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A vigilância alimentar e nutricional em 20 anos da Política Nacional de Alimentação e Nutrição

Vigilancia alimentaria y nutricional en los 20 años de la Política Nacional de Alimentación y Nutrición

Para o Ministério da Saúde 11. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Marco de referência da vigilância alimentar e nutricional. Brasília: Ministério da Saúde; 2015., a avaliação contínua do perfil alimentar e nutricional da população e seus fatores determinantes compõe a vigilância alimentar e nutricional, diretriz essencial para a atenção nutricional no Sistema Único de Saúde (SUS), para organização e gestão dos cuidados em alimentação e nutrição na Rede de Atenção à Saúde. Essa organização deve iniciar-se pelo reconhecimento da situação alimentar e nutricional da população adstrita aos serviços e às equipes de atenção primária à saúde (APS) 11. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Marco de referência da vigilância alimentar e nutricional. Brasília: Ministério da Saúde; 2015., somado a informações provenientes de outras fontes, como pesquisas, inquéritos populacionais e outros Sistemas de Informações em Saúde (SIS), para subsidiar a construção e avaliação de políticas públicas coerentes com as necessidades locais.

O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) promove informação contínua sobre o estado alimentar e nutricional da população acompanhada. Esses dados são valiosos para traçar o perfil epidemiológico e nutricional e refletem o impacto das ações realizadas em determinadas comunidades 22. Coutinho JG, Cardoso AJC, Toral N, Silva ACS, Ubarana JA, Aquino KKN, et al. A organização da vigilância alimentar e nutricional no Sistema Único de Saúde: histórico e desafios atuais. Rev Bras Epidemiol 2009; 12:688-99.. Por muitos anos, tais dados foram coletados e sistematizados pelos estados por métodos diferentes, inviabilizando uma análise da situação alimentar e nutricional da população assistida no SUS. O sistema informatizado como se conhece hoje surgiu em dezembro de 2007, com a incorporação das curvas de crescimento da Organização Mundial da Saúde (2006/2007) para a avaliação do estado nutricional de crianças e adolescentes. O sistema oficial de informação permitiu, primeiramente, a inserção de dados antropométricos para todos os ciclos etários, e mais tarde de consumo alimentar. O lançamento do sistema foi uma oportunidade de qualificação dos profissionais para coleta de dados, avaliação nutricional, registro e fomento do uso da informação para tomada de decisão.

O SISVAN gera informações contínuas e úteis para o uso imediato - informação para a ação - tanto para os gestores, no planejamento dos planos de ação, quanto para os profissionais, na reorganização do atendimento nutricional na unidade de saúde. No entanto, observa-se que as informações não têm sido utilizadas em seu potencial para o planejamento, gestão e avaliação de ações de alimentação e nutrição no âmbito da atenção primária à saúde 33. Rolim MD, Lima SML, Barros DC, Andrade CLT. Avaliação do SISVAN na gestão de ações de alimentação e nutrição em Minas Gerais, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2015; 20:2359-69.,44. Vitorino SAS, Cruz MM, Barros DC. Validação do modelo lógico teórico da vigilância alimentar e nutricional na atenção primária em saúde, Cad Saúde Pública 2017; 33:e000147217. e, consequentemente, pouco contribuem para implementação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN). Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de investir em qualificação de profissionais e gestores para melhor utilização desse sistema, e ampliar a divulgação de informações geradas por ele, de forma clara, tanto para a população e os conselhos quanto para os profissionais de saúde e outros setores como agricultura, assistência social e educação. Materiais como boletins, mapas, informativos podem ser produzidos e amplamente divulgados na própria unidade de saúde, pelas informações da própria região e/ou de forma mais abrangente, para sensibilizar e informar a população, profissionais de saúde, gestores, entre outros.

Outra medida que pode contribuir para maior utilização das informações geradas pelo SISVAN é a revisão dos relatórios por ele emitidos. O sistema precisa avançar para permitir diferentes análises, como por exemplo, conhecer a relação entre o estado nutricional, o consumo alimentar e os determinantes sociais de saúde (raça, etnia, sexo, orientação sexual, renda, escolaridade, povos e comunidades tradicionais, entre outras).

Outro ponto abordado no artigo de Santos et al. 55. Santos SMC, Ramos FP, Medeiros MAT, Mata MM, Vasconcelos FAG. Avanços e desafios nos 20 anos da Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00150220., é a tendência de aumento na cobertura do SISVAN, apesar de ainda apresentar baixos percentuais. As maiores cobertura estão entre gestantes, crianças e adolescentes 66. Nascimento FA, Silva SA, Jaime PC. Cobertura da avaliação do estado nutricional no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional brasileiro: 2008 a 2013. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00161516., dada a vinculação de indicadores de avaliação do estado nutricional ao repasse financeiro aos municípios, como ocorre com o Programa Bolsa Família, o Programa Saúde na Escola e o Crescer Saudável. Se, por um lado, a estratégia promove o aumento da cobertura, por outro, contribui para uma percepção do caráter burocrático de alimentação do sistema, e, limita a vigilância alimentar e nutricional a determinados ciclos etários e apenas ao subsistema nutricional. Desse modo, seria positivo se os indicadores vinculados a recursos financeiros fossem mais abrangentes quanto ao público, incluíssem marcadores de consumo alimentar e apresentassem como metas não apenas a cobertura populacional, mas o monitoramento da evolução de agravos nutricionais e do consumo de alimentos saudáveis e não saudáveis.

Mais recentemente, um importante avanço foi a integração do SISVAN à Estratégia e-SUS Atenção Básica (e-SUS AB) e ao Sistema de Gestão do Programa Bolsa Família na Saúde, que ocorreu a partir de 2016. A integração dos diversos SIS no âmbito da APS é considerada como uma qualificação da gestão da informação, essencial para ampliar a qualidade no atendimento à população 77. Vitorino SAS, Siqueira RL, Passos MC, Bezerra OMPA, Cruz MM, Silva CAM. Estrutura da vigilância alimentar e nutricional na atenção básica em saúde no Estado de Minas Gerais. Rev APS 2016; 19:230-44.. Na prática, essa medida reduz retrabalho dos profissionais de saúde e aumenta a cobertura populacional, tendo em vista que a avaliação nutricional faz parte da rotina de muitos atendimentos da APS. Ainda em relação à integração de sistemas, um avanço desejável é a integração com a rede de saúde suplementar, para aumentar a representatividade das informações na população brasileira.

Nesses 20 anos da PNAN, destaca-se a publicação de materiais educativos, manuais técnicos e cursos de formação e qualificação profissional relacionados à vigilância alimentar e nutricional pelo MS, fundamentais para apoiar a organização da assistência ofertada a população. Muitos desses, produzidos em parceria com instituições de ensino, o que amplia a qualificação e a divulgação dos materiais. Dentre essas, destacam-se: Protocolos do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN na Assistência à Saúde88. Ministério da Saúde. Protocolos do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN na assistência à saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. (Série B. Textos Básicos de Saúde)., de 2008, que objetiva sistematizar a avaliação do estado nutricional do público que busca atendimento na rede básica de saúde, e Orientações para Coleta e Análise de Dados Antropométricos em Serviços de Saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN99. Ministério da Saúde. Orientações para coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: norma técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. (Série G. Estatística e Informação em Saúde)., de 2011, que traz informações básicas sobre antropometria, visando à coleta de informações necessárias para a realização da Vigilância Nutricional entre indivíduos em diferentes fases do curso da vida.

Uma estratégia importante foi a criação de incentivo financeiro exclusivo para aquisição de equipamentos antropométricos para as unidades básicas de saúde (UBS), por meio da Portaria nº 2.975/2011. Entre 2011 e 2018, foram publicadas outras 11 portarias homologando municípios ao recebimento desse recurso. O incentivo foi acompanhado do manual orientador para aquisição de equipamentos antropométricos para orientar os municípios quanto à descrição correta de equipamentos adequados à vigilância alimentar e nutricional, como antropômetros, balanças e fita métrica.

O fomento à pesquisa e à realização periódica de inquéritos populacionais é uma das estratégias da vigilância alimentar e nutricional. Desde a publicação da primeira versão da PNAN, observa-se a realização de relevantes inquéritos, como a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) que, em algumas de suas edições, apresentou os módulos de consumo alimentar e/ou de antropometria, a Pesquisa de Avaliação do Impacto da Iodação do Sal (PNAISAL), a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), o Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA), a Vigilância dos Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) e, recentemente, o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI). A análise desses inquéritos nacionais permitiu constatar mudanças no padrão alimentar da população brasileira, tendência à redução da desnutrição e aumento da obesidade. Os inquéritos permitem elucidar os fatores associados, características e consequências dos problemas nutricionais que ainda afetam vastos segmentos populacionais nas diversas regiões brasileiras e, portanto, permitem subsidiar as intervenções para uma melhor qualidade de vida da população 22. Coutinho JG, Cardoso AJC, Toral N, Silva ACS, Ubarana JA, Aquino KKN, et al. A organização da vigilância alimentar e nutricional no Sistema Único de Saúde: histórico e desafios atuais. Rev Bras Epidemiol 2009; 12:688-99.,1010. Sperandio N, Priore SE. Inquéritos antropométricos e alimentares na população brasileira: importante fonte de dados para o desenvolvimento de pesquisas. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:499-508.,1111. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil - ENANI-2019: resultados preliminares. Indicadores de aleitamento materno no Brasil, 2020. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2020..

Notam-se, da mesma forma, avanços na pesquisa científica. Uma busca simples em base de dados BIREME mostra que cresce o número de artigos localizados com o descritor vigilância alimentar e nutricional. Evidencia-se o esforço em fomentar pesquisas relacionadas à vigilância alimentar e nutricional e progressivo interesse da comunidade científica nacional e internacional pelo tema, que amplia a contribuição da ciência na proposição de reflexões e soluções de problemas relacionados à vigilância alimentar e nutricional.

Entre os desafios para o fortalecimento da vigilância alimentar e nutricional no cuidado nutricional, apontamos a importância de fomentar o uso dos relatórios do SISVAN, dos inquéritos populacionais e pesquisas, pelos profissionais de saúde e pelos gestores formuladores de políticas públicas do SUS, tanto para planejamento de ações de alimentação e nutrição quanto para avaliação dos programas e ações existentes em nível local, municipal, estadual e federal. Diante do apresentado, pode-se afirmar que foram vivenciados importantes avanços relacionados à vigilância alimentar e nutricional nos últimos 20 anos no Brasil. Ainda restam desafios a superar para que a vigilância alimentar e nutricional se fortaleça como pedra fundamental para planejamento e avaliação de políticas públicas focadas na melhoria da situação alimentar e nutricional da população.

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    Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Marco de referência da vigilância alimentar e nutricional. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.
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    Coutinho JG, Cardoso AJC, Toral N, Silva ACS, Ubarana JA, Aquino KKN, et al. A organização da vigilância alimentar e nutricional no Sistema Único de Saúde: histórico e desafios atuais. Rev Bras Epidemiol 2009; 12:688-99.
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    Rolim MD, Lima SML, Barros DC, Andrade CLT. Avaliação do SISVAN na gestão de ações de alimentação e nutrição em Minas Gerais, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2015; 20:2359-69.
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    Vitorino SAS, Cruz MM, Barros DC. Validação do modelo lógico teórico da vigilância alimentar e nutricional na atenção primária em saúde, Cad Saúde Pública 2017; 33:e000147217.
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    Santos SMC, Ramos FP, Medeiros MAT, Mata MM, Vasconcelos FAG. Avanços e desafios nos 20 anos da Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00150220.
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    Nascimento FA, Silva SA, Jaime PC. Cobertura da avaliação do estado nutricional no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional brasileiro: 2008 a 2013. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00161516.
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    Vitorino SAS, Siqueira RL, Passos MC, Bezerra OMPA, Cruz MM, Silva CAM. Estrutura da vigilância alimentar e nutricional na atenção básica em saúde no Estado de Minas Gerais. Rev APS 2016; 19:230-44.
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    Ministério da Saúde. Protocolos do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN na assistência à saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. (Série B. Textos Básicos de Saúde).
  • 9
    Ministério da Saúde. Orientações para coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: norma técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. (Série G. Estatística e Informação em Saúde).
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    Sperandio N, Priore SE. Inquéritos antropométricos e alimentares na população brasileira: importante fonte de dados para o desenvolvimento de pesquisas. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:499-508.
  • 11
    Universidade Federal do Rio de Janeiro. Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil - ENANI-2019: resultados preliminares. Indicadores de aleitamento materno no Brasil, 2020. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2021
  • Revisado
    02 Maio 2021
  • Aceito
    14 Jun 2021
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