Open-access Digestibilidade e efeitos hematológicos da aflatoxina B 1 em equinos

Resumo

Objetivou-se com esta pesquisa avaliar o efeito da Aflatoxina B1 (AFB1) na digestibilidade dos nutrientes e no perfil hematológico de equinos. O ensaio durou 40 dias, sendo 12 dias para adaptação e 28 dias para experimentação. No período experimental, os cavalos foram distribuídos em delineamento inteiramente casualizado, com três tratamentos, com quatro animais cada. Os tratamentos utilizados foram 0 µg/kg (controle), 50 µg/kg e 100 µg/kg de AFB1 adicionados ao concentrado da dieta basal. A dieta basal continha alimentos naturalmente contaminados com micotoxinas. Um ensaio de digestibilidade foi realizado no final do período experimental, pelo método de coleta parcial de fezes utilizando o LIPE® como indicador. Amostras de sangue foram coletadas uma vez por semana, durante o ensaio para avaliações hematológicas e bioquímicas. Os resultados dos parâmetros hematológicos, bioquímicos e do ensaio de digestibilidade foram submetidos à análise de variância (ANOVA) e comparados pelo teste de Tukey a 5% de significância. As aflatoxinas da dieta aumentaram a contagem de leucócitos, principalmente os neutrófilos maduros. A creatina quinase e a fosfatase alcalina (P<0,05) apresentaram maior atividade nos equinos alimentados com dietas com maior toxicidade. A digestibilidade dos nutrientes não foi alterada pelos níveis de micotoxinas presentes nas dietas (P>0,05).

Palavras-chave: digestibilidade; equinos; hematologia; micotoxina

Abstract

This study aimed to evaluate the effect of aflatoxin B1 (AFB1) on the digestibility of nutrients and the hematological profile of horses. The assay lasted 40 days, with 12 days for adaptation and 28 days for experimentation. In the experimental stage, the horses were distributed in a completely randomized design, including three treatment groups with four animals in each group. The treatments used included 0 µg/kg (control), 50 µg/kg, and 100 µg/kg of AFB1 added to a concentrate in the basal diet. The basal diet contained mycotoxins from naturally contaminated feed. A digestibility essay was carried out at the end of the experimental period through partial feces collection, with LIPE® as an indicator. Blood samples were collected once a week during the assay for hematological and biochemical evaluations. The results of the hematological and biochemical parameters were submitted to analysis of variance (ANOVA) and compared by the Tukey test at 5% significance. The aflatoxins in the diet increased the leukocyte count, especially that of mature neutrophils. Creatine kinase and alkaline phosphatase (P < 0.05) activities were higher in horses fed more toxic diets. The digestibility of nutrients was unaffected by the level of mycotoxins in the diet (P > 0.05).

Keywords: digestibility; equine; hematology; mycotoxin

Introdução

A dieta dos equinos é composta basicamente por forragens em pastagens e feno e por cereais, oferecidos na forma de concentrado nutricional balanceado. Esses alimentos estão continuamente sujeitos à contaminação por fungos produtores de micotoxinas, seja antes, durante ou após a colheita, bem como no processo de armazenagem. As micotoxinas são metabólitos secundários, de baixo peso molecular, produzidos principalmente por fungos do gênero Fusarium e Aspergillus. As micotoxinas, principalmente as aflatoxinas, são consideradas fatores genotóxicos potencialmente perigosos, que causam danos ao DNA e levam ao desenvolvimento de doenças no homem e em animais(1).

Os equinos são vulneráveis à intoxicação por micotoxinas, principalmente às fumonisinas, pois, dentre os herbívoros, os equinos são mais suscetíveis quando comparados aos ruminantes. Isto ocorre porque nos ruminantes, uma vez que o alimento contaminado chega ao rúmen, a microbiota atua como uma barreira de proteção contra os metabólitos tóxicos produzidos pelas plantas e micotoxinas. Os equinos possuem o intestino delgado como o local primário de absorção de compostos xenobióticos, anterior ao processo fermentativo no intestino grosso, tornando-os mais suscetíveis que os ruminantes às micotoxinas(2).

Keller et al.(3) analisaram amostras de diferentes concentrados comerciais, aveia e rações produzidas em fazendas no Rio de Janeiro e verificaram que os gêneros mais frequentemente isolados foram Aspergillus (43%), Penicillium (26%) e Fusarium (11%). Os autores recomendaram estabelecer limites máximos de contagens fúngicas para espécies potenciais produtoras de aflatoxinas e fumonisinas nas dietas e alimentos para os equídeos.

Embora apresentem reconhecida importância em saúde pública e na sanidade animal, não há uma regulamentação uniforme para os limites de micotoxinas nos diferentes países, em particular nos países do MERCOSUL (Brasil/Argentina)(4). Esse fato reforça a necessidade do desenvolvimento de pesquisas sobre a avaliação toxicológica de micotoxinas nas espécies animais. Acresce de importância o fato de que a legislação brasileira, diferentemente de outros países, estabelece um limite máximo para as aflatoxinas de 50 µg kg-1 para a alimentação animal e não estabelece limites para as demais micotoxinas(5).

Assim, este trabalho tem por objetivo verificar a influência das micotoxinas, em especial a aflatoxina B1, nos parâmetros hematológicos e na digestibilidade dos nutrientes de dietas dos equinos.

Material e Métodos

O experimento foi realizado na Escola de Sargentos das Armas, em Três Corações - MG, Brasil, em conformidade com os Princípios de Ética em Experimentação Animal, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal (Protocolo Nº. 1212031017).

O período experimental total foi de 40 dias, dividido em duas fases, sendo uma pré-experimental de 12 dias e a fase experimental de 28 dias. Foram utilizados 12 cavalos adultos da raça Brasileiro de Hipismo (9 fêmeas e 3 machos), com idade entre 5 e 8 anos e peso corporal médio de 458,02 ± 22,09 kg. Os animais foram distribuídos, de forma homogênea, em delineamento inteiramente casualizado, em esquema de parcela sub-dividida, com três tratamentos com quatro animais cada, sendo o animal a unidade experimental. Os tratamentos experimentais utilizados foram: Tratamento I = Dieta controle (0 µg/kg de AFB1); Tratamento II = Dieta com 50 µg/kg de AFB1; e Tratamento III = Dieta com 100 µg/kg de AFB1. A AFB1 foi adicionada na dieta base (Tabela 1).

Tabela 1
Composição experimental das dietas contendo diferentes níveis de AFB1 (g kg-1 MS)

A dieta base experimental foi composta por feno de tifton-85 (Cynodon spp) e alfafa (Medicago sativa), concentrado comercial (S Line -280, Royal Horse®)¸ sal mineral e água à vontade, elaborada segundo o NRC(6) para cavalos adultos.

Os cavalos permaneceram livres em seus paddocks durante o dia, sendo que à noite foram alojados em baias individuais. Os animais foram arraçoados conforme o regime alimentar da Unidade Militar, sendo 2 kg de concentrado às 05:00 h e 2 kg às 17:00 h; feno de alfafa às 10:00 h e de tifton-85 às 13:00 h e 20:00 horas. Diariamente, durante o período experimental, às 17 horas, 1 kg de concentrado contendo AFB1 foi preparado e fornecido aos animais, de acordo com o tratamento preconizado. Antes do período pré-experimental, todos os alimentos foram analisados e as concentrações de micotoxinas na dieta basal foram: 5.620 µg / kg de DON, 708 µg / kg de ZEA e 560 µg / kg de FB1. As micotoxinas foram quantificadas por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) pelo Laboratório de Micologia da Universidade Federal de Minas Gerais.

A aflatoxina B1 utilizada foi produzida a partir da fermentação de arroz por uma suspensão de esporos de Aspergillus parasiticus (NRRL 2999), no Laboratório de Micologia da UFRRJ, conforme método descrito por Shotwell et al.(7). O conteúdo de AFB1 foi extraído e purificado através de uma coluna de Aflazon Mycosep® (Romer Labs Diagnostic GmbH., Tulln, Austria), de acordo com as instruções do fabricante, e uma alíquota (200 µl) foi derivatizada com 700 µl de ácido trifluoroacético-ácido acético-água (20:10:70, v/v). A aflatoxina derivatizada foi quantificada por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE), no Laboratório de Micologia e Micotoxinas da Universidade Federal de Minas Gerais, seguindo metodologia proposta por Trucksess et al.(8)

As aflatoxinas foram quantificadas pela injeção de 20 µL de extrato de cada frasco em um sistema de HPLC, que consiste em uma bomba JASCO modelo LC-2000 (Tóquio, Japão) conectada a um detector de fluorescência programável JASCO modelo FP-2020 e um módulo de dados JASCO modelo 6937-J041A (ChromNAV). As separações cromatográficas foram realizadas em uma coluna de fase reversa C18 de aço inoxidável (Supelcosil ™ LC-ABZ, 150 x 4,6 mm, tamanho de partícula de 5 µm) conectada a uma pré-coluna (Supelguard ™ LC-ABZ, 20 x 4,6 mm, tamanho de partícula de 5 µm). A fase móvel era água: metanol: acetonitrila (4: 1: 1, v / v / v) a uma vazão de 1,0 ml min-1. A fluorescência dos derivados da aflatoxina foi registrada em comprimentos de onda de excitação e emissão de l 360 nm e l 460 nm, respectivamente. As curvas padrão foram construídas com diferentes níveis de AFB1. Esta toxina foi quantificada pela correlação das alturas dos picos dos extratos da amostra com as das curvas padrão. O limite de detecção do método analítico foi de 0,4 ng g-1.

A concentração de AFB1 obtida foi de 4,25 mg / kg, sendo diluída diariamente no concentrado comercial para obtenção das concentrações desejadas de acordo com o tratamento.

Ao final da fase experimental, os animais foram submetidos ao ensaio de digestibilidade pelo método de coleta parcial de fezes, utilizando-se o LIPE® como indicador externo, segundo metodologia descrita por Saliba(9) e Saliba et al.(10) Durante seis dias, do 21º ao 26º dia da fase experimental, foi administrada uma cápsula de 500 mg de LIPE®, no arraçoamento das 17:00 horas. Após 48 horas, iniciou-se a coleta de fezes, diretamente na ampola retal, no mesmo horário, durante cinco dias. As amostras diárias, por animal, formaram uma amostra composta ao final do período de coleta, que foi congelada a -18º C. A concentração de LIPE® nas fezes foi determinada por espectroscopia de infravermelho e a produção fecal foi estimada pela seguinte equação:

Produ ç ã o Fecal PF , g / dia = Quantidade de marcador ingerida pelo animal g Concentra ç ã o de LIPE nas fezes , g /% MS

As amostras de fezes e dos alimentos utilizados foram analisadas quanto aos teores de matéria seca, nitrogênio e extrato etéreo, segundo metodologia descrita em Silva & Queiroz(11), no Laboratório de Nutrição Animal da UFMG. As análises da fibra em detergente ácido (FDA) e da fibra em detergente neutro (FDN) foram realizadas de acordo com a metodologia descrita em Van Soest et al.(12) A digestibilidade dos nutrientes foi estimada pela fórmula:

Digestibilidade Aparente % = Nutriente ingerido Nutriente excretado nas fezes Nutriente ingerido X 100

Antes, durante e após o período experimental foram realizadas análises clínicas, hematológicas e bioquímicas dos cavalos para verificar as condições de saúde, principalmente quanto à presença de lesão hepática. Durante todo o período experimental, as condições clínicas dos animais foram monitoradas, diariamente, por um veterinário.

Durante quatro semanas, uma vez por semana, às 8h da manhã, foram coletadas amostras de sangue, iniciando-se no 1º dia do experimento, sendo a primeira coleta a amostra controle. As demais coletas se seguiram nos 7º, 14º, 21º e 28º dias de experimentação, tendo como objetivo a verificação da higidez dos animais com o monitoramento da função hematológica, renal e hepática. Para avaliação hematológica, as amostras de sangue foram coletadas em tubo a vácuo com EDTA. Foram realizadas as análises do volume globular (VG) pelo método de microhematócrito e a determinação do hemograma com o auxílio de um contador automático (Horiba ABX Micros 60®), sendo realizadas as seguintes análises: contagem global de leucócitos; contagem de hemácias, determinação dos teores de hemoglobina; cálculo do volume corpuscular médio (VCM); cálculo da concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM), cálculo da concentração de linfócitos, monócitos e neutrófilos maduros.

Para avaliação da bioquímica sanguínea, amostras de sangue foram coletadas em tubos a vácuo contendo fluoreto de sódio para determinação de glicose e em tubos a vácuo sem anticoagulante para determinação do colesterol, uréia, creatinina, γ-glutamil transferase (GGT), creatina quinase (CK), aspartato aminotransferase (AST), lactato desidrogenase (LDH) e fosfatase alcalina (FA). Após a coleta, as amostras foram centrifugadas a 7.000 rpm, por 10 minutos, para separação do plasma e soro. Alíquotas de 1,0 mL foram retiradas com pipeta automática e armazenadas a -20ºC, em tubos de polipropileno de 1,5mL, até o momento da análise. Posteriormente, as análises foram realizadas pelo método enzimático/colorimétrico em espectrofotômetro (SB 190 - CELM®), sendo que as análises de colesterol, proteína total e albumina foram realizadas em analisador automático pelo método espectrofotométrico (Labmax Progress, Labtest Diagnóstica S.A., Lagoa Santa, Brasil). Em todas as análises foram utilizados kits diagnóstico (Labtest®), sendo que todas as análises foram realizadas no Laboratório de Bioquímica da Escola de Sargentos das Armas.

Os resultados foram avaliados quanto à normalidade pelo teste de Lilliefors e a homogeneidade pelo teste de Cochran e Bartlett. Os dados das variáveis hematológicas, bioquímicas e da digestibilidade dos nutrientes foram submetidos à análise de variância (ANOVA) em esquema de parcela sub-dividida e as médias foram comparadas pelo teste de Tukey a 5% de significância, utilizando o Sistema de Análises Estatísticas e Genéticas - SAEG(13).

Resultados

Os níveis de aflatoxina nas dietas não influenciaram o consumo de matéria seca e a digestibilidade dos nutrientes (P>0.05) (Tabela 2).

Tabela 2
Consumo e coeficientes médios de digestibilidade aparente dos nutrientes em equinos alimentados com dietas com diferentes concentrações de AFB1 (%, base na MS)

Os resultados hematológicos das amostras de sangue semanais mostraram uma influência dos intervalos de tempo de coleta para todas as variáveis avaliadas (P <0,05) (Tabela 3). A AFB1 teve uma influência direta nas concentrações dos neutrófilos maduros e a aflatoxina, em função do tempo, nas concentrações de monócitos e neutrófilos maduros (P <0,05). As demais variáveis hematológicas não foram afetadas pela presença de AFB1 na dieta (P> 0,05).

Tabela 3
Valores médios da hematologia de equinos alimentados durante 28 dias com diferentes níveis de AFB1 na dieta

A concentração média de leucócitos e linfócitos totais não foi afetada pela presença de AFB1 na dieta. No entanto, a presença da AFB1 influenciou as concentrações de monócitos e neutrófilos maduros (P <0,05) (Tabela 4). A concentração de monócitos foi influenciada pelos tempos de coleta e também houve interação da AFB1 no decorrer desse tempo (P <0,05). Mudanças irregulares na concentração de monócitos foram observadas nos cavalos do grupo controle e nos cavalos alimentados com dieta com 100 µg kg-1 de AFB1. No entanto, a interação da AFB1 com os tempos de coleta foi mais claramente demonstrada nos cavalos alimentados com dieta com 100 µg kg-1 de AFB1, com redução da concentração de monócitos ao longo dos 28 dias do período experimental.

Tabela 4
Concentração média de Monócitos e Neutrófilos maduros em equinos alimentados durante 28 dias com diferentes concentrações de AFB1 na dieta

A presença de AFB1 na dieta influenciou diretamente a concentração de neutrófilos maduros (P <0,05). Essa concentração foi influenciada pelos tempos de coleta, isoladamente, e também pela interação da AFB1 no decorrer desse tempo (P <0,05). Os equinos alimentados com dieta contendo 100 µg kg-1 de AFB1 apresentaram maior concentração média de neutrófilos maduros do que os outros grupos; entretanto, a resposta não foi linear, sendo que a concentração de neutrófilos maduros aos 28 dias foi inferior à apresentada aos 21 dias para o tratamento em questão.

Os resultados da bioquímica sérica (Tabela 5) demonstraram que houve efeito do tempo entre as coletas para todas as variáveis (P <0,05). Não houve interação da AFB1 no intervalo de tempo entre as coletas, bem como não houve efeito direto da AFB1 nas variáveis estudadas (P> 0,05), exceto para a atividade das enzimas creatina quinase (CK) e fosfatase alcalina (FAL).

Tabela 5
Valores médios da bioquímica sérica de equinos alimentados durante 28 dias com diferentes níveis de AFB1 na dieta

A atividade sérica da creatina quinase (CK) e da fosfatase alcalina (FAL) foi influenciada pela concentração de AFB1 na dieta, apresentando maior atividade no tratamento com 100 µg kg-1 de AFB1 (Tabela 6).

Tabela 6
Valores médios da Creatina Quinase (CK, UI/L) e Fosfatase Alcalina (ALP, UI/L) alimentados durante 28 dias com diferentes níveis de AFBi na dieta

Discussão

O consumo médio de matéria seca foi de aproximadamente 24,0 g kg-1d-1 do peso corporal, adequado para equinos com média de 450 kg, segundo o NRC(6). A presença de micotoxinas nas concentrações observadas nas dietas experimentais e as possíveis interações entre elas não foram suficientes para alterar o consumo e o coeficiente de digestibilidade aparente dos nutrientes estudados. A recusa alimentar não foi observada, indicando que nas condições deste estudo não ocorreram alterações significativas nas variáveis analisadas.

Esses resultados são semelhantes aos encontrados por Khol-Parisini et al.(20), que observaram algum atraso no consumo da ração contaminada, sem impacto no consumo voluntário de forragem. Nesse estudo, os equinos consumiram 2 kg de aveia / dia, contendo 20,2 mg / kg de DON, correspondendo a uma ingestão diária entre 6,9 a 9,5 mg/100 kg de peso durante 14 dias. Da mesma forma, Schulz et al.(21) não observaram efeitos adversos à saúde de equinos alimentados, por um período de 21 dias, com feno naturalmente contaminado com concentrações de DON variando de 9,37 a 18,6 mg / kg na MS, que correspondeu a uma ingestão diária de 5 a 75 mg / kg de peso corporal. Neste estudo, a ingestão média diária de micotoxinas em µg por kg / PC variou de 0 a 0,2 para AFB1; 4,8 a 5,0 para FB1; 5,7 a 6,1 para ZEA e 43,9 a 47,6 para DON. Embora os níveis de micotoxinas por kg/PV utilizados neste trabalho tenham sido baixos, o tempo de duração do período experimental pode não ter sido longo o suficiente para provocar efeitos no metabolismo dos animais, considerando as variáveis estudadas.

Não foi observada interação da AFB1 nos valores de Volume Globular (GV), eritrócitos, hemoglobina, MCV e MCHC, apenas efeito dos tempos de coleta para essas variáveis (P <0,05). Os valores encontrados estiveram dentro dos limites fisiológicos para a espécie equina(16-18).

O efeito imunogênico da aflatoxina ou tricotecenos, como o desoxinivalenol (DON) nos leucócitos ou mesmo um efeito aditivo ou sinérgico entre as micotoxinas, tem sido investigado(22,23). A maior concentração de neutrófilos maduros nos equinos alimentados com dietas com 50 e 100 µg kg-1 de AFB1 sugere uma maior resposta imunológica desses grupos. No entanto, as médias semanais dos equinos alimentados com 100 µg kg-1 de AFB1 na dieta mostraram que não houve diferença significativa em relação aos equinos do grupo controle. Nos três tratamentos houve redução na concentração de neutrófilos maduros ao longo dos 28 dias, sendo essa redução mais significativa nos equinos alimentados com a dieta basal e com a dieta de 50 µg kg-1 de AFB1.

A presença de DON nas dietas é importante porque pode induzir danos ao fígado e diminuição da resposta imune(24,25) e essa resposta pode ser maior nos animais que recebem a dieta com maior concentração de AFB1 devido a um possível efeito aditivo ou sinérgico. No entanto, os cavalos alimentados com dieta rica em AFB1 apresentaram maior concentração de neutrófilos maduros, sugerindo que os cavalos foram tolerantes aos efeitos adversos dessa micotoxina, nas concentrações utilizadas, no período observado. Esse achado está de acordo com a revisão realizada por Caloni e Cortinovis(26) e Cortinovis et al.(27), que verificaram que equinos alimentados por 40 dias com cevada naturalmente contaminada com DON entre 36 e 44 mg kg-1 não apresentaram efeitos adversos, como a recusa de alimentação ou qualquer alteração dos parâmetros bioquímicos e hematológicos sanguineos. Caloni e Cortinovis(26), revisando a intoxicação experimental por AFB1 em equinos, relataram que, embora inconclusiva, a aflatoxicose pode ocorrer com concentrações entre 0,5 e 1,0 mg / kg na matéria seca das dietas. Essas concentrações induzem alterações clínicas e danos hepáticos dependendo da duração do tempo de exposição.

Esperava-se que níveis mais elevados de AFB1 tivessem algum efeito na função hepática e renal, com reflexos na produção de proteínas do sangue e na atividade enzimática.(1,28). Entretanto, a quantidade máxima de AFB1 ingerida pelos cavalos de acordo com o tratamento experimental foi de 9,4 µg / kg de MS, por um período de 28 dias, sugerindo que nas condições estudadas a quantidade ingerida pode não ter sido suficiente para causar qualquer mudança nos parâmetros avaliados, nem mesmo uma possível ação sinérgica com outras micotoxinas presentes na dieta, como o FB.(29) As concentrações de ureia e creatinina sofreram alterações ao longo do tempo (P <0,05). As maiores concentrações de ureia e creatinina ocorreram 21 dias após o início do experimento. Embora significativamente maiores do que as amostras coletadas em outros momentos, as concentrações permaneceram dentro dos parâmetros de referência para cavalos(19).

Não se esperava que a aflatoxina influenciasse a atividade da CK. A lesão muscular é indicada por níveis elevados de aspartato aminotransferase (AST) e creatina quinase (CK)(19,30). Porém, é importante ressaltar que outras micotoxinas estiveram simultaneamente presentes na dieta, principalmente FB1, portanto poderia haver uma possível interação entre elas. Sabe-se que o FB1 atua no metabolismo dos esfingolipídeos, podendo alterar a permeabilidade celular(31,32). Isso poderia explicar a atividade elevada da CK. Por outro lado, as alterações ocorridas entre as coletas podem ser devidas a variações no processamento das amostras, resultando em um valor maior para a coleta no 28º dia.(33) Entretanto, as médias dos resultados permaneceram dentro dos valores fisiológicos de referência para cavalos(18).

A fosfatase alcalina é uma enzima amplamente distribuída no corpo, com uma isoforma hepática predominante no soro(34). A maior atividade observada em equinos alimentados com a dieta de AFB1 de 100 µg kg-1 pode estar relacionada à ação hepatotóxica das micotoxinas presentes na dieta (22, 35, 36). Os valores médios de fosfatase alcalina nas coletas semanais não foram regulares como esperado. O maior valor médio observado foi ao final da 3ª semana, após 21 dias do período experimental. Trueman et al.(37) relataram que os aumentos na atividade da fosfatase alcalina são frequentemente inexplicados e que as variações nos resultados podem ser influenciadas pela coleta e processamento da amostra. Os resultados aqui observados estão dentro dos valores de referência para as espécies relatadas pelo autor, que variam de 0 a 599 UI / L. Durante o período experimental não foram observados sinais clínicos nos cavalos que indicassem quaisquer alterações patológicas nos ossos, fígado ou sistema gastrointestinal.

Conclusões

As micotoxinas não afetaram a digestibilidade dos nutrientes nas condições utilizadas. A FB1 aumentou as concentrações de leucócitos, especialmente de neutrófilos maduros, sugerindo uma maior resposta imunológica a dietas tóxicas. Atividade sérica mais elevada de CK e ALP foi observada em cavalos alimentados com uma dieta de AFB1 de 100 µg kg −1, possivelmente devido à hepatotoxicidade das micotoxinas na ração. As micotoxinas são uma ameaça silenciosa para os animais, especialmente cavalos. Assim, recomenda-se que precauções apropriadas devem ser tomadas para proteger esses animais.

Reconhecimentos

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Aos membros da equipe de investigação do Laboratório de Saúde Equina (EQUILAB). Aos integrantes da Escola de Sargentos do Exército (ESA), em especial ao Comandante (Gen Martinelli), ao Curso de Cavalaria/Seção de Equitação, ao Posto Médico/Laboratório Clínico e à Seção Veterinária, pelo apoio incondicional na realização desta pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2020
  • Aceito
    01 Set 2020
  • Publicado
    20 Jan 2021
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