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Riscos e benefícios do uso de plantas transgênicas na agricultura

Risks and benefits of transgenic plants to agriculture

Resumos

O desenvolvimento de técnicas de DNA recombinante possibilitou a produção de plantas transgênicas através da transferência de genes de bactérias, vírus ou animais para as espécies vegetais. Como resultado desta tecnologia, já estão disponíveis ao melhoramento de plantas novas fontes de genes e plantas com resistência a doenças e insetos, tolerância a herbicidas e estresses ambientais e com qualidade superior. O objetivo desta revisão é apontar riscos, benefícios e aspectos importantes no uso de plantas transgênicas na agricultura. Entre as questões que vêm sendo discutidas a respeito de testes a campo de plantas transgênicas, pode-se destacar a segurança dos genes marcadores (especialmente os que conferem resistência a antibióticos ou tolerância a herbicidas) e o fluxo gênico entre espécies vegetais. Apesar dos Estados Unidos da América e a Comunidade Européia possuírem legislações para regulamentar os testes a campo e a liberação de plantas transgênicas em escala comercial, não existe uma legislação internacional que regulamente o uso desses produtos em outras partes do mundo. O impacto da tecnologia do DNA recombinante na produção de novos produtos agrícolas dependerá do entendimento pela sociedade dos riscos e benefícios que essa tecnologia poderá trazer para a agricultura.

testes a campo; fluxo gênico; genes marcadores; legislação


The development of recombinant DNA techniques has enabled gene transfer between plants and bacteria, virus or animais to produce transgenic plants. As a result of this technology, there are new genes and plants available to plant breeding for disease and insect resistance, herbicide and environmental stresses tolerance, and for superior quality products. The objectives of this review are topoint out the risks, benefits and importam aspects in using transgenic plants in agriculture. Among the important issues that have been discussed about field tests with transgenic plants, two have received more attention: the safety of marker genes (specially those that confer resistance to antibiotics or herbicides tolerance) and the gene flow between cultivated and wild plant species. Even though the United States of América and the European Community have strict ruies which regulate the field tests and the commercial release of transgenic plants, there are no international laws to regulate the se issues in other parts of the world. The impact of the recombinant DNA technology on the production of new agricultural products will depend on the understanding of their risks and benefits by the society.

fïeld tests; gene flow; marker genes; legislation


RISCOS E BENEFÍCIOS DO USO DE PLANTAS TRANSGÊNICAS NA AGRICULTURA

RISKS AND BENEFITS OF TRANSGENIC PLANTS TO AGRICULTURE

Cristine Luise Handel1 1 Engenheiro Agrônomo, Mestre em Fitotecnia pela Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Sandra Cristina Kothe Milach2 1 Engenheiro Agrônomo, Mestre em Fitotecnia pela Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Luiz Carlos Federizzi3 1 Engenheiro Agrônomo, Mestre em Fitotecnia pela Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA -

RESUMO

O desenvolvimento de técnicas de DNA recombinante possibilitou a produção de plantas transgênicas através da transferência de genes de bactérias, vírus ou animais para as espécies vegetais. Como resultado desta tecnologia, já estão disponíveis ao melhoramento de plantas novas fontes de genes e plantas com resistência a doenças e insetos, tolerância a herbicidas e estresses ambientais e com qualidade superior. O objetivo desta revisão é apontar riscos, benefícios e aspectos importantes no uso de plantas transgênicas na agricultura. Entre as questões que vêm sendo discutidas a respeito de testes a campo de plantas transgênicas, pode-se destacar a segurança dos genes marcadores (especialmente os que conferem resistência a antibióticos ou tolerância a herbicidas) e o fluxo gênico entre espécies vegetais. Apesar dos Estados Unidos da América e a Comunidade Européia possuírem legislações para regulamentar os testes a campo e a liberação de plantas transgênicas em escala comercial, não existe uma legislação internacional que regulamente o uso desses produtos em outras partes do mundo. O impacto da tecnologia do DNA recombinante na produção de novos produtos agrícolas dependerá do entendimento pela sociedade dos riscos e benefícios que essa tecnologia poderá trazer para a agricultura.

Palavras-chave: testes a campo, fluxo gênico, genes marcadores, legislação.

SUMMARY

The development of recombinant DNA techniques has enabled gene transfer between plants and bacteria, virus or animais to produce transgenic plants. As a result of this technology, there are new genes and plants available to plant breeding for disease and insect resistance, herbicide and environmental stresses tolerance, and for superior quality products. The objectives of this review are topoint out the risks, benefits and importam aspects in using transgenic plants in agriculture. Among the important issues that have been discussed about field tests with transgenic plants, two have received more attention: the safety of marker genes (specially those that confer resistance to antibiotics or herbicides tolerance) and the gene flow between cultivated and wild plant species. Even though the United States of América and the European Community have strict ruies which regulate the field tests and the commercial release of transgenic plants, there are no international laws to regulate the se issues in other parts of the world. The impact of the recombinant DNA technology on the production of new agricultural products will depend on the understanding of their risks and benefits by the society.

Key words: fïeld tests, gene flow, marker genes, legislation.

INTRODUÇÃO

Este último século testemunhou um desenvolvimento significativo na agricultura: do histórico sistema dependente de recursos naturais para um baseado em ciência e tecnologia (Ruttan apud COHEN, 1993); onde o desenvolvimento de novas variedades pelo melhoramento de plantas tem sido parte fundamental da agricultura baseada na ciência (COHEN, 1993). Na década passada houve grandes avanços nos métodos de recombinar seqüências de DNA de diversos organismos em laboratório e incorporá-las em plantas. Estas técnicas de transformação de plantas fazem parte da biotecnologia e vieram auxiliar o melhoramento de plantas com a possibilidade de incorporação de genes diferentes de resistência a doenças e insetos, e tolerância a herbicidas e estresses ambientais, entre outros.

Um dos objetivos internacionais para programas de pesquisa é a integração total entre as novas técnicas biotecnológicas com as de melhoramento tradicional, a fim de solucionar problemas oriundos do processo usual de seleção (Cohen et al., apud COHEN, 1993). Existem inúmeros exemplos de plantas transgênicas bem sucedidas, como: plantas de batata resistentes a doenças, de algodão tolerantes a herbicidas, de soja que contém alto nível de metionina e até o lançamento da cultivar de tomate Flavr. Savr. da Calgene, que confirma esta integração biotecnologia-pesquisa convencional em agricultura.

Segundo FRALEY (1992), entre 1992 e 2030 os agricultores terão de produzir mais alimento, em calorias, do que produziram desde o início da agricultura, sendo que nos próximos 10 a 20 anos genes introduzidos por técnicas de transformação serão responsáveis por um grande percentual das plantas resistentes a doenças e insetos e tolerantes a herbicidas. Apesar disso, a biotecnologia não pode isoladamente resolver todos os problemas da fome, mas sim ser parte de um programa de crescimento global da agricultura convencional, baseado no desenvolvimento econômico e educacional.

O crescimento do número de laboratórios em universidades, órgãos de pesquisa e empresas privadas que trabalham com biotecnologia é bastante grande. Nos EUA foi criada uma organização chamada BIO (Biotechnology Industry Organization) onde mais de 90% dos associados são organizações novas, incluindo mais de 300 empresas e 60 centros de biotecnologia. Com este crescimento aumentam as pressões para que estas firmas lancem novos produtos no mercado (GEORGE, 1993). Assim sendo, existe necessidade da imediata normalização para a liberação destes produtos, para que este processo de crescimento da agricultura seja totalmente seguro para a população e ao ambiente.

O governador do estado da Carolina do Norte (EUA - que é um dos estados americanos com maior atividade na área biotecnológica), Jim Hunt, afirma que a indústria biotecnológica tem mais potencial e promete maior crescimento econômico que qualquer outra indústria individual (GEORGE, 1993).

Neste trabalho serão feitas considerações sobre a liberação de plantas transgênicas, aspectos que afeiam o seu desempenho e o potencial de uso no melhoramento de plantas.

PROBLEMAS NA LIBERAÇÃO DE PLANTAS TRANSGÊNICAS

Apesar dos avanços científicos no melhoramento, a comercialização de plantas transgênicas tem sido dificultada pela falta de informações sobre o impacto destas plantas no ambiente e à saúde pública (SAWAHEL, 1994). FRALEY (1992) afirma que em alguns casos da biotecnologia de plantas os problemas técnicos para obtenção de plantas transgênicas são menores que os relacionados ao seu uso. O presidente da Calgene Fresh, Thomas L.Churchwell, prediz que os grupos anti-biotecnologia ficarão desacreditados, e que no final os consumidores irão preferir o seu produto pela qualidade e sabor (GEORGE, 1993).

Entre as questões que tm causado discussões quanto à liberação de plantas transgênicas, duas tem chamado maior atenção: a segurança dos genes marcadores e o fluxo gênico com outras espécies.

Genes Marcadores

Existem basicamente dois tipos de genes marcadores: os que conferem resistência a determinados antibióticos e os que conferem tolerância a herbicidas. Estes genes são usados para a identificação de células transformadas em relação às não-transformadas nos primeiros estádios após a transformação.

Um dos genes marcadores mais usado é o NPT II, que confere resistência à canamicina e outros antibióticos derivados da neomicina, como a paromomicina. Existem trabalhos como da Calgene que tratam da segurança do uso deste marcador, que está presente no tomate Flavr. Savr. Segundo este documento, o ser humano ingere por dia l,2x106 microrganismos resistentes à canamicina, vindos basicamente da salada crua (FLAVELL et al., 1992). Desta forma a ingestão de vegetais com NPT II não acarretaria em resistência de microrganismos do trato digestivo, pois eles já são resistentes. Ainda fica claro que o NPT II não é responsável pela produção de produtos tóxicos pelos organismos que o possuem ou que o ingerem. Isto foi comprovado em testes realizados em roedores e seres humanos voluntários (FLAVELL et al.,1992).

O mesmo que ocorre no trato digestivo dos humanos acontece quanto ao aumento de bactérias resistentes no solo sob intenso cultivo de plantas portadoras do NPT II. A Calgene chegou a um percentual menor que 0,0001 de acréscimo destas bactérias resistentes no solo. Além disso, a probabilidade de uma bactéria obter um gene de uma planta é muito baixa, comparado com o caso de recebê-lo de outra bactéria (FLAVELL et al, 1992).

Existe um sistema chamado Cre/Lox que promove a recombinação entre genes a nível molecular. Este sistema está sendo testado para separar genes marcadores dos genes de interesse a que estão ligados nos vetores de construção utilizados na transformação. Este sistema tem sido utilizado com sucesso apenas em fumo, porém acrescenta em 2 a 3 anos o tempo necessário para a liberação de plantas isentas de gene marcador (SAWAHEL, 1994 e FLAVELL et al., 1992).

Os estudos realizados até o presente momento não demonstram que os genes marcadores possuem efeitos nocivos. Além disso, os genes marcadores auxiliam o processo de transformação e podem ajudar os melhoristas a detectar de forma relativamente fácil quais as progênies que mantém os genes da planta transformada originalmente. Contudo, cada marcador deve ser bastante estudado e testado para garantir a segurança que o NPT II e outros marcadores já comprovaram.

Fluxo Gênico

O risco de polinização cruzada de plantas geneticamente transformadas com seus parentes selvagens foi sugerido como o primeiro problema da liberação de plantas transgênicas (Ellstrand apud. SAWAHEL, 1994).

O fluxo gênico entre espécies selvagens e cultivadas não era visto como um entrave à prática do melhoramento vegetal pelos ecologistas até algum tempo atrás, pois as características inicialmente trabalhadas pelos melhoristas, como nanismo, ausência de dormência e a não-deiscência natural seriam características desinteressantes às plantas selvagens. Com o melhoramento, e principalmente a biotecnologia voltando-se para a fixação de nitrogênio, resistência a pragas, doenças e tolerância a herbicidas e estresses, esta visão foi modificada, pois estas características são igualmente interessantes às espécies selvagens.

Existem evidências de coevolução de plantas cultivadas e algumas espécies selvagens que se tomaram importantes invasoras dos cultivos (DALE, 1992), o que pode fazer com que um transgene seja vantajoso para espécies invasoras e afete negativamente o sistema de produção agrícola.

Apesar de fatores como compatibilidade sexual, crescimento no mesmo local, florescimento simultâneo e eficiente transporte de pólen serem necessários para que possa ocorrer fluxo gênico, já foi observado em um campo de testes com batata transgênica, usando o gene NPT II, 24% de cruzamentos com plantas vizinhas e 0,017% a 10 metros de distância (SAWAHEL, 1994). Ensaios experimentais a campo e em casa de vegetação com Brassica napus revelaram uma frequência elevada (10-3) de fecundação cruzada entre plantas transgênicas e normais distantes em um metro. Esta frequência, contudo, caiu para 10-5 eventos de fecundação cruzada quando a distância entre plantas transgênicas e normais passou para 16 metros (PAUK et al., 1995). Por outro lado, em girassol foi observado fluxo gênico entre plantas transgênicas e normais na distância de 1000 metros (ÁRIAS & RIESEBERG, 1994). Esses dados revelam que de fato o fluxo gênico ocorre em condições naturais e que é possível que um gene de tolerância a herbicidas seja transferido de uma planta transgênica para uma espécie selvagem, o que originaria uma planta daninha muito mais difícil de ser controlada.

Existem algumas estratégias para isolar plantas transgênicas e evitar a formação de híbridos indesejáveis. Entre elas estão: (i) uso de plantas transgênicas macho-estéreis, quer seja para evitar a produção de pólen ou produzir pólen inativo; (ii) plantio de plantas transgênicas em áreas isoladas com uso de bordadura de plantas não transgênicas; (iii) inserção do gene de interesse em DNA de plastídeos (cloroplastos e mitocôndrias), pois estes têm herança materna, prevenindo que ocorra transferência destes genes por polinização cruzada (Maligna apud. SAWAHEL, 1994).

Espécies selvagens têm sido fonte de vários genes utilizados no melhoramento tradicional de plantas, o que fornece informações valiosas sobre o nível de compatibilidade sexual entre algumas espécies cultivadas e seus parentes selvagens (DALE, 1992). Contudo as relações ecológicas entre comunidades naturais não são totalmente conhecidas. As influências ecológicas exercidas por plantas selvagens híbridas do cruzamento com transgênicas são difíceis de serem previstas. As consequências ecológicas deste fluxo gênico são totalmente dependentes da natureza do transgene e da comunidade para a qual ele passará (EVENHUS & ZADOCKS, 1991). Para evitar os possíveis riscos deste desconhecimento, os sistemas de transformação de alguns cereais, como a aveia, têm sido reformulados.

O primeiro sistema de transformação estabelecido para aveia cultivada utilizava o gene marcador BAR que confere resistência ao herbicida "BASTA" ("phosphinothricin" ou "PPT") (SOMMERS et al, 1995). Pelo fato desse herbicida ser utilizado no cultivo da aveia para controle de plantas invasoras das espécies selvagens Avena sterilis e A. fatua, esse sistema de transformação poderia criar plantas selvagens resistentes ao herbicida pelo fluxo gênico. Por esse motivo, o sistema de transformação de aveia foi adaptado para o uso do gene marcador NPT II, que confere resistência ao antibiótico paramomicina, e tem sido uma alternativa mais segura e viável na transformação de diversas espécies de cereais.

Como o uso a campo das plantas transgênicas ainda é restrito, a ocorrência de fluxo gênico é uma preocupação teórica, pois não foram descritos casos deste fenômeno, a não ser em testes intencionais. Apesar disso, a preocupação com plantas selvagens híbridas deve ser bastante grande e o seu controle rigoroso, pois com o aumento das atividades com biotecnologia e o crescente aumento de testes a campo, isto pode ocorrer por descuido ou mesmo irresponsabilidade dos técnicos que trabalham com este material.

Desta forma o fluxo gênico pode ser o maior risco que estas plantas oferecem, pois os testes referentes aos efeitos à saúde humana e animal são mais garantidos do que suposições de medidas que assegurem a não ocorrência deste fluxo.

ASPECTOS QUE AFETAM O DESEMPENHO DE PLANTAS TRANSGÊNICAS

Expressão e estabilidade do transgene

Um dos aspectos críticos para a utilização de plantas transgênicas é a estabilidade do transgene ao longo do tempo (MEYER, 1995), pois muitas vezes a expressão do transgene é instável, o que geralmente resulta no declínio de sua expressão. Algumas vezes observa-se metilações de resíduos de citosina, mas não se sabe se estas metilações são causas ou consequências da inativação do gene (DALE et al., 1993).

CALIGARI et al. (1993) relatam que linhagens de fumo transformadas com dois genes marcadores apresentavam variações para caracteres agronômicos. Isto indica que a transformação, ou a presença do T-DNA, alterou o funcionamento normal da planta, o que não seria esperado. Na teoria, enquanto o T-DNA não interferir com os processos metabólicos normais da planta isto não deve ocorrer (McHUGHEN & HOLM, 1991).

Em plantas transgênicas de petúnia modificadas para coloração, foram obtidas plantas variegadas devido a processos de inativação do transgene (MEYER, 1995). Segundo o autor, isto ocorreu devido à inativação da transcrição acompanhada de hipermetilação na região do promotor do gene.

Variação Somaclonal

A variação somaclonal é um problema inevitável na transformação de plantas em sistemas de transformação baseados no cultivo de calos in vitro. A regeneração de plantas in vitro é inerente ao processo, e quando esta regeneração é baixa, como cita D'HALLUIM et al. (1990) em alfafa, este se toma o maior obstáculo para a aplicação dos métodos de transformação.

Devido ao estresse induzido pela cultura de tecidos e ao processo de transformação como um todo, a variação somaclonal pode ocorrer em um nível de aproximadamente 5%. Esta variação pode ser genética ou epigenética, mas somente a variação genética tem importância para o melhoramento de plantas (DE BLOCK, 1993).

Para eliminar variantes pode-se fazer retrocruzamentos selecionando os que mantém a característica do transgene, mas sem a variação de origem somaclonal. Esta é uma forma fácil de contornar o problema, mas que acrescenta tempo para obter linhagens transgênicas com o tipo de planta desejado.

Efeitos Pleiotrópicos

Ainda existe discussão sobre a ocorrência de efeito pleiotrópico dos transgenes. DALE et al. (1993) afirmam que pode haver falta de controle apropriado e replicação suficiente para detectar possíveis efeitos pleiotrópicos e cita que plantas transgênicas de batata portadoras do gene GUS apresentaram maior altura de planta, peso e número de tubérculos. Estes estudos sobre efeitos pleiotrópicos são importantes pois influem diretamente no melhoramento, já que podem alterar várias características de interesse favorecendo ou não o melhorista.

Os problemas de expressão gênica, variação somaclonal e efeitos pleiotrópicos indesejáveis na obtenção de plantas transgênicas, podem ser controlados pela produção em grande escala destas plantas, o que possibilitaria ao melhorista selecionar o material mais adequado.

LEGISLAÇÃO PARA LIBERAÇÃO DE PLANTAS TRANSGÊNICAS

Os testes a campo são o primeiro passo na liberação de plantas transgênicas (DE GREEF et al., 1989), a fim de aprimorar os conhecimentos agronômicos e ecológicos. NELSON et al. (1988) receberam autorização da "Biological Assessment Support Staff Protection" para realizar seu primeiro teste a campo em junho de 1986. No período entre 1986 e 1993 houve um total de 1025 testes a campo com plantas transgênicas, envolvendo 38 espécies vegetais em 31 países (DALE, 1995). Estas plantas foram transformadas para diversas características, sendo a principal a tolerância a herbicidas, com 340 testes, seguida pela resistência a vírus com 164 e a insetos com 127 testes. Nos Estados Unidos houveram 385 testes, na França 138 e na China apenas 19, mas a área de testes com fumo na China é muito maior que qualquer outra área com plantas transgênicas no mundo. Quase um milhão de hectares foi cultivado na China em 1994, o que equivale a 5% da área total de fumo deste país, e até o ano 2000 a previsão é de 70% da área de fumo receber plantas trangênicas (DALE, 1995).

Além de aprovação para estes testes, deve ocorrer fiscalização eficiente dos mesmos, pois como já foi discutido, existem riscos que devem ser evitados ao máximo. Mesmo com testes realizados desde 1987, o primeiro produto transgênico foi liberado em 1994, e as discussões e normalizações sobre este assunto ainda estão em pleno andamento.

Alguns países estabeleceram a cobrança de taxas para avaliar a possibilidade de liberação das transgênicas, que varia de 27 a 37.000 dólares na Dinamarca, de 4 a 110.000 na Alemanha e é de 425 dólares na Itália (DALE, 1995). Esta cobrança pode permitir que os testes para avaliar a segurança dos produtos sejam melhor fiscalizados, mas também pode acarretar em decréscimo da pesquisa nestes países, ou fazer com que os cientistas levem seus testes de campo para outros países, com taxas menores ou inexistentes (DALE, 1995).

Na Europa, os países membros da Comunidade Econômica Européia operam sob leis comuns. Os questionários para pedidos de liberação iniciam com informações sobre o órgão que está fazendo o pedido, passa pelo DNA doador, o vetor usado, as características da "nova" planta, as condições de liberação e do ambiente receptor, as interações planta transgênica-ambiente e controles de emergência e monitoramento. Após a aprovação em seu país de origem, os dados são examinados por comissões da Comunidade Europeia (DALE et al, 1993).

Nos Estados Unidos existem vários órgãos governamentais que regularizam a liberação das plantas transgênicas. Na Agenda 21 da conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento no Rio de Janeiro em 1992, ficou estabelecido um acordo para confecção de um guia internacional de segurança em biotecnologia (DALE et al., 1993), mas isto ainda não foi colocado em prática.

No Brasil foi aprovado neste ano o decreto-lei que regulamenta a Lei n° 8974 de 1995, que trata da liberação de material geneticamente modificado. Foi definida a criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e esta comissão tem a responsabilidade de avaliar a viabilidade de funcionamento de laboratórios de biotecnologia e dos testes de seus produtos. Esta comissão deve estabelecer o funcionamento das Comissões Internas de Biossegurança (CIBio's) dentro de cada instituição que trabalhe de alguma forma com engenharia genética, e estas instituições devem possuir Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB).

Dentro de todo este panorama de comissões e exigências ficam as dúvidas sobre a viabilidade e eficiência desta normalização em nosso país, onde as condições de pesquisa e de controle desta pesquisa não são as ideais. Certamente a biossegurança da pesquisa com plantas transgênicas no Brasil dependerá do esclarecimento e consciência dos grupos de pesquisa responsáveis pela mesma.

POTENCIAL DE USO DE PLANTAS TRANSGÊNICAS NO MELHORAMENTO

A engenharia genética promete ter um grande impacto no melhoramento de plantas através da produção de plantas transgênicas com característcas novas e difíceis de serem manipuladas por métodos tradicionais, como qualidade superior de lipídios e proteínas (TÖPFER et al., 1995).

O melhoramento clássico até hoje não possibilitou aumentar o teor de ácido oleico em canola além de 80%, sem acarretar em caracteres agronômicos indesejáveis como a reduzida tolerância ao frio. Além disso, apenas 10% dos óleos vegetais são utilizados para fins não alimentícios, como para lubrificantes, óleos hidráulicos, bio-combustíveis, sabões e outros, o que pode ser modificado com o uso da engenharia genética. Oitenta e quatro por cento do óleo produzido no mundo vem de seis espécies cultivadas: soja, dendê, canola, girassol, semente de algodão e amendoim. A maior parte dos 210 tipos de óleos conhecidos sintetizados pelas plantas não estão disponíveis para fins econômicos, pois ocorrem em plantas não cultivadas. A elucidação das rotas metabólicas de síntese de novos tipos de óleos e dos mecanismos regulatórios que limitam a síntese de triglicerídeos, promete viabilizar economicamente a produção de novos óleos e gerar novos produtos para o mercado (TÖPFER et al, 1995).

Apesar do rápido crescimento que houve nos últimos oito anos, a transformação de plantas ainda tem inúmeras falhas, não permitindo a introdução de um gene de interesse em uma variedade superior de forma 100% eficiente. Esta nova tecnologia veio para auxiliar o melhoramento vegetal, mas nunca substituí-lo.

CONCLUSÕES

As informações relatadas neste trabalho nos levam a concluir que os riscos do uso de plantas transgênicas prometem ser muito menores que os benefícios que as mesmas vão e já estão trazendo à agricultura. O maior risco identificado no que se refere às plantas transgênicas até o momento é a possibilidade de fluxo gênico entre essas plantas e seus parentes selvagens. Os dados apresentados neste trabalho indicam que esse risco é variável com a espécie e o transgene em questão, e deve ser avaliado criteriosamente para cada caso.

A nível mundial já estão disponíveis ao mercado consumidor variedades de plantas transgênicas, como o tomate Flav. Savr. da empresa Calgene, e novas variedades transgênicas de várias espécies deverão estar no mercado nos próximos anos. Os intensivos e cuidadosos testes que a empresa Calgene realizou com seu tomate transgênico antes de sua liberação para comercialização indicam que o uso do mesmo na agricultura é seguro, contudo a extrapolação destes resultados para outras espécies deve ser feita com cautela para evitar qualquer risco ao ambiente e à saúde pública.

É importante que os dados obtidos nos testes a campo com plantas modificadas estejam ao alcance de todas as nações, a fim de aumentar o conhecimento a respeito do comportamento das plantas em condições naturais de cultivo.

Após testes adequados quanto à segurança das plantas transgênicas, estas devem passar pelos mesmos testes agronômicos para comprovarem sua superioridade e serem efetivamente comercializadas. Para isso, é necessária a utilização do mesmo tipo de parcela (quanto a isolamento e práticas culturais) e de condições de avaliação que as variedades desenvolvidas por métodos tradicionais de melhoramento são submetidas.

A comprovação da segurança de uso de plantas transgênicas na agricultura não é tudo, e deve ser acompanhada de medidas para o esclarecimento da população sobre essas plantas, pois o bom entendimento da população sobre plantas transgênicas é fundamental para que o consumidor não tenha preconceitos no uso de produtos da engenharia genética. Se esses produtos são tão seguros quanto os demais, não se deve manter sigilo sobre eles, pois como afirmou DALE et al. (1993) "o segredo traz a suspeita". O público mal informado pode acabar apoiando os grupos chamados "anti-ciência", que terão maior facilidade para agir e aumentar os atrasos na liberação de novos materiais genéticos.

Somente garantindo segurança dos materiais geneticamente modificados a uma população bem informada sobre esse assunto essa técnica poderá ter o sucesso que se espera, e auxiliar no aumento da produção mundial de alimentos.

AGRADECIMENTOS

A professora Maria Helena Zanettini, do Departamento de Genética da UFRGS, pelo incentivo inicial a este trabalho.

2 Professor Adjunto, Departamento de Plantas de Lavoura, Faculdade de Agronomia, UFRGS, Caixa Postal 776, 91501-970, Porto Alegre, RS. Autora para correspondência.

3 Professor Titular, Departamento de Plantas de Lavoura, Faculdade de Agronomia, UFRGS.

Recebido para publicação em 12.09.95. Aprovado em 29.05.96

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  • 1
    Engenheiro Agrônomo, Mestre em Fitotecnia pela Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 1996

    Histórico

    • Aceito
      29 Maio 1996
    • Recebido
      12 Set 1995
    Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais , 97105-900 Santa Maria RS Brazil , Tel.: +55 55 3220-8698 , Fax: +55 55 3220-8695 - Santa Maria - RS - Brazil
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