ORIGENS E ATUAIS LINHAS DE PESQUISA
HUMANIDADES
Economia política e a História das doutrinas econômicas
Diva Benevides Pinho
Nesta síntese queremos apenas pontuar a trajetória do ensino e da pesquisa de Economia que da FFCL-USP integrou-se na FEA-USP: a cadeira de Economia Política e História das Doutrinas Econômicas do curso de Ciências Sociais da FFCL-USP. Marcada por uma concepção de Economia predominantemente especulativa, pura, desinteressada, em busca da interpretação do mundo econômico a partir de debates fundamentalmente doutrinários, no fim de 1969, foi transferida para o recém-criado Departamento de Economia da FEA-USP, uma Faculdade profissionalizante, voltada para a ação e especializada nas áreas de Ciências Econômicas, Contábeis e Atuariais (com quinze docentes incumbidos de ministrar quatro anos do curso de graduação e três cursos de especialização, nos períodos diurno e noturno).
Essa trajetória reflete, em grande parte, as transformações econômicas e sociais do Brasil e, em especial, do estado de São Paulo, desde a década de 30, quando chECAram as missões estrangeiras (italiana, alemã e francesa) para as áreas de ciências exatas e de humanidades da Universidade de São Paulo, até os anos 60. Nesse período, o Brasil passou de uma economia essencialmente primário-exportadora a um país de economia complexa, voltada para dentro, diante do declínio temporário de suas exportações, da necessidade de suprir sua própria demanda interna e de comprimir suas importações não-essenciais, forçado, sobretudo, pela retração do mercado internacional, como decorrência da crise mundial de 1929/30 e da Segunda Grande Guerra.
No estado de São Paulo, as mudanças e a expansão da estrutura produtiva efetuaram-se mais intensamente porque a economia cafeeira criara relativa abundância de economias externas e os investimentos do crescente empresariado privado apresentaram significativa mutiplicação da renda e do emprego. Então, um complexo parque industrial juntou-se à tradicional economia agrícola exportadora e ao setor bancário e financeiro, provocando significativo crescimento do setor terciário.
Em sua provinciana capital dos anos 30, uma reduzida elite intelectual, que falava francês correntemente e deleitava-se com especulações teóricas e doutrinárias desinteressadas, contribuiu para estimular, no curso de Ciências Sociais, um programa de Economia com embasamento teórico (noções fundamentais de economia, mercado, moeda e bancos, comércio internacional, desenvolvimento econômico) e amplas análises doutrinárias (do liberalismo econômico ao socialismo utópico, marxista e pós-marxista, passando por várias doutrinas intermediárias), mas sempre com a preocupação de considerar as peculiaridades do ambiente sócio-econômico, cultural e político do Brasil.
E assim, a cadeira de Economia Política e História das Doutrinas Econômicas da FFCL-USP passou a representar suporte dos estudos de Sociologia, Antropologia e Política, concentrando-se na análise qualitativa da atividade econômica, dentro de um enfoque doutrinário e humanista. Seu corpo docente foi incialmente recrutado em faculdades de Direito da França, integrando a Missão Francesa: Francois Perroux (1936), René Courtin (1937), Pierre Fromont (1938) e Paul Hugon (de 1939 a 1971).
Na metade dos anos 40, o professor Hugon participou do grupo de constituição de um Instituto dedicado essencialmente ao ensino e à pesquisa de Ciências Econômicas já previsto nos Estatutos da USP, em 1934. Em 1946, foi contratado para cadeira semelhante da FCEA Economia Política e História das Doutrinas Econômicas, levando como seu primeiro assistente José Francisco de Camargo, também seu assistente na FFCL-USP depois catedrático da FCEA. Seus outros assistentes, Dorival Teixeira Vieira e Lenita Corrêa Camargo, também integraram o corpo docente da FCEA, tornando-se, mais tarde, catedráticos; outros discípulos passaram igualmente a atuar em várias cadeiras da nova Faculdade.
Portanto, diferentemente da FFCL, que recorreu a missões estrangeiras, a FCEA recrutou a maioria de seu corpo docente na própria USP, principalmente na FFCL, Direito e Poli. Devido à forte valorização do ensino especulativo e desinteressado, os docentes-pioneiros da FCEA enfrentaram, a princípio, preconceito contra o ensino de caráter profissionalizante e técnico, que impunha treinamento dos próprios docentes junto ao mercado e redirecionamento da formação teórica decorrente do contato com a realidade.
Concomitantemente, por volta de 1955, começou a se difundir no Brasil uma espécie de euforia, nacionalista-desenvolvimentista, acompanhada de crescente aparelhamento do Estado como planejador. E, nessa tarefa de se equipar para promover o planejamento e a execução de planos setoriais, regionais ou globais de desenvolvimento, pressentia-se a tendência de aumento da demanda de economistas por parte dos governos da Federação, dos estados e dos municípios.
Iniciou-se, também, uma ebulição metodológica ligada a uma concepção de economia que não mais se contentava em interpretar o mundo econômico, mas que desejava transformá-lo e, para tanto, deveria dispor de complexo intrumental analítico, especialmente matemático e estatístico. Então, a FCEA passou a se reestruturar em torno da Teoria Econômica como área fundamental dos cursos de economia, predominando a concepção de estudos teóricos voltados para a ação, ou seja, para explicar, compreender e prever a atividade econômica e, principalmente, para agir no mundo real.
Com a Reforma Universitária de 1969, o ensino de economia em Ciências Sociais foi reduzido a apenas dois semestres de noções introdutórias, ministrados por professor designado pelo Departamento de Economia da FEA, enquanto esta recebeu todos os integrantes da cadeira de Economia Política e História das Doutrinas Econômicas. E assim o professor Paul Hugon, que atuara na constituição da então FCEA e nos dez primeiros anos de seu funcionamento, retornou depois de um hiato de permanência apenas em Ciências Sociais. Juntamente com ele vieram seus assistentes, cinco dos quais tornaram-se professores titulares. Outros, passaram a atuar também no mercado de trabalho ou em assessorias governamentais.
Aliás, desde os anos 60 até recentemente, a FEA tornou-se centro de demanda de economistas/assessores governamentais; e, para a área econômica governamental, foram recrutados vários secretários estaduais de São Paulo e ministros do governo federal.
A FEA firmou-se, a partir dos anos 70, como centro de excelência, tanto na docência quanto na área de pesquisas e estudos de alto nível, contando inclusive com um Instituto de Pesquisas Econômicas (IPE) e uma Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Vários professores foram doutorar-se nos EUA, acentuando-se a fase de crescente influência de economistas norte-americanos.
Mas a linha humanista que vem desde seus docentes-pioneiros e dos membros da cadeira de Economia Política e História das Doutrinas Econômicas, do curso de Ciências Sociais da então FFCL-USP, transparece ainda na estrutura curricular, que procura dar aos futuros economistas uma formação na qual a atividade econômica não é concebida apenas como relações entre indivíduos considerados como seres abstratos, mas sim como seres humanos dentro de uma realidade dinâmica e complexa.
Diva Bencvides Pinho foi professora da cadeira de Economia Política e História das Doutrinas Econômicas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Desde 1970 é professora do Departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração da USP.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Nov 2005 -
Data do Fascículo
Dez 1994