Acessibilidade / Reportar erro

A arte da Escola Beneditina de Beuron no Brasil e a restauração religiosa pela arte

RESUMO

Em 1889, após a Proclamação da República e formação de um Estado laico, os religiosos da Congregação Beneditina Brasileira puderam solicitar ajuda à Santa Sé no processo de Restauração da Ordem. Atendendo o pedido do Papa Leão XIII, a Congregação de Beuron desembarcou em solo brasileiro em 1895, em Olinda. Beuron dedicava-se à Restauração religiosa por intermédio da arte, pelo canto gregoriano e arte visual. Para esse fim, fundaram a Escola de Arte de Beuron, que seguia a teoria do escultor e arquiteto Peter Lenz para a arte religiosa. Este texto apresentará a Restauração religiosa dos Beneditinos pela Arte da Escola de Beuron, seus artistas em solo brasileiro, a sua circulação e recepção.

PALAVRAS-CHAVE:
Arte religiosa; Escola de Beuron; Arte beneditina; Desiderius Lenz; Adelbert Gresnigt

ABSTRACT

In 1889, after the proclamation of the Republic in Brazil, the laic State allowed Benedictine monks to request the Holy See to help them restore their Order. The Beuron Congregation answered the request of Pope Leo XIII and supported the Brazilian Restauration. In 1895, the Beuron brothers arrived at the Olinda Monastery. Beuron restored European monasteries through works of art, with the Beuron School of Art, which followed Peter Lenz’ theory of sacred art production. This text presents the Religious Restauration Movement of the Brazilian Benedictine Congregation through the Beuron School of Art, their artists in Brazil, and the circulation and reception of these artists in local society.

KEYWORDS:
Religious art; Beuron school; Benedictine art; Desiderius Lenz; Adelbert Gresnigt

Este texto pretende apresentar a restauração da Congregação Beneditina Brasileira realizada pela Congregação de Beuron, na Alemanha, pelo seu viés artístico, observando os artistas e sua produção em São Paulo. Acreditamos que a Arte de Beuron foi uma ferramenta de divulgação visual da arte e cultura beneditinas com o fim de assinalar uma nova fase deste grupo religioso no país.

A Ordem Beneditina foi fundada por Bento de Nursia (c. 480-547), que é considerado o patriarca dos monges do Ocidente. Em 529, Bento deixou Subiaco para se estabelecer em Monte Cassino, na Itália, onde permaneceu até sua morte, em 21 de março de 547 (Enout, 2012ENOUT, J. E. (Trad.) A Regra de São Bento. Rio de Janeiro: Lumen Christi; Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, 2012., p.11-12). Como legado, deixou a Regra Beneditina que ordenava a vida monástica. Em seu Capítulo 57, temos:

Se há artistas no mosteiro, que executem suas artes com toda a humildade, se o Abade o permitir [...] Se, dentre os trabalhos dos artistas, alguma coisa deve ser vendida, cuidem aqueles por cujas mãos devem passar essas coisas de não ousar cometer alguma fraude [...] Quanto aos próprios preços, que não se insinue o mal da avareza, mas venda-se sempre um pouco mais barato do que pode ser vendido pelos seculares, para que em tudo seja Deus glorificado. (Enout, 2012ENOUT, J. E. (Trad.) A Regra de São Bento. Rio de Janeiro: Lumen Christi; Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, 2012., p.71-2)

A rotina beneditina seguia o “Ora et Labora”, o orar e o trabalhar monacal. Compreendendo que “A ociosidade é inimiga da alma; por isso, em certas horas devem ocupar-se os irmãos com o trabalho manual, e em outras horas com a ‘lectio divina’” (Enout, 2012ENOUT, J. E. (Trad.) A Regra de São Bento. Rio de Janeiro: Lumen Christi; Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, 2012., p.64). A Regra não solicitava o voto de pobreza aos seus membros, porém, a comunidade precisava ser financeiramente autossuficiente.

A atividade artística era normatizada como trabalho e reconhecida no Capítulo 57. O monge-artista produzia sua obra com o consentimento do abade, verificava a qualidade dos materiais utilizados, evitava as fraudes e observava sua precificação que devia ser “um pouco mais barato do que pode ser vendido pelos seculares”.

O apoio à atividade artística tornou os mosteiros beneditinos celeiros de monges-artistas que atuavam na produção de objetos de arte nos diferentes suportes e materialidades: iluminuras, caligrafias, esculturas, pinturas...

Em 1581, os beneditinos chegaram ao Brasil. Antes deles, os jesuítas e os franciscanos estavam envolvidos no projeto da Santa Sé de catequização, conversão dos nativos e assistência espiritual dos colonos. Os beneditinos vieram por solicitação do povo da Bahia para atender os habitantes da capital (Nunes, 1988NUNES, R. A Abadia que cresceu com São Paulo. In: MARINO, J. (Org.) Mosteiro de São Bento de São Paulo. São Paulo: Companhia Antarctica; Mosteiro de São Paulo, 1988., p.11).

Segundo Ruy Nunes (1988NUNES, R. A Abadia que cresceu com São Paulo. In: MARINO, J. (Org.) Mosteiro de São Bento de São Paulo. São Paulo: Companhia Antarctica; Mosteiro de São Paulo, 1988., p.11), após a fundação do Mosteiro da Bahia, seguiram-se Rio de Janeiro (1586), Olinda (1590-1592), Paraíba (1596) e São Paulo (1598). São Paulo possuiu quatro priorados: Santana de Parnaíba (1643), Santos (1650), Sorocaba (1660) e Jundiaí (1668). Vinte anos após desembarcarem na Bahia, os beneditinos tinham mosteiros nas diferentes regiões do país.

Em São Paulo, os beneditinos fundaram uma ermida a Nossa Senhora de Monserrate num espaço nobre, onde havia sido a tribo do cacique Tibiriçá. Em 1630, os oficiais da Câmara da Vila de São Paulo doaram o sítio onde se localizavam a igreja e o mosteiro para os religiosos. Esses dados constam do trabalho de Dom Martinho Johnson (1977JOHNSON, M. (Dom) Livro do tombo do Mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo. São Paulo: O Mosteiro, 1977., p.3), que transcreveu e fez anotações sobre o Livro do Tombo da Ordem paulistana. O Livro do Tombo é a fonte primária que narra os doadores e as doações da comunidade.

Beneditinos, carmelitas e franciscanos se estabeleceram na vila de São Paulo em locais estratégicos que permitiram sua defesa contra ataques dos nativos. Esses locais formavam um triângulo imaginário e sua área geométrica delineava o centro antigo da cidade; as torres sineiras dessas igrejas eram referências no horizonte da vila para os seus habitantes. O triângulo colonial da vila ainda é uma referência na cidade atual, e indica o centro velho e histórico de São Paulo.

Em Santana de Parnaíba, o monge português Agostinho da Piedade (1580-1661) e o discípulo brasileiro Agostinho de Jesus (1600-1661) desenvolveram a arte da estatuária em barro. Em 1650, Fernão Dias Paes (1608-1681), o “Caçador de esmeraldas”, tornou-se o protetor dos beneditinos financiando a construção de sua igreja, que foi desenhada por frei Gregório de Magalhães.

Fernão Dias Paes encomendou ao escultor Agostinho de Jesus as imagens de São Bento, Santa Escolástica, Santo Amaro e São Bernardo para essa nova igreja (Nigra, 1988NIGRA, C. da S. (Dom) A Ordem Beneditina na Cidade de São Paulo. In: MARINO, J. (Org.) Mosteiro de São Bento de São Paulo. São Paulo: Companhia Antarctica; Mosteiro de São Paulo, 1988., p.55-6). Essas imagens em barro permanecem como legado da arte sacra do período seiscentista dentro da moderna basílica construída no início do século XX.

A tradição estatuária de Agostinho da Piedade e Agostinho de Jesus na produção de santos de barro em Santana de Parnaíba se propagou. Os religiosos formaram uma escola de santeiros e os seus discípulos acabaram por produzir uma escultura peculiar de pequena dimensão e uso privado, as “paulistinhas”. No período das Bandeiras, os excursionistas levavam consigo essas pequenas imagens de barro de seus santos de devoção. Essa produção foi difundida no Vale do Paraíba.

Na igreja do Mosteiro de São Bento, o orago era Nossa Senhora de Monserrate. No entanto, em 1720, o benfeitor José Ramos da Silva solicitou ao abade geral da ordem, frei José de Santa Maria, que a padroeira do mosteiro fosse Nossa Senhora da Assunção (Johnson, 1977JOHNSON, M. (Dom) Livro do tombo do Mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo. São Paulo: O Mosteiro, 1977., p.4), que permanece até os dias atuais.

Ruy Nunes (1988NUNES, R. A Abadia que cresceu com São Paulo. In: MARINO, J. (Org.) Mosteiro de São Bento de São Paulo. São Paulo: Companhia Antarctica; Mosteiro de São Paulo, 1988., p.13) informou que “Os beneditinos em São Paulo sempre foram pouco numerosos e, por isso, não puderam realizar feitos grandiosos e brilhantes, nem desenvolver ampla atividade, como os seus confrades da Bahia, do Rio de Janeiro e de Pernambuco”. Não apenas o mosteiro, como a vila de São Paulo eram simples e acanhados.

São Paulo era apenas uma paragem daqueles que saíam do litoral e seguiam para o sertão do país em busca de riquezas. Ferreira Resende (apud Bruno, 1954BRUNO, E. S. História e tradições da cidade de São Paulo - Burgo de Estudantes (1828-1872). Rio de Janeiro: José Olympio, 1954., p.452) que viveu na cidade em 1853, e que depois retornou em 1868, observou: “[...] conquanto já então [em 1868] se começasse a dizer que São Paulo estava prosperando muito, eu fui achar a cidade tal qual eu a havia deixado, nada tendo ido ali encontrar de novo senão a estrada de ferro, que não havia muito se tinha construído”.

A cidade que Ferreira Resende descreveu foi confirmada pelo Relatório do presidente da província José Fernandes da Costa Pereira Júnior (apud Bruno, 1954BRUNO, E. S. História e tradições da cidade de São Paulo - Burgo de Estudantes (1828-1872). Rio de Janeiro: José Olympio, 1954., p.455): “A capital é paupérrima [...] de melhoramentos materiais e muito mais de melhoramentos condignos de sua categoria e importância. Falta a cidade regular abastecimento de água potável. Nem ao menos se têm melhorado os terrenos adjacentes ao povoado, onde as águas estagnadas infetam a atmosfera e prejudicam a salubridade pública”.

O grão de café estava em alta no mercado internacional. O estado de São Paulo era produtor do grão que movimentou o cenário nacional. A cidade se tornaria um canteiro de obras, o fazendeiro de café era um empreendedor que vivia nela com sua família e investiu no seu progresso. Ele ansiava por viver numa cidade moderna e pujante que refletisse o seu próprio progresso.

De acordo com Flávia Oliveira (2010OLIVEIRA, F. A. M. Terras para lavoura comercial do café em São Paulo: Jaú (1850-1910). In: ODALIA, N. et al. (Org.). História do estado de São Paulo: a formação da unidade paulista. São Paulo: Unesp; Imprensa Oficial; Arquivo Público do Estado, 2010. p.41-60., p.71), “O capital cafeeiro realizou dois movimentos: um de concentração, outro de centralização”, um movimento de concentração da riqueza e do poder político, e um de centralização numa localização geográfica: São Paulo. Isso provocou o crescimento demográfico apontado por Suely Queiroz (2004QUEIROZ, S. R. R. Política e poder na cidade de São Paulo: 1889-1954. In: PORTA, P. (Org.) História da Cidade de São Paulo: a cidade na primeira metade do século XX - 1890-1954. São Paulo: Paz e Terra; Petrobras, 2004; v.3, p.15-51., p.17): “os 23.243 moradores de 1872 seriam 64.930 em 1890 e 130 mil em 1895. No ano de 1910, segundo dados de recenseamentos publicados pelo IBGE, a Cidade já contava com 375 mil habitantes”. O número de habitantes cresceu dezesseis vezes em três décadas.

O capital injetado na cidade proporcionou mudanças locais, a cidade tornou-se um canteiro de obras. Entre 1890 e 1920, prédios foram demolidos, incluindo igrejas centenárias como “a Catedral da Sé, o Mosteiro de São Bento, a Igreja da Consolação, Santa Ifigênia, Santa Cecília, Imaculada Conceição e tantas outras” (Fagundes Junior, 2009, p.81). A Igreja do Mosteiro de São Bento foi demolida em 1910, por Miguel Kruse (1864-1929).

No final do século XIX, os mosteiros estavam vazios com poucos monges idosos e doentes. Em 1827, a Congregação Beneditina Brasileira possuía sete abadias: Bahia, Graça, Brotas, Olinda, Paraíba, Rio de Janeiro e São Paulo, esta última possuía quatro priorados: Santos, Sorocaba, Parnaíba, Jundiaí (Scherer, 1980_______. Frei Domingos da Transfiguração Machado: o restaurador da Congregação Beneditina do Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1980., p.11). Afonso Taunay (1927TAUNAY, A. d’E. História Antiga da Abadia de São Paulo 1598-1772. São Paulo: Tipografia Ideal, 1927., p.47) afirmou que não se conhecia o tempo em que a comunidade beneditina atingiu mais que oito membros, nem tempo em que todos os monges da capitania, em cinco monastérios, atingiram mais do que quinze religiosos.

Essa situação precária ocorreu porque os noviciados estavam fechados e não havia a renovação do quadro monástico. Em 1889, com a proclamação da República e a formação de um Estado laico, essa situação mudou. Com o fim do padroado, a Igreja pode se voltar para suas questões internas.

Giacomo Martina (2003MARTINA, G. História da Igreja: de Lutero a nossos dias/ II - A era do absolutismo. São Paulo: Loyola, 2003., p.310) explicou que o padroado marcava “a estreitíssima união do Estado com a Igreja, típica dos regimes absolutos [...] o padroado régio nas missões é apenas um particular desse fenômeno mais vasto, a íntima união entre as duas sociedades, civil e religiosa, com vantagens e os seus gravíssimos riscos”.

Os soberanos da Espanha e de Portugal possuíam direitos e deveres que “faziam da evangelização dos infiéis um dever do Estado, mas que, ao mesmo tempo, atribuíam a esse plena autoridade sobre a Igreja no território das missões” (Martina, 2003MARTINA, G. História da Igreja: de Lutero a nossos dias/ II - A era do absolutismo. São Paulo: Loyola, 2003., p.312). Martina concluiu que “O padroado, concebido inicialmente como um meio para favorecer a religião, transformou-se num instrumento de que Portugal se servia para manter sua influência política nos domínios de outras potências. No séc. XIX, ele tinha se reduzido a um peso morto, a um estorvo” (ibidem). Com o rompimento dessa estreita relação, a Igreja se voltou para si.

Os franciscanos foram os primeiros a iniciar o movimento de renovação religiosa, eles contavam com dez membros. Em 1892, a renovação franciscana se iniciou com a chegada dos alemães da Saxônia chefiados por Armando Bahlmann, que foi o responsável pelo povoamento da Bahia (Scherer, 1980_______. Frei Domingos da Transfiguração Machado: o restaurador da Congregação Beneditina do Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1980., p.54).

O recém-eleito abade geral Domingos da Transfiguração Machado (1824-1908) assumiu a Congregação Beneditina Brasileira com a missão de salvar o grupo, ele tinha a alcunha de “coveiro da ordem”. Michael Scherer (1980_______. Frei Domingos da Transfiguração Machado: o restaurador da Congregação Beneditina do Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1980.) informou que os monges não tinham boa reputação porque estavam distanciados da vida e da cultura monásticas, ele explicou que os problemas internos do grupo ocorriam devido à facilidade em admitir noviços, muitos sem vocação religiosa, e que ao saírem da Ordem se tornavam ferrenhos inimigos; à ausência de interesse nos exercícios espirituais: o recolhimento no claustro, o silêncio e a meditação; à presença de leigos no claustro; à decadência da disciplina monástica e ao desejo de se adquirir riquezas para si e para os seus parentes.

Domingos Machado solicitou ajuda à Santa Sé para salvar os beneditinos brasileiros da extinção. O papa Leão XIII (1810-1903) encarregou a Congregação Beneditina de Beuron para essa missão. Beuron trabalhava na renovação religiosa pela liturgia por meio da arte, com o canto gregoriano e as artes visuais. A Congregação tinha mosteiros em diferentes locais da Europa: na Alemanha (Beuron), na Bélgica (Maredsous), na Checoslováquia (Emaús) e na Áustria (Seckau).

Embora Beuron parecesse uma escolha óbvia para o programa de Restauração Brasileira, havia um grupo europeu nos Estados Unidos que poderia tê-lo feito, pois estava bem estruturado e conhecia as dificuldades num empreendimento latino-americano.

Esse grupo era liderado por Boniface Wimmer (1809-1887) do Mosteiro de Metten na Alemanha, que em quatro décadas fundou cinco mosteiros, entre eles o Mosteiro de Saint Vicent na Pensilvânia. O Album Benedictinum (1880 apud Scherer, 1963SCHERER, M. E. D. Miguel Kruse, abade do Mosteiro de São Paulo, 1864-1929. Munique: Academia Beneditina Bávara; Mosteiro de São Bonifácio, 1963., p.68) informou que Saint Vicent “contava com 135 sacerdotes, 4 diáconos, 12 subdiáconos, 40 clérigos, 15 noviços de coro e 171 irmãos leigos. Além disso, nas seis escolas pertencentes aos mosteiros, dos 650 alunos, 153 eram vocações para Ordem”.

Acreditamos que a escolha por Beuron se deveu à proximidade entre o papa Leão XIII e o abade primaz Hildebrand de Hemptinne (1849-1913), que foi o primeiro abade primaz da Congregação Beneditina. Além disso, os beneditinos estadunidenses haviam se decepcionado com o seu projeto de expansão equatoriano.

Esses dois grupos tinham características distintas na forma de viverem a religiosidade. Enquanto St. Vicent trabalhava a educação e a interação social com a cura das almas, Beuron se voltava à vida no claustro, dentro dos muros do mosteiro, observando a liturgia de forma exemplar, aprimorando-a.

Negociar a vinda de Beuron para o Brasil não foi uma tarefa simples, talvez por sua característica introspectiva e voltada para vida interna do mosteiro. Beuron exigia da Congregação Brasileira um mosteiro ao sul do país, Rio de Janeiro ou São Paulo, com todos os seus proventos e bens, garantindo a independência e o isolamento dos monges beuronenses. Os dois locais indicados eram contra a vinda dos monges europeus; por fim, acabaram aceitando o Mosteiro de Olinda para a sede da Restauração.

Em 1895, os religiosos da Congregação de Beuron desembarcaram em Pernambuco, sob o comando do belga Gerardo van Coloen. Eram eles: Foilão Lhermitte (Bélgica), Wilibrordo van Heteren (Bélgica), Diniz Verdin (Bélgica) Jaac van Emelen (Bélgica), J. Moreaux (Bélgica), Pedro Eggerath (Alemanha), Godofredo Derix (Alemanha), João Heuser (Alemanha), Luiz Kaiser (Alemanha), Casimiro Moschner (Alemanha), Domingos Liedl (Alemanha), Damião Mauthe (Alemanha), Gaudêncio Matl (Checoslováquia), José Kleinmann (Alemanha), senhor Kurz (Crônicas de Olinda, 1895, p.II-V).

Sobre o engajamento dos diferentes mosteiros da Congregação de Beuron, observamos que o Mosteiro de Beuron enviou o maior número de pessoas para Olinda, o que pode causar a falsa impressão de que os alemães eram os mais engajados no projeto. No entanto, para a Restauração ser bem-sucedida era necessário um grupo de monges maduros que pudessem guiar as novas vocações brasileiras. Ao inverso dos religiosos belgas, os alemães eram jovens vocações e leigos. O monge sênior era valioso e fundamental para esse projeto, Beuron hesitou em enviá-los ao Brasil.

Os religiosos encontraram a abadia olindense abandonada, apenas o monge idoso José Botelho habitava o local. Ele deixou sua antiga morada para atender ao acordo dos Restauradores, ele se mudou para o Mosteiro da Paraíba que estava desabitado. Os europeus descreveram as suas primeiras impressões sobre o novo lar:

[...] encantaram-nos os belos acentos do coro, mas vimos logo que em todos os acentos faltavam as dobradiças [...] um velho órgão incapaz de dar um só tom e que evidentemente servia de habitação aos morcegos [...] os sinos que estavam aí em número de três, estando dois lascados [...] A biblioteca nos comoveu à compaixão, pois víamos aí de que é capaz a traça daninha [...] muitos desses livros pareciam tábuas estando as folhas grudadas umas às outras. (Crônicas de Olinda, 1895, p.6)

Para alegria desses religiosos: “Pouco a pouco chegavam os caixões da alfândega e o mosteiro tomou o aspecto de um armazém, em todos os lugares dava-se com caixões. Havia caixões com livros, outros com paramentos e com mil outras coisas” (Crônica de Olinda, 1895, p.8).

Dentre os livros recebidos da Europa estava o S. Benedictus (1880), que era um catálogo de fotografias editado pelo Mosteiro de Maredsous e que continha o trabalho realizado pelos monges-artistas de Beuron na cripta e no refeitório do Mosteiro de Monte Cassino, na Itália. Esse é o principal local da Ordem Beneditina, onde São Bento e Santa Escolástica (480-543) estão sepultados. As imagens eram cópias do programa artístico desenvolvido por Peter Lenz (1832-1928) para Monte Cassino e foram replicadas na Sala Capitular de Olinda (1914), onde permanecem sem interferências patrimoniais.

Os monges assumiram o seu novo lar e o ambientaram, eles pintaram as paredes da igreja, da área de convivência, do claustro (Figura 1) e da Sala Capitular (Figura 2). Infelizmente, pouco desse trabalho permaneceu após o processo de tombamento do Iphan, em 17.7.1938 sob o Processo 50-T-38. O local sofreu intervenção patrimonial, as paredes foram pintadas com o objetivo de evidenciar o estilo barroco brasileiro do período colonial.

A Figura 1 apresenta as pinturas do claustro e exemplifica a apropriação do espaço físico do mosteiro pelos monges de Beuron. Essa área é o corredor do jardim interno, onde os monges eram sepultados. Segundo informação dada pelos monges olindenses, essas pinturas representavam os diferentes mosteiros da Congregação de Beuron e da Congregação Brasileira. Estudos estratigráficos realizados pelo Iphan apontou a inexistência de pigmentos sob a atual tinta branca, acredita-se que a parede tenha sido raspada.

Figura 1
Claustro do Mosteiro de Olinda. Pintura mural, autor desconhecido, colorida, s.d. Fotografia P&B, acervo do Mosteiro de Olinda, 1925.

Figura 2
Sala Capitular do Mosteiro de Olinda: O trânsito de São Bento. Pintura mural, autor desconhecido, colorida, 1914. Fotografia colorida, acervo da autora, 16 fev.2016.

Na Figura 2, um tema importante para os beneditinos: o falecimento de São Bento cercado por seus discípulos. Essa é uma das representações produzidas em Monte Cassino e que constam no catálogo S. Benedictus; ela foi reproduzida na sala capitular do Mosteiro de São Bento de Olinda, em 1914, por autor desconhecido. A sala capitular fica no claustro e tem acesso restrito, nela a comunidade monástica se reúne para tratar dos assuntos relevantes junto ao Abade da casa.

“O trânsito de São Bento” (Figura 2) foi difundido em diferentes locais da Ordem Beneditina e em diversos suportes: no vitral da Basílica de Nossa Senhora da Assunção em São Paulo realizada por Adelbert Gresnigt1 1 A grafia “Gresnigt” consta na autobiografia de Adelbert (Gresnigt, 1949), e está sendo adotada pela autora no lugar de “Gresnicht” (Arquivo de Beuron, 1895). (1914-1920); na igreja de São Gerardo na Boa Vista no Rio de Janeiro, por Gaspar Eisenfusch (1909); no Mosteiro da Bahia por Lucas Reicht (1914); em Praga, no Mosteiro de Emaús (1888-1890), e na Bélgica, no Mosteiro de Saint Andres. Embora o modelo seja lenziano, existem diferenças estilística de seus intérpretes e ajustes pontuais em razão do espaço físico disponível e/ou da materialidade da obra.

No arquivo do Mosteiro do Rio de Janeiro se encontram estampas com desenhos no estilo de Beuron. As estampas possuem no seu anverso o desenho, e no reverso, a explicação ou a passagem a que ela se refere, em alemão. Os religiosos carregavam as estampas no bolso da sua veste, ela tinha o fim educativo de instruir sobre determinados temas, por ser portátil, as estampas facilitaram a circulação do modelo beuronense.

A Escola de Arte de Beuron foi fundada por dois artistas egressos da Escola de Belas Artes de Munique, o escultor Peter Lenz e o pintor Jacob Wüger (1829-1892), que com o abade Mauro Wolter (1825-1890) fundaram a Escola após o término da Capela de São Mauro (1870).

Lenz e Wüger foram alunos do Nazareno Peter von Cornelius (1783-1867) em Munique. O professor Cornelius os indicou para uma bolsa de estudos do governo da Prússia. Em 1863, os jovens artistas chegaram à Itália e se uniram ao sodalício dos nazarenos.

Os nazarenos desejavam o retorno da produção coletiva da arte, em oposição com a arte individual ensinada nas academias de artes. Lenz e Wüger idealizavam uma comunidade para a produção da arte religiosa como um “mosteiro de artistas”, a pintora Amalie Bensinger (1809-1889) compartilhava desse desejo. Os três ansiavam em realizar esse projeto com os nazarenos, porém, o líder Friedrich Johann Overbeck (1789-1869) discordou dessa ideia (Metken, 1977METKEN, G. Zur Problematik der Nazarener-Nachwirkung. In: GALLWITZ, K. Die Nazarener: Städel, Städtische Galerie im Städelschen Kunstinstitut Frankfurt am Main. Frankfurt: Städel Museum, 1977. p.323-5., p.323-5).

Lenz desenvolveu sua Teoria Estética quando escrevia o relatório da bolsa de estudo para o governo da Prússia. Após o término, seguiu para o Mosteiro de Beuron, onde propôs a construção de uma capela votiva. A Capela de São Mauro foi financiada pela princesa Katarina Hohenzollern-Sigmaringen (1817-1893).

Na Figura 3, a sequência de anjos em louvor pintada na Capela de São Mauro. Os anjos serviram de motivo para outros anjos com asas exuberantes que remetiam às figuras aladas dos templos egípcios. Os anjos beuronenses se apresentavam orando e em louvor, portavam mensagens escritas em latim, carregavam medalhões com temas e imagens diversos.

Na Basílica do Mosteiro de São Bento em São Paulo, os anjos foram protagonistas no programa visual desenvolvido por Adelbert Gresnigt (1877-1956), no qual, num trabalho pedagógico na nave da igreja, ele apresentou os seis sacramentos por meio desses seres alados.

Ele pintou os anjos carregando medalhões com desenhos numa altura mais próxima ao fiel, na área do trifório. Na parte mais alta da igreja, na área do clerestório, os anjos carregando faixas com mensagens em latim. As duplas de anjos tratavam do mesmo tema e usavam duas formas de comunicação: a visual, nos medalhões, e a escrita, nas faixas. O observador poderia entender a mensagem proposta mesmo sendo analfabeto ou desconhecendo o latim.

Lenz acreditava que a arte dos povos antigos (gregos, egípcios, babilônios) trazia uma sabedoria no seu fazer artístico que estava a muito esquecida, e que teria o poder de conectar o espectador com Deus. Cronologicamente, esses povos estavam mais próximos do Pecado Original, portanto estavam mais próximos de Deus. Eles tinham esse conhecimento que há muito tempo se perdeu pelos séculos de fazer artístico. Para Lenz, esse saber antigo era como uma língua morta que estava há muito tempo esquecida; sua missão de vida, era resgatar esta gramática perdida (Yang, 2016YANG, K. K. B. A pintura beuronense na Basílica do Mosteiro Beneditino de São Paulo: 1914-1922. Guarulhos, 2016. Dissertação (Mestrado em História da Arte) - Faculdade de História da Arte, Universidade Federal de São Paulo., p.55-7).

A geometria era a ferramenta ideal, pois ela “permitiria a produção de objetos sagrados, com proporções que atendessem à própria produção Divina na Terra [...] esta geometria sagrada - que os egípcios conheciam e que havia se perdido no tempo - seria pelas proporções que regem a Natureza” (Lenz apud Yang, 2016YANG, K. K. B. A pintura beuronense na Basílica do Mosteiro Beneditino de São Paulo: 1914-1922. Guarulhos, 2016. Dissertação (Mestrado em História da Arte) - Faculdade de História da Arte, Universidade Federal de São Paulo., p.58).

Lenz (2002LENZ, (P.) D. The Aesthetic of Beuron and other writings. London: Francis Boutle Publishers, 2002., p.15-16) explicou que o seu cânone não deriva da natureza viva, mas do seu aspecto geométrico, “se nós inscrevermos, por exemplo, um serie ascendente de polígonos em um círculo, nós encontraremos um octógono [...] é fácil para os olhos rastrear, para compreender e distinguir as figuras, não pela sua forma, mas pela sua natureza, pela alma da figura”.

Na Figura 4, a representação do cânone de Adão (o primeiro homem) e de Eva (a primeira mulher), em que se verifica o minucioso estudo geométrico na construção dessas figuras representativas. Adão foi o primeiro exemplar humano criado por Deus à sua semelhança, suas medidas seriam perfeitas e seu corpo simétrico. Nessa busca, Lenz projetou cálculos matemáticos e proporções geométricas desenvolvendo o cânone do primeiro casal humano.

O desenho lenziano era desenvolvido seguindo um padrão de estudo geométrico, seu cânone era simétrico e hierático como na Figura 4 e seus desenhos valorizavam o traço, como na Figura 3. Não existia a preocupação com a mimese da natureza, para o teórico, o emprego da imitação distanciava a obra de Deus.

Figura 3
Desenho da Capela de São Mauro: friso com anjos. Peter Lenz, desenho a lápis, aquarela, s/d. Arquivo de Beuron, documento número: E07_52rl.

Figura 4
Cânone: Homem/Adão e Mulher/Eva. Peter Lenz, desenho a lápis, aquarela, 1871. Arquivo de Beuron, documento número: E01_59r1.

Lenz (2002LENZ, (P.) D. The Aesthetic of Beuron and other writings. London: Francis Boutle Publishers, 2002., p.15) explicou que os artistas do século XIX tratavam a “natureza como um tipo de ídolo”, buscando aprimorar sua técnica representativa, quanto mais havia esse esforço, mais cada um desenvolvia a sua, criando um mar de variações e técnicas em busca de provar seu talento individual.

A “estética geométrica [...] permite acalmar o mar de variações da natureza [...] penetra a exuberante plenitude de fenômenos, ordenando-os, distinguindo-os, simplificando-os” (Lenz, 2002LENZ, (P.) D. The Aesthetic of Beuron and other writings. London: Francis Boutle Publishers, 2002., p.15). Ele entendia que a estética geométrica normatizava e organizava a imagem, possibilitando a sua alma aflorar, tornando-a pura.

Em 1900, na Bahia, Domingos da Transfiguração Machado chamou Miguel Kruse e o informou que ele deveria seguir para São Paulo. Explicou que o abade estava doente e em seu leito de morte, e que, com seu falecimento, haveria o risco de o governo confiscar os bens da ordem pela ausência de herdeiros (Scherer, 1963SCHERER, M. E. D. Miguel Kruse, abade do Mosteiro de São Paulo, 1864-1929. Munique: Academia Beneditina Bávara; Mosteiro de São Bonifácio, 1963., p.68). A Restauração da Congregação Beneditina Brasileira estava em progresso em Olinda e na Bahia, São Paulo tornou-se o terceiro mosteiro restaurado com a chegada de Kruse.

Em 1905, Kruse visitou o Mosteiro de Beuron (Scherer, 1963SCHERER, M. E. D. Miguel Kruse, abade do Mosteiro de São Paulo, 1864-1929. Munique: Academia Beneditina Bávara; Mosteiro de São Bonifácio, 1963.). Nesse ano, a Teoria Estética de Lenz foi publicada na França com a tradução de Paul Sérusier (1864-1927) e a introdução de Maurice Denis (1870-1943). Esses artistas Nabis foram apresentados a Lenz por Jan Verkade (1868-1946), que ingressou no mosteiro com o nome de Willibrord. Outro evento relevante foi a participação dos monges na Secessão de Viena - 1905.

Na exposição da Secessão de Viena, Verkade apresentou uma pintura que fazia alusão ao Pecado Original. No primeiro plano, Nossa Senhora estava em pé e Eva, ao seu lado, ajoelhada; no plano posterior ao centro, estavam a Árvore do Conhecimento e a Serpente. Verkade surpreendeu o público ao retratar Nossa Senhora e Eva na mesma altura, na mesma linha, como se possuíssem a mesma hierarquia.

Em 1913, os monges-artistas concluíram o trabalho em Monte Cassino, onde Willibrord Verkade e Adelbert Gresnigt debutaram como artistas de Beuron. A ornamentação da cripta e do refeitório do mosteiro eram parte da comemoração do Jubileu de quatorze séculos do nascimento do patriarca São Bento. Kruse visitou o local e convidou Gresnigt para fazer o estudo do programa visual da sua nova igreja.

Após assumir o mosteiro paulistano, Miguel Kruse viu-se diante de uma igreja que não refletia a pujança da cidade que se desenvolvia com o esteio dos cafeicultores. A edificação em taipa da igreja sofria pelos anos de descaso numa região de chuvas torrenciais. Em 1910, a igreja velha foi demolida, e uma nova foi construída.

O religioso ansiava por uma igreja que refletisse a nova fase beneditina em São Paulo. Antes de se juntar aos reformadores em Olinda, ele esteve nos Estados Unidos e conheceu o trabalho de Boniface Wimmer, que era seu paradigma em propagação missionária.

Para o projeto da igreja, foi convidado o arquiteto Richard Berndl (1875-1955) da Universidade de Munique. Berndl concebeu uma igreja neorromânica que introduziu no horizonte da cidade suas torres verticais e um imponente complexo arquitetônico que unia a igreja, a escola e o mosteiro no coração da cidade (Figura 5).

Na época, o jornal O Estado de S. Paulo (1913, p.3) publicou:

É autor do projeto de taes obras o engenheiro Berndl, que especialmente veiu a S. Paulo estudar o local e levantar a planta [...] No tocante à igreja, as suas maiores dimensões em metro são 56 do comprimento e 24 de largura, elevando-se as torres a 50 metros acima do sólo: O estylo da nova construção é sensilvemente severo e nella foi empregada somente cantaria [...] A decoração interna do novo templo promete ser das mais faustosas do Brasil.

A escolha arquitetônica trouxe um estilo que demonstrava a tradição, a austeridade e a permanência da cultura beneditina, uma construção robusta, sólida e imponente. Para aqueles que tinham dúvidas sobre a permanência dos monges, ou para aqueles que achavam que a era dos monges havia acabado, esse edifício lhes respondia que os monges estavam vivendo uma nova era... Uma era de abundância, progresso e estabilidade.

A expectativa dos habitantes estava voltada para a escolha da ornamentação dessa imponente construção, Kruse optou pela Arte de Beuron. Uma escolha natural para um alemão que havia feito sua profissão de fé no Mosteiro de Olinda durante a Restauração Religiosa e afirmava amar a cultura beuronense: “Nenhum monge pode estimar e respeitar os princípios de Beuron mais sinceramente do que eu!” (Scherer, 1963SCHERER, M. E. D. Miguel Kruse, abade do Mosteiro de São Paulo, 1864-1929. Munique: Academia Beneditina Bávara; Mosteiro de São Bonifácio, 1963., p.64). Olinda representou para Kruse um marco em sua vida, a realização de um sonho pessoal: o de se tornar monge beneditino. E, com um bônus: irmãos conterrâneos que compartilhavam a mesma cultura e idioma num local tão distante de sua pátria.

A igreja paulistana era um marco na história dos monges beneditinos no Brasil, ela representava o sucesso da Restauração Religiosa. A Arte de Beuron era a vanguarda artística e marcava brilhantemente o futuro, o novo tempo beneditino, e estava inserida dentro da solidez e sobriedade desse edifício neorromânico. A união da arte moderna com o tradicional estilo neorromânico, trouxe uma mistura inusitada que expressou a longevidade e tradição da cultura beneditina (Figuras 6, 7 e 8).

Sobre os monges-artistas no Brasil, até esse momento observamos o registro de quatro pintores que estavam diretamente relacionados a Escola de Arte de Beuron e que trabalharam em nosso território em diferentes momentos: Adelbert Gresnigt e Clement Frischauf (1869-1944) em São Paulo e Lucas Reicht na Bahia. Posteriormente, Tomaz Scheuchl, que se apresenta no registro de Beuron como Leopold, que era o seu nome religioso antes de deixar a Ordem e se casar (Arquivo de Beuron, 1895, p.18, 44, 46, 66).

Scheuchl pintou dentro da igreja do mosteiro de São Paulo dois medalhões, que eram posteriores à pintura oficial, e a capela do colégio. Foi também responsável pela decoração da antiga Igreja do Rosário de Campinas, demolida em 1956, e da Igreja da Penha, em São Paulo.

Adelbert Gresnigt e Clement Frischauf realizaram as pinturas do mosteiro de São Paulo. Essas fotos foram enviadas por Gresnigt a Maredsous, seu mosteiro de origem, em 1922, após o término de seu trabalho (Figuras 6, 7 e 8). Trata-se de um projeto em andamento: a circulação desses pintores beuronenses, suas biografias e a recepção dessa arte em nosso território.

Figura 5
Basílica de Nossa Senhora da Assunção e Mosteiro de São Bento. Imagem: fotografia preto e branco, autor desconhecido, c. 1922. Acervo do Mosteiro de Maredsous, fotografia da autora, 2.10.2019.

Figura 6
Adelbert Gresnigt: Anjos. Pintura mural no estilo de Beuron, Igreja do Mosteiro de São Paulo, fotografia preto e branco, autor desconhecido, c. 1922. Acervo do Mosteiro de Maredsous, fotografia da autora, 2.10.2019.

As pinturas do teto da igreja de São Paulo realizadas por Gresnigt são consideradas como parte do estilo de Beuron tradicional (Figura 7). Na imagem São Bento ao lado de Santa Escolástica, ambos portam suas vestes monásticas e estão separados pela pomba que representa o Espírito Santo. No ângulo em que se encontram sentados, eles discretamente se voltam para o centro da esfera em que estão inseridos. Ao centro da imagem, temos a Regra Beneditina que se encontra logo abaixo da representação do Espírito Santo. O medalhão possui inscrições em latim que fazem referência aos irmãos gêmeos que na Terra serviram à Glória de Deus. Existem arabescos orgânicos e flores que ladeiam o medalhão. Embora a imagem seja simétrica em sua proporção volumétrica, ela não é uma simetria em espelho.

A pintura foi considerada uma obra beuronense exemplar dentro da igreja paulistana, uma referência purista à Escola de Beuron. No entanto, Gresnigt se distanciou do cânone lenziano quando desenvolveu sua pintura, mesmo após vinte anos de aprendizagem com Lenz. Sua obra era autoral; suas pincelada e técnica eram perceptíveis.

Gresnigt afirmou que se considerava um artista beuronense “moderado”. Em sua biografia, se justificou afirmando que Lenz aplicava a teoria por escrito e que seus alunos faziam os esboços dela, que as plantas e os desenhos eram estabelecidos em escala muito baixa, por volta de 3 a 4 centímetros, eles precisavam ser ampliados para dois metros, o que provocava inevitáveis ajustes (Standaert, 2011STANDAERT, F. L’école de Beuron: um essai de renouveaux de l’art Chrétien à la fin du XIXe siècle. Deneé: Éditions de Maredsous, 2011., p.35). Mesmo com esse ligeiro distanciamento da teoria, o trabalho de Gresnigt na igreja de São Paulo (Figura 8) segue como um modelo exemplar da Arte de Beuron.

Gresnigt era discípulo direto de Lenz. Em seu trabalho observam-se características caras aos beuronenses: a frontalidade, as linhas e traços evidentes, os ornamentos fitomórficos e geométricos, a geometria na composição, a simetria e o uso da escrita com a fonte ao estilo de Beuron. O uso temático dos anjos, das personalidades bíblicas, das personalidades relevantes para a ordem, da biografia de São Bento e da cultura beneditina e católica.

A pintura monumental sacra germânica do século XIX tornou-se presente para os paulistanos por intermédio da Escola de Beuron no trabalho de Gresnigt, ela era uma vanguarda artística religiosa na Europa. Aqui, a arte foi utilizada como uma ferramenta para firmar um discurso político de renovação religiosa e para marcar uma nova era da cultura beneditina. Essa escolha foi efetiva e bem-sucedida sendo replicada fora dos muros beneditinos.

A nova igreja neorromânica e a ornamentação beuronense associadas às esculturas seiscentistas e setecentistas da antiga igreja colonial permitiram um espaço único em que distintas tradições artísticas convivem harmoniosamente. O programa artístico de Beuron em São Paulo é um dos poucos que permaneceram intactos após as duas Grandes Guerras e se encontra em excelente estado de conservação.

Figura 7
Igreja do Mosteiro de São Paulo, fotografia preto e branco, autor desconhecido, c. 1922. Acervo do Mosteiro de Maredsous, fotografia da autora, 2.10.2019.

Figura 8
Igreja do Mosteiro de São Paulo, fotografia preto e branco, autor desconhecido, c. 1922. Acervo do Mosteiro de Maredsous, fotografia da autora, 2.10.2019.

Referências

  • ARQUIVO DE BEURON. Arbeiten der Kunstschule - Chronik, 1895. Arquivo da Arquiabadia de Saint Martin, Beuron.
  • BRUNO, E. S. História e tradições da cidade de São Paulo - Burgo de Estudantes (1828-1872). Rio de Janeiro: José Olympio, 1954.
  • CRÔNICAS DE OLINDA. Crônica do Mosteiro de Olinda - 1895. Arquivo da Biblioteca do Mosteiro de São Bento - Olinda.
  • ENOUT, J. E. (Trad.) A Regra de São Bento. Rio de Janeiro: Lumen Christi; Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, 2012.
  • FAGUNDES JUNIOR, C. E. U. Cultura e fé em São Paulo: arte e arquitetura. In: PEDRO, C. (Org.) São Paulo: O apóstolo e a cidade. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009.
  • GRESNIGT, A. Memoires dactylographiées de D. Adelbert Gresnigt. Arquivo da Abadia de Maredsous, Bélgica, c. 1949.
  • JOHNSON, M. (Dom) Livro do tombo do Mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo. São Paulo: O Mosteiro, 1977.
  • LENZ, (P.) D. The Aesthetic of Beuron and other writings. London: Francis Boutle Publishers, 2002.
  • MARTINA, G. História da Igreja: de Lutero a nossos dias/ II - A era do absolutismo. São Paulo: Loyola, 2003.
  • METKEN, G. Zur Problematik der Nazarener-Nachwirkung. In: GALLWITZ, K. Die Nazarener: Städel, Städtische Galerie im Städelschen Kunstinstitut Frankfurt am Main. Frankfurt: Städel Museum, 1977. p.323-5.
  • NIGRA, C. da S. (Dom) A Ordem Beneditina na Cidade de São Paulo. In: MARINO, J. (Org.) Mosteiro de São Bento de São Paulo. São Paulo: Companhia Antarctica; Mosteiro de São Paulo, 1988.
  • NUNES, R. A Abadia que cresceu com São Paulo. In: MARINO, J. (Org.) Mosteiro de São Bento de São Paulo. São Paulo: Companhia Antarctica; Mosteiro de São Paulo, 1988.
  • O ESTADO DE S. PAULO. Mosteiro de São Bento 1598-1913. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 29.9.1913, Geral, p.8.
  • OLIVEIRA, F. A. M. Terras para lavoura comercial do café em São Paulo: Jaú (1850-1910). In: ODALIA, N. et al. (Org.). História do estado de São Paulo: a formação da unidade paulista. São Paulo: Unesp; Imprensa Oficial; Arquivo Público do Estado, 2010. p.41-60.
  • QUEIROZ, S. R. R. Política e poder na cidade de São Paulo: 1889-1954. In: PORTA, P. (Org.) História da Cidade de São Paulo: a cidade na primeira metade do século XX - 1890-1954. São Paulo: Paz e Terra; Petrobras, 2004; v.3, p.15-51.
  • S. BENEDICTUS. S. Benedictus - 1880. Abadia de Maredsous, 1880. Arquivo da Biblioteca do Mosteiro de São Bento - Olinda.
  • SCHERER, M. E. D. Miguel Kruse, abade do Mosteiro de São Paulo, 1864-1929. Munique: Academia Beneditina Bávara; Mosteiro de São Bonifácio, 1963.
  • _______. Frei Domingos da Transfiguração Machado: o restaurador da Congregação Beneditina do Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1980.
  • STANDAERT, F. L’école de Beuron: um essai de renouveaux de l’art Chrétien à la fin du XIXe siècle. Deneé: Éditions de Maredsous, 2011.
  • TAUNAY, A. d’E. História Antiga da Abadia de São Paulo 1598-1772. São Paulo: Tipografia Ideal, 1927.
  • YANG, K. K. B. A pintura beuronense na Basílica do Mosteiro Beneditino de São Paulo: 1914-1922. Guarulhos, 2016. Dissertação (Mestrado em História da Arte) - Faculdade de História da Arte, Universidade Federal de São Paulo.

Nota

  • 1
    A grafia “Gresnigt” consta na autobiografia de Adelbert (Gresnigt, 1949), e está sendo adotada pela autora no lugar de “Gresnicht” (Arquivo de Beuron, 1895).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2020
  • Aceito
    05 Mar 2021
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo Rua da Reitoria,109 - Cidade Universitária, 05508-900 São Paulo SP - Brasil, Tel: (55 11) 3091-1675/3091-1676, Fax: (55 11) 3091-4306 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: estudosavancados@usp.br