Resumos
O estudo tem por objetivo analisar a assistência pré-natal oferecida às gestantes usuárias de serviços de saúde públicos e/ou privados utilizando dados da pesquisa Nascer no Brasil, realizada em 2011 e 2012. As informações foram obtidas por meio de entrevista com a puérpera durante a internação hospitalar e dados do cartão de pré- natal. Os resultados mostram cobertura elevada da assistência pré-natal (98,7%) tendo 75,8% das mulheres iniciado o pré-natal antes da 16a semana gestacional e 73,1% compareceram a seis ou mais consultas. O pré-natal foi realizado, sobretudo, em unidades básicas (89,6%), públicas (74,6%), pelo mesmo profissional (88,4%), em sua maioria médicos (75,6%), e 96% receberam o cartão de pré-natal. Um quarto das gestantes foi considerado de risco. Do total das entrevistadas, apenas 58,7% foram orientadas sobre a maternidade de referência, e 16,2% procuraram mais de um serviço para a admissão para o parto. Desafios persistem para a melhoria da qualidade dessa assistência, com a realização de procedimentos efetivos para a redução de desfechos desfavoráveis.
Cuidado Pré-Natal; Saúde Materno-Infantil; Serviços de Saúde Materno-Infantil
El estudio tiene por objetivo describir el cuidado prenatal ofrecido a las embarazadas por parte de los servicios de salud públicos o privados en Brasil, utilizando los datos de la encuesta Nacer en Brasil, realizada en 2011 y 2012. La información se obtuvo mediante entrevistas con las mujeres después del parto, durante la hospitalización, y la ficha prenatal. Los resultados indican una alta cobertura (98,7%), con un 75,8% de las mujeres que comenzaron la atención prenatal antes de las 16 semanas de gestación y un 73,1% que tuvieron seis o más consultas. La atención prenatal se llevó a cabo en las unidades básicas de atención (89,6%), públicas (74,6%), por un mismo profesional (88,4%), la mayoría médicos (75,6%) y el 96% recibió una ficha prenatal. Una cuarta parte de las mujeres se consideraba en riesgo. Del total, sólo el 58,7% estaban orientadas sobre la unidad de maternidad de referencia, y el 16,2% dice que han buscado más de un servicio para el parto. Sigue habiendo problemas para mejorar la calidad de la atención, y es necesaria la realización de procedimientos efectivos para reducir los resultados desfavorables.
Atención Pré-natal; Salud Materno-Infantil; Servicios de Salud Materno-Infantil
This study aims to describe prenatal care provided to pregnant users of the public or private health services in Brazil, using survey data from Birth in Brazil, research conducted from 2011 to 2012. Data was obtained through interviews with postpartum women during hospitalization and information from hand-held prenatal notes. The results show high coverage of prenatal care (98.7%), with 75.8% of women initiating prenatal care before 16 weeks of gestation and 73.1% having six or more number of appointments. Prenatal care was conducted mainly in primary health care units (89.6%), public (74.6%), by the same professional (88.4%), mostly physicians (75.6%), and 96% received their hand-held prenatal notes. A quarter of women were considered at risk of complications. Of the total respondents, only 58.7% were advised about which maternity care service to give birth, and 16.2% reported searching more than one health service for admission in labour and birth. Challenges remain for improving the quality of prenatal care, with the provision of effective procedures for reducing unfavourable outcomes.
Prenatal Care; Maternal and Child Health; Maternal-Child Health Services
Introdução
A assistência pré-natal é um importante componente da atenção à saúde das mulheres no período gravídico-puerperal. Práticas realizadas rotineiramente durante essa assistência estão associadas a melhores desfechos perinatais 1,2. Segundo recomendações do Ministério da Saúde 3, a assistência pré-natal deve se dar por meio da incorporação de condutas acolhedoras; do desenvolvimento de ações educativas e preventivas, sem intervenções desnecessárias; da detecção precoce de patologias e de situações de risco gestacional; de estabelecimento de vínculo entre o pré-natal e o local do parto; e do fácil acesso a serviços de saúde de qualidade, desde o atendimento ambulatorial básico ao atendimento hospitalar de alto risco.
Estudos nacionais de abrangência local têm demonstrado a existência de falhas na assistência pré-natal, tais como dificuldades no acesso, início tardio, número inadequado de consultas e realização incompleta dos procedimentos preconizados, afetando sua qualidade e efetividade 4,5,6. A falta de vínculo entre os serviços que prestam a assistência pré-natal e ao parto é outro problema identificado, resultando na peregrinação da gestante em trabalho de parto na busca de uma vaga para internação, trazendo riscos adicionais à saúde da parturiente e do recém-nato 7,8.
Dados de abrangência nacional relativos à assistência pré-natal no Brasil são escassos. As informações do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) demonstram um aumento da cobertura pré-natal no país, alcançando valores próximos a 100% em 2011 (Departamento de Informática do SUS. http://www.datasus.gov.br, acessado em 01/Jul/2013). Entretanto, esse sistema só permite a análise do número de consultas realizadas, além de se restringir às gestações que resultaram num nascido vivo. O Sistema de Acompanhamento do Programa de Huma- nização no Pré-Natal e Nascimento – SispreNatal (http://sisprenatal.datasus.gov.br/SISPRENATAL /index.php), implantado no ano 2000, permitiria acesso a outras informações, como idade gestacional no início da assistência pré-natal, exames de rotina, vacinação antitetânica, número de consultas de pré-natal e consulta puerperal. Porém, esses dados não estão disponíveis para consulta regular e apresentam problemas de sub-registro 9. O único trabalho que avaliou a assistência pré-natal utilizando dados desse sistema para o conjunto do país foi feito com gestantes inscritas nos dois primeiros anos do programa (2001 e 2002), quando menos de 30% das gestantes se encontravam cadastradas 10.
Estudos específicos, como a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), também fornecem dados sobre a assistência pré-natal no país, quando abordam essa temática. A última, realizada em 2006 11, revelou 80,9% de cobertura pré-natal com seis ou mais consultas, elevada realização de exames e de fornecimento de cartão de pré-natal. No entanto, esse estudo se baseia apenas na entrevista com as mulheres, sem verificação do cartão de pré-natal, estando também mais sujeita a viés de memória, por incluir gestações ocorridas nos últimos cinco anos.
Considerando a importância de dados nacionais que permitam uma melhor avaliação da assistência prestada, o objetivo deste estudo é analisar a assistência pré-natal oferecida às gestantes usuárias de serviços de saúde públicos e/ou privados no Brasil, tendo em vista a sua adequação conforme alguns parâmetros definidos pelo Ministério da Saúde 12, sua forma de organização e relação com outros serviços do sistema de saúde, bem como o perfil das usuárias dos serviços de pré-natal.
Metodologia
Nascer no Brasil é um estudo nacional de base hospitalar composto por puérperas e seus recém-nascidos, realizado no período de fevereiro de 2011 a outubro de 2012. A amostra foi selecionada em três estágios. O primeiro, composto por hospitais com 500 ou mais partos/ano estratificado pelas cinco macrorregiões do país, localização (capital ou não capital), e tipo de hospital (privado, público e misto). O segundo foi composto por dias (mínimo de sete dias em cada hospital) e o terceiro composto pelas puérperas. Em cada um dos 266 hospitais amostrados foram entrevistadas 90 puérperas, totalizando 23.940 sujeitos. Mais informações sobre o desenho amostral encontram-se detalhadas em Vasconcellos et al. 13. Na primeira fase do estudo, foram realizadas entrevistas face a face com as puérperas durante a internação hospitalar e extraídos dados do prontuário da puérpera e do recém-nato e fotografados os cartões de pré-natal da puérpera. Entrevistas telefônicas foram realizadas aos antes dos seis meses e aos 12 meses após o parto para a coleta de dados sobre desfechos maternos e neonatais. Informação detalhada sobre a coleta de dados é relatada em do Carmo Leal et al. 14. Apesar de o estudo principal ser uma coorte, neste artigo serão apresentados somente os resultados da primeira fase da pesquisa, mediante um recorte seccional.
Para a avaliação da assistência pré-natal, foi verificada a cobertura dessa assistência (realização de pelo menos uma consulta de pré-natal); as razões referidas para a não realização da mesma; a proporção de gestantes com início precoce do pré-natal (até a 16a semana gestacional) e as razões referidas para seu início tardio; o número de consultas realizadas; a proporção de gestantes com cartão de pré-natal no momento da admissão para o parto e de resultados de exames [glicemia, urina (EAS) e ultrassonografia] registrados nesse cartão; o recebimento de informações sobre o trabalho de parto, sinais de risco na gravidez e aleitamento materno. Para as mulheres que apresentaram cartão da gestante, considerou-se a idade gestacional na primeira consulta de pré-natal e o total de consultas registradas. Para as mulheres que não apresentaram cartão, utilizou-se a informação obtida durante a entrevista materna 15.
Também foi verificada a forma de estruturação dos serviços de pré-natal segundo fonte de pagamento (público ou privado), tipo de unidade de saúde onde a mulher realizou a maioria das consultas de pré-natal (atenção básica ou ambulatório hospitalar), profissional que prestou a assistência pré-natal na maioria das consultas (médico ou enfermeiro) e continuidade da assistência (mesmo profissional durante toda a assistência pré-natal ou não).
A integração da assistência pré-natal a outros serviços da rede de saúde foi aferida pela proporção de gestantes consideradas de risco encaminhadas e atendidas em serviços de referência; a proporção de gestantes orientadas sobre o local de internação para o parto; a proporção das que foram atendidas nesses serviços; e a necessidade de busca de mais de um serviço no momento da internação para o parto (denominada “peregrinação”).
As variáveis relacionadas à assistência pré-natal foram analisadas segundo características maternas: macrorregião de residência (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-oeste), idade (10-14 anos, 15-19 anos, 20-34 anos, 35 e mais), escolaridade (Ensino Fundamental incompleto, Ensino Fundamental completo, Ensino Médio, Ensino Superior ou mais), raça/cor da pele autorreferida (branca, preta, parda, amarela, indígena), situação conjugal (vive ou não com o companheiro), gestações anteriores (0, 1, 2, 3 ou mais) e ocorrência de desfechos negativos em gestações anteriores (definido como a ocorrência de pelo menos uma das seguintes condições: natimorto, neomorto, prematuro, baixo peso, hipertensão e/ou diabetes, 3 ou mais abortos).
Variáveis relacionadas ao planejamento da gestação atual e à satisfação da gestante com essa gravidez também foram utilizadas para análise dos desfechos “cobertura do pré-natal”, “motivos para a não realização do pré-natal”, “início precoce”, e “motivos para o início tardio do pré-natal”.
Não saber que estava grávida; problemas pessoais (não querer a gravidez, não saber que o pré-natal é importante, dificuldade financeira, dificuldade relacionada ao trabalho/escola, e falta de apoio para comparecer ao serviço); e barreiras de acesso (dificuldade para o agendamento da consulta, problemas com horário de atendimento e com os profissionais do serviço e dificuldade de transporte) foram as principais categorias utilizadas para explicar a não realização do pré-natal e seu início tardio.
Os dados de cartão de pré-natal e das orientações recebidas no pré-natal foram analisados apenas segundo macrorregião de residência da entrevistada.
A ponderação dos dados foi calculada pelo inverso da probabilidade de inclusão de cada puérpera na amostra. Para assegurar que as estimativas fossem semelhantes ao número de nascimentos da população amostrada em 2011, um procedimento de calibração foi utilizado em cada estrato de seleção. Dessa forma, os resultados apresentados são estimativas para a população estudada (2.337.476 de partos), baseados na amostra de 23.894 puérperas entrevistadas.
Realizou-se análise para amostras complexas para inclusão de efeito de desenho, dado que foi utilizado na amostragem por conglomerados, com aplicação do teste estatístico qui-quadrado com significância de 0,05, para verificar diferenças entre proporções. O pacote utilizado foi SPSS versão 17 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos)
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), parecer no 92/2010. Todos os cuidados foram adotados visando garantir o sigilo e confidencialidade das informações. Antes da realização de cada entrevista, foi obtido consentimento digital após leitura do termo de consentimento livre e esclarecido.
Resultados
Das puérperas elegíveis selecionadas para participar do estudo, 5,7% não foram entrevistadas, sendo as principais causas recusa ou alta precoce, sendo substituídas por outras da mesma unidade, resultando na entrevista de 23.894 mulheres.
As puérperas entrevistadas apresentavam média de idade de 25,7 anos, sendo 18,2% adolescentes e 10,5% com 35 ou mais anos. A maioria referia ter raça/cor da pele parda, com amarelas e indígenas correspondendo a uma proporção muito pequena do total da amostra (1,1% e 0,4%, respectivamente). Metade das entrevistadas apresentava Ensino Fundamental e 8,9% Ensino Superior. Mais de 80% referiam viver com o companheiro, 41,5% estavam na primeira gestação e 15% tinham três ou mais gestações anteriores. Das mulheres que já haviam engravidado anteriormente, aproximadamente um terço apresentou desfechos negativos em gestações anteriores. Menos da metade das puérperas referiu ter planejado a gestação atual, 9,6% revelaram que ficaram insatisfeitas quando souberam que estavam grávidas e 2,3% referiram ter tentado interromper a gestação atual (Tabela 1).
A realização da assistência pré-natal no Brasil foi de 98,7%, sendo superior a 90%, independentemente da característica materna. Coberturas menores foram observadas em puérperas residentes na Região Norte, indígenas, com menor escolaridade, sem companheiro e com maior número de gestações. Mulheres com desfechos anteriores negativos, que não queriam engravidar, que ficaram insatisfeitas com a gestação atual, e que referiam ter tentado interromper a gravidez também apresentaram mais baixas coberturas de assistência pré-natal (Tabela 1).
No país, 75,8% das mulheres iniciaram o pré-natal antes da 16a semana gestacional e 73,1% tiveram as seis consultas mínimas preconizadas pelo Ministério da Saúde (Tabela 1).
A proporção de mulheres com início precoce do pré-natal e com número suficiente de consultas foi similar à observada para a cobertura pré-natal: menor em residentes nas regiões Norte e Nordeste, em puérperas com menor escolaridade, sem companheiro, com maior número de gestações prévias, que não desejavam engravidar, insatisfeitas com a gestação atual e que tentaram interromper a gestação. Mulheres com desfechos negativos anteriores iniciaram o pré-natal mais tardiamente e tiveram menor número de consultas do que mulheres que não tiveram esses desfechos. Adolescentes e mulheres de raça/cor preta também apresentaram baixa proporção de início precoce do pré-natal e de número de consultas realizadas.
Barreiras de acesso e problemas foram as razões mais frequentes para a não realização do pré-natal (43,2% e 40,6%, respectivamente). Em mulheres residentes nas regiões Norte e Nordeste e em puérperas com menor escolaridade predominaram barreiras de acesso, enquanto mulheres sem companheiro e aquelas que tentaram interromper a gestação referiam mais problemas pessoais para não ter feito pré-natal. Ainda que sem significância estatística, indígenas apresentaram proporção três vezes maior de barreiras de acesso do que mulheres de raça/cor branca (Tabela 2).
Já a dificuldade para o diagnóstico da gravidez foi a principal razão referida para o início tardio do pré-natal (46,6%), seguido por problemas pessoais (30,1%) e barreiras de acesso (23,2%) (Tabela 3). As razões para o início tardio do acompanhamento pré-natal variaram segundo características das mulheres. Barreiras de acesso foram três vezes mais relatadas por indígenas do que por mulheres brancas, sendo também três vezes maior em residentes na Região Norte quando comparada às regiões Sul e Sudeste. Verificou-se também um gradiente nas barreiras de acesso segundo escolaridade e número de gestações, sendo maior nas mulheres de menor escolaridade e com maior número de gestações. Problemas pessoais foram referidos com maior frequência por mulheres sem companheiro, que não queriam engravidar, insatisfeitas com a gravidez ou que tentaram interromper a gravidez. Proporção elevada de primigestas referiu a razão “não saber que estava grávida” para ter iniciado o pré-natal tardiamente (Tabela 3).
Embora mais de 90% das puérperas tenham referido o recebimento de cartão de pré-natal durante seu acompanhamento, apenas 72,1% o apresentaram na admissão hospitalar para o parto, sendo as menores proporções observadas nas regiões Norte e Centro-oeste. Mais de 80% dos cartões analisados apresentavam registro da primeira rotina de exames (glicemia e EAS), enquanto o resultado da segunda glicemia só foi observado em 39,2% dos casos. As regiões Norte e Nordeste apresentaram a menor proporção de registro de todos os exames (Tabela 4).
No país, 98,2% das puérperas referiram ter realizado exame de ultrassonografia no pré-natal, sendo a menor proporção observada na Região Norte. A proporção de registro do resultado desse exame no cartão de pré-natal foi menor, estando disponível em 62,8% dos cartões analisados, com um quarto das ultrassonografias realizadas antes da 14a semana gestacional. As maiores proporções de registro de ultrassonografia realizadas no início da gestação foram encontradas nas regiões Sul e Sudeste (Tabela 4).
Em relação às informações recebidas no pré-natal (Tabela 4), as orientações sobre aleitamento materno e sobre sinais de risco na gestação foram referidas por mais de 60% das puérperas, enquanto orientações sobre práticas benéficas para o trabalho de parto foram citadas por 41,1%. Orientações sobre sinais de início do trabalho de parto e sobre sinais de risco foram mais referidas por mulheres residentes na Região Sul, e em menor proporção por residentes na Região Norte. Orientações sobre práticas benéficas para o parto foram mais frequentes na Região Centro-oeste, que junto com a Região Nordeste apresentou as maiores proporções de orientação sobre aleitamento materno.
Quanto à fonte de pagamento da assistência pré-natal (Tabela 5), verificou-se que a maioria das consultas foi realizada em serviços públicos, sendo a realização do pré-natal nesses serviços mais frequente em residentes nas regiões Norte e Nordeste, em mulheres de menor idade e escolaridade, de raça/cor preta ou indígena, sem companheiro, com maior número de gestações e com desfechos negativos anteriores.
As consultas de pré-natal foram realizadas principalmente em unidades de atenção básica (89,6%). Maior proporção de consultas em unidades hospitalares foi observada em mulheres de maior idade e escolaridade, e com desfechos negativos anteriores.
Quanto ao profissional que realizou a maioria das consultas do pré-natal, 75,6% das gestantes foram atendidas por um profissional médico, sendo possível notar a existência de um gradiente segundo idade e escolaridade: quanto maior a idade da gestante e a sua escolaridade, maior a proporção de atendimento por médicos. Em contrapartida, nas regiões Norte e Nordeste, metade das gestantes teve atendimento pré-natal realizado por enfermeiros. Mulheres com três ou mais gestações e com desfechos negativos anteriores foram atendidas em maior proporção por enfermeiros, quando comparadas àquelas com menor número de gestações e sem desfechos negativos (Tabela 5).
Analisando a continuidade da assistência pré-natal, constatou-se que 11,6% das mulheres referiram não ter sido acompanhadas pelo mesmo profissional ao longo da gestação. Novamente, um gradiente em relação à escolaridade pôde ser notado: quanto maior o nível educacional da mulher, maior a proporção de atendimento pelo mesmo profissional. Adolescentes com idade entre 10 e 14 anos, mulheres com menor número de gestações e residentes na Região Nordeste também apresentaram maior proporção de acompanhamento pelo mesmo profissional de saúde. Embora sem diferença significativa, ressalta-se que quase um quinto das indígenas não foi acompanhado pelo mesmo profissional durante a gestação (Tabela 5).
A Tabela 6 apresenta os fatores associados ao risco gestacional e à rede de assistência ao parto no país. Um quarto das puérperas entrevistadas referiu que a gestação foi classificada como de risco, especialmente aquelas pertencentes aos extremos etários (adolescentes com idade inferior a 15 anos e mulheres com 35 ou mais anos de idade), com 3 ou mais gestações anteriores, e aquelas com desfechos negativos anteriores. Ao necessitar de atendimento em um serviço de referência, apesar de a maioria das gestantes de risco ter referido que o obteve, 11,5% afirmaram que conseguiram o atendimento com dificuldade.
Aproximadamente 60% das gestantes foram orientadas sobre a maternidade de referência para internação para o parto. Mulheres residentes nas regiões Norte e Nordeste, as adolescentes, particularmente aquelas entre 10-14 anos de idade, e as puérperas de menor escolaridade foram as que menos relataram ter recebido essa orientação, enquanto mulheres brancas e primigestas foram as que mais receberam (Tabela 6). Das que foram orientadas, 84,5% tiveram o seu parto assistido na maternidade indicada. Mulheres residentes na Região Sul, de maior escolaridade, idade, com companheiro e maior número de gestações foram as que mais tiveram o parto na maternidade indicada, sendo esse valor de praticamente 100% entre as indígenas.
Antes de conseguir internação onde o parto foi realizado, 16,2% das mulheres buscaram assistência em outra maternidade (Tabela 6). A maioria dessas mulheres procurou apenas um serviço antes do atual, mas 15% referiram ter procurado de dois até seis unidades de saúde antes de conseguir a internação. As principais razões citadas foram ausência de condições de atendimento (40%), por falta de médicos, insumos e equipamentos; não haver vaga para a gestante e/ou o bebê (29,5%); e situação de risco clínico e/ou obstétrico (19,4%). Outras questões como a unidade não prestar assistência ao parto (3%); baixa qualidade de atendimento, inclusive com relato de maltrato (2,7%); e perfil da unidade procurada, com restrições ao atendimento conforme característica da gestante, como, por exemplo, a gestante ser adolescente ou primípara (4%), também foram citados embora em menor frequência (dados não apresentados em tabela). Na Tabela 6, verifica-se que a peregrinação das mulheres no momento da internação para o parto foi mais frequente em residentes na Região Nordeste do país; em pardas, pretas ou amarelas; em adolescentes; nas mulheres de menor escolaridade; naquelas sem companheiro; e nas que se encontravam na primeira gravidez.
Discussão
Os resultados deste estudo mostram que a cobertura da assistência pré-natal no Brasil é praticamente universal, com valores elevados em todas as regiões do país e em mulheres de diferentes características demográficas, sociais e reprodutivas. Contudo, a adequação dessa assistência é ainda baixa: 75,8% das mulheres iniciaram o pré-natal até a 16a semana gestacional e apenas 73,1% tiveram o número mínimo de consultas previstas para a idade gestacional no momento do parto, dados também observados em outros estudos nacionais 5,6,9,10,16,17. Utilizando-se a recomendação atual da Rede Cegonha 18, adotados também em outros países 19,20, de que o início do pré-natal seja realizado até a 12a semana gestacional, o início precoce se reduz para 60,6%. Quando outros parâmetros são incluídos, como a realização de exames de rotina e orientações sobre parto e aleitamento, verificou-se que menos de 10% das gestantes receberam os procedimentos recomendados (dado não mostrado em tabela), valor semelhante ao encontrado em outros estudos que adotaram parâmetros similares de avaliação 5,6,9.
Barreiras diversas para a não realização do pré-natal ou para início precoce do acompanhamento foram identificadas, evidenciando as desigualdades sociais que persistem no país, com menor acesso das mulheres indígenas e pre- tas 21, daquelas com menor escolaridade 4,7,11, com maior número de gestações 4,7,22, e residentes nas regiões Norte e Nordeste 11,23.
A elevada proporção de puérperas que justificaram não ter iniciado o pré-natal precocemente por não saber que estavam grávidas indica dificuldades no diagnóstico da gravidez e a necessidade de facilitar o acesso das mulheres a métodos diagnósticos, preferencialmente de resultado imediato, permitindo a captação mais ágil das gestantes para o acompanhamento pré-natal.
Mais da metade das mulheres entrevistadas não desejava engravidar naquele momento e um terço mostrava sentimentos negativos ou ambivalentes em relação à gestação atual. Cerca de 2% das entrevistadas, correspondendo a mais de 50 mil mulheres na amostra expandida, afirmaram ter tentado interromper a gestação atual. Essas mulheres com gestações não desejadas, bem como as mulheres sem companheiro, apresentaram menor cobertura pré-natal e início mais tardio da assistência, fato já demonstrado por Bassani et al. 24 em seu estudo. Entre os motivos alegados, destacam-se a elevada proporção de problemas pessoais como justificativa para esses resultados, indicando que a melhoria da assistência pré-natal dependerá de outras ações, tais como a ampliação do planejamento reprodutivo.
Gestantes adolescentes, especialmente as muito jovens 25, com menos de 15 anos, também apresentaram início mais tardio da assistência e menor número de consultas, resultados também encontrados em outros estudos 22, demonstrando a importância de estratégias diferenciadas para esse grupo etário. A própria assistência pré-natal deve ser vista com uma oportunidade de orientação para prevenir uma gravidez recorrente não planejada em adolescentes 26.
Mulheres de maior risco reprodutivo, com desfechos negativos em gestações anteriores, apresentaram menor cobertura pré-natal, início mais tardio da assistência e menor número de consultas do que as mulheres sem antecedentes obstétricos de risco. Desconhecer que estava grávida foi um motivo relatado com mais frequência por essas mulheres, quando comparadas às sem risco reprodutivo, indicando problemas no diagnóstico da gravidez e na captação pelos serviços de pré-natal. Resultados semelhantes foram observados em outros estudos nacionais 27,28 e reforçam a necessidade de que os serviços tenham mecanismos para identificar essas mulheres, que são as que mais se beneficiariam de um acompanhamento precoce e adequado.
A proporção de mulheres que recebeu cartão da gestante durante a assistência pré-natal foi elevada e semelhante à encontrada na PNDS 2006 11. Entretanto, a proporção de mulheres que apresentou cartão de pré-natal na admissão para o parto foi inferior à observada em outros estudos de âmbito nacional 29 e é provavelmente decorrente da inclusão de serviços privados neste estudo, já que foram as mulheres de maior escolaridade que menos apresentaram o cartão (dado não mostrado em tabela).
Apesar de o registro do resultado dos exames da primeira rotina ter sido elevado, não alcançou 100% em nenhuma das regiões do país, semelhante ao encontrado na PNDS 2006 11, sendo o preenchimento do segundo exame muito baixo, inferior a 40%, tendo apenas a Região Sul um desempenho um pouco melhor (55,8%). Ressalta-se que o principal objetivo dos exames de rotina do pré-natal é a identificação de intercorrências na gravidez com intervenções oportunas para preservar a saúde da mulher e do feto, sendo o cartão de pré-natal um dos principais instrumentos de comunicação entre as equipes de assistência pré-natal e ao parto, quanto aos problemas identificados e às condutas adotadas. A menor proporção de resultados de exames de ultrassonografia registrados no cartão, em relação ao referido pelas mulheres, sugere problemas no registro dos resultados, que possivelmente são comuns a outros exames de pré-natal. Apesar da cobertura elevada de exames de ultrassonografia, uma proporção muito pequena dos exames registrados foi realizada antes da 14a semana gestacional, quando tal exame apresenta maior acuidade no cálculo da idade gestacional, fundamental para o monitoramento da evolução da gestação e para eventuais decisões relacionadas à interrupção dela 19.
A baixa proporção de orientações recebidas durante a assistência pré-natal evidencia o papel insuficiente do pré-natal na preparação das mulheres para o parto e para a amamentação. As orientações sobre práticas para facilitar o parto, de grande relevância para a promoção do parto vaginal, apresentaram a frequência mais baixa, sendo priorizadas as orientações sobre sinais de risco, reforçando o caráter biomédico da assistência.
Quanto à forma de organização da assistência pré-natal, verifica-se que a mesma ocorre prioritariamente em serviços públicos e em unidades da atenção básica, com apenas 10,4% das mulheres tendo sido acompanhadas em ambulatórios de unidades hospitalares.
A assistência pré-natal realizada por profissionais enfermeiros ainda é restrita no país, com maior concentração no Norte e Nordeste e entre mulheres indígenas, provavelmente pela menor disponibilidade de médicos nessas regiões, particularmente nas cidades do interior. De acordo com o Decreto no94.406/198730 sobre a Lei do Exercício Profissional da Enfermagem, o pré-natal de baixo risco na gravidez pode ser inteiramente acompanhado pelo enfermeiro 3. Além disso, uma das diretrizes para atenção pré-natal estabelecida pelo Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN) 12 e Rede Cegonha 18 é a participação do enfermeiro como membro da equipe de saúde que presta assistência direta à mulher durante o ciclo gravídico- puerperal.
Quase 90% das puérperas referiram terem sido acompanhadas pelo mesmo profissional durante a assistência pré-natal, indicando a continuidade da assistência, fundamental para a criação de vínculos e relação de confiança entre o profissional e a gestante e o melhor monitoramento da gestação. A fragmentação do cuidado com a realização de consultas por diferentes profissionais tem sido associada à má qualidade do pré-natal 31. No presente estudo, nota-se que entre as mulheres com maior escolaridade, a atenção pré-natal foi realizada quase que exclusivamente em serviços privados, por médicos, com acompanhamento pelo mesmo profissional durante toda a gestação, refletindo o padrão de organização nesse setor.
A articulação da assistência pré-natal com outros serviços da rede de saúde evidenciou problemas – como o não atendimento, ou atendimento com dificuldade – de 1/5 das gestantes de risco encaminhadas para serviços de referência. Ainda que a diferença encontrada não tenha apresentado significância estatística, ressalta-se que as mulheres com antecedentes negativos, de maior risco para novos desfechos negativos, foram as que relataram mais dificuldades no atendimento em serviços de referência. Tais mulheres também tiveram seu acompanhamento pré-natal realizado em maior proporção por enfermeiros, evidenciando problemas na organização da assistência. Essas são as gestantes que mais se beneficiariam de um atendimento especializado, revelando dificuldades da rede de serviços para garantir o atendimento mais adequado segundo as necessidades das mulheres.
Outra falha observada foi na articulação entre os serviços de assistência pré-natal e ao parto. Foi baixa a proporção de gestantes orientadas sobre a maternidade de referência para internação para o parto, referida por menos de 60%. A peregrinação pela busca de assistência ao parto foi elevada, superior à encontrada na PNDS 2006 11, sendo encontrada principalmente em residentes na Região Nordeste, em mulheres de menor escolaridade e em adolescentes, que também foram as que menos receberam orientação sobre a maternidade de referência e que menos conseguiram internação na maternidade indicada. O achado reflete a deficiência no sistema de referência hospitalar para o atendimento ao parto, acarretando riscos para a saúde da mulher e do bebê. De acordo com Menezes et al. 8, a situação torna-se ainda mais grave ao considerar que a maioria das gestantes que peregrinaram buscam assistência em outro estabelecimento pelos próprios meios. Em seu estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro, apenas 1/5 das mulheres foi transportada por ambulância.
Os resultados deste estudo referem-se a mulheres com parto hospitalar, em unidades com mais de 500 partos por ano, correspondendo a quase 80% das gestantes do país. É provável que os resultados da assistência pré-natal em gestantes com parto ocorrido no domicílio ou em trânsito, bem como aqueles ocorridos em hospitais com menor volume de internação, apresentem características diferentes, sendo esperado um acesso ainda mais limitado a uma assistência adequada.
Podemos afirmar que o Brasil foi bem sucedido na ampliação do acesso à assistência pré-natal, alcançando praticamente a totalidade das gestantes brasileiras. Desafios persistem, todavia, para a melhora da qualidade dessa assistência, com a realização de todos os procedimentos considerados efetivos para a redução de desfechos desfavoráveis. A redução da mortalidade materna e da proporção elevada de cesariana e a prevenção de agravos e dos óbitos evitáveis não serão alcançadas sem a superação das barreiras ao diagnóstico precoce da gravidez, ao início do acompanhamento pré-natal nas primeiras semanas de gestação – sobretudo o das gestantes de maior risco reprodutivo – e à utilização dos contatos com os serviços de saúde para a realização de cuidados efetivos, tais como diagnóstico e tratamento de afecções e a promoção de ações de saúde.
A integração do pré-natal com os demais serviços da rede de atenção à saúde, por intermédio de estabelecimento de uma rede integrada de referência e contrarreferência, com garantia de leitos de internação por meio de uma central de regulação de vagas, é essencial para a assistência oportuna às gestantes de risco, que apresentam riscos aumentados de desfechos negativos.
Embora a vinculação das gestantes a maternidades de referência para atenção ao parto esteja regulamentada desde 2007 (Lei no 11.634 de 27 de dezembro de 2007 32), e seja uma recomendação da Rede Cegonha 18 para integração dos serviços de atenção pré-natal e ao parto, visando ao acolhimento das parturientes e à garantia de leito para internação, melhorias são necessárias objetivando evitar a peregrinação das gestantes, ainda frequente em muitos locais do país.
Agradecimentos
Aos coordenadores regionais e estaduais, supervisores, entrevistadores e equipe técnica do estudo, e às mães participantes que tornaram este estudo possível. À Capes pelo apoio recebido relativo ao Programa de Apoio ao Pós-Doutorado no Estado do Rio de Janeiro.
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Financiamento
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde; Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (Projeto INOVA); e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Ago 2014
Histórico
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Recebido
05 Jul 2013 -
Revisado
05 Dez 2013 -
Aceito
13 Dez 2013