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Abordagem ao luto: aspectos exploratórios sobre a assistência de terapeutas ocupacionais1 1 Aprovação do comitê de ética conforme parecer nº 4.192.360.

Resumo

Introdução

O luto consiste em uma reação natural e esperada diante do rompimento de um vínculo, sendo compreendido como um processo vivenciado de modo singular, em que são manifestadas respostas emocionais, físicas, comportamentais e sociais que se diversificam de indivíduo para indivíduo. O cuidado integral ao enlutado deve perpassar pela compreensão do sujeito como um ser biopsicossocial e ocupacional; contudo, impactos sobre a dimensão ocupacional do luto ainda são pouco explorados na literatura.

Objetivo

Caracterizar as práticas de terapeutas ocupacionais brasileiros com pessoas enlutadas.

Método

Pesquisa transversal, exploratória, de abordagem qualitativa. Os dados foram coletados através de um formulário virtual voltado a levantar os potenciais participantes e, posteriormente, de entrevistas com os terapeutas ocupacionais que afirmaram realizar atenção ao luto. Os dados foram avaliados por análise de conteúdo temática.

Resultados

Constatou-se que apenas um terapeuta ocupacional usou referenciais teóricos do luto como base para as intervenções, bem como a predominância de assistência ao público adulto e idoso. As demandas relatadas pelos terapeutas ocupacionais na assistência aos enlutados culminaram em três categorias: prejuízos ocupacionais, demanda emocional e restrição de espaços para trocas.

Conclusão

Os terapeutas ocupacionais participantes deste estudo manifestaram percepções das repercussões do luto nas ocupações; contudo, práticas nessa vertente emergiram principalmente a partir de fluxos de atendimento não estruturados especificamente para essa assistência, o que pode justificar o distanciamento de referenciais teóricos sobre luto relatado pelos profissionais.

Palavras-chave:
Luto; Atividades cotidianas; Terapia ocupacional

Abstract

Introduction

Grief consists of a natural and expected reaction upon a loss, and is understood as a process experienced in a unique way, in which emotional, physical, behavioral, and social responses are manifested differently according to each individual. Comprehensive care for the bereaved should include understanding the individuals as biopsychosocial and occupational beings; however, the impacts on the occupational dimension during bereavement are still little explored in the literature.

Objective

To characterize the practices carried out by Brazilian occupational therapists with bereaved people.

Method

This is a cross-sectional, exploratory, qualitative study. Data were collected through virtual forms aimed at surveying potential participants and, subsequently, through interviews with occupational therapists who claimed to have assisted grief. Data evaluation was performed by content analysis.

Results

It was found that only one occupational therapist reported the use of theoretical references on grief as a basis for interventions, as well as the predominance of assistance to the adult and older populations. The demands reported by occupational therapists in assisting the bereaved culminated in three categories: occupational deficits, emotional demand, and restriction of spaces for exchanges.

Conclusion

Occupational therapists participating in this study expressed a perception of the repercussions of grief in occupations; however, practices in this area emerged mainly from care flows that are not specifically structured for this assistance, which may justify the distancing from theoretical references on grief reported by the professionals.

Keywords:
Bereavement; Activities of daily living; Occupational therapy

Introdução

O luto, uma das áreas de estudo da Tanatologia, é compreendido como uma reação natural e esperada frente ao rompimento de um vínculo, referindo-se a um processo de elaboração de uma perda significativa. Consiste em um processo dinâmico, individualizado e multidimensional, envolto por sofrimento emocional intenso e tristeza profunda (Bousso, 2011Bousso, R. S. (2011). A complexidade e a simplicidade da experiência do luto. Acta Paulista de Enfermagem, 24(3), VII-VIII.).

Pires (2010)Pires, C. (2010). Luto: processo de viver a morte. In Corrente Dinâmica (Org.). Emoções em Saúde(pp. 142-151). Vila Real: Corrnite Dinâmica. define o luto como um processo cognitivo no qual, diante de uma perda, o sujeito inicia a busca por um significado, acionando lembranças associadas à pessoa falecida, como via de adaptação a uma nova realidade. Em complemento, Franqueira et al. (2015)Franqueira, A. M. R., Magalhães, A. S., & Féres-Carneiro, T. (2015). O luto pelo filho adulto sob a ótica das mães. Estudos de Psicologia, 32(3), 487-497. e Parkes (1998)Parkes, C. M. (1998). Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus. afirmam que o luto é experienciado de modo ímpar onde não há um padrão a seguir, havendo variações de intensidade e período, influenciadas por princípios como a circunstância da morte e as características do enlutado.

Considerando premissas do estudo sobre o luto, é essencial destacar a figura de Freud, que por meio de seus estudos, deu origem a Teoria do Trabalho de Luto (Grief Work), com a produção do artigo “Luto e Melancolia” (Mourning and Melancholia). Nessa obra, publicada em 1917, o luto é referido como um processo de redução gradativa de energia no qual o indivíduo tem como tarefa romper os laços com a pessoa falecida, sendo a expressão dos sentimentos a principal via de elaboração (Freud, 1996Freud, S. (1996). Luto e Melancolia. In S. Freud (Ed.), A história do movimento psicanalítico: artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos (pp. 249-263). Rio de Janeiro: Imago Editora.).

John Bowlby, autor também reconhecido pelos estudos desenvolvidos sobre essa temática, considera que a partir do rompimento do vínculo o processo de luto ocorre em quatro fases, que não necessariamente se apresentam de forma ordenada: fase de entorpecimento ou choque, podendo acompanhar manifestações de raiva e desespero; fase da busca da figura perdida; fase da desorganização e desespero, com sentimentos como tristeza, apatia e angústia de modo mais intenso e fase da reorganização (Bowlby, 1985Bowlby, J. (1985). Perda: tristeza e depressão. Apego e perda. São Paulo: Martins Fontes Editora.).

Já para Worden (1998), oWorden, J. W. (1998). Terapia do luto: um manual para o profissional de saúde mental. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas. luto é processado através de tarefas que o enlutado deve realizar para se adaptar à perda. O autor apresenta quatro tarefas: aceitar a realidade da perda, processar a dor do luto, ajustar-se (interna e externamente) ao mundo sem a pessoa falecida e encontrar uma conexão duradoura com o ente falecido em meio ao início de uma nova vida.

Dentre as teorias existentes, o Modelo de Processo Dual do Luto, criado no final da década de 1990 por Stroebe & Schut, apresenta-se como uma das mais contemporâneas teorias, e como um dos modelos mais balizadores das pesquisas internacionais atuais (Stroebe & Schut, 2010Stroebe, M., & Schut, H. (2010). The dual process model of coping with bereavement: a decade on. Omega, 61(4), 273-289. http://dx.doi.org/10.2190/OM.61.4.b.
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; Bennett et al., 2010Bennett, K. M., Gibbons, K., & Mackenzie-Smith, S. (2010). Loss and restoration in later life: an examination of dual process model of coping with bereavement. Omega, 61(4), 315-332.).

Esse modelo apresenta um dual de entendimento dos acontecimentos pelos indivíduos diante das perdas, onde eles lidarão, de sua forma, com a adequação do processo de enfrentamento e adaptação ao luto. São abordadas três perspectivas: orientação para a perda, orientação para a restauração e oscilação.

Nas estratégias de orientação para a perda, a pessoa em processo de luto foca a sua mentalidade em pontos como as ligações afetivas e relacionamentos, atentando-se às condições da morte, ou seja, há ruminação relacionada a pessoa falecida e pensamentos sobre o contexto da morte (Hansson & Stroebe, 2007Hansson, O. R., & Stroebe, M. S. (2007). Bereavement in late life. Coping, adaptation, and developmental Influences. Washington: American Psychological Association.; Stroebe & Schut, 1999Stroebe, M. S., & Schut, H. (1999). The dual process model of coping with bereavement: rationale and description. Death Studies, 23(3), 197-224.). Nas estratégias de orientação para a restauração há uma carga de fontes de estresse com as quais a pessoa enlutada tem necessidade de lidar, buscando o exercício de novos papéis, relações, reconstrução da rotina e da própria identidade, com realocação da figura perdida para um nível simbólico e espiritual. Já a oscilação demarca o dinamismo deste processo, que se caracteriza pela alternância entre as estratégias de orientação para a perda e as de orientação para o restauração, sendo um processo regulatório de confronto e evitação (Stroebe & Schut, 1999Stroebe, M. S., & Schut, H. (1999). The dual process model of coping with bereavement: rationale and description. Death Studies, 23(3), 197-224.).

Para Stroebe & Schut (2010, pStroebe, M., & Schut, H. (2010). The dual process model of coping with bereavement: a decade on. Omega, 61(4), 273-289. http://dx.doi.org/10.2190/OM.61.4.b.
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. 280), “ao mesmo tempo que o enlutado vivencia a dor e os sentimentos da perda, há a necessidade de reorganização da vida diante da ausência do ente falecido, numa vivência constante e cíclica de eventos estressores que desestabilizam o viver”.

Embora o luto seja compreendido como uma reação à perda e seja objeto de estudo há muitas décadas; pesquisas que se debruçam sobre o tema, embasadas em paradigmas ocupacionais, ainda são escassas na literatura.

Para Corrêa (2009), oCorrêa, V. A. (2009). A expressão do pesar nas atividades ocupacionais quando alguém querido morrer (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém. luto impacta a dimensão ocupacional, visto a tendência do engajamento em atividades realizadas até então com ou pela pessoa falecida se tornar algo não mais desejável. Essas atividades cotidianas apresentam-se como vias de relações, de afetividade e de significados, tornando-se sem sentido a partir da ausência do ente falecido, promovendo um vazio ocupacional.

Souza & Corrêa (2009)Souza, A. M., & Corrêa, V. A. C. (2009). Compreendendo o pesar do luto nas atividades ocupacionais. Revista do NUFEN, 1(2), 131-148. verificaram que o luto implica diversos prejuízos para a saúde global. Desse modo, esses autores defendem a importância da avaliação de aspectos ocupacionais na assistência aos enlutados como via de se prover um cuidado holístico que compreende o sujeito como um ser biopsicossocial e ocupacional.

O estudo de Batista (2017)Batista, M. P. P. (2017). Significados atribuídos às atividades cotidianas de mulheres após a morte em até seis meses do cônjuge idoso (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado em 27 de julho de 2022, de https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5170/tde-04082017-095747/publico/MarinaPicazzioPerezBatista.pdf
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, que teve como objetivo compreender as ocupações cotidianas de 14 viúvas nos primeiros seis meses após a morte de seus maridos, constatou que aspectos como sofrimento associado a ausência do marido no cotidiano, desempenho do papel de cuidadora, percepção negativa sobre a qualidade da relação prévia com cônjuge, participação nos processos decisórios do tratamento e no óbito, apoio de rede informal e espiritualidade, constituem-se como fatores que influenciam o significado atribuído às atividades cotidianas. Verificou-se que as ocupações cotidianas e seus significados podem mudar consideravelmente durante a viuvez, e que atividades voltadas ao enfrentamento orientado para a restauração são potencialmente benéficas para as viúvas enlutadas (Batista, 2017Batista, M. P. P. (2017). Significados atribuídos às atividades cotidianas de mulheres após a morte em até seis meses do cônjuge idoso (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado em 27 de julho de 2022, de https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5170/tde-04082017-095747/publico/MarinaPicazzioPerezBatista.pdf
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; Batista et al., 2019Batista, M. P. P., Rebelo, J. E., Carvalho, R. T., Almeida, M. H. M., & Lancman, S. (2019). Widow’s perception of their marital relationship and its influence on their restoration-oriented everyday occupations in the first six months after the death of the spouse: a thematic analysis. Australian Occupational Therapy Journal, 66(6), 700-710.).

De acordo com a Federação Mundial de Terapeutas Ocupacionais (World Federation of Occupational Therapists, 2010), as ocupações são compreendidas como atividades do dia a dia que as pessoas realizam para si, entre família ou em comunidade, que dão sentido à vida. As ocupações compreendem, para tanto, afazeres que são necessários, desejados ou que carecem serem feitos.

Nessa vertente, Dahdah et al. (2019), aDahdah, D. F., Bombarda, T. B., Frizzo, H. C. F., & Joaquim, R. H. V. T. (2019). Revisão sistemática sobre luto e terapia ocupacional/Systematic review about bereavement and occupational therapy. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(1), 186-196. partir de uma revisão sistemática, constataram que as ocupações são ferramentas valiosas, a ser empregadas como meio ou fim na intervenção com enlutados. Os autores expressam que é de suma importância que terapeutas ocupacionais realizem a avaliação da influência do luto nas ocupações, como via de auxiliar enlutados no processo de enfrentamento.

Diante do exposto, acredita-se que terapeutas ocupacionais possuem expertise que pode favorecer o cuidado prestado às pessoas em luto. Todavia, de acordo com Dahdah et al. (2019)Dahdah, D. F., Bombarda, T. B., Frizzo, H. C. F., & Joaquim, R. H. V. T. (2019). Revisão sistemática sobre luto e terapia ocupacional/Systematic review about bereavement and occupational therapy. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(1), 186-196., investimentos em pesquisas nessa temática são necessários para produzir evidências que possam vir a fortalecer a atuação de terapeutas ocupacionais com enlutados. Ao encontro dessa afirmação, este estudo objetiva caracterizar as práticas de terapeutas ocupacionais junto à população enlutada.

Método

Este é um estudo transversal, exploratório, de abordagem qualitativa realizado com terapeutas ocupacionais brasileiros.

Visando identificar terapeutas ocupacionais que desempenham ações voltadas ao luto, foi elaborado um formulário em plataforma virtual (Google forms) abrangendo questões de caracterização pessoal (nome, idade, tempo de formação e e-mail para contato) e identificação de práticas com enlutados (tempo de atuação junto a pessoas em luto, local de atuação, nível de atenção à saúde que presta serviço, cidade/estado de atuação, manifestação de interesse em participar da entrevista).

O convite aos terapeutas ocupacionais para o preenchimento do formulário ocorreu de dois modos: 1) foi solicitado aos Conselhos Regionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (CREFITOs) a divulgação do link do formulário aos terapeutas ocupacionais; 2) foi realizada a divulgação do link do formulário em grupos das redes sociais atreladas à profissão.

A partir dos dados do formulário, os terapeutas ocupacionais que obedeciam aos critérios de inclusão e manifestaram disponibilidade em participar da entrevista foram convidados via e-mail.

Como critérios de inclusão foram considerados terapeutas ocupacionais em exercício, que desenvolvem intervenções com pessoas em luto há no mínimo três meses, excluindo profissionais que atuam com a temática exclusivamente no âmbito da pesquisa.

As entrevistas ocorreram individualmente, em momento único, previamente agendado e foram realizadas virtualmente de modo síncrono por meio da plataforma Google Meet.

As entrevistas tiveram duração média de 45 minutos e seguiram um roteiro semiestruturado criado pelas pesquisadoras. Antes do início da entrevista, foi explicitado para os participantes que o enfoque da pesquisa consistia na exploração da abordagem do terapeuta ocupacional no luto por morte e suas repercussões na ocupação. As questões do roteiro envolveram informações como as causas da morte promotoras do luto, características das intervenções efetivadas e referenciais teóricos norteadores da assistência. O instrumento elaborado foi encaminhado à avaliação de três juízes com expertise na área do luto, e o convite foi feito a terapeutas ocupacionais experientes responsáveis por ações assistenciais e/ou por produções científicas na área.

Após devolutiva dos juízes, foi realizado um pré-teste que evidenciou a necessidade de modificações na estrutura das perguntas para facilitar o alcance dos objetivos propostos.

A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2020 e março de 2021. Os dados foram trabalhados por análise de conteúdo temática para verificar a repetição dos temas no conteúdo do material analisado em três etapas: pré-análise (leitura flutuante das transcrições e revisão do material), exploração do material (organização das informações coletadas e análise dos relatos em categorias temáticas) e tratamento dos resultados (interpretação dos dados pautados em referenciais) (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70. ).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) conforme parecer nº 4.192.360. O termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) foi apresentado anteriormente às questões realizadas tanto ao que tange à aplicação do formulário de triagem, como ao roteiro de entrevistas. Para assinatura do termo, bastava o participante, após a leitura, assinalar a alternativa “aceito” para manifestar concordância. Para manifestação de recusa, o participante procedia com o fechamento da aba do navegador.

Resultados

A partir do questionário, obteve-se 23 registros de terapeutas ocupacionais que se auto identificaram como profissionais que desenvolvem ações voltadas ao luto.

Desses, uma pessoa não se encaixou nos critérios estabelecidos por estar atuando a menos de três meses com enlutados; três participantes sinalizaram indisponibilidade de participar da entrevista e dois profissionais participaram do pré-teste, sendo considerados 17 profissionais como amostra pretendida para realização das entrevistas.

Os 17 profissionais foram contatados, mas obtivemos apenas sete devolutivas. Dez participantes não responderam a nenhum dos e-mails enviados. Dessa forma, a amostra final do estudo foi composta por sete terapeutas ocupacionais.

Sobre a caracterização da amostra, houve a participação de cinco mulheres e dois homens, com média de idade de 36 anos (mínima de 25 anos e máxima de 46 anos). O tempo médio de formação foi 11 anos, sendo o menor tempo correspondente a 1 ano e o maior a 23 anos. Em média, o tempo de prática junto a pessoas em luto foi de 2 anos.

Em relação ao local de atuação, verificou-se que três terapeutas ocupacionais atuam em hospitais e quatro na rede de atenção básica; sendo dois profissionais da região sul do Brasil (Curitiba-PR e Santa Maria-RS) e cinco da região sudeste (Ribeirão Preto-SP, São Paulo-SP, Betim-MG, Pouso Alegre-MG e Vitória-ES).

O conceito de luto explanado pelos participantes originou quatro categorias: luto como processo atrelado a perdas; processo individualizado; vivência de rupturas e momento de desorganização interna e externa.

A categoria luto como processo atrelado a perdas envolveu manifestações referentes à compreensão que o luto é um processo disparado não apenas pela morte de alguém, mas por situações como fim de relacionamento, perda de emprego, de funções, entre outros:

[...] eu entendo o luto de várias formas, [...] como término de um relacionamento, a perda de um emprego [...] Então eu acho que o luto é um processo de intenso sofrimento que vem aí acompanhando uma situação bastante desfavorável na vida dessa pessoa, que ela não esperava que ela fosse passar [...] (E.1).

O luto é um estado de perda [...] é um processo [...] penso muito como uma forma bem mais abrangente [...] você vai trabalhar com um paciente com AVC, por exemplo, que teve uma perda funcional ou uma mãe com uma criança autista, ela tem uma perda de um projeto às vezes, de uma idealização que ela tinha em relação à criança (E.5).

O luto pra mim é um momento de compreensão do afeto que a gente sentia por algo, sente por alguém que partiu. Pode ser por morte, pode ser por separação, então pra mim é vivenciar esse sentimento (E.4).

Na categoria processo individualizado, considerou-se as expressões do luto como algo singular, vivenciado de modo único:

[...] então eu acho que para cada pessoa, para cada sujeito, acontece de uma maneira (E.3).

[...] é um turbilhão de coisas e para cada um pode ser uma coisa (E.7).

Na categoria vivência de rupturas, foi expresso pelos participantes a ideia do luto como momento de rompimento de expectativas:

[...] Eu vejo como uma dificuldade de lidar com uma expectativa, é um rompimento muitas vezes brusco de algo que a pessoa esperava (E.2).

[...] na vida a gente tem perdas né, então os fracassos ou a distância do que a gente idealiza, do que às vezes a gente se confronta na realidade (E.5).

Já na categoria momento de desorganização interna e externa, foram relatadas alterações que perpassam por aspectos emocionais e de rotina:

O luto eu vejo como um processo de reajuste emocional… ele é um reajuste interno, emocional e ele também é um reajuste externo, que mexe no cotidiano, na vida da pessoa enlutada para que ela consiga se readaptar, elaborar aquela perda e conseguir seguir com a sua vida, com a sua rotina (E.6).

É importante destacar que, embora o conceito de luto tenha sido apresentado pelos participantes como um processo vinculado a diferentes tipos de perdas, foi considerado na entrevista o processo de assistência ao luto em decorrência da morte de um ente. Dessa forma, foi perguntado aos terapeutas ocupacionais quais as causas dos falecimentos nos processos de luto atendidos, sendo constatado que a atuação se dá diante de perdas referentes a processos saúde-doença (câncer, cardiopatias, COVID-19, doenças pulmonares e neurodegenerativas), a situações de violências (homicídios, desastres e acidentes) e a perdas associadas ao suicídio.

Em específico, acerca do perfil dos enlutados assistidos pelos terapeutas ocupacionais, verificou-se predominância do público adulto e idoso, sendo manifestadas intervenções junto a crianças e adolescentes enlutadas por dois terapeutas ocupacionais que atuam no contexto hospitalar.

Em relação ao uso de referenciais teóricos utilizados como base das intervenções, verificou-se cinco categorias: tanatologia e cuidados paliativos; fundamentos da terapia ocupacional; modelos teóricos do luto; política nacional de humanização e ausência de uso de modelos teóricos.

Na categoria tanatologia e cuidados paliativos, considerou-se as expressões que mencionaram profissionais popularmente reconhecidos pelo trabalho desempenhado na área:

[...] Cicely Saunders [...] desenvolveu a questão dos Cuidados Paliativos (E.2)

[...] nesse processo a gente acabou estudando muita coisa da psicologia [...] a Maria Julia Kovács tem trabalhado com a questão do luto, e também tem vários trabalhos sobre o suicídio. [...] Kübler-Ross, que vai olhar, obviamente estudar o luto em si [...], aquela médica, Ana Cláudia, ela fala muito dessa abordagem com a família [...] (E.3).

Modelo da Kübler-Ross, das fases do luto [...] vamos trabalhando mais com a ideia do significado em si (E.5).

[...] gosto muito da Kovács [...] eu gosto muito do Aroldo Escudeiro, [...] da trajetória que ele tem (E.6).

Na categoria denominada fundamentos da terapia ocupacional, considerou-se explanações sobre referências atreladas à ocupação, conforme expresso abaixo:

[...] um modelo que eu gosto muito [...] é o modelo ecológico da performance humana [...] uma técnica de análise de atividade, foi criada pela Jô Benetton e é a trilhas associativas, que o paciente vai fazendo análise junto contigo, [...] que casa bem com o modelo ecológico [...] outro modelo que eu uso muito [...] por causa do luto que foi o modelo Kaua [...] às vezes eu uso o modelo da ocupação humana [...] alguns casos também, o modelo da competência no ambiente, aquele modelo da Rangedor também [...] o modelo da integridade ocupacional [...] o quadro de referência espiritual [...] um capítulo do livro do Spackman sobre narrativa, do uso de narrativas em terapia ocupacional (E.5).

[...] a minha linha de trabalho dentro da terapia ocupacional, eu trabalho sob uma perspectiva psicodinâmica [...] (E.3).

Já na categoria modelos teóricos, referenciais foram mencionados por um único profissional:

Eu uso muito as tarefas [...] do luto do Worden, que pra mim [...] se relacionam melhor com a minha atuação como terapeuta ocupacional [...] gosto muito dos mediadores do luto também, porque acho que entra muito também nessa questão da profissão, nosso conhecimento, sabe, das habilidades [...] eu gosto muito do Parkes; [...] Gosto muito da teoria do apego do Bowlby [E.6].

Salienta-se que o mesmo terapeuta ocupacional que disse pautar suas intervenções com os enlutados nos modelos teóricos do luto foi também o único participante a relatar uma ação propositiva ao público enlutado.

Prosseguindo com as categorias referentes aos referenciais teóricos, a categoria denominada política de humanização compreendeu a manifestação da clínica ampliada como base da assistência dada ao enlutado pelo terapeuta ocupacional, conforme relato a seguir:

Olha, eu não tenho formação em saúde mental [...] mas eu estava estudando para um concurso sobre… humanização, sobre atenção básica, e tinha uma cartilha sobre clínica ampliada, então eu me embasei bastante nos conceitos de clínica ampliada, que fala muito de você enxergar o sujeito além da doença, [...] faz parte da política de humanização [...] do SUS (E.1).

Por fim, houve a manifestação do não uso de referenciais teóricos balizadores para assistência promovida:

[...] na verdade não (E.7).

No processo de avaliação realizado pelos terapeutas ocupacionais junto aos enlutados, todos os participantes afirmaram que não fazem uso de instrumentos padronizados. Os relatos mostram que a avaliação considera informações sobre modificações de aspectos ocupacionais, emocionais, físicos e espirituais.

Na categoria modificações de aspectos ocupacionais, considerou-se manifestações sobre a exploração de atividades cotidianas e de papéis exercidos:

Ah com certeza o contexto familiar, como era a rotina relacionada ao ente [...] quais eram as práticas de lazer, práticas que no dia dia que faziam juntos, para que a pessoa tenha vivências, a gente possa atrelar algumas vivências e ressignificar esses sentimentos a partir de uma prática (E.2).

[...] eu acho sim que é importante acolher, ouvir a história [...] até individualizada em um primeiro momento. Segundo eu acho que é importante a gente ter, por exemplo, a lista de papéis ocupacionais [...] a morte teve um papel fundamental em um determinado momento e hoje ela conseguiu resgatar algumas coisas, conseguiu retomar principalmente a questão da participação social, a questão dos cuidados ali com a casa, porque isso aparece muito em uma desorganização cotidiana [...] Então eu acho que a gente precisa ter muito esse conhecimento desse desempenho ocupacional de antes, do agora e se tem uma projeção de futuro (E.3).

[...] principalmente de ver como esse processo de luto está se apresentando no cotidiano [...] começo o atendimento tentando saber como é que está a rotina dessas pessoas enlutadas, o que elas me trazem, qual a principal queixa que elas têm naquele momento e vou perguntando [...] aí começa o atendimento baseado nisso, no que a pessoa vai apresentando dificuldades, das partes do luto que elas estão achando mais complicadas (E.6).

A análise de componentes físicos também foi mencionada como estratégia para iniciar o diálogo na avaliação:

[...] então eu começo muito pela questão física [...] porque a partir dessa [...] a gente consegue pegar ganchos para que está mais lá dentro [...] você vai destrinchando, você consegue com que a pessoa fale mais, porque se você for direto, ah me fale da sua perda, [...] não dá para ir direto no emocional [...] (E.7).

A dimensão emocional também foi citada como componente a ser considerado na avaliação:

[...] verificar como é que está o estado emocional desse paciente, [...] para saber que tipo de suporte que a gente precisa dar para esse paciente e se o nosso suporte vai ser suficiente, se eu preciso lançar mão de medicação, de outros profissionais, como psicólogos [...] (E.1).

Cabe mencionar que a espiritualidade também emergiu como um aspecto a ser investigado:

[...] uma questão também que aparece muito quando se fala de enlutados é a espiritualidade e isso é uma coisa que muita gente não tem bem resolvida [...] (E.5).

As principais demandas relatadas pelos terapeutas ocupacionais na assistência aos enlutados perpassou por três categorias: prejuízos ocupacionais, demanda emocional e restrição de espaços de trocas.

Na categoria prejuízos ocupacionais, foram expressas alterações nas atividades ocupacionais e dificuldades de adaptação de rotina:

[...] vai interferindo na rotina e no cotidiano das pessoas [...] então você vai vendo que elas vão perdendo as ocupações relacionadas ao lazer, à participação social, às atividades de vida diária, [...] esse processo é muito devastador no cotidiano, nesse dia a dia [...] Então a demanda maior que eu vejo é essa reestruturação, primeiro de uma rotina mesmo, e depois retomar o cotidiano (E.3).

[...] a questão dos papéis que vão se perdendo [...] (E.5).

A principal demanda é essa [...] as pessoas dizem que tem dificuldade às vezes de seguir em frente [...] E eu vejo muito isso, algo da T.O. de tentar encontrar formas para que a pessoa siga em frente e tenha esse reajuste emocional e esse reajuste prático na vida dela [...] tento sempre facilitar a organização da rotina, dos papéis ocupacionais dela [...] pra ela entender que no cotidiano, [...] ela vai conseguir se adaptar, ela vai conseguir viver apesar dessa dor, apesar dessa perda (E.6).

[...] há grande dificuldade da pessoa enlutada pensar estratégias sozinhas [...] seja com lazer ou seja sobre a rotina mesmo (E.7).

Na categoria demanda emocional, foi referida a necessidade de favorecer a expressão das emoções para acolhimento dos sentimentos suscitados pela perda, considerando a latência de sentimentos presentes:

[...] são pacientes que estão com um estado emocional prejudicado, a gente vê medo, tristeza, melancolia, então tem uma demanda importante [...] de uma alteração emocional, [...] (E.1).

A maior demanda que eu enxergo é tentar fazer com que elas expressem o que elas estão sentindo, permitir que elas tragam e que elas coloquem pra fora, seja raiva, seja peso na consciência [...] que não foi suficiente, que não fez tudo que podia (E.4).

Já a categoria denominada restrição de espaços de trocas envolveu expressões sobre a falta de abertura social em relação a morte e morrer, o que acarreta a necessidade de se ofertar escuta qualificada como via de construção de espaços de diálogos sobre temas que socialmente são ainda interditados:

[...] as pessoas não têm um espaço para falar mesmo entre amigos, entre familiares, e muito relacionado com o câncer também, é muito difícil ainda de se falar [...] não tem um espaço para a pessoa se colocar e é através de uma atividade, de um grupo... eu percebo muito o espaço para a pessoa... se expor, trocar ideias, colocar para fora, desabafar (E.2).

Considerando as demandas supracitadas, buscou-se compreender os objetivos terapêuticos do terapeuta ocupacional junto ao público enlutado. Nessa vertente, foram identificadas três categorias: favorecer a qualidade de vida, auxiliar o enfrentamento e a (re)construção de significados e promover conforto.

Na categoria denominada favorecer a qualidade de vida foi mencionada a qualificação do viver pautada em um olhar mais dirigido às questões ocupacionais modificadas pelo luto:

[...] Eu acho que buscar qualidade de vida, melhorar [...] a rotina da pessoa, e isso vai de todas as formas [...] vai repercutir diretamente ou indiretamente nos meus pacientes, [...] a pessoa diminui a produtividade no autocuidado (E.2).

De fato [...] era acolher [...] era dar um espaço mesmo de apoio e ventilação e [...] pensar nessas perdas de papéis ocupacionais e nessas mudanças do cotidiano, [...] de resgatar [...] mas eu acho que era pensando muito nisso, [...] de ajudar a reestruturar essa rotina e esse cotidiano no enlutamento (E.3).

Auxiliar o enfrentamento e a (re)construção de significados também foi um objetivo mencionado:

acolher essas pessoas e criar um sentido nisso, um significado [...] seria promover mesmo essa transição também entre os estágios do luto [...] tentar tornar isso um processo mais estável possível (E.5).

O principal objetivo [...] é encaminhar e acompanhar a pessoa nas tarefas do luto [...] de tentar direcionar ela para essas tarefas e acompanhar como ela está realizando essas tarefas do luto (E.6).

Promover conforto também emergiu como objetivo:

[...] Eu brinco que [...] o que eu puder fazer para aliviar essa dor e que é isso, é um bem-estar de qualquer forma, e que até hoje eu consegui com todos que eu atendi na questão do luto [...] (E.7).

[...] acolher, [...] trazer um conforto, uma segurança para essa pessoa (E.5).

Os seguintes recursos terapêuticos foram utilizados pelos terapeutas ocupacionais na assistência ao luto: escuta ativa, ocupações, grupos, atividades artísticas, expressivas e sociais e práticas integrativas.

A escuta ativa foi expressa por alguns participantes como recurso central e base primordial da atenção aos enlutados:

Fazemos esse acolhimento, essa escuta ativa (E.1).

Geralmente a gente não utiliza recursos além da escuta, da escuta e da fala ao corpo [...] (E.4).

[...] Muito é escuta [...] É conversa [...] mais escuta do que qualquer coisa (E.7).

O uso das ocupações também foi mencionado como recurso terapêutico:

Olha [...] basicamente no foco do luto, são orientações... programar alguma rotina, recomendar algumas atividades [...] eu levanto o contexto da pessoa também e busco práticas de lazer para dar suporte (E.2).

Os recursos, [...] tem alguns casos que eu pego uma prancheta com uma folha sulfite e vou mapeando o cotidiano dessa pessoa, a rotina, [...] e vou vendo o que vai acontecendo e vou discutindo cada uma das coisas que vão aparecendo, vendo qual é o sentido que aquilo tem na vida, se aquilo tá sendo mantido, [...] e restabelecendo possíveis conexões [...] (E.5).

[...] Geralmente a gente faz uma organização depois de um tempo [...] essa questão é que na casa ela tem encontrado muitas coisas da pessoa que faleceu [...] Então, vamos trabalhar junto dele e ver de que forma pode organizar isso [...] o que a pessoa quer guardar? [...] eu acho uma forma muito afetiva e muito respeitosa de elaborar o luto (E.6).

Os grupos também apareceram como recurso empregado e valorizado pelos terapeutas ocupacionais:

[...] Eu acho que a questão do próprio grupo [...] era uma forma bacana [...] a gente planejava os grupos muito de acordo com a necessidade do que eles traziam [...] acabava que a gente de fato trabalhava muito em cima da demanda do que eles traziam né, assim, da proposta né… muitas questões, alguns queriam ler sobre o luto (E.3).

[...] Organizamos também [...] o grupo de enlutados por Covid [...] Como eles não puderam fazer uma despedida, a gente organizou um memorial. Cada pessoa do grupo, escrevia a história de vida daquela pessoa que faleceu, [...] e contavam o que aquela pessoa representava para ele [...] (E.6).

Atividades artísticas, expressivas e sociais também foram citadas:

[...] jogos cognitivos, práticas de artesanato que estão muito vinculadas a arte terapia [...] às vezes [...] atividade física, às vezes culinária, bate papo, dependendo muito do que a pessoa buscava, mas a maioria era jogos cognitivos (E.2).

[...] atividades mais expressivas, [...] de conversa mesmo, verbais, mas usamos muito filme, [...] às vezes alguns trechos que as pessoas, [...] escreviam, [...] cartas para elas mesmas, o que elas queriam dizer [...] Elas traziam, as vezes, poesias, vários traziam santinhos do enterro, e trabalhávamos um pouco de porque eles tinham escolhido aquilo, [...] álbum de fotografia [...] resgatavam as fotos com as pessoas, [...] a gente tinha alguns momentos também [...] de incursões práticas no mercado, na praça… pensando que era um recurso de tomar contato [...] com esse mundo de novo (E.3).

Por fim, uma das práticas integrativas também foi mencionada como recurso alternativo empregado na assistência do terapeuta ocupacional com enlutados:

[...] eu uso auriculoterapia (E.7).

Quando questionados se o processo de luto compromete as ocupações, todos os participantes afirmaram que o luto impacta diretamente as ocupações.

A partir desse entendimento, os terapeutas ocupacionais participantes foram questionados sobre quais são as ocupações mais comprometidas no processo de enlutamento. As respostas originaram sete categorias: autocuidado, trabalho, atividades de vida diária (AVDs) e atividades instrumentais de vida diária (AIVDs); participação social, sono e descanso; alterações gerais no desempenho ocupacional, estudar e brincar.

A categoria denominada autocuidado abarcou as expressões sobre prejuízos no cuidado de si:

[...] diminui empenho, o autocuidado (E.2).

[...] dificuldades de ter ações em benefício de si próprio pra se cuidar, para autocuidado (E.3).

[...] o autocuidado (E.4).

[...] as atividades de autocuidado (E.6).

O autocuidado, especialmente, [...] o autocuidado é um dos que mais aparece (E.7).

A categoria trabalho contemplou as expressões sobre alterações na produtividade e vinculadas a serviços domésticos reconhecidos como função laboral de muitas mulheres:

diminui a produtividade [...] (E.2).

[...] acho que o trabalho e essas questões da rotina cotidiana (E.3).

[...] compromete o trabalho (E.4).

[...] eu acho que por serem mulheres nessa faixa etária, essa questão dos cuidados com a casa aparecem muito [...] (E.7).

As AVDs e AIVDs também foram mencionadas como as principais ocupações impactadas pelo luto, em especial no que se refere à alimentação:

[...] a qualidade de vida, nas atividade de vida diária (E.2).

[...] as AVDs, AIVDs... pensando nesses… no nosso dia a dia [...] dificuldades de se alimentar, de cozinhar [...] coisas práticas, banco (E.3).

[...] compromete alimentação [...] a higiene (E.4).

[...] a questão da alimentação, [...] de alimentação compulsiva ou de [...] não alimentação, [...] a pessoa evita se alimentar (E.6).

No que refere às relações e participações sociais, os terapeutas ocupacionais compreendem que ocorre uma diminuição no ato de frequentar diferentes espaços e na motivação para interagir com outras pessoas:

[...] a pessoa sente menos vontade de estar em atividades mais prazerosas, em estar em

um ambiente social que para ela, era positivo (E.2).

Se eu fosse elencar, de fato, eu acho que são as relações interpessoais (E.3).

[...] compromete os vínculos familiares (E.4).

Além disso, o sono e o descanso também foram expressos como ocupações compreendidas comumente afetadas:

[...] acho que as pessoas têm muita dificuldade em dormir, acordar (E.3).

[...] compromete o sono (E.4).

A questão do sono, do descanso (E.6).

Alguns participantes manifestaram entendimento de que o luto afeta o desempenho ocupacional de forma geral:

[...] diminui completamente o desempenho ocupacional (E.2).

Pensando a nível de tarefas, de atividades, [...] às vezes você perde na verdade uma capacidade de desempenho [...] Então, [...] esse comprometimento começa a atingir [...] os papéis, [...] como esses são desempenhados [...] Então afeta as ocupações de muitas formas, [...] eu vejo como um guarda-chuva para várias experiências ocupacionais, pensando desde os componentes mais básicos até o cotidiano que seria uma coisa mais ampla (E.5).

Por fim, estudar e brincar também foram citados como ocupações alteradas no processo de enlutamento quando considerado o público infantil:

[...] depende da faixa etária, as crianças muito das atividades escolares, da rotina escolar dela acaba ficando comprometida, até do próprio desenvolvimento, do brincar, essas ocupações (E.6).

Na ótica dos terapeutas ocupacionais participantes, o processo de luto repercute nas ocupações de modo abrangente e, por essa razão, configura-se como objeto de intervenção para a terapia ocupacional.

Discussão

Os dados obtidos mostraram que os terapeutas ocupacionais participantes deste estudo evidenciaram o entendimento do luto como um processo atrelado a perdas, ou seja, denotam uma compreensão do luto como um momento de desorganização vivenciado de modo particular por cada indivíduo, ocasionado pela falta de algo ou alguém significativo.

Segundo Franco (2021), aFranco, M. H. P. (2021). O luto no século 21: uma compreensão abrangente do fenômeno. São Paulo: Summus Editorial. experiência de perda ocorre a partir do rompimento de uma situação conhecida e significativa, podendo as manifestações de luto estarem relacionadas a diferentes tipos de perdas como separações conjugais, em que há a morte simbólica do casal e dos sonhos e projetos partilhados; adoecimentos ou acidentes, que ocasionam perda de parte do corpo ou de funções específicas, exigindo a construção de um significado positivo para aquela experiência, bem como situações de aposentadoria e/ou demissão do trabalho, que ocasionam impactos no mundo presumido, por exemplo. Nessa vertente, a visão conceitual de luto apresentada pelos participantes vai ao encontro de produções literárias que explanam o luto como um processo associado a perdas concretas e simbólicas.

Destaca-se que este estudo investigou os terapeutas ocupacionais acerca das ações produzidas especificamente em situações relacionadas a perda proveniente da morte de alguém. Inicialmente, verificou-se que a prática dos terapeutas ocupacionais participantes está centrada na população adulta e idosa, sendo pontual a menção ao desenvolvimento de assistência ao luto junto à população infanto juvenil.

É importante atentar que a assistência ao luto se constitui como uma clínica de cuidado e sutilezas, considerando que a vivência da morte de pessoas significativas pode indicar o atravessamento de experiências habitadas por sofrimentos e dores intensas, o que não é diferente no âmbito infantil. Compreende-se que a criança, após a perda de alguém afetivo, necessitará reconstruir sua percepção de mundo e relações, instituindo uma nova forma de existência e significados (Bianchi et al., 2019Bianchi, D. P. B., Kublikowsk, I., Camps, P. B., & Franco, M. H. P. (2019). Possibilidades da clínica gestáltica no atendimento de crianças enlutadas. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 19(4), 1018-1035.).

É essencial compreender que o luto é um processo complexo e multidimensional, vivenciado de modo singular e influenciado por aspectos da trajetória biográfica. Um dos pontos que difere o processo de elaboração de luto da criança daquele do adulto é o fato que o enlutamento da criança perpassa pelo seu desenvolvimento (Bianchi et al., 2019Bianchi, D. P. B., Kublikowsk, I., Camps, P. B., & Franco, M. H. P. (2019). Possibilidades da clínica gestáltica no atendimento de crianças enlutadas. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 19(4), 1018-1035.), denotando a necessidade da criação de espaços de assistência também direcionada ao público infanto juvenil.

Ainda referente ao perfil assistido pelos terapeutas ocupacionais, identificou-se que o público adulto/idoso atendido vivenciava o luto associado à morte de um ente em três situações distintas: morte decorrente de processo de adoecimento, suicídio e violência. É importante compreender que os modos como ocorreram as mortes são potenciais influenciadores da vivência do enlutamento.

De acordo com Parkes (2009)Parkes, C. M. (2009). Amor e perda: as raízes do luto e suas complicações. São Paulo: Summus., fatores como a vulnerabilidade pessoal do enlutado, sua relação com a pessoa falecida, os eventos e circunstâncias que levaram a essa morte, a morte em si e o apoio social, bem como outras circunstâncias após a morte, são fundamentais na avaliação, visto que são preditores de risco.

Quando a morte está associada a processos de adoecimento, há situações em que familiares assumem tarefas que exigem grande direcionamento de tempo e energia na dispensação de cuidados, fator que pode disparar situações de exaustão e desestabilidade emocional durante a doença, despertando sentimento de culpa após a morte do paciente atrelado a possíveis reações hostis que tenham tido (Franco, 2021Franco, M. H. P. (2021). O luto no século 21: uma compreensão abrangente do fenômeno. São Paulo: Summus Editorial.). Em contrapartida, nesses processos a família, cuidadores ou pessoas próximas conseguem acompanhar a evolução do quadro clínico de modo gradual, o que frequentemente incita manifestações de luto antecipatório (Neto & De Macedo Lisboa, 2017Neto, J. O., & De Macedo Lisboa, C. S. (2017). Doenças associadas ao luto antecipatório: uma revisão da literatura. Psicologia, Saúde & Doenças, 18(2), 308-321.), que é um fator facilitador do enfrentamento.

Já situações de suicídio desencadeiam no enlutado uma diversidade de emoções que transitam pela raiva, tristeza, pesar, culpa, vergonha, entre outros sentimentos, expondo o sujeito enlutado ao mesmo risco e elevando as suas chances de desenvolver um luto complicado, fator que demanda medidas de posvenção ao suicídio em razão do risco que esse tipo de morte representa (Franco, 2021Franco, M. H. P. (2021). O luto no século 21: uma compreensão abrangente do fenômeno. São Paulo: Summus Editorial.; Cândido, 2011Cândido, A. M. (2011). O enlutamento por suicídio: elementos de compreensão na clínica da perda (Dissertação de mestrado). Universidade de Brasília, Brasília. ).

A morte por violência, neste estudo manifestada pelos participantes em situações de acidentes, assassinatos e desastres, são mortes inesperadas, que saem fora da ordem natural da vida. Constituem-se como mortes que ocorrem sem nenhum aviso prévio, provocando um grande abalo nos familiares, sem que tenham tempo para processar o ocorrido (Carnaúba et al., 2016Carnaúba, R. A., Pelizza, C. C. A. S., & Cunha, S. A. (2016). Luto em situações de morte inesperada. PSIQUE, 1(2), 43-51.).

Diante das particularidades supracitadas, a assistência ao luto deve pautar-se em um processo de escuta sensível e qualificada, onde deve-se considerar os vínculos existentes, os contextos específicos e os significados atribuídos, o que exige do profissional fundamentação teórica associada à sensibilidade (Franco, 2021Franco, M. H. P. (2021). O luto no século 21: uma compreensão abrangente do fenômeno. São Paulo: Summus Editorial.).

Notou-se que apenas um dos terapeutas ocupacionais participantes alicerça sua prática a partir de conhecimentos de teorias de luto, fator que percebeu-se estar associado ao fato deste ser o único participante que relata ter ações propositivas voltadas ao público enlutado especificamente. Na prática dos demais participantes, as demandas vinculadas à assistência ao luto acabam emergindo de modo secundário, ou seja, sendo realizadas no decorrer do processo terapêutico iniciado anteriormente por outras demandas em que o terapeuta ocupacional observa, a partir da trajetória assistencial, a vivência do luto como um processo estressor que necessita de suporte e acolhimento.

Independente da atenção ser delineada para pessoas em luto ou desta assistência ao enlutado emergir no decorrer de um processo de intervenção que inicialmente não tinha esse foco, é preciso considerar que a capacitação profissional para essa abordagem é de suma importância. Contudo, dados referentes à ausência de fundamentação sobre as teorias do luto evidenciam um tensionamento para a profissão, indicando a necessidade de se aprimorar a atenção da terapia ocupacional neste campo.

Não obstante, os dados deste estudo evidenciam que a incorporação desses terapeutas ocupacionais na assistência ao luto foi impulsionada, em alguns casos, pela atuação em cuidados paliativos.

Destaca-se que, nos cuidados paliativos, é preconizada a assistência ao binômio paciente -família, sendo exposto entre os seus princípios norteadores a atenção ao luto. Conforme descrito no art. 4º, incisos VIII e IX, da resolução 41 de outubro de 2018, na organização dos cuidados paliativos é essencial considerar a oferta de um sistema de apoio para ajudar a família a lidar com a doença do paciente e o luto; bem como desenvolver um trabalho em equipe multiprofissional e interdisciplinar para abordar as necessidades do paciente e de seus familiares, incluindo aconselhamento de luto sempre que indicado (Brasil, 2018Brasil. (2018, 31 de outubro). Resolução Nº 41, de 31 de outubro de 2018. Dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, seção 1, p. 276. ).

De acordo com Pallottino et al. (2021)Pallottino, E., Rezende, C., & Dantas, J. C. S. (2021) Assistência ao luto. In R. T. Carvalho & H. A. Parsons (Orgs.), Manual de cuidados paliativos da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (pp. 546-549). São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos., no âmbito dos cuidados paliativos, a assistência ao luto deve ser planejada em sua dimensão preventiva e pode vir a envolver ligações telefônicas pós-óbito, carta de condolências, atendimentos presenciais nas semanas seguintes à morte - ações que tendem a reforçar a manutenção do vínculo da equipe com o familiar e o senso de continuidade de cuidado.

Em específico sobre a assistência dos terapeutas ocupacionais junto aos enlutados, Dahdah et al. (2019)Dahdah, D. F., Bombarda, T. B., Frizzo, H. C. F., & Joaquim, R. H. V. T. (2019). Revisão sistemática sobre luto e terapia ocupacional/Systematic review about bereavement and occupational therapy. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(1), 186-196., Hoppes & Segal (2010)Hoppes, S., & Segal, R. (2010). Reconstructing meaning through occupation after the death of a family member: accommodation, assimilation, and continuing bonds. The American Journal of Occupational Therapy, 64(1), 133-141. e Souza & Corrêa (2009)Souza, A. M., & Corrêa, V. A. C. (2009). Compreendendo o pesar do luto nas atividades ocupacionais. Revista do NUFEN, 1(2), 131-148. informam que há carência de produções científicas nessa vertente, e que essa prática ainda é recente no âmbito da terapia ocupacional, fator que se percebe em consonância com a média de tempo de 2 anos de atuação profissional com enlutados relatada pelos participantes deste estudo.

É importante considerar que o luto repercute no cotidiano, sendo um processo que pode ocasionar afastamentos e isolamentos, com desmotivação do sujeito enlutado para realizar atividades ocupacionais (Frizzo & Corrêa, 2018Frizzo, H. C. F., & Corrêa, V. A. C. (2018). Perdas e luto em terapia ocupacional nos contextos hospitalares e cuidados paliativos. In M. M. R. P. De Carlo & A. M. Kudo (Orgs.), Terapia ocupacional em contextos hospitalares e cuidados paliativos (pp. 387-398). São Paulo: Payá.), fator que denota a importância de terapeutas ocupacionais qualificarem-se para a realização de ações nessa vertente.

As respostas dos participantes mostram que o processo avaliativo do terapeuta ocupacional com o enlutado tem como enfoque principal as modificações dos aspectos ocupacionais, mas com um olhar também ampliado para a avaliação dos aspectos emocionais, físicos e espirituais, todavia, sem o uso de avaliações padronizadas.

Como elemento central da avaliação, é essencial entender as vivências ocupacionais anteriores e posteriores a perda, investigando a rotina do enlutado após a morte do ente, buscando compreender quem a pessoa perdeu, em que circunstâncias, as ocupações que realizavam juntas e os significados atribuídos, a fim de identificar as mudanças que ocorreram ou que podem vir a ocorrer associadas à perda vivenciada (Frizzo & Corrêa, 2018Frizzo, H. C. F., & Corrêa, V. A. C. (2018). Perdas e luto em terapia ocupacional nos contextos hospitalares e cuidados paliativos. In M. M. R. P. De Carlo & A. M. Kudo (Orgs.), Terapia ocupacional em contextos hospitalares e cuidados paliativos (pp. 387-398). São Paulo: Payá.).

As principais demandas constatadas pelos profissionais nas avaliações com os enlutados incluem prejuízos ocupacionais, fragilidade emocional e restrição de espaços para trocas, o que diretamente relaciona-se aos objetivos terapêuticos manifestados referentes a favorecer a qualidade de vida, promover conforto e auxiliar o enfrentamento e (re)construção de significados.

Para nos debruçarmos sobre a demanda referida de prejuízos ocupacionais, primeiramente é necessário salientar que as ocupações são compreendidas como afazeres necessários, desejados ou que carecem ser feitos (World Federation of Occupational Therapists, 2010) e perpassam por AVDs, AIVDs, gestão da saúde, descanso e sono, educação, trabalho, brincar, lazer e participação social (American Occupational Therapy Association, 2020American Occupational Therapy Association - AOTA. (2020). Occupational therapy practice framework: domain et process. The American Journal of Occupational Therapy, 74(Suppl. 2), 1-87.). Nessa direção, os terapeutas ocupacionais afirmaram observar em suas práticas que o processo de luto afeta diretamente as ocupações, expressando observações de alterações no autocuidado, trabalho, AVDs, AIVDs, relações e participações sociais, sono e descanso, estudar e brincar.

Para Hoppes (2005)Hoppes, S. W. (2005). When a child dies the world should stop spinning: an autoethnography exploring the impact of family loss on occupation. The American Journal of Occupational Therapy, 59(1), 78-87., por exemplo, o indivíduo pode vivenciar estágios da ocupação durante o processo de luto, os quais são denominados como manutenção ocupacional (quando a ocupação é realizada enquanto se nega a gravidade da perda); dissolução ocupacional (quando as ocupações familiares e diárias se tornam desvalorizadas e podem perder o significado); ambivalência ocupacional (quando sentimentos negativos são experimentados nas ocupações anteriormente rotineiras) e restauração e adaptação ocupacional (quando as ocupações são restauradas e adaptadas à nova condição após a perda).

Considerando que o luto altera as ocupações dos enlutados, o terapeuta ocupacional apresenta-se como um profissional com expertise para ofertar apoio nesse processo (Batista et al., 2018Batista, M. P. P., Rebelo, J. E., Carvalho, R. T., Almeida, M. H. M., & Lancman, S. (2018). Reflexões sobre a realização de entrevistas com viúvas enlutadas em pesquisas qualitativas. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(4), 797-808. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1571.
http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoA...
). Para Frizzo & Corrêa (2018)Frizzo, H. C. F., & Corrêa, V. A. C. (2018). Perdas e luto em terapia ocupacional nos contextos hospitalares e cuidados paliativos. In M. M. R. P. De Carlo & A. M. Kudo (Orgs.), Terapia ocupacional em contextos hospitalares e cuidados paliativos (pp. 387-398). São Paulo: Payá.:

Nas situações de luto, através da relação pessoa-ocupação-terapeuta, o profissional abre um espaço para a expressão do luto e promove ações que podem potencializar a ação humana, buscando a promoção de fazeres satisfatórios. Tem a função de favorecer o bem estar das pessoas no desenvolvimento de suas ocupações, na (re)significação do que foi perdido e na elaboração da(s) demanda(s) que estão interferindo no desenvolvimento, na realização e na participação das ocupações... (Frizzo & Corrêa, 2018, pFrizzo, H. C. F., & Corrêa, V. A. C. (2018). Perdas e luto em terapia ocupacional nos contextos hospitalares e cuidados paliativos. In M. M. R. P. De Carlo & A. M. Kudo (Orgs.), Terapia ocupacional em contextos hospitalares e cuidados paliativos (pp. 387-398). São Paulo: Payá.. 397).

De acordo com Dahdah et al. (2019)Dahdah, D. F., Bombarda, T. B., Frizzo, H. C. F., & Joaquim, R. H. V. T. (2019). Revisão sistemática sobre luto e terapia ocupacional/Systematic review about bereavement and occupational therapy. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(1), 186-196., as ocupações apresentam-se como potenciais ferramentas para intervenção junto a pessoas enlutadas, podendo ser empregadas como meio ou fim, tendo o terapeuta ocupacional a competência para viabilizar espaços de fala e ressignificação para reduzir as perdas ocupacionais disparadas pela vivência do luto.

Desse modo, é preciso superar barreiras para ampliar e consolidar a prática dos terapeutas ocupacionais junto aos enlutados, o que perpassa pela necessidade de ampliação de estudos científicos que ofereçam evidências que impulsionem a construção teórico-prática da terapia ocupacional com enlutados (Dahdah et al., 2019Dahdah, D. F., Bombarda, T. B., Frizzo, H. C. F., & Joaquim, R. H. V. T. (2019). Revisão sistemática sobre luto e terapia ocupacional/Systematic review about bereavement and occupational therapy. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(1), 186-196.), bem como que fomentem a abordagem de conteúdos vinculados a finitude, morte e luto no âmbito da educação inicial e continuada.

Conclusão

Através deste estudo, pôde-se perceber um maior direcionamento da assistência dos terapeutas ocupacionais com enlutados pertencentes ao ciclo de vida adulto e idoso, bem como compreender de forma inicial como tais práticas são realizadas no que tange aos referenciais teóricos norteadores, à avaliação, demandas e, em especial, a como o luto repercute nas ocupações sob a ótica dos terapeutas ocupacionais.

Compreendeu-se que a amostra deste estudo realiza atendimentos ao luto a partir de um fluxo que não é estruturado especificamente para essa assistência, ou seja, na maior parte das vezes, os terapeutas ocupacionais se deparam com a vivência do luto do cliente durante a trajetória assistencial iniciada por outra demanda, fator que evidencia um olhar profissional sensível para alterações emocionais e um movimento de ajuste no plano terapêutico a partir da identificação do sofrimento instituído pela perda e sua relação com o desempenho das ocupações, contudo, destituído de fundamentos teóricos do luto, sendo esse um tensionamento apresentado.

Destaca-se que os dados obtidos reforçam que o vazio da perda se associa não só à ausência do outro, mas também às ocupações compartilhadas e direcionadas à pessoa falecida (Souza & Corrêa, 2009Souza, A. M., & Corrêa, V. A. C. (2009). Compreendendo o pesar do luto nas atividades ocupacionais. Revista do NUFEN, 1(2), 131-148.), sendo o terapeuta ocupacional um profissional com expertise para atuação junto ao público enlutado com responsabilidades de investir na fundamentação dessa prática.

Como limitação deste estudo aponta-se o número reduzido de participantes e ausência de representatividade de terapeutas ocupacionais das diferentes regiões do país. Todavia, tais resultados apontam caminhos para novos estudos com desenhos metodológicos que permitam tanto a observação de tais práticas para maior detalhamento das abordagens terapêuticas, com recortes de investigação por equipamentos de saúde, com metodologias que levem a alcançar os significados atribuídos às ocupações que sofrem alterações.

  • 1
    Aprovação do comitê de ética conforme parecer nº 4.192.360.
  • Como citar: Saciloti, I. P., & Bombarda, T. B. (2022). Abordagem ao luto: aspectos exploratórios sobre a assistência de terapeutas ocupacionais. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, e3264. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO249532641

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Editado por

Editor de seção

Prof. Dr. Milton Carlos Mariotti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2022
  • Revisado
    19 Fev 2022
  • Revisado
    02 Ago 2022
  • Aceito
    04 Out 2022
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