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Demandas e restrições cotidianas tensionando normatividades e lógicas em uso na atividade investigativa: Estudo de caso da Polícia Civil de Minas Gerais

Demands and Daily Constraints Tensioning Normativities and Logics in Use in the Investigative Activity: A Case Study of the Civil Police of Minas Gerais

RESUMO

O presente artigo apresenta uma análise empírica de duas experiências de “fazer investigativo” colocadas em prática pela Polícia Civil de Minas Gerais nos últimos anos para apurar crimes de homicídio. A partir de trabalhos de campo realizados em duas delegacias especializadas de investigação de crimes contra a vida, foi possível compreender como a própria instituição policial, no cotidiano do que chamamos de seu “fazer investigativo”, contorna, reinterpreta, tensiona (e ocasionalmente rompe) limites normativos tradicionalmente impostos, tanto a ela quanto às suas funções, por dimensões culturais, estruturais e institucionais-legais vigentes.

Palavras-chave:
investigação policial; modelos investigativos; investigação de homicídios; Polícia Civil; organizações policiais

ABSTRACT

Demands and Daily Constraints Tensioning Normativities and Logics in Use in the Investigative Activity: A Case Study of the Civil Police of Minas Gerais presents an empirical analysis of two experiences of ‘investigative work’ put into practice by the Civil Police of Minas Gerais in recent years to investigate homicide crimes. From fieldwork carried out in two specialized police stations, it was possible to understand how the police institution itself, in the daily life of what we call its “investigative work”, bypasses, reinterprets, tensions (and occasionally breaks) normative limits traditionally imposed, both on it and on its functions, by cultural, structural and institutional-legal dimensions.

Keywords:
police investigation; investigative models; homicide investigation; Civil Police; police organizations

Introdução

Inserido no campo de estudos sobre as organizações policiais, o presente artigo tem como objeto central as acomodações e adaptações (e as muitas tensões a elas associadas) que emergem quando se contrapõem, de um lado, as estruturas institucionais e normativas que balizam o trabalho investigativo realizado pelas polícias civis e, de outro, as lógicas em uso derivadas da atuação prática das unidades policiais no desempenho dessa atividade. A análise será feita a partir da descrição empírica e comparativa de duas iniciativas desenvolvidas pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) ao longo dos últimos anos, com vistas à qualificação do trabalho de investigação dos crimes de homicídio. À luz de uma perspectiva prática, busca-se retomar e atualizar a discussão teórica sobre as formas pelas quais o “fazer investigativo” tem promovido o esgarçamento de normatividades burocráticas e institucionais tradicionalmente impostas ao trabalho policial, em resposta a contextos cotidianos de restrições e demandas crescentes.

A primeira das iniciativas aqui abordadas recebeu o nome de Projeto Estratégico Delegacia Modelo e foi desenvolvida pela PCMG entre 2014 e 2016. Em linhas gerais, pode ser descrita como uma “unidade experimental”, na qual novas lógicas de estrutura, funcionamento interno, emprego de tecnologias, divisão de trabalho e gestão de conhecimento foram colocadas temporariamente em execução a serviço da investigação de homicídios em uma região da capital Belo Horizonte. De acordo com a PCMG, a iniciativa se deu partir da percepção institucional de que tais inovações poderiam funcionar como um “quadro referência” para a institucionalização de novas estratégicas e práticas organizacionais voltadas para a melhoria de sua atividade investigativa. Descontinuada definitivamente em 2016, a iniciativa parece ter produzido conhecimentos considerados valiosos pelo nível estratégico da instituição, embora seus resultados ainda não tenham se desdobrado em quaisquer alterações nas lógicas operacionais, como inicialmente proposto.

A segunda iniciativa, desenvolvida entre 2006 e 2018 no município de Governador Valadares, região leste de Minas Gerais, recebeu o nome de Grupo Integrado de Intervenção Estratégica (G.I.I.E.). Tratava-se, na prática, de instância local coordenada pela Delegacia Especializada em Investigação de Homicídios e que contou com a participação conjunta de policiais civis e militares dedicados exclusivamente à investigação de homicídios consumados e tentados. Com a aquiescência e a supervisão do Ministério Público, policiais civis e militares foram conjuntamente capacitados e colocados à disposição da Delegacia de Homicídios para a realização de investigações, sobretudo nas primeiras 48 horas a partir do cometimento dos crimes.

A despeito dos bons resultados obtidos ao longo dos quase dez anos de vigência do projeto, a experiência foi formalmente descontinuada pelas cúpulas das polícias ainda em novembro de 2016. Ainda assim, pelo menos até o segundo semestre de 2018, um grupo de policiais militares continuava a dar suporte operacional para as investigações realizadas pela Delegacia de Homicídios, mesmo que sem manter a estrutura de trabalhos integrados verificada anteriormente.

Trata-se, portanto, de tomar duas experiências distintas de “fazer investigativo” constituídas na PCMG - uma institucionalmente implementada pela alta gestão da organização, outra estruturada de modo espontâneo, a partir da vivência prática de operadores de ponta - para discutir como, por um lado, tais inovações representam tentativas de tensionamento ou até de ruptura das restrições normativas e precariedades institucionais tradicionalmente impostas ao trabalho policial, e, em sentido oposto, como tais estruturas normativas e corporativas se mostram pouco porosas e até mesmo refratárias à institucionalização de novas práticas, saberes e tecnologias que emergem das lógicas em uso da atividade investigativa.

Dados e metodologia

O programa de pesquisas cujos principais resultados este artigo explora tem como objetivo mapear e compreender a prática do “fazer investigativo” colocada em operação pela PCMG para os crimes de homicídio. Tendo como quadro analítico as categorias tradicionais da literatura sobre o tema - principalmente as tensões que resultam da relação entre a estrutura normativa-institucional e as lógicas em uso aplicadas pelos policiais de “ponta” -, a pesquisa mobilizou referenciais teóricos e empíricos que dão conta de três dimensões estruturantes do trabalho policial investigativo: (1) a discricionariedade na atuação policial; (2) a dimensão da cartorialidade na organização das unidades operacionais; e (3) os impactos práticos, para a atividade investigativa, do personalismo que caracteriza as relações intra e interinstitucionais.

Tais dimensões foram empiricamente observadas em campo, por meio de acompanhamento, in loco, do trabalho investigativo realizado por duas unidades especializadas de homicídios da Polícia Civil (PC). Em Belo Horizonte, o trabalho de campo foi realizado junto a operadores de segurança pública (delegados de polícia, investigadores, escrivães e peritos criminais) que participaram do projeto Delegacia Modelo, conforme anteriormente descrito. Já na cidade de Governador Valadares, foram objetos da pesquisa delegados de polícia, investigadores, escrivães, peritos criminais, policiais militares e promotores de justiça envolvidos na investigação de crimes de homicídios na cidade, também no âmbito da iniciativa anteriormente descrita.

O trabalho de campo para a análise do projeto Delegacia Modelo aconteceu entre 2014 e 2016. Ao longo desse período, duas investigações de homicídios foram integralmente acompanhadas pelos pesquisadores, com total acesso ao material probatório reunido pela equipe de investigação e organizado nos cadernos investigativos (depoimentos de testemunhas e investigados, laudos periciais, relatórios de levantamentos de campo, material audiovisual etc.). Em diversos momentos desse processo, também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os 11 policiais civis que compunham a unidade experimental (uma delegada de polícia, um inspetor, sete investigadores e dois escrivães), abordando não apenas questões técnicas e jurídicas relacionadas ao “fazer investigativo” produzido pela equipe, mas também suas percepções sobre a experiência vivenciada.

Já os levantamentos junto ao G.I.I.E. em Governador Valadares foram feitos em dois momentos: o primeiro em maio de 2016, o segundo em maio de 2018. Ao longo desses períodos, foram realizadas diversas visitas técnicas a unidades policiais civis e militares envolvidas na experiência, com observação de suas rotinas e práticas investigativas, total acesso a material documental e audiovisual produzido em quatro investigações de homicídios, acompanhamento de trabalhos de apuração realizados em locais de crime e entrevistas em profundidade com 15 profissionais de segurança pública: um promotor de justiça, três delegados de polícia, um inspetor, quatro investigadores, dois escrivães e quatro policiais militares (um oficial e três praças).

Normatividades institucionais e lógicas em uso na atividade investigativa

Para Roberto Kant de Lima (1995, 1989), a tradição jurídica brasileira tem duas características principais. Por um lado, opera sob a lógica dos sistemas acusatoriais: parte da presunção de que o acusado é inocente, garante seus direitos de defesa e contraditório e investiga as acusações de forma pública, de modo a reunir informações que permitirão ao tribunal decidir sobre a verdade dos fatos. Por outro, essa tradição assume características de sistema inquisitorial: mesmo antes de uma acusação formal ser apresentada a um tribunal, a PC realiza investigações quase que inteiramente sigilosas, buscando indícios da culpa de um suspeito, com pretensão de que tais elementos e narrativas sejam transformados em realidade culpável na etapa judicial.

Desse ponto de vista, a preocupação do sistema é com o possível prejuízo para o interesse público, e não com os direitos do acusado. Assim, o Código de Processo Penal (CPP) brasileiro, apesar de alegar que o processo é acusatório e de conformar-se às disposições constitucionais de igualdade, de equilíbrio entre as partes e do devido processo legal, permite que o processo judicial possa ser precedido por um procedimento extrajudicial, conduzido pela PC, de natureza inquisitorial, supostamente sob a supervisão do promotor e do juiz.

Os trabalhos pioneiros sobre a PC brasileira e sua atividade investigativa foram desenvolvidos por autores como Paixão (1982PAIXÃO, Antônio L. “A organização policial numa área metropolitana”. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 25, n. 1, pp. 63-85, 1982.), Kant de Lima (1989, 1995), Mingardi (1992MINGARDI, Guaracy. Tiras, gansos e trutas: Cotidiano e reforma na Polícia Civil. São Paul: Scritta Editorial, 1992., 2006) e Oliveira (2004OLIVEIRA, Luciano. Sua Excelência o Comissário e outros ensaios de sociologia jurídica. Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004.). Todos esses estudos se fundamentaram em pesquisas etnográficas realizadas em unidades das Polícias Civis brasileiras ao longo dos anos 1980 e 1990. De modo geral, identificaram duas perspectivas de trabalho dentro dessas organizações, descritas como contraditórias: de um lado, a realização de investigações criminais e, de outro, o atendimento aos requisitos formais e legais do relatório policial feito ao promotor, o inquérito policial (IP).

Com pequenas variações, o fluxo de trabalho é descrito da seguinte forma: a vítima (diretamente ou por intermédio da Polícia Militar [PM]) registra uma queixa. Em seguida, o delegado (o responsável pelo caso) toma conhecimento do incidente e determina a um grupo de investigadores que apure os fatos. Depois de verificar a tipicidade do fato analisado (e a conveniência institucional), um IP é instaurado.

Ainda que os procedimentos cotidianos do inquérito geralmente fiquem sob a coordenação de um escrivão, a condução formal ou presidência do instrumento cabe ao delegado. No cotidiano das delegacias, o escrivão repassa ordens de serviço aos investigadores e coordena as entrevistas com vítimas, testemunhas e suspeitos. Normalmente, ele também é responsável por reunir as evidências, organizar as informações coletadas e reduzir todos os dados a um termo escrito no caderno investigativo1 1 No Brasil, o Código de Processo Penal (CPP), normativa que regulamenta a condução das investigações policiais realizadas por meio de inquérito, determina, em seu art. 10, que “o inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou se estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela” (BRASIL, 2018). .

Uma vez terminada a investigação, o inquérito volta para as mãos do delegado que, após análise do conjunto indiciário reunido, prepara um relatório final a ser encaminhado ao Ministério Público. Ao final dos trabalhos, o chefe das investigações pode sugerir que o suspeito é culpado de ofensas específicas (concluindo o inquérito por indiciamento), ou sugerir que não existem, ou não foi possível produzir, indícios suficientes para determinar autoria e materialidade dos crimes. Nestes casos, sugere que o IP seja arquivado.

No entanto, em sua pesquisa no campo, Paixão (1982PAIXÃO, Antônio L. “A organização policial numa área metropolitana”. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 25, n. 1, pp. 63-85, 1982.) descobriu que esses procedimentos formais não descreviam com exatidão a realidade cotidiana das investigações policiais. Na prática, o “fazer investigativo” seria orientado “por um lado, por avaliações organizacionais dos aspectos legais reais do caso e, por outro, pelas teorias policiais, conhecimento sobre a natureza do crime e seus perpetradores”. O resultado, nas palavras de um investigador policial entrevistado pelo autor, é que “quando a investigação é iniciada, está quase pronta. Nós já sabemos quem é o criminoso” (Ibid., p. 74). Isso destaca o importante papel desempenhado pelo “saber policial” nos trabalhos investigativos, materializados nas construções simbólicas que constituem o protótipo do “criminoso”, em contraste com a figura do “bom” cidadão (Ibid., p. 74-76).

No cotidiano do trabalho policial, tais percepções e orientações cognitivas orientam uma grande quantidade de “prisões correcionais” de suspeitos, muitas vezes realizadas por razões tangenciais a ofensas reais. Em alguns casos, os policiais fazem isso para “dar uma lição” em alguém que está se comportando de maneira inadequada, ou mesmo para extrair informações sobre outras atividades criminosas em andamento. Isso, inclusive, aponta para uma segunda característica das investigações policiais reais, que é sua dependência de redes de informantes que as alimentam com informações privilegiadas sobre o mundo do crime (BITTNER, 1975BITTNER, Egon. The Functions of the Police in Modern Society. Nova York: Aronson, 1975.).

Portanto, pode haver uma tensão constante entre o que é “legal” e deve ser exigido e o que é “possível” exigir em cada trabalho. Em alguns casos, a polícia seleciona onde a lei pode ser aplicada e onde ela não deve ser aplicada. Ao fazê-lo, a polícia protege a imagem dos sistemas legais/judiciários, mantendo-os aparentemente “dentro da lei”, enquanto a própria polícia constantemente a viola ou distorce (KANT DE LIMA, 1995KANT DE LIMA, Roberto. A polícia da cidade do Rio de Janeiro: Seus dilemas e paradoxos. Rio de Janeiro: Forense, 1995., p. 52). As próprias “confissões” dos criminosos se tornam elementos-chave nessa engrenagem, justificando estereótipos e impulsionando investigações. Levam, na visão de Kant de Lima (Ibid., pp. 84-85), à legitimação do uso da violência física como método de investigação. Uma consequência é que a polícia se transforma em uma agência que arbitrariamente julga ou tenta punir setores da sociedade brasileira para os quais o processo judicial formal está muitas vezes indisponível. Como resultado, algumas das questões mais importantes relativas ao trabalho feito pelas Polícias Civis no Brasil decorrem da vasta gama de procedimentos práticos cotidianamente adotados por seus agentes durante as investigações criminais.

A PC define em suas práticas cotidianas quem são os suspeitos e, muitas vezes, o faz com base em estereótipos, principalmente quando lida com pessoas pobres. Então, um aspecto importante de seu trabalho é considerá-los culpados. Em uma cultura baseada em um modelo inquisitorial, esse é um caminho aberto para práticas arbitrárias. Rodrigues (2011RODRIGUES, Juliana Neves L. O inquérito policial para o crime de homicídio: Inquisitorialidade, discricionariedade e conflito em busca de verdade e de culpados. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011., p. 90) ilustra isso, nas palavras de uma investigadora policial da PCMG que ela entrevistou: “Aqui o objetivo é encontrar um criminoso e que ele faça uma confissão. Isso é o que é importante. A alma da investigação é esta”. Assim, estabelecer a culpa daqueles apanhados neste processo é o ponto final da investigação policial. Miranda et al. (2010MIRANDA, Ana Paula M.; OLIVEIRA, Marcella Beraldo de; PAES, Vivian Ferreira. “A reinvenção da ‘cartorialização’: Análise do trabalho policial em registros de ocorrência e inquéritos policiais em ‘Delegacias Legais’ referentes a homicídios dolosos na cidade do Rio de Janeiro. Ministério da Justiça, Pesquisas Aplicadas em Segurança Pública, ano 2, n. 4, 2010.) perceberam o mesmo em pesquisa com policiais no Rio de Janeiro. Para os entrevistados, “os suspeitos são culpados a priori, porque não confessarão ou mentirão para se protegerem” (Ibid., p. 134). A presunção de culpa orienta as expectativas da polícia, que só precisa “confirmar” tal verdade.

Tudo isso aponta para um alto grau de ritualismo nas investigações da PC. Rodrigues (2011RODRIGUES, Juliana Neves L. O inquérito policial para o crime de homicídio: Inquisitorialidade, discricionariedade e conflito em busca de verdade e de culpados. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011., p. 91), por exemplo, chama a atenção para a irrelevância de muitas investigações reais como meio de solucionar crimes: na prática, a atividade finalística da PC acaba sendo a produção sistemática de relatórios e peças cartorárias (comunicações de campo, entrevistas, confissões, ordens de serviço). Zilli e Vargas (2013ZILLI, Luís Felipe; VARGAS, Joana D. “O trabalho da Polícia Investigativa face aos homicídios de jovens em Belo Horizonte”. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, vol. 18, n. 3, pp. 621-632, 2013., p. 630) destacam o mesmo ponto, apontando o “caráter cartorial do IP, que se sobrepõe ao dinamismo e tecnicidade das investigações - relegando à evidência testemunhal uma importância muito maior do que a chamada evidência técnica”.

Conforme já apontava Paixão (1982PAIXÃO, Antônio L. “A organização policial numa área metropolitana”. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 25, n. 1, pp. 63-85, 1982.), a disjunção entre formalização e atividade prática tornar-se-ia explícita nos diferentes significados que o inquérito policial adquiriria. Para o investigador, por exemplo, o inquérito significaria apenas uma ocasião de mobilização, utilização, teste ou ampliação de um estoque pré-existente de conhecimento. O escrivão, por sua vez, traduziria tais categorias práticas para a processualística penal, permitindo a tradução da lógica em uso do policial na lógica reconstruída do inquérito (articulando prática policial e aplicação da lei).

Esse problema tende a se tornar mais grave quando as demandas por produtividade e eficiência resultam em sistemas de gerenciamento de avaliação de desempenho que pressionam por resultados finalísticos - como IPs reportados e outros indicadores de gerenciamento de resultados. Nessa situação, é comum a instituição pressionar seus agentes por “produtividade mais do que qualidade da investigação e a substituição do poder discricionário da polícia pela especificação detalhada de seu desempenho” (RODRIGUES, 2011RODRIGUES, Juliana Neves L. O inquérito policial para o crime de homicídio: Inquisitorialidade, discricionariedade e conflito em busca de verdade e de culpados. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011., p. 126). Assim, como apontado por Rodrigues (Ibid.), é comum encontrar investigadores dedicando mais tempo a escrever relatórios de campo do que conduzindo investigações de campo. Há escrivães que realizam quatro, cinco audiências por dia; e os delegados lidam apenas com as conclusões dos IPs e perdem qualquer conexão com a investigação propriamente dita. Assim, conforme observado por Misse et al. (2010MISSE, Michel (org); COSTA, Arthur Trindade; VARGAS, Joana Domingues; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. O inquérito policial no Brasil: Uma pesquisa empírica. Rio de Janeiro: Booklink, 2010., p. 84) e Azevedo e Vasconcellos (2011AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli; VASCONCELLOS, Fernanda Bestetti. “O inquérito policial em questão: Situação atual e a percepção dos delegados de polícia sobre as fragilidades do modelo brasileiro de investigação criminal”. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 26, n. 1, pp. 59-75, 2011., p. 73), o trabalho da investigação policial propriamente dito torna-se ato cerimonial e burocrático, priorizando a busca por um suspeito que se “enquadre” nos fatos em tela, em detrimento da coleta de evidências investigativas e analíticas.

A literatura ainda destaca outro sinal de esvaziamento da importância das investigações feitas pela PC para o processo de persecução criminal: a crescente prevalência das prisões em flagrante, trabalho majoritariamente feito pelas polícias militares ostensivas, como elemento central da instrução processual no sistema de justiça criminal. Costa e Júnior (2016COSTA, Arthur Trindade Maranhão; ZACKSESKI, Cristina Maria; MACIEL, Welliton Caixeta. “Investigação e processamento dos crimes de homicídio na Área Metropolitana de Brasília (AMB)”. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, vol. 10, n. 1, pp. 36-54, 2016., p. 162), por exemplo, chegam a afirmar que, a partir da década de 1990, as prisões em flagrante feitas pela PM no cotidiano das ruas passaram a constituir o novo padrão da investigação criminal no país, substituindo a antiga ênfase na produção de provas periciais, na busca de testemunhas, coleta de depoimentos e obtenção de confissões, elementos que tradicionalmente ancoram o trabalho das polícias civis. Ainda de acordo com os autores, o avanço das prisões em flagrante sobre o terreno antes ocupado pelas investigações pode ser atribuído à forte resistência das polícias civis em abandonar seu padrão cartorial de atuação, com supervalorização dos saberes jurídicos e pouca ênfase nos saberes policiais e atividades de inteligência.

O mesmo diagnóstico é apresentado por Lages e Ribeiro (2019aLAGES, Lívia Bastos; RIBEIRO, Ludmila. “Por que prender? A dinâmica das audiências de custódia em Belo Horizonte”. Plural - Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, vol. 26, n. 2, pp. 200-221, 2019a., 2019b), em pesquisa sobre as audiências de custódia2 2 Instituídas no Brasil pela resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as chamadas audiências de custódia são um instrumento processual penal que determina que todo preso em flagrante deve ser levado à presença de autoridade judicial no prazo máximo de 24 horas, para que esta avalie a legalidade e a necessidade de manutenção da prisão. realizadas em Belo Horizonte. De acordo com as autoras, o instituto jurídico tem, na prática, atuado como mais uma estrutura de reforço das prisões em flagrante como elemento central do processo de persecução criminal, em detrimento das investigações e da coleta de outros indícios periciais. Nos autos produzidos pelo Poder Judiciário durante as audiências, prevalece o princípio inquisitorial das narrativas policiais, com a consequente ratificação integral da maioria dos flagrantes produzidos pela PM e utilização desse material como principais eixos de instrução dos processos subsequentes.

Todas essas dimensões se agravam a partir da já mencionada posição subalterna da PC na lógica da persecução criminal. Para Kant de Lima (1995), o lugar institucional que a polícia ocupa no sistema de justiça criminal brasileiro, então, representaria o lugar de desqualificação sistemática de sua prática e da produção de suas verdades. Também marcaria, evidentemente, o lugar primordial do conflito com os outros atores do sistema e, consequentemente, do isolamento social e institucional da organização policial civil.

Com relação ao Poder Judiciário, é tradicional a acusação de distância dos fatos e incompreensão com relação à natureza das dificuldades relacionadas ao trabalho policial de investigação (PAIXÃO, 1982PAIXÃO, Antônio L. “A organização policial numa área metropolitana”. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 25, n. 1, pp. 63-85, 1982.; KANT DE LIMA, 1989KANT DE LIMA, Roberto. “Cultura jurídica e práticas policiais: A tradição inquisitorial”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, vol. 4, n. 10, pp. 65-84, 1989., 1995), morosidade dos procedimentos judiciais e/ou desconfiança no que se refere às demandas apresentadas pela PC. Com relação ao Ministério Público, também são unânimes as afirmações de desconfiança e desarticulação (HAGEN, 2005HAGEN, Acácia Maria M. O trabalho policial: Estudo da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.; MISSE et al., 2010MISSE, Michel (org); COSTA, Arthur Trindade; VARGAS, Joana Domingues; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. O inquérito policial no Brasil: Uma pesquisa empírica. Rio de Janeiro: Booklink, 2010.; COSTA, 2011COSTA, Arthur Trindade M. “É possível uma política criminal? A discricionariedade no Sistema de Justiça Criminal”. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 26, n. 1, pp. 97-114, 2011.; MISSE, 2011; VARGAS e RODRIGUES, 2011VARGAS, Joana Domingues; RODRIGUES, Juliana Neves Lopes. “Controle e cerimônia: O inquérito policial em um sistema de justiça criminal frouxamente ajustado”. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 26, n. 1, jan-abr. 2011.; AZEVEDO & VASCONCELOS, 2011AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli; VASCONCELLOS, Fernanda Bestetti. “O inquérito policial em questão: Situação atual e a percepção dos delegados de polícia sobre as fragilidades do modelo brasileiro de investigação criminal”. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 26, n. 1, pp. 59-75, 2011.; COSTA, ZACKSESKI e MACIEL, 2016). Em sentido inverso, os operadores judiciais manifestam preocupação com os procedimentos de investigação adotados pela polícia, bem como com a discricionariedade excessiva dos investigadores ao longo dos procedimentos (VARGAS e ZILLI, 2010; COSTA, 2011).

Vargas e Rodrigues (2011VARGAS, Joana Domingues; RODRIGUES, Juliana Neves Lopes. “Controle e cerimônia: O inquérito policial em um sistema de justiça criminal frouxamente ajustado”. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 26, n. 1, jan-abr. 2011., p. 82), em estudo desenvolvido em Belo Horizonte, observavam esta questão: “a relação entre Polícia Civil e Ministério Público desenvolve-se, exclusivamente, através da troca dos documentos necessários ao atendimento das necessidades burocráticas dos inquéritos policiais [ou seja, protocolar]”. Isso prejudica “a qualidade e a celeridade das investigações policiais e, consequentemente, das denúncias oferecidas pelo Ministério Público”. No caso dos juízes, a atuação também “mostra-se tão cerimonial e desconectada do propósito de elucidação [dos crimes] quanto a dos promotores” (Idem).

Cenário semelhante é observado por Costa (2015COSTA, Arthur Trindade Maranhão. “A (in)efetividade da justiça criminal brasileira: uma análise do fluxo de justiça dos homicídios no Distrito Federal”. Civitas, Porto Alegre, vol. 15, n. 1, pp. 11-26, 2015., p. 20), em estudo desenvolvido no Distrito Federal sobre o fluxo de processamento dos casos de homicídio: falta de uniformidade dos procedimentos investigativos adotados pela PC e de avaliações feitas pelos promotores; apresentação de denúncias sem provas suficientes para condenação; grande desconfiança entre promotores e juízes sobre a legalidade dos procedimentos de investigação utilizados pela polícia. Como resultado, apenas 32,4% dos crimes supostamente elucidados pela PC e denunciados pelo Ministério Público resultam em sentença condenatória (Idem).

Por fim, a característica cartorial que se agrega à produção do inquérito policial e está parcialmente determinada e se reproduz por meio da lógica processual da persecução criminal no Brasil, como já afirmava Kant de Lima (1989, 1995), ultrapassa as demandas legais e acaba por entronizar-se na própria relação institucional entre os atores do sistema, superficializando-as. É o que acontece, por exemplo, por meio das interpelações rituais entre PC e Justiça no que se refere aos prazos de execução de inquéritos policiais: “nada é mais expressivo do quão cartorial é um inquérito policial do que o vai-e-vem deste instrumento entre as diferentes agências do sistema. (...) pedidos e concessões de dilações de prazo para conclusão de investigações que, na prática, nunca ocorrem” (RODRIGUES, 2011RODRIGUES, Juliana Neves L. O inquérito policial para o crime de homicídio: Inquisitorialidade, discricionariedade e conflito em busca de verdade e de culpados. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011., p. 115).

Em outras palavras, o principal relacionamento institucional efetivamente organizado e garantido é o que reforça, por um lado, o caráter cerimonial das interfaces interinstitucionais necessárias ao curso das atividades investigativas e, por outro lado, o cartorialismo a que resta subsumido todo esse processo. Assim como apontaram Vargas e Zilli (2010VARGAS, Joana D.; ZILLI, Luís Felipe. “Uma Abordagem Empírica do Inquérito Policial: O caso de Belo Horizonte”. In: MISSE, Michel (org). O inquérito policial no Brasil: Uma pesquisa empírica. Rio de Janeiro: BookLink, 2010.), as rotinas de tramitação de pedidos de dilação de prazo estão acomodadas o suficiente para que não se questione sua racionalidade ou seu produto - loopings infinitos em que um inquérito sai da delegacia para solicitação de dilação e quando retorna às mãos do delegado já está com o novo prazo concedido vencido e deve retornar à Justiça sem qualquer andamento adicional, apenas para outro pedido de dilação, e assim sucessivamente, até a percepção do decurso de anos do fato e a decisão da autoridade policial de solicitar o arquivamento do feito por falta de provas.

Todos esses elementos ainda se somam à precária situação institucional das polícias civis brasileiras, cuja incapacidade sistêmica de planejamento de seus recursos materiais e de força de trabalho parece ser uma constante. As fragilidades nesse sentido sempre despontam nas análises sobre suas efetivas capacidades de atuação, como pode ser visto nos estudos de Azevedo e Vasconcellos (2011AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli; VASCONCELLOS, Fernanda Bestetti. “O inquérito policial em questão: Situação atual e a percepção dos delegados de polícia sobre as fragilidades do modelo brasileiro de investigação criminal”. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 26, n. 1, pp. 59-75, 2011.) e de Ratton, Torres e Bastos (2011RATTON, José Luiz; TORRES, Valéria; BASTOS, Camila. “Inquérito policial, Sistema de Justiça Criminal e políticas públicas de segurança: dilemas e limites da governança”. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 26, n. 1, pp. 29-58, 2011.). O grande passivo de ocorrências e inquéritos, aliado às deficiências estruturais, traz implicações, para além do funcionamento rotineiro das unidades, sobre a própria capacidade de gestão estratégica institucional, na medida em que fornece argumentos e insumos para impedir a “permeabilidade” de qualquer iniciativa de gestão aplicada, como é o caso do estabelecimento de metas de produtividade que, ademais do caráter discutível de seus indicadores para aferir a eficácia e efetividade do trabalho policial, são tratadas como mais um instrumento burocrático a ser atendido e cerimonialmente cumprido.

Como já apontavam Vargas e Zilli (2010VARGAS, Joana D.; ZILLI, Luís Felipe. “Uma Abordagem Empírica do Inquérito Policial: O caso de Belo Horizonte”. In: MISSE, Michel (org). O inquérito policial no Brasil: Uma pesquisa empírica. Rio de Janeiro: BookLink, 2010.), para atingir as metas, os delegados priorizam casos com maior facilidade na solução, ou cujo rápido arquivamento é possível (autor morto ou desconhecido, por exemplo), uma vez que, em alguns estados, a relatoria contabilizada como meta a ser cumprida não faz distinção sobre identificação de autoria. Na prática, então, as unidades ajustam sua rotina para atender às metas sem que, no entanto, o trabalho operacional seja incrementado - por vezes, inclusive, há prejuízo direto para as atividades. Ou seja, enquanto deveria estar substantivamente envolvido em um procedimento investigativo, o delegado despende boa parte de seu tempo triando casos em que a relatoria é possível de imediato, mas que não produzem nenhum impacto sobre a realidade da criminalidade instalada na área de sua responsabilidade.

A Delegacia Modelo e o Grupo Integrado de Intervenção Estratégica

Delegacia Modelo

Criada em 2014 sob o nome de Delegacia Modelo, a unidade experimental para apuração de homicídios tentou abarcar muitas das dimensões apresentadas na seção anterior como determinantes para a (des)construção dos significados subjacentes à atividade investigativa. O projeto surgiu da intenção do nível estratégico da instituição de buscar repensar seu “fazer cotidiano”, deixando em segundo plano questões de estrutura ou procedimentos e direcionando seu olhar para as percepções, crenças e motivações que delimitam a visão do policial civil sobre o conteúdo de seu trabalho.

Nesse sentido, a chefia da PCMG criou uma unidade policial “experimental”, com o objetivo de testar novas abordagens às investigações. Policiais de diversas carreiras, percebidos como competentes e experientes em suas respectivas áreas de atuação, foram provisoriamente “transferidos” para essa unidade, passando a compor sua equipe de investigadores. A delegacia então passou a se dedicar a casos de homicídio tentados e consumados, ocorridos a partir de então na região noroeste de Belo Horizonte.

As inovações a serem testadas na unidade experimental podiam ser agrupadas em basicamente cinco eixos: (1) competências investigativas; (2) estrutura das equipes de investigação; (3) lógicas operativas e metodologias de investigação; (4) informações e dados; e (5) processos de formalização de provas e constituição dos cadernos investigativos. Tais mudanças incluíram a reformulação não apenas da composição tradicional das equipes de investigação, mas também de suas lógicas operativas (tanto na rotina interna diária da delegacia, quanto nas apurações de campo). Além disso, pretendia-se expandir significativamente a quantidade e a variedade de dados e informações passíveis de serem utilizados pelo trabalho policial e, sobretudo, dos processos de coleta e formalização de provas em cadernos de investigação.

A primeira inovação a ser processada pela Delegacia Modelo dizia respeito à sua competência investigativa: diferentemente das tradicionais delegacias especializadas de homicídios, que têm sob sua responsabilidade apenas a apuração de homicídios consumados, a unidade experimental passaria a investigar também homicídios tentados. Partia-se do princípio de que as dinâmicas sociais e criminais que produziam homicídios tentados e consumados em determinados territórios eram basicamente as mesmas; se a unidade policial pretendia qualificar sua produção investigativa, precisava atuar na apuração de ambas as modalidades criminosas.

Ainda seguindo o princípio de “subverter para ressignificar”, o experimento da Delegacia Modelo também se propôs a revisar as estruturas tradicionais de engajamento territorial e preparo cognitivo dos policiais. Mesmo antes do início prático das investigações, tentou-se fazer com que os investigadores se apropriassem de ferramentas analíticas e conhecimentos sistemáticos sobre as dinâmicas criminais vigentes em sua área de responsabilidade. Para tanto, realizou-se uma extensa preparação da equipe, centrada na construção de mapas de rede de atividades relacionadas a drogas e gangues, visando a uma abordagem “de equipe” para o processo de investigação. A partir do estudo coletivo de materiais e dados produzidos por setores de inteligência da PC, bem como de estatísticas e outros dados de segurança pública, o objetivo central era oferecer à equipe da Delegacia Modelo uma compreensão mais abrangente e aprofundada dos grupos e dinâmicas criminais vigentes nos territórios que passariam a ser responsabilidade da nova delegacia.

Mesmo após tal preparação, destacou-se um servidor da carreira de investigador para a função de analista criminal para trabalhar exclusivamente para a unidade. Tal profissional era responsável pelo mapeamento de dinâmicas criminais nos territórios, produzindo sistematicamente relatórios de informação baseados em bancos de dados de segurança pública disponíveis, mas também na interface com áreas de informação e inteligência da instituição. Sem correspondente no modelo tradicional de delegacia policial, essa função demonstrou o potencial não utilizado e não sistematizado de conhecimento disponível, existente nos repositórios informacionais institucionais. A elaboração de relatórios, mapas e análises sobre contextos criminais são ferramentais não tradicionais que, utilizados no experimento, foram avaliados pelos entrevistados como um grande incremento na qualidade do trabalho investigativo dos casos individuais.

Em termos práticos, toda essa retaguarda informacional era utilizada pelos policiais já nos primeiros momentos das investigações, quando toda a equipe se dirigia para os locais de crime. Subsidiados por novos protocolos operacionais que organizavam a distribuição de tarefas e funções (com agentes trabalhando caracterizados e descaracterizados), os policiais faziam uso intensivo de tecnologias de registro audiovisual e comunicações em tempo real. Trabalhava-se intensamente na preservação das cenas de crime, no recolhimento do maior número de evidências objetivas e identificação de testemunhas e em um esforço coordenado para potencializar a investigação nos primeiros momentos após a ocorrência dos crimes.

Além disso, em termos operacionais, seria a primeira vez (pelo menos na lógica da PCMG) que delegados, investigadores, escrivães e peritos de cenas de crime seriam colocados para trabalhar juntos em casos particulares de homicídio. Cada equipe era a única responsável pelo seu caso do início ao fim, determinação que rompia com a já consolidada tradição institucional de segmentar a apuração dos homicídios em dois momentos, dividindo-a entre duas equipes distintas (investigação preliminar no local de crime e investigação de seguimento, já dentro do inquérito policial3 3 “Investigação preliminar” define todos os procedimentos de investigação e de coleta de vestígios realizados no primeiro momento em que a polícia recebe a informação da ocorrência de um homicídio, até os trabalhos na cena do crime, imediatamente após a chegada dos primeiros agentes policiais ao local. Já a “investigação de seguimento” seria a ampla gama de procedimentos investigativos e cartoriais realizados pela polícia desde o encerramento dos trabalhos preliminares até a conclusão do inquérito — resultando, preferencialmente, na completa elucidação do crime e de todas as circunstâncias que o cercam, com obtenção de autoria e materialidade. Normalmente, unidades policiais responsáveis pela investigação de homicídios designam equipes de plantão ou de permanência para a realização dos levantamentos iniciais em locais de crimes (fase preliminar), deixando a sequência das investigações (fase de seguimento) para outras equipes que trabalham em horários de expediente. Tal arranjo, tributário da falta de recursos humanos que não raramente impõe escalas de serviço disfuncionais às polícias civis brasileiras, não apenas cria um hiato procedimental e cognitivo entre as etapas da investigação, mas também quebra a cadeia de responsabilidade apuratória. ). A ideia era que a equipe da Delegacia Modelo compartilhasse todas as informações coletadas, bem como a responsabilidade por todos os relatórios produzidos, incluindo o próprio IP. A unidade experimental trabalhou em 18 casos de homicídios consumados e tentados ao longo do período em que ficou em atividade.

Quanto ao uso das tecnologias para formalização e registro das provas coletadas ao longo dos processos de investigação, cabe ainda destacar que todos os depoimentos e interrogatórios passaram a ser registrados em mídias de áudio e vídeo, para serem apensados eletronicamente, em tópicos ou em sua totalidade, ao caderno investigativo final. De modo geral, isso atendia a dois objetivos. Em primeiro lugar, buscava-se qualificar a produção da prova técnica; de acordo com os policiais envolvidos no experimento, os depoimentos em vídeo demonstravam as emoções das testemunhadas com mais precisão do que a transcrição de suas falas, aspecto importante na avaliação posterior das oitivas por parte do Ministério Público ou do Poder Judiciário - além de demonstrarem que o depoimento foi realizado sem uso de qualquer método de coação. Em segundo lugar, as gravações buscavam dar celeridade à montagem do instrumento final de apuração, na medida em que somente os extratos dos depoimentos pretendiam-se ser transcritos e assinados, seguindo sua íntegra em mídia eletrônica junto com os documentos impressos.

Em campo, observou-se que a reformulação das rotinas e dos processos investigativos da Delegacia Modelo, com discussões alinhadas entre os diversos membros da equipe, gerou efeitos sobre o sentido de valorização pessoal do trabalho dos policiais. Todos podiam ser igualmente ouvidos em suas experiências, saberes e percepções, aspecto que se traduzia em uma produção investigativa mais complexa e multifacetada. Um dos objetivos dessa estratégia de montagem do experimento foi justamente a superação das tradicionais linhas hierárquico-funcionais que seccionam, pelas diversas carreiras existentes internamente, a instituição e seus processos de fazer investigativo.

O outro objetivo foi promover o intercâmbio de conhecimento que se mostraria fundamental para a atuação dinâmica dos indivíduos envolvidos. As falas dos integrantes demonstraram que sua compreensão sobre o sentido do trabalho investigativo e sua inserção nesse processo foi alterada com o formato participativo do experimento. Algumas etapas e procedimentos tiveram incremento de qualidade em sua execução, melhoria essa diretamente atribuída, pelos entrevistados, à compreensão sistêmica estabelecida sobre os casos em apuração.

Um outro aspecto positivo relevante que caracterizou o experimento foi a construção da rotina da unidade a partir da lógica da investigação dos casos, em detrimento da lógica de produção cartorial do inquérito policial. Tal mudança de foco produziu efeitos perceptíveis e significativos sobre a diminuição dos formalismos e papelórios. Foi uníssona a conclusão de que o trabalho de investigação fluiu mais rápido e melhor a partir da inclusão do escrivão, do delegado e do perito como atores ativos nos processos investigativos, mais do que como atores responsáveis pela gestão documental e burocrática da unidade policial.

Pela lógica de atuação da unidade, saber como os resultados dos processos de investigação se materializariam posteriormente no IP tornou-se questão de segundo plano, discutida somente após a juntada de elementos suficientes para sua produção. Essa inversão do protagonismo tradicional “inquérito x investigação” e a racionalização de seu conteúdo foram os principais focos da equipe alocada na unidade experimental.

Da análise dos IPs produzidos por essa unidade - rebatizados pela equipe de “relatório conclusivo de investigações” -, foi possível concluir que sua elaboração seguiu exatamente a lógica de construção aqui discutida como ideal: primou-se pela narrativa ordenada dos acontecimentos e providências, assim como pela citação das provas objetivas e subjetivas, na medida de sua contribuição para formação do cenário de autoria, materialidade e motivações para o crime. Assim sendo, todas as demais peças produzidas no bojo do inquérito figuraram, na montagem final, como anexos deste relatório, que se tornou o documento principal - e inicial - do inquérito. Além disso, o documento foi assinado por toda a equipe envolvida no trabalho investigativo no caso (delegada, investigadores, escrivães e perito criminal).

Mais do que reproduzir um discurso cerimonial de alinhamento e integração da equipe, os relatos dos servidores demonstraram que toda a estrutura e o conteúdo do relatório foram realmente discutidos e trabalhados em grupo, favorecendo que cada parte, além de contribuir com sua especialidade de atuação, pudesse estar a par do panorama global de construção da investigação, conhecendo, entendendo e valorizando os esforços de todos. Desse modo, houve um incremento do sentido de pertencimento ao resultado final do trabalho, assim como da capacidade de compartilhar informações, visões e discursos, considerada fundamental para a aprendizagem organizacional.

A partir do momento em que o inquérito deixa de ser documento formal, de propriedade simbólica apenas do delegado de polícia, e se torna um repositório comum de conhecimentos, a instituição tem a oportunidade de convergir, a partir do seu trabalho finalístico (substantivo e formal), os saberes, as atitudes e os valores reproduzidos, o que é fundamental para sua capacidade de se avaliar e evoluir. A percepção geral de todos os atores envolvidos operacionalmente na Delegacia Modelo foi, portanto, de que os protocolos desenvolvidos para o compartilhamento de informações e o planejamento conjunto das ações e atividades de investigação redundaram em um trabalho policial de muito melhor qualidade do que aquele que cada um realizava em sua unidade de origem.

Do ponto de vista negativo, cabe mencionar que a Delegacia Modelo claramente não correspondia a uma unidade padrão da PCMG e, nesse sentido, não teve que conviver com os seus problemas usuais. Não havia pressão de produtividade sobre a equipe, não havia um estoque infindável de casos a serem resolvidos (e, portanto, priorizados) e o horário de funcionamento da unidade experimental era definido a priori (de segunda a sexta, das 12h às 20h), não tendo, portanto, responsabilidade e relação às ocorrências que acontecessem além desse limite - considerando, inclusive, que o pico usual de ocorrências de homicídios na área da delegacia experimental situava-se fora do seu horário de funcionamento, isso garantiu uma condição muito privilegiada em termos de preparação das rotinas de trabalho e atendimento aos casos designados.

O trabalho de campo captou, ainda, ruídos residuais na equipe em relação aos papeis e às tarefas a serem desempenhadas e divididas. Como todo o funcionamento era uma inovação, fruto da construção da própria equipe, é necessário considerar que os modelos e procedimentos construídos refletiram, em muitos aspectos, crenças e lógicas enraizadas nos policiais, ainda que de forma inconsciente. Por isso, persistiram ruídos sobre as dimensões culturais relacionadas à hierarquia, autoridade e discricionariedade, bem como alguma concentração dos trabalhos nos membros mais experientes da equipe.

Por fim, como não houve possibilidade de integral alinhamento, para os objetivos da unidade experimental, entre a PCMG e os outros atores do sistema de justiça criminal, os IPs produzidos e enviados ao Ministério Público e ao Judiciário acabaram formatados com o desenho tradicional, reproduzindo parte da burocracia tradicional e, nesse sentido, consistindo em retrabalho para a equipe da unidade experimental - os sumários de depoimentos, por exemplo, acabaram sendo praticamente substituídos pelo modelo tradicional de transcrição das falas integrais colhidas em oitivas, uma vez que promotores e juízes que receberiam nos inquéritos relatados pela unidade experimental não aceitaram sua substituição pelos vídeos.

Quase um ano após o início efetivo de suas operações, a Delegacia Modelo teve suas atividades encerradas devido a mudanças de cunho político-institucional na direção superior da PCMG. Todos os servidores envolvidos retornaram para suas unidades originárias e, ainda que a equipe gestora tenha avaliado a experiência como bem-sucedida em relação aos objetivos iniciais planejados (tensionar as rotinas e lógicas cotidianas das delegacias policiais), nenhuma de suas inovações foi absorvida pela instituição a ponto de produzir efeitos ou ser disseminada para as unidades operacionais em funcionamento.

Grupo Integrado de Intervenção Estratégica

Outra experiência de tentativa de reformulação e ressignificação das práticas investigativas tomou corpo na cidade de Governador Valadares, região leste de Minas Gerais, entre 2006 e 2016, sendo observada em duas etapas de trabalho de campo: a primeira em maio de 2016, a segunda em maio de 2018, já após seu encerramento formal4 4 Formalmente, a experiência do G.I.I.E. foi inaugurada em novembro de 2006 e encerrada em novembro de 2016, poucos meses depois do primeiro trabalho de campo que o mapeou. . Diferentemente da iniciativa da Delegacia Modelo, que foi institucionalmente projetada e implementada pelo nível estratégico da gestão da PC, o chamado Grupo Integrado de Intervenção Estratégica (G.I.I.E.) surgiu a partir de um movimento espontâneo de cooperação entre as chefias de unidades locais das polícias Civil e Militar, então fortemente pressionadas a oferecer respostas mais efetivas para o crescimento exponencial das taxas de homicídios na cidade.

Publicamente, a experiência foi anunciada como uma iniciativa de reestruturação da Delegacia Especializada em Investigação de Homicídios de Governador Valadares, visando ao aumento de sua capacidade de apuração e processamento dos casos de homicídios. Para tanto, foram inicialmente disponibilizados exclusivamente para a unidade 18 policiais civis (três delegados, quatro escrivães, um inspetor e dez investigadores), bem como uma série de recursos tecnológicos e logísticos (computadores, gravadores digitais, câmeras, viaturas, coletes, armas etc.). Em termos concretos, no entanto, tratou-se de um movimento de releitura radical das lógicas e práticas investigativas tradicional e normativamente prescritas, sobretudo no que diz respeito às competências legalmente estabelecidas para a investigação e ao caráter cartorial assumido pela apuração dos crimes sob a forma do inquérito policial.

O rompimento das estruturas tradicionais da investigação começou pelo envolvimento direto e institucional da PM em todas as etapas do processo de apuração dos homicídios. Para tanto, a organização disponibilizou 11 policiais (um oficial e dez praças) para trabalharem exclusivamente sob a coordenação da delegacia de homicídios. Os militares receberam capacitações em técnicas e metodologias de investigação e passaram a trabalhar, em trajes civis, na coleta de provas, tomada de depoimentos e produção de indícios para os inquéritos policiais.

Sob a coordenação dos três delegados e do inspetor da PC, bem como do oficial da PM, foram montadas na Delegacia Especializada em Investigação de Homicídios cinco equipes de investigação cada uma delas formada por dois investigadores da PC e dois praças da PM. Em cada dia da semana, uma dessas equipes mistas ficaria responsável por comparecer aos locais de crimes, assumindo todas as tarefas da etapa de investigação preliminar dos casos (as primeiras 48 horas a partir do fato). Cabia a essa “equipe de permanência” ir ao local dos fatos, acompanhar os levantamentos periciais, arrolar e entrevistar possíveis testemunhas e suspeitos e, sempre que fosse possível, fazer prisões em flagrante. Todos os levantamentos realizados nesses momentos iniciais eram sumarizados em um relatório de local de crime e repassados a um dos delegados coordenadores, que, a partir de então, assumia a frente das investigações, coordenando a mesma equipe que fez os levantamentos preliminares.

Assim como se observou na experiência da Delegacia Modelo, a metodologia do G.I.I.E. também optou por romper com um modelo tradicionalmente adotado por delegacias de homicídios em todo o país: o “hiato” procedimental e a troca de responsabilidade investigativa entre as fases preliminar e de seguimento das investigações de homicídios (MINGARDI, 2006MINGARDI, Guaracy. A investigação de homicídios: Construção de um modelo. Relatório de Pesquisa do Concurso Nacional de Pesquisas Aplicadas em Segurança Pública e Justiça Criminal. Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), 2006.; GEBERTH, 2007GEBERTH, Vernon J. “10 Most Common Errors in Death Investigations”. Law and Order, vol. 55, n. 11, pp. 84-89, 2007.). Na metodologia adotada pelo G.I.I.E., as equipes de investigação assumem o ciclo completo da apuração: os policiais que foram ao local do crime serão aqueles que darão seguimento à investigação até a sua conclusão.

Mesmo os policiais militares que compunham as equipes mistas participavam de todas as etapas e procedimentos da investigação. Durante o trabalho de campo da presente pesquisa, acompanhou-se depoimentos de testemunhas e suspeitos conduzidos conjuntamente por policiais civis e militares. Nos casos acompanhados, ainda que um delegado tenha assumido formalmente a condução das oitivas juntamente com um escrivão, tanto investigadores da PC quanto praças da PM participaram ativamente dos interrogatórios, fazendo perguntas, apresentando fotos aos depoentes e trocando informações entre si.

Outra questão problematizada pela experiência do G.I.I.E. diz respeito justamente à já destacada “feudalização” do conhecimento das práticas e rotinas investigativas promovidas pelas rígidas demarcações funcionais da PC. Ao trazer, institucionalmente, agentes da PM para dentro do dia a dia do fazer investigativo, a Delegacia de Homicídios de Governador Valadares acoplou ao processo apuratório a lógica de captação e processamento de informações inerente à extensa capilaridade operativa e cognitiva da PM. Para potencializar as investigações de homicídios, os agentes militares que compunham as equipes mistas receberam a prerrogativa funcional de acessar bases de dados, mobilizar os muitos policiais de área e unidades territoriais, bem como acessar qualquer rede ou sistema de inteligência mantido pela PM na cidade e na região. Segundo todos os entrevistados, a inserção institucional das muitas redes de contatos e informações da PM na lógica cotidiana da investigação dos homicídios conferiu maior agilidade às apurações, mitigando o caráter cartorial e feudalizado da construção dos inquéritos.

A possibilidade de mobilizar rapidamente a logística inerente à vasta capilaridade dos batalhões, companhias e pelotões da PM (distribuídas por diversas regiões de Governador Valadares), somada à considerável capacidade informacional proporcionada pela forte inserção comunitária dos policiais que trabalham cotidianamente nos territórios, passou a ser o principal motor de produção de informações para os inquéritos de homicídios confeccionados pelo G.I.I.E..

- Qual é a mágica? A mágica é essa integração. Agora acabou de entrar um PM [policial militar] na minha sala para me trazer informações. Se eu precisar de um indivíduo agora, às vezes eu não tenho os investigadores à disposição. Basta eu ligar para um oficial e falar: “Olha, eu tô precisando que vocês localizem e tragam fulano pra mim, que eu recebi a informação que ele está falando”. “Perfeitamente, doutor”. Eles trazem. [Se eu digo:] “Preciso de uma foto do beltrano e a qualificação dele. Vocês têm?”. “Claro doutor, estamos mandando”. (...) O militar que está na rua tem muito mais informação do que eu que estou dentro do meu gabinete. O cidadão que vê o militar na rua todos os dias vai chegar nele e passar informação; ele não vai vir no meu gabinete fazer isso. (Policial civil da Delegacia Especializada de Investigação de Homicídios)

Outra tradicional lógica investigativa problematizada pelo trabalho do G.I.I.E. foi a compartimentalização factual intuitivamente propiciada pelo instrumento do inquérito policial. No cotidiano das delegacias de homicídios, cada evento criminoso é inserido em um caderno investigativo, instaurado exclusivamente para sua apuração. Mesmo que a morte a ser apurada se encontre inserida em uma rede mais ampla de conflitos e violências territorialmente localizadas - como no caso de uma guerra entre gangues, por exemplo -, aquele crime será individualmente investigado por um determinado inquérito policial que, na imensa maioria dos casos, não produz informações para outros procedimentos de investigação. Essa característica não comunicativa das investigações, em grande parte derivada da lógica cartorial que as apurações de homicídios assumem dentro do instrumento do inquérito policial, já se encontra fartamente discutida pela literatura acadêmica (MINGARDI, 1992MINGARDI, Guaracy. Tiras, gansos e trutas: Cotidiano e reforma na Polícia Civil. São Paul: Scritta Editorial, 1992.; RODRIGUES, 2011RODRIGUES, Juliana Neves L. O inquérito policial para o crime de homicídio: Inquisitorialidade, discricionariedade e conflito em busca de verdade e de culpados. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.; ZILLI e VARGAS, 2013ZILLI, Luís Felipe; VARGAS, Joana D. “O trabalho da Polícia Investigativa face aos homicídios de jovens em Belo Horizonte”. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, vol. 18, n. 3, pp. 621-632, 2013.).

De acordo com os policiais que participaram da experiência do G.I.I.E., as investigações levadas à cabo pelo grupo buscavam quebrar essa lógica de individualização e isolamento por meio de três estratégias. A primeira delas modificou a própria competência e atribuição da Delegacia Especializada em Investigações de Homicídios de Governador Valadares. A partir da experiência do G.I.I.E., a unidade passou a trabalhar na apuração não apenas dos homicídios consumados, mas também de todas as tentativas de homicídios registradas na cidade - até então investigadas por pequenas delegacias de área. A mudança se deu em função da constatação de que o incremento da qualidade investigativa da unidade só se daria mediante a compreensão mais aprofundada, por parte dos policiais, das dinâmicas territoriais, conflitivas e criminais dos territórios historicamente mais violentos do município. E como, pelo menos em termos práticos, as interações violentas que resultavam no cometimento tanto dos homicídios tentados quanto dos consumados eram virtualmente as mesmas, optou-se por delegar à unidade competência investigativa sobre ambas as modalidades criminosas.

Complementar à primeira, a segunda estratégia adotada foi trazer para o cotidiano das práticas investigativas um grande volume de diagnósticos criminais confeccionados por setores de inteligência de unidades operacionais da PM - levantamentos sobre estruturas, relações e conflitos de gangues, por exemplo. O objetivo era não apenas instrumentalizar a compreensão das dinâmicas de conflitos dos territórios violentos, mas também conferir maior robustez ao conjunto probatório reunido nos inquéritos. Partes específicas dos diagnósticos e relatórios de inteligência passaram a ser anexados aos cadernos investigativos, como forma de oferecer ao Ministério Público e ao Judiciário uma visão mais abrangente de como os casos específicos se relacionavam entre si e com dinâmicas de violência e criminalidade de determinados territórios da cidade.

Mesmo boletins de ocorrência passaram a ser formalmente confeccionados por policiais militares apenas para narrar atividades de investigação, obtenção de informações e entrevistas com eventuais testemunhas e suspeitos. Seguindo a exigência de redução a termo escrito imposta pelo instrumento do inquérito policial, tais boletins acabaram se tornando relatórios de trabalho de campo investigativo produzidos pelos PMs ligados ao G.I.I.E..

Uma terceira estratégia adotada para tentar romper com a característica de isolamento normalmente imposta às investigações pelo instrumento do inquérito policial foi o forte investimento em elementos materiais coletados nos locais de crimes e demais etapas da apuração (projetis para exames balísticos, impressões digitais, interceptações telefônicas etc.), visando correlacionar o maior número possível de investigações em andamento na delegacia de homicídios. Por meio da detecção de elementos e materiais comumente presente em mais de um caso, tentava-se solucionar conjuntamente o maior número de inquéritos possíveis.

- Normalmente nos inquéritos não se trabalha muito os elementos materiais, como balística. Por exemplo, tentativas de homicídio. O cara tomava um disparo de arma de fogo e ia para o hospital regional. Lá ele era socorrido e sobrevivia. Mas nós percebemos que não havia a metodologia de acionar o hospital e, além de pedir cópia do prontuário médico, pedir os projetis que foram retirados daquele cidadão. E é fundamental pedir porque aqueles projetis poderiam ser elementos de informação que ajudariam a elucidar aquele crime e outros pretéritos. Por exemplo, aquela vítima que sobreviveu é inquirida no hospital e revela que quem atirou contra ela foi o João. Aí pegávamos os arquivos e descobríamos que o João já era suspeito de dois outros homicídios consumados, com armas do mesmo calibre. Então se a gente consegue o projetil extraído daquela vítima que ligou o João à arma, existe uma grande chance que, pela balística, você conecte o João aos outros dois homicídios e apure os três casos de uma vez. (Policial civil da Delegacia de Homicídios)

Por fim, assim como se observou na experiência da Delegacia Modelo, um outro ponto atacado pela iniciativa do G.I.I.E. foi o caráter notadamente cartorial e burocrático assumido pelas investigações de homicídios dentro do instrumento do inquérito policial. Para tanto, as equipes de investigadores passaram a adotar recursos multimídia em todas as etapas da investigação. Grande parte das entrevistas realizadas com testemunhas e/ou sobreviventes em locais de crimes e em hospitais eram gravadas em vídeo. Mesmo os depoimentos e interrogatórios formalmente realizados na sede da delegacia de homicídios eram registrados em áudio e vídeo, sendo posteriormente armazenados em mídias físicas e apensadas nos inquéritos que seguiam para o Ministério Público e Poder Judiciário.

Assim como se observou no caso da Delegacia Modelo, os policiais do G.I.I.E. afirmaram que os procedimentos de gravação tinham duas funções: a primeira, notadamente os vídeos feitos ainda em locais e crime e hospitais, era registrar informações e testemunhos de maneira mais ágil, garantindo a possibilidade de obtenção mais fidedigna de informações ainda no calor dos fatos. Além disso, também visava dificultar que, posteriormente, alguma testemunha negasse ou desmentisse as informações prestadas em um eventual depoimento formal na delegacia ou na Justiça.

A segunda função era justamente explorar e tensionar uma peculiaridade do arranjo processual normativamente determinado para o julgamento dos casos de homicídio: diferentemente dos demais tipos penais, que têm os quesitos de autoria e materialidade julgados isoladamente por juízes de direito (responsáveis por avaliar, sozinhos e por livre convencimento motivado, o conjunto probatório produzido), os crimes de homicídio são julgados por um júri formado por cidadãos leigos e que, em última instância, julgam a culpa ou a inocência dos réus em função de sua íntima convicção. De acordo com os policiais entrevistados, o registro em vídeo dos depoimentos de testemunhas e suspeitos aportava “mais vida e emoções” ao registro frio dos depoimentos tomados em papel, produzindo nos julgamentos mais elementos de convencimento para os jurados.

- Desde a minha entrada na Polícia Civil, eu tinha em mente que a plataforma do inquérito, papel, tinta, era muito fraca, muito pálida. Porque quando chegava na seara jurisdicional, na instrução perante o juiz, bastava a testemunha falar que não disse aquilo diante do delegado, que o delegado tinha forçado a dizer, que aquele elemento de informação, que às vezes era a pedra angular de toda a investigação caía por terra e o indivíduo era absolvido. Então desde a minha entrada na Polícia Civil, eu passei a adotar duas plataformas: a plataforma tradicional, com papel, tinta, assinatura, e a plataforma de áudio e vídeo, com filmagem dos depoimentos. E a gente percebe muito rapidamente que as coisas melhoram quando as investigações são feitas assim. Passei a ter feedbacks de que estavam aumentando as condenações em júris com as gravações porque, diferentemente dos juízes togados, que não podem condenar somente com base nos indícios que estão no inquérito, os jurados podem condenar com base na íntima convicção. Então a gente percebeu que as gravações em vídeo estavam ajudando muito no júri. Elas tinham um impacto muito bom sobre os jurados. (Policial civil da Delegacia de Homicídios)

Em Governador Valadares, diferentemente do que se observou na experiência da Delegacia Modelo de Belo Horizonte, a inserção de recursos tecnológicos como ferramentas de qualificação do trabalho investigativo foi bem aceita pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Enquanto, para os jurados, as gravações em vídeo dos testemunhos recolhidos na fase do inquérito policial conferiam um tom mais emocional que favorecia a empatia com vítimas e resultava em maiores índices de condenações dos acusados, para juízes e promotores, esse formato de produção de prova passou a conferir mais credibilidade ao trabalho policial.

Conforme informações recolhidas no campo, não só os depoimentos gravados em fase de inquérito não costumavam ser tomados novamente durante o processo - o que é tradicional, sem a adição do recurso de mídia, justamente pela suspeição sobre a forma pela qual foram conseguidas tais declarações -, como juízes e promotores se mostraram receptivos e favoráveis às ferramentas de tecnologia, na medida em que os resultados para apuração dos crimes começaram a se mostrar consistentes. Houve inclusive investimento, na estrutura do Poder Judiciário local, em equipamentos multimídia para exibição das gravações durante as sessões de julgamento.

E, mais do que isso, a qualificação do trabalho policial entregue para seguimento do sistema de justiça criminal colaborou para o estabelecimento de relações de cooperação mais amistosas entre promotores, juízes e policiais, que relataram maior facilidade de interação na obtenção de apoio nos processos investigativos, para além dos formalismos que tradicionalmente marcam as relações entre estas instituições.

Em novembro de 2016, no entanto, após quase dez anos de funcionamento, o G.I.I.E. foi formalmente desativado pelas chefias locais das polícias Civil e Militar. De acordo com os policiais entrevistados, disputas corporativas pelos dividendos políticos e midiáticos dos resultados obtidos pelo grupo se encarregaram de minar o suporte institucional da iniciativa. Os policiais militares disponibilizados para a investigação de homicídios foram realocados em outras unidades e funções e, gradativamente, a própria Delegacia Especializada em Investigação de Homicídios teve suas equipes significativamente reduzidas.

Ainda segundo os policiais entrevistados, o trabalho desenvolvido pelo G.I.I.E. nunca foi plenamente aceito entre as chefias das instituições, ou mesmo entre seus segmentos operacionais. Ainda que o trabalho tenha produzido bons resultados durante seu funcionamento, com considerável aumento dos indicadores de apuração de homicídios na cidade, as fortes resistências corporativas à atuação integrada do grupo, sobretudo pelo envolvimento formal de policiais militares nas rotinas e práticas investigativas típicas da PC, nunca deixaram de constituir forte entrave à existência do G.I.I.E. e de minar sua atuação.

Entre os próprios policiais que fizeram parte da experiência, o trabalho de campo também captou uma série de resistências e críticas ao trabalho cotidiano de investigações conjuntas realizado pelas equipes mistas. Investigadores da PC e praças da PM, de um lado, e delegados e oficiais da PM, do outro, criticavam-se mutuamente, reproduzindo, mesmo dentro do G.I.I.E., rivalidades corporativas historicamente sedimentadas em ambas as instituições.

Mesmo na Delegacia Especializada em Investigação de Homicídios, as metodologias de trabalho propostas pelo G.I.I.E. não se mostraram capazes de provocar rupturas efetivas nos paradigmas procedimentais e nos modelos investigativos tradicionalmente adotados pela unidade. Um ano e meio após o fim do projeto, velhos protocolos operacionais voltaram a ser adotados, com delegados deixando de comparecer a grande parte dos locais de crime, recursos de registro audiovisual gradativamente deixando de ser utilizados e o contato entre equipes de investigação e policiais militares se tornando cada vez mais escasso.

Considerações finais

Embora tenham obtido relativo sucesso em campo, as iniciativas experimentais de investigação de homicídios acompanhadas e analisadas na Polícia Civil de Minas Gerais não foram capazes de reconfigurar elementos da cultura tradicional da organização em relação a como o trabalho policial investigativo deve ser realizado. O trabalho corriqueiro de investigação continua a apresentar uma desconexão entre a investigação real e as exigências formais do inquérito policial, e este último permanece central “no radar” dos policiais civis e em sua identidade profissional.

Delegados, escrivães e investigadores parecem interpretar seus respectivos trabalhos por um prisma de competição mútua, com cada uma dessas carreiras realizando suas atividades de modo compartimentalizado, refletindo os conflitos internos à sua organização e as demandas de suas relações com os outros atores do sistema de justiça criminal. Permanecem imperando, portanto, em diversos aspectos da vida institucional da PCMG, práticas personalistas, burocráticas e de “feudalização” do conhecimento que subtraem qualquer sentido substantivo de profissionalização e sistematicidade dos trabalhos investigativos.

Constituídas, ainda que com o mesmo “pano de fundo”, por vetores inversos - enquanto a Delegacia Modelo foi uma iniciativa da direção superior da PCMG, o G.I.I.E. foi criado como uma resposta “da ponta” para as incapacidades institucionais de conferir efetividade às atividades investigativas -, ambas as experiências analisadas carregam, ao menos, insights valiosos sobre os pontos de inflexão que pretenderam enfrentar.

Em primeiro lugar, não parece ser por acaso que, das duas iniciativas, a que manteve lastros menos transitórios foi aquela que surgiu dos arranjos locais entre os atores institucionais diretamente implicados no enfrentamento dos problemas de criminalidade. O fato de dilemas de integração institucional entre o sistema frouxamente articulado da segurança pública (SAPORI, 2007SAPORI, Luis Flávio. Segurança pública no Brasil: desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 2007.) serem contornados, ainda que de forma institucionalmente precária, entre os policiais que compartilham as responsabilidades operacionais do nível da rua, descortina um importante caminho segundo o qual, conforme o argumento central do presente artigo, as demandas e restrições cotidianas são capazes de tensionar normatividades e lógicas em uso da atividade policial. Implicados diretamente pela incapacidade de resposta diante da elevação dos homicídios, os policiais de Governador Valadares encontraram, na união de esforços da forma mais pragmática possível - aquela do nível de suas discricionariedades -, uma solução viável para seus problemas de efetividade. A capilaridade da PM, somada à coordenação e à expertise técnica da PC, não apenas maximizaram a capacidade de esclarecimento desse tipo de crime, como também criaram novas vias de interlocução entre os atores do sistema de justiça criminal, somando a aquiescência do Ministério Público e Poder Judiciário à iniciativa.

A Delegacia Modelo, por outro lado, se não teve fôlego para produzir efeitos que superassem a arena do experimento - devido à sua constituição como projeto institucional e, assim, extremamente dependente do patrocínio da gestão superior -, foi capaz de promover questionamentos sobre o fazer cotidiano policial que jamais seriam possíveis, em ambientes operacionais, sem um processo de ruptura institucional, cenário atualmente pouco factível no horizonte da segurança pública brasileira e mineira. Em outras palavras, o completo rompimento do modelo de funcionamento cartorial-burocrático, com a constituição de equipes horizontais dividindo os mesmos espaços físicos e compartilhando informações e responsabilidades sobre todo o processo de investigação dos casos, só foi possível com o devido afastamento das constrições da cultura organizacional.

Ainda que se entenda pela impossibilidade de sua aplicação prática, alguns dos principais mitos que sustentam essa cultura de “feudalização” - e, por consequência, de fragilização institucional - são colocados à prova a partir da avaliação dos resultados do experimento - e talvez por isso a instituição não tenha conseguido sustentar sua continuidade. Confrontadas com mudanças que, mesmo de modo tópico, ameaçam expor institucionalmente as contradições e disfuncionalidades de seus modelos operativos tradicionais, as estruturas corporativas e as culturas organizacionais costumam se retrair, mostrando-se fortemente refratárias à adoção de novas práticas, saberes e tecnologias.

Em ambas as experiências, a centralidade de soluções que buscaram imprimir tons mais técnico-profissionais e, assim, de menos improviso e vulnerabilidade nas relações interinstitucionais, parece ser, por fim, um indicativo claro de alternativa viável para mudanças incrementais que colaborem para a qualificação do trabalho investigativo. O uso de ferramentas de tecnologia para gravação de áudio e vídeo na fase policial, a produção de conhecimento em análise criminal local e a retomada da importância do tratamento do local de crime são exemplos que despontaram em ambas as iniciativas analisadas e sustentam que é possível, com algum esgarçamento dos limites da cultura organizacional, qualificar a atuação das polícias investigativas no Brasil.

Referências

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Notas

  • 1
    No Brasil, o Código de Processo Penal (CPP), normativa que regulamenta a condução das investigações policiais realizadas por meio de inquérito, determina, em seu art. 10, que “o inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou se estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela” (BRASIL, 2018).
  • 2
    Instituídas no Brasil pela resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as chamadas audiências de custódia são um instrumento processual penal que determina que todo preso em flagrante deve ser levado à presença de autoridade judicial no prazo máximo de 24 horas, para que esta avalie a legalidade e a necessidade de manutenção da prisão.
  • 3
    “Investigação preliminar” define todos os procedimentos de investigação e de coleta de vestígios realizados no primeiro momento em que a polícia recebe a informação da ocorrência de um homicídio, até os trabalhos na cena do crime, imediatamente após a chegada dos primeiros agentes policiais ao local. Já a “investigação de seguimento” seria a ampla gama de procedimentos investigativos e cartoriais realizados pela polícia desde o encerramento dos trabalhos preliminares até a conclusão do inquérito — resultando, preferencialmente, na completa elucidação do crime e de todas as circunstâncias que o cercam, com obtenção de autoria e materialidade. Normalmente, unidades policiais responsáveis pela investigação de homicídios designam equipes de plantão ou de permanência para a realização dos levantamentos iniciais em locais de crimes (fase preliminar), deixando a sequência das investigações (fase de seguimento) para outras equipes que trabalham em horários de expediente. Tal arranjo, tributário da falta de recursos humanos que não raramente impõe escalas de serviço disfuncionais às polícias civis brasileiras, não apenas cria um hiato procedimental e cognitivo entre as etapas da investigação, mas também quebra a cadeia de responsabilidade apuratória.
  • 4
    Formalmente, a experiência do G.I.I.E. foi inaugurada em novembro de 2006 e encerrada em novembro de 2016, poucos meses depois do primeiro trabalho de campo que o mapeou.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2020
  • Aceito
    27 Ago 2020
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