

O estudo de aula teve doze sessões com a duração de duas horas e decorreu semanalmente entre outubro de 2021 e janeiro de 2022. O estudo de aula foi organizado segundo o modelo apresentado por Fujii (2018)FUJII, T. Lesson study and teaching mathematics through problem solving: The two wheels of a cart. In: QUARESMA, M.; WINSLOW, C.; CLIVAZ, S.; PONTE, J. P.; NI SHÚILLEABHÁIN, A.; TAKAHASHI, A. (eds.). Mathematics lesson study around the world. Hamburg: Springer, 2018. p. 1-21.: i) identificação do problema (sessão 1); ii) planificação da aula de investigação (sessões 2 a 6); iii) lecionação das aulas de investigação (sessões 7 e 8); iv) discussão sobre as aulas de investigação (sessões 9 e 10); v) reflexão sobre as aulas de investigação (sessões 11 e 12).

A sessão 1 começou pela discussão de artigos referentes à abordagem exploratória, às características das tarefas matemáticas e às discussões coletivas. Depois, o grupo debruçou-se sobre as dificuldades dos alunos, tendo estas sido identificadas no âmbito dos números racionais não negativos, especificamente nas suas diferentes representações, na comparação de frações e destas com a unidade, no significado de fração como partilha equitativa e na equivalência de frações. Na sessão 2, o grupo fez uma análise das orientações curriculares e de artigos sobre a aprendizagem dos alunos no tópico matemático selecionado. Posteriormente, analisamos tarefas matemáticas escolhidas pelas futuras professoras para a exploração das dificuldades identificadas, que fossem abertas, incluíssem questões para as quais os alunos não possuíssem um método imediato de resolução e permitissem várias estratégias de resolução. Na sessão 3 fizeram-se adaptações nos enunciados, vocabulário, números apresentados, estrutura, organização e sequenciação das tarefas.

Na sessão 4 foram antecipadas possíveis resoluções dos alunos. Porém, Adriana e Margarida mostraram reservas quanto à possibilidade de eles recorrerem ao algoritmo da divisão nas suas produções:

Duvido que consigam aplicar o algoritmo com vírgulas!” (Margarida, Sessão 4, 2021).

No entanto, valorizaram estratégias que incluíam representações pictóricas, explicando que, na sua opinião, seriam as mais prováveis de serem apresentadas pelos alunos. Depois de antecipar resoluções, o grupo discutiu sobre a monitorização do trabalho autónomo dos alunos e simulou a seleção, sequenciação, estabelecimento de conexões entre as produções previstas e preparou o questionamento. Assim, na planificação da discussão coletiva, o grupo optou por selecionar todas as respostas diferentes e dar prioridade às menos utilizadas pelos alunos. Também, decidiu que seria investido mais tempo na estratégia menos utilizada pelos alunos e que a discussão seria iniciada pela estratégia mais simples, como a representação pictórica e, a partir daí, apresentar-se-iam as restantes por complexidade crescente, considerando os diferentes níveis de sofisticação. Ainda foi discutido o que fazer com possíveis produções erradas ou incompletas, tendo as futuras professoras referido:

Margarida: Eu acho que até seria mais fácil se surgissem [produções erradas e/ou incompletas], porque podíamos agarrar primeiro nessas e os alunos com as respostas corretas e completas corrigiam os colegas.

Adriana: Também acho. Devíamos deixá-los entenderem-se. Eles percebem-se melhor do que a nós [professoras], e parece que nem se importam tanto quando são os colegas a corrigir (Sessão 4, 2021).

No que respeita ao questionamento, o grupo preparou questões para desafiar os alunos e outras intervenções com o intuito de os guiar e orientar como, por exemplo:

[...] eles [os alunos] podiam dizer que os professores do grupo A comeram 24 a mais do que os do grupo B. Podia lançar esse desafio!? E tu [Adriana] podias perguntar “e se as maçãs estivessem divididas em 4, quantos quartos tinham? (Margarida, Sessão 4, 2021).

A sessão 5 destinou-se à redação das planificações das aulas e, na sessão 6, as participantes prepararam o processo de observação e recolha de dados das aulas de investigação. Nas sessões 7 e 8 decorreram as aulas de investigação. A primeira aula foi lecionada por Margarida e a segunda por Adriana, enquanto as restantes participantes observaram as aulas.

Na primeira aula de investigação, depois de apresentada cada tarefa, seguiu-se o trabalho autónomo dos alunos. Nessa fase, Margarida dirigiu-se aos grupos de alunos e colocou-lhes questões, algumas planificadas e outras improvisadas por ela de forma a perceber o raciocínio dos alunos e as suas respostas e dificuldades. Ao avançar para a discussão coletiva, contrariamente ao planificado, Margarida optou por começar a discussão da primeira tarefa pela apresentação e discussão da produção do grupo que recorreu ao algoritmo:

[...] houve só um grupo que foi por aí [algoritmo] e eu quis apresentar em primeiro lugar e, depois, fui para a outra que praticamente todos fizeram igual, porque acho que essa estratégia os ajudou a compreender melhor a divisão pelo algoritmo (Sessão 9, 2021).

Na discussão coletiva, Margarida deparou-se com uma situação de desacordo entre alunos na resolução de uma tarefa:

Margarida: Então, aqui (grupo 4) vocês dizem que é mais e aqui (grupo 1) dizem que é menos…

Grupo 1: Comeram três pedaços!

Margarida: E três pedaços é mais ou menos do que 1?

Grupo 4: É mais, então, são 3!

Margarida: É mais ou menos do que uma sandes3 3 Sandes é o termo usado em Portugal para sanduiche . ? Porquê?

Grupo 1: É menos! Porque tu comes metade de uma sandes que é 0,5, que é metade. Não é uma unidade! E depois ainda vais comer mais um bocado da outra sandes, ficas com 0,6. Não ficas com 1 unidade.

Margarida: Perceberam, grupo 4? Porque é que eles comem menos?

Grupo 4: Sim. Porque não chega à unidade. Nós estávamos a contar pedaços, professora. E são mais do que 1 pedaços, mas já percebemos (Sessão 7, 2021).

O excerto acima mostra que a futura professora não validou nenhuma das respostas e permitiu que os grupos explicassem as suas estratégias, tendo os alunos compreendido o seu erro. Durante a discussão coletiva, houve ainda momentos em que a futura professora estabeleceu conexões entre as respostas dos alunos que recorriam a diferentes representações do número racional:

Margarida: (…) Quanto é que eles comeram?

Grupo 4:610 .

Margarida: E qual é a percentagem?

Grupo 2: 60%! Porque eles só comem 610 (Sessão 7, 2021).

Na segunda aula de investigação, durante os momentos de trabalho autónomo dos alunos, Adriana também circulou pela sala e colocou questões aos alunos para compreender que estratégias estes estavam a usar e que dúvidas e dificuldades manifestavam. Depois, lançava sempre convites aos alunos para iniciar a discussão como, por exemplo:

Já todos fizeram? Grupo 2, leiam. Expliquem-me. O que é que conseguiram fazer? (Sessão 8, 2021).

A futura professora demonstrou alguma facilidade em desafiar os alunos a estabelecer conexões entre as diferentes representações do número racional e entre frações equivalentes:

Grupo 1: Dá 112 .

Adriana: Mas aquele grupo diz que dá 22 4

Grupo 2: Porque 112… que multiplicado, para fazer uma fração equivalente, dá 224 .

Adriana: Então é a mesma coisa?

Grupo 2: Sim. Porque é uma fração que significa o mesmo, mas com números diferentes. Por exemplo, os112significam a mesma coisa do que os224 (Sessão 8, 2021).

Por outro lado, Adriana também validou, por vezes, respostas e guiou os alunos explicitamente, levando-os a dispersarem a sua atenção e a desconcentrarem-se em relação à discussão, pois perdiam o interesse nesta:

Grupo 1: São só 3 sandes. Aqui temos maior número de sandes do que aqui e agora se fizermos o grupo B, se calhar os professores vão ter menos quantidade.

Adriana: OK, então o grupo A tem mais sandes do que o grupo B. Certo.

Grupo 1: E dividimos para cada professor, portanto, agora no 3 vão comer menos, porque é para 4.

Adriana: Porque é para 4 professores, OK (Sessão 8, 2021).

À semelhança da aula lecionada por Margarida, Adriana também se deparou com a apresentação de uma resposta errada, o que motivou uma situação de desacordo entre alunos decorrente de uma resposta na qual os alunos somavam denominadores. Não indicou o erro e solicitou à restante turma que validasse a estratégia dos colegas. Estes identificaram o erro e, depois de todas as intervenções dos alunos, informou que

[...] não podemos somar os denominadores (sessão 8, 2021).

Adriana fez a síntese das principais ideias matemáticas exploradas e discutidas pelos alunos nas duas aulas de investigação, a qual foi conduzida através de questões antecipadamente preparadas.

Nas sessões 9 e 10 foi feita a partilha e discussão dos dados recolhidos em cada aula. Margarida mostrou-se surpreendida com algumas estratégias dos alunos que, na fase de planificação, não esperava obter, como o algoritmo da divisão. Na sessão 11, as participantes refletiram sobre as duas aulas de investigação, tendo por base a reflexão individual escrita que tinham feito. Adriana e Margarida enunciaram as suas principais dificuldades e os aspetos que não correram tão bem durante as aulas de investigação e, para isso, recorreram à descrição de episódios que consideravam relevantes ocorridos nas aulas. E, por último, na sessão 12, o grupo preparou a divulgação da experiência à comunidade escolar, decidindo que seriam preparados dois artigos a divulgar em conferências internacionais.

6.2 Perspetiva das futuras professoras sobre a preparação da discussão coletiva

Antes da realização do estudo de aula. Antes da sua participação no estudo de aula, Adriana revelou ter dificuldades em caracterizar a discussão coletiva, referindo:

Adriana: Não sei bem o que é a discussão matemática coletiva… É eles darem a opinião deles em relação a um tema? A um assunto? E é feita quando são temas que já conhecem, não deve ser a mesma coisa. Deve ser só trabalho de grupo… (Entrevista inicial, 2021).

Por sua vez, Margarida descreveu a discussão coletiva como um momento que deve envolver toda a turma e no qual os alunos apresentam as suas ideias e caracterizou-a como algo muito complexo para o professor, dada a sua imprevisibilidade.

Antes do estudo de aula, ambas as futuras professoras mencionaram que a fase de preparação é crucial para que a discussão seja bem-sucedida. Segundo referiram, uma boa preparação da discussão depende da seleção e resolução das tarefas matemáticas a propor aos alunos e da preparação do questionamento. Porém, admitiram não despender muito tempo na seleção das tarefas matemáticas, justificando que, na maior parte das vezes, optam por seguir a ordem com que são apresentadas no manual escolar. Todavia, ambas mostraram saber que as características das tarefas matemáticas devem ser tidas em consideração pelo professor para selecionar as que considera mais pertinentes, dependendo dos objetivos da aula:

Adriana: E é importante escolher bem as tarefas porque diferentes tarefas permitem diferentes aprendizagens.

Margarida: A seleção das tarefas é muito importante, porque se vamos discutir sobre o assunto a tarefa deve estar de acordo com esse assunto e depois depende daquilo a que quisermos dar mais ênfase (Entrevista inicial, 2021).

As futuras professoras referiram, também, não preparar o questionamento regularmente, optando pelas questões improvisadas na aula. Mas, de acordo com Adriana, o professor deve levar para a aula um conjunto de questões preparado, o que na sua opinião é muito complexo, porque exige conhecimento da turma.

Quanto à fase de monitorização do trabalho dos alunos, Margarida afirmou, antes do estudo de aula:

Margarida: o professor deve andar pela sala, vendo o que os grupos estão a fazer, que estratégias utilizam (Entrevista inicial, 2021).

Referiu, ainda, a importância de, nessa fase, selecionar as resoluções para a discussão coletiva, priorizando as que apresentam mais diferenças entre si, conforme excerto:

Margarida: sequenciar as respostas dos alunos da mais fácil para a mais difícil (Entrevista inicial, 2021).

No entanto, mencionou que pensava ser essencial que todos os grupos apresentassem a sua resposta para terem igual oportunidade de participação, independentemente do que as distinguia ou da sua pertinência para a discussão.

Após a realização do estudo de aula. Depois de participar no estudo de aula, Adriana conseguiu aperfeiçoar a sua conceção sobre a discussão coletiva:

Adriana: [trata-se de] um momento, em grupo-turma, em que todos os alunos discutem as várias resoluções da mesma tarefa. Na discussão, o professor não interfere assim tanto, questiona os alunos apenas para os encaminhar, mas eles é que têm o papel principal (Entrevista final, 2022).

Já Margarida acrescentou o contributo que a discussão coletiva tem no desenvolvimento do pensamento crítico, do saber ouvir os colegas e saber trabalhar colaborativamente, destacando:

Margarida: [a promoção de] aprendizagens muito mais significativas, porque estão muito mais envolvidos do que quando damos uma tarefa, uma fórmula ou uma definição para eles apenas aplicarem (Entrevista final, 2022).

Depois de participarem no estudo de aula, as futuras professoras salientaram, para além da importância de selecionar as tarefas, o cuidado de as adaptar, referindo que nunca o haviam feito antes do estudo de aula e que é algo a que o professor deve atender, como esclarece o excerto:

Adriana: termos escolhido as tarefas e feito adaptações ajudou depois a pensar como os alunos as iriam resolver, o que depois facilitou a resolução, o apoio aos alunos e a discussão (Entrevista final, 2022).

Quanto à preparação da discussão, depois de participar no estudo de aula, Adriana referiu que nunca tinha planificado uma aula com tanto detalhe, principalmente em relação à antecipação das resoluções dos alunos e à preparação do questionamento. Salientou que, talvez por isso, antes se sentisse tão insegura em sala de aula. Também Margarida valorizou a antecipação das respostas dos alunos feita durante as sessões do estudo de aula, principalmente porque lhe permitiu sentir segurança e confiança quando confrontada com as resoluções dos alunos. Contudo, uma das principais dificuldades manifestadas pelas futuras professoras foi, precisamente, a antecipação das respostas dos alunos:

Adriana: Eu nunca tinha antecipado assim tão detalhadamente as estratégias deles e as dúvidas… E foi muito difícil para mim conseguir pensar como eles.

Margarida: Também tenho imensas dificuldades em antecipar respostas dos alunos. Resolvo as tarefas, mas não consigo pensar muito além dessa forma (Sessão 11, 2022).

Adriana e Margarida manifestaram dificuldades em resolver as tarefas matemáticas sob o ponto de vista do aluno. Referiram que, por vezes, apenas as conseguiam resolver recorrendo a uma estratégia que não era indicada para a faixa etária e para o conhecimento matemático que os alunos possuíam. Desse modo, era inevitável que surgissem, em aula, estratégias que elas não anteciparam.

As futuras professoras também salientaram a preparação do questionamento que fizeram nas sessões de planificação, como algo que não era comum na sua prática antes do estudo de aula, e que as auxiliou na condução da discussão:

Adriana: É importante preparar questões a colocar que depois podemos levar para a aula. Mas nunca fiz essa preparação, normalmente apenas perguntava “porquê?”. Eu coloquei as questões preparadas e ajudou muito a desafiar o grupo que estava a apresentar e os grupos que estavam a observar [durante a discussão] […] Assim foi mais fácil levar a discussão pelo caminho que eu queria (Entrevista final, 2022).

Margarida revelou ter-se sentido confiante durante a monitorização, o que a auxilou quando se deparou com um grupo de alunos que resolveu uma tarefa recorrendo ao algoritmo da divisão, diferente do que esperava:

Margarida: Ao contrário do que eu esperava… Houve um grupo que dividiu, fez mesmo a divisão 3 a dividir por 5!” (Sessão 11, 2022).

A futura professora acrescentou ter verificado, nessa fase, que:

Margarida: Não surgiu nenhuma estratégia que nós não estivéssemos a contar e fui sempre ao encontro do que falámos sobre a sequência das resoluções, menos aquela [tarefa em que surgiu] o algoritmo. [Nas restantes tarefas] comecei pela primeira estratégia que planificámos, começando da mais fácil para a mais difícil, ou seja, representação pictórica primeiro, depois aquelas que tinham as frações, depois as que usavam percentagem e por fim os números com vírgulas [representação decimal]. Cumpri com essa decisão na fase de monitorização (Sessão 11, 2022).

Adriana também identificou a importância da monitorização do trabalho dos alunos:

Adriana: [consegui compreender quais] as dificuldades que eles estavam a ter e consegui ajudar, desafiando-os a usarem representações diferentes e tendo em conta as questões que preparámos para usar [na discussão] (Sessão 11, 2022).

Segundo afirma, a antecipação do trabalho dos alunos facilitou a identificação de estratégias e dificuldades, como o facto de não terem compreendido

Adriana: o que era pedido [na tarefa] e [por isso] tive de ir aos grupos e incentivá-los a lerem o enunciado outra vez... Talvez tenha sido a representação (Sessão 12, 2022).

Em suma, as futuras professoras aprofundaram a sua conceção sobre a discussão coletiva, destacando o seu contributo para a aprendizagem dos alunos, justificando que aulas exploratórias permitem aos alunos estarem mais envolvidos, por assumirem um papel central na sua aprendizagem. Através da sua participação no estudo de aula, Adriana e Margarida puderam compreender e justificar a importância de aspetos que elas já consideravam, mas que não tinham realizado na sua prática até então, como é exemplo a preparação do questionamento.

Para além da seleção e resolução das tarefas, as futuras professoras começaram a valorizar, também, a sua adaptação, o que lhes permitiu uma melhor apropriação das tarefas. A antecipação do trabalho dos alunos foi um aspeto do estudo de aula em que as futuras professoras mais sentiram dificuldades, por não conseguirem resolver as tarefas sob a perspetiva dos alunos. Esse aspeto era algo que também não era recorrente na sua prática, mas que, ao ser preparado, lhes conferiu um aumento da sua confiança e segurança na condução da aula.

6.3 Perspetiva das futuras professoras sobre a condução da discussão coletiva

Antes da realização do estudo de aula. Antes de participar no estudo de aula, Adriana destacou alguns aspetos essenciais a serem tidos em conta pelo professor durante a condução da discussão coletiva, nomeadamente

Adriana: controlar [as intervenções dos] alunos […] saber fazer uma síntese final e completar [as ideias dos] os alunos (Entrevista inicial, 2021).

No caso de surgirem respostas erradas ou incompletas, que causem situações de desacordo, disse ser relevante solicitar-lhes explicações com o intuito de clarificar ou complementar essas respostas com base na discussão entre os próprios alunos.

Para Margarida, antes de participar no estudo de aula, a condução da discussão coletiva devia incluir a participação e o envolvimento de toda a turma e devia ser realizada no final de uma tarefa, onde os alunos apresentam as suas respostas, recorrendo a argumentos válidos. Indicou, também, algumas das potencialidades da discussão para a aprendizagem dos alunos, nomeadamente no que respeita ao

Margarida: [...] pensamento crítico, das atitudes, de respeitar o outro, compreender o outro […]. Permite até que percebam que um pode usar uma estratégia que demora meia hora a resolver e o colega usar outra e demora 15 minutos (Entrevista inicial, 2021).

A futura professora também demonstrou valorizar eventuais situações de desacordo entre alunos, explicando que seria importante tentar compreender o raciocínio deles e promover oportunidades para superarem as dificuldades em grupo, considerando positivo que recorram a uma argumentação válida para justificar o seu ponto de vista. Margarida se referiu, ainda, ao estabelecimento de conexões entre as respostas dos alunos, afirmando pensar ser importante

Margarida: [...] ver se há pontos comuns ou se é tudo diferente. No quadro e oralmente. Acho que se estiver exposto e visível para os alunos no quadro é mais fácil (Entrevista inicial, 2021).

Após a realização do estudo de aula. Adriana revelou perceber que os alunos se envolveram mais na aula de investigação, onde recorreu à abordagem exploratória, em comparação com as outras que lecionou antes do estudo de aula, pois tiveram um papel ativo na sua aprendizagem:

Adriana: É uma metodologia em que os alunos basicamente se ensinam a eles próprios. Nós só estamos lá a ajudar (…) Acho que eles estavam mais envolvidos do que nas aulas em que só fazemos exercícios. Estavam mais envolvidos nos grupos, quando trocavam ideias (Entrevista final, 2021).

Adriana compreendeu, ainda, que antes nunca tinha realmente conduzido uma discussão coletiva, por entender que não cumpria com as características por ela enunciadas como fundamentais. Segundo a própria, antes solicitava apenas a um aluno que explicasse a sua resolução, que consistia numa simples apresentação das ideias, e não promovia a discussão.

Apesar de todas as produções apresentadas pelos alunos terem sido antecipadas na planificação da aula, Adriana explicou que sentiu muitas dificuldades na gestão das estratégias usadas pelos alunos durante a aula de investigação:

Adriana: se calhar eu é que não tinha preparado muito bem na minha cabeça e tornou-se complicado (Sessão 11, 2022).

E referiu, ainda, que a sua ansiedade condicionou e influenciou algumas das suas decisões em sala de aula:

Adriana: estava muito ansiosa e o facto de não seguir todos os passos… Por exemplo, eu nem introduzi a primeira tarefa. Foi por nervosismo. Na minha cabeça ia ler em grupo e acabei por não o fazer (Sessão 11, 2022).

Para além disso, também relatou dificuldade na condução da síntese final:

Adriana: fazer a síntese foi um dos aspetos que correu pior (Adriana, Reflexão escrita, 2022).

À semelhança da colega, Margarida também referiu o envolvimento dos alunos na aula que lecionou:

Margarida: [a abordagem exploratória lhes permite] fazer aprendizagens muito mais significativas, porque estão muito mais envolvidos do que quando damos uma tarefa, uma fórmula ou uma definição para depois aplicarem (Entrevista final, 2022).

Depois de conduzir a aula de investigação, Margarida acrescentou que a discussão deve permitir que os alunos desenvolvam aprendizagens significativas através da construção e reconstrução de significados e também a mobilização de vários conhecimentos matemáticos.

Margarida afirmou ter tido dificuldades em conseguir envolver toda a turma:

Margarida: faltou-me envolver mais a turma. A discussão estava centrada em mim e no grupo que estava a apresentar a estratégia. Porque eles apresentavam e justificavam, eu questionava, mas faltou a opinião dos outros grupos também (Reflexão escrita, 2022).

O excerto seguinte também enfoca um aspeto essencial:

Margarida: [Antes da participação no estudo de aula, pensava que] todos os grupos deviam apresentar, mas agora [depois de conduzir a aula] não o acho, pois quando há resoluções iguais, não vale a pena perder tempo (Entrevista final, 2022).

Destacou, ainda, a complexidade de estabelecer conexões entre as respostas dos alunos:

Margarida: foi difícil, mas penso que estabeleci conexões entre as diferentes representações [do número decimal] através de esquemas e desenhos (Entrevista final, 2022).

Margarida comparou a aula que lecionou no âmbito do estudo de aula com outras aulas lecionadas por ela em contexto de 1.º ciclo e constatou que, neste último caso, não se tratavam efetivamente de aulas exploratórias nem de discussões coletivas, como pensava anteriormente, fazendo referência à organização dessas aulas em três fases e da preparação e antecipação que percebeu agora serem fundamentais:

Margarida: antes não tinha noção que era preciso tudo isto. Se agora tiver de fazer outra aula exploratória já olho de outra forma (Sessão 11, 2022).

As futuras professoras destacaram as situações de desacordo que surgiram nas aulas de investigação, assinalando que contribuíram para a aprendizagem dos alunos:

Margarida: o grupo que errou em algum sítio percebeu isso e aprendeu alguma coisa .

Adriana: acho que o desacordo é muito importante, porque permite a aprendizagem [dos alunos], tal como as incorreções. A discussão permitiu que eles argumentassem para se explicarem (Entrevista final, 2022).

A dificuldade relativa à gestão do tempo de aula foi comum às duas futuras professoras:

Adriana: E não fui capaz de gerir bem o tempo de aula. Sinto que parte da discussão e a síntese foi mais rápida e feita à pressa.

Margarida: A questão do tempo, para mim é igual. Nunca consegui fazer numa aula tudo o que planifiquei (Sessão 11, 2022).

Ambas as futuras professoras explicaram que perderam o controlo do tempo, principalmente por permitirem que os alunos demorassem mais tempo do que o previsto na resolução das tarefas.

Apesar de serem aspetos a considerar na fase de preparação da discussão, Adriana e Margarida destacaram o impacto positivo que a seleção das tarefas, a preparação do questionamento e a antecipação das respostas dos alunos tiveram na condução das discussões. Adriana compreendeu que a seleção das tarefas influenciou bastante a discussão coletiva:

Adriana: [antes não via se tarefa que ia realizar com os alunos] era um exercício ou problema. Acho que foram sempre exercícios… Por isso, que discussão poderia haver? (Entrevista final, 2021).

Por sua vez, Margarida referiu que a preparação do questionamento feita durante as sessões de planificação a auxiliou bastante na condução da discussão, pois recorreu frequentemente às questões antecipadas nas sessões do estudo de aula. O facto de não terem surgido respostas dos alunos que não tinham sido antecipadas também contribuiu para que as futuras professoras se sentissem mais seguras na condução da discussão. Vejamos o excerto:

Margarida: [a antecipação das respostas dos alunos é algo] imprescindível, pois sem esse trabalho a discussão não dará os frutos que o professor deseja (Reflexão escrita, 2022).

Comparando as perspetivas iniciais das futuras professoras sobre a condução da discussão coletiva com as perspetivas finais após a sua participação no estudo de aula, percebemos uma maior valorização das potencialidades das aulas exploratórias, nomeadamente na promoção do papel ativo dos alunos na construção das suas aprendizagens e no desenvolvimento de competências e capacidades. As futuras professoras compreenderam que nunca tinham realmente conduzido uma discussão coletiva até à aula de investigação, explicando que se limitavam a solicitar aos alunos a apresentação das suas ideias. Adriana e Margarida referiram o desacordo como uma situação promotora da aprendizagem dos alunos, pois, como verificaram, permite que aqueles que apresentem erros ultrapassem as suas dificuldades através dos argumentos válidos apresentados pelos colegas.

As futuras professoras referiram dificuldades na gestão do tempo, por permitirem que os alunos demorassem mais tempo do que o previsto na resolução das tarefas. Adriana também revelou dificuldades na gestão das estratégias dos alunos e na condução da síntese, o que se explica pela sua falta de preparação e ansiedade. Por sua vez, Margarida acrescentou a dificuldade em envolver toda a turma na discussão, que acabou por estar centrada nela e no grupo que estava a apresentar. Referiu, ainda, a complexidade de estabelecer conexões entre as respostas dos alunos, apesar de o ter feito no caso das diferentes representações do número racional.

7 Conclusão

Durante as primeiras sessões do estudo de aula, as futuras professoras evidenciaram aprendizagens relativamente à planificação da aula, nomeadamente considerar a importância da seleção de tarefas tendo em conta o grau de desafio e de abertura, de modo a estas permitirem uma maior diversidade de estratégias de resolução e, por conseguinte, uma discussão coletiva produtiva, como afirma Ponte (2005)PONTE, J. P. Gestão curricular em Matemática. In: Grupo de Trabalho sobre Investigação (GTI) em Educação Matemática (prg.). O professor e o desenvolvimento curricular. Lisboa: APM, 2005. p. 11-34. . Para além disso, ainda adaptaram as tarefas que selecionaram, o que permitiu que refletissem sobre o design das tarefas, algo que nunca tinham feito antes e que, segundo disseram, lhes conferiu um maior conhecimento sobre as tarefas e as suas possíveis resoluções.

A participação no estudo de aula ainda proporcionou vários momentos em que Adriana e Margarida puderam antecipar estratégias de resolução e possíveis dificuldades dos alunos, contemplando os momentos da aula, tais como a monitorização e a condução da discussão. Em relação à fase de monitorização, as futuras professoras discutiram como iriam fazer a seleção e a sequenciação das respostas dos alunos, optando por priorizar as estratégias menos utilizadas e organizá-las por complexidade crescente, dando relevância à representação pictórica e considerando os diferentes níveis de sofisticação das resoluções, tal como mencionam Stein et al. (2008)STEIN, M. K.; ENGLE, R. A.; SMITH, M. S.; HUGHES, E. K. Orchestrating productive mathematical discussions: five practices for helping teachers move beyond show and tell. Mathematical Thinking and Learning, Adingdon, v. 10, n. 4, p. 313-340, 2008. . Por fim, prepararam questões com o intuito de desafiar os alunos, assim como para os guiar e orientar para o foco da aula, tendo em atenção não os influenciar ou uniformizar respostas, tal como sugerem Potari e Jaworski (2002)POTARI, D.; JAWORSKI, B. Tackling complexity in mathematics teaching development: Using the teaching triad as a tool for reflection and analysis. Journal of Mathematics Teacher Education , Utrecht, v. 5, [s.n.], p. 351-380, dec. 2002. .

Tanto Adriana como Margarida compreenderam, depois das aulas de investigação, que nunca tinham realmente conduzido discussões coletivas, por entenderem que não cumpriam as características enunciadas por elas como fundamentais, tais como o estabelecimento de conexões entre as respostas dos alunos. As futuras professoras depararam-se com situações de desacordo e permitiram que os alunos explicassem as suas respostas, compreendessem o erro e chegassem a consenso. Ambas compreenderam as potencialidades do desacordo para a aprendizagem dos alunos, nomeadamente para ultrapassar dificuldades através de intervenções dos colegas (PONTE, 2017b).

As futuras professoras, tal como sugerem Ponte (2017b) e Stein et al. (2008)STEIN, M. K.; ENGLE, R. A.; SMITH, M. S.; HUGHES, E. K. Orchestrating productive mathematical discussions: five practices for helping teachers move beyond show and tell. Mathematical Thinking and Learning, Adingdon, v. 10, n. 4, p. 313-340, 2008. , também estabeleceram conexões entre as respostas dos alunos que apresentavam diferentes representações dos números racionais e entre frações equivalentes. Adriana teve a necessidade de filtrar as ideias dos alunos para cumprir com a sequência das respostas, ignorando intervenções que não considerava pertinentes para aquela aula, conforme dizem Stein et al. (2008)STEIN, M. K.; ENGLE, R. A.; SMITH, M. S.; HUGHES, E. K. Orchestrating productive mathematical discussions: five practices for helping teachers move beyond show and tell. Mathematical Thinking and Learning, Adingdon, v. 10, n. 4, p. 313-340, 2008. e Franke, Kamesi e Battey (2007). Indo ao encontro do que afirmam Ponte et al. (2017)PONTE, J. P.; SANTOS, L.; OLIVEIRA, H.; HENRIQUES, A. Research on teaching practice in a Portuguese initial secondary mathematics teacher education program. ZDM Mathematics Education , Berlim, v. 49, n. 2, p. 291-303, 2017. , as futuras professoras tiveram dificuldades no que diz respeito à gestão do tempo de aula por permitirem que os alunos demorassem mais tempo do que o que estava previsto para a resolução das tarefas.

As sessões de discussão e reflexão pós-aula permitiram que Adriana e Margarida analisassem e refletissem sobre a sua própria prática, algo que é imprescindível na formação inicial de professores, conforme afirmam Galvão, Ponte e Jonis (2018). Nas últimas sessões do estudo de aula, as futuras professoras mostraram-se atentas à análise de aspetos que antes não eram tão relevantes para si, como a preparação de cada fase da aula, a preparação do questionamento e a antecipação das respostas e dificuldades dos alunos. Mostraram valorizar o papel ativo do aluno e as potencialidades da abordagem exploratória e, particularmente, da discussão coletiva no desenvolvimento de conhecimentos, capacidades e atitudes dos alunos.

Igualmente, conseguiram identificar potencialidades na antecipação das respostas dos alunos, pois sentiram-se mais seguras durante a fase de monitorização e na condução da discussão, tentando ultrapassar o seu receio quanto à imprevisibilidade das discussões. No entanto, refletir criticamente sobre situações das aulas foi muito desafiante para as futuras professoras, que fizeram essencialmente uso da descrição de aspetos gerais das aulas, ao contrário do que aconteceu no estudo de Martins, Mata-Pereira e Ponte (2021), em que as futuras professoras se envolveram em reflexões mais profundas. Apesar de o trabalho ter sido desenvolvido de modo diferente nesses dois estudos, os resultados foram semelhantes.

Assim, em trabalhos futuros, será importante compreender como melhorar o uso do estudo de aula na formação de futuros professores de forma a promover o desenvolvimento das suas aprendizagens relativas à preparação e condução de discussões coletivas, para que estes se sintam mais confiantes e não sejam confrontados com tantas dificuldades nesta fase da aula.

Globalmente, o trabalho realizado no estudo de aula mostra ter influenciado a perspetiva das futuras professoras em relação à preparação da discussão coletiva. Depois da sua participação no estudo de aula, apresentaram ideias mais aprofundadas sobre a discussão e sobre os aspetos fundamentais da sua preparação, alguns dos quais nunca tinham considerado na sua prática anterior. Assim, a planificação detalhada das aulas de investigação e, em especial, da discussão coletiva, permitiu que as futuras professoras desenvolvessem aprendizagens, particularmente em relação à adaptação de tarefas e à antecipação do trabalho dos alunos o que, segundo elas, era a sua principal dificuldade e lhes conferiu confiança e segurança no momento de lecionar a aula e conduzir a discussão.

Agradecimentos

Trabalho financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia, no âmbito do projeto UIDB/05507/2020.

Referências

  • BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação . Porto: Porto Editora, 1994.
  • CANAVARRO, A. P. Ensino exploratório da Matemática: Práticas e desafios. Educação e Matemática , Lisboa, v. 115, [s.n.], p. 11-17, 2011.
  • CONCEIÇÃO, T.; BAPTISTA, M.; PONTE, J. P. Lesson study as a trigger for preservice physics and chemistry teachers’ learning about inquiry tasks and classroom communication. International Journal for Lesson and Learning Studies , London, v. 8, n. 1, p. 79-96, 2019.
  • ERICKSON, F. Qualitative methods in research on teaching. In: WITTROCK, M. C. (ed.). Handbook of research on teaching. New York: Macmillan, 1986. p. 119-161.
  • FRANKE, M.; KAMEZI, E.; BATTEY, D. Understanding teaching and classroom practice in mathematics. In: LESTER JR, F. (ed.), Second handbook of mathematics teaching and learning. Charlotte: Information Age, 2007. p. 225-256.
  • FUJII, T. Lesson study and teaching mathematics through problem solving: The two wheels of a cart. In: QUARESMA, M.; WINSLOW, C.; CLIVAZ, S.; PONTE, J. P.; NI SHÚILLEABHÁIN, A.; TAKAHASHI, A. (eds.). Mathematics lesson study around the world. Hamburg: Springer, 2018. p. 1-21.
  • GALVÃO, C.; PONTE, J. P.; JONIS, M. Os professores e a sua formação inicial. In: GALVÃO, C.; PONTE, J. P. (ed.). Práticas de formação inicial de professores: participantes e dinâmicas. Lisboa: Instituto de Educação/Universidade de Lisboa, 2018. p. 25-46.
  • LEAVY, A. M.; HOURIGAN, M. Using lesson study to support knowledge development in initial teacher education: Insights from early number classrooms. Teaching and Teacher Education , Cardiff, v. 57, [s.n.], p. 161-175, 2016.
  • MARTINS, M.; MATA-PEREIRA, J., PONTE, J. P. Os desafios da abordagem exploratória no ensino da matemática: Aprendizagens de duas futuras professoras através do estudo de aula. Bolema, Rio Claro, v. 35, n. 69, p. 343-364, abr., 2021.
  • NI SHUILLEABHAIN, A.; BJULAND, R. Incorporating lesson study in ITE: organizational structures to support student teacher learning. Journal of Education for Teaching, Abingdon, v. 45, [s.n.], p. 1-12, 2019.
  • PONTE, J. P. Gestão curricular em Matemática. In: Grupo de Trabalho sobre Investigação (GTI) em Educação Matemática (prg.). O professor e o desenvolvimento curricular. Lisboa: APM, 2005. p. 11-34.
  • PONTE, J. P. Lesson studies in initial mathematics teacher education. International Journal for Lesson and Learning Studies , Bingley, v. 6, n. 2, p. 169-181, 2017a.
  • PONTE, J. P. Discussões coletivas no ensino-aprendizagem da Matemática. In GTI (Ed.), A prática dos professores: Planificação e discussão coletiva na sala de aula (pp. 33-56). APM, 2017b.
  • PONTE, J. P.; BRANCO, N.; QUARESMA, M. Exploratory activity in the mathematics classroom. In: LI, Y.; SILVER, E. A.; LI, S. (ed.). Transforming mathematics instruction: Multiple approaches and practices. Dordrecht: Springer Science+Business Media Dordrecht, 2014. p. 103-125.
  • PONTE, J. P.; QUARESMA, M.; MATA-PEREIRA, J.; BAPTISTA, M. O estudo de aula como processo de desenvolvimento profissional de professores de matemática. Bolema, Rio Claro, v. 30, n. 56, p. 868-891, dez., 2016.
  • PONTE, J. P.; SANTOS, L.; OLIVEIRA, H.; HENRIQUES, A. Research on teaching practice in a Portuguese initial secondary mathematics teacher education program. ZDM Mathematics Education , Berlim, v. 49, n. 2, p. 291-303, 2017.
  • POTARI, D.; JAWORSKI, B. Tackling complexity in mathematics teaching development: Using the teaching triad as a tool for reflection and analysis. Journal of Mathematics Teacher Education , Utrecht, v. 5, [s.n.], p. 351-380, dec. 2002.
  • SANTOS, L.; OLIVEIRA, H.; PONTE, J. P.; HENRIQUES, A. Pre-service teachers’ experiences in selecting and proposing challenging tasks in secondary classrooms. In: CONGRESS OF EUROPEAN RESEARCH IN MATHEMATICS EDUCATION, 11., 2019, Utrecht. Proceedings of CERME 11, 11th Congress of European Research in Mathematics Education. Utrecht: University of Utrecht, 2019. p. 3762-3769.
  • SIMS, L.; WALSH, D. Lesson study with preservice teachers: Lessons from lessons. Teaching and Teacher Education , Cardiff, v. 25, n. 5, p. 724-733, 2009.
  • STEIN, M. K.; ENGLE, R. A.; SMITH, M. S.; HUGHES, E. K. Orchestrating productive mathematical discussions: five practices for helping teachers move beyond show and tell. Mathematical Thinking and Learning, Adingdon, v. 10, n. 4, p. 313-340, 2008.
  • 1
    O 1.º ciclo inclui os alunos do 1.º ao 4.º ano de escolaridade (6-9 anos).
  • 2
    O 2.º ciclo inclui os alunos do 5.º e 6.º anos (10-11 anos).
  • 3
    Sandes é o termo usado em Portugal para sanduiche .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2022
  • Aceito
    07 Maio 2023
UNESP - Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática Avenida 24-A, 1515, Caixa Postal 178, 13506-900 Rio Claro - SP Brasil - Rio Claro - SP - Brazil
E-mail: bolema.contato@gmail.com