Accessibilidad / Informe de Error

Infância e Cidade: Porto Alegre através das lentes das crianças1 1 Este trabalho se baseia na minha tese de doutorado (Müller, 2007). Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por bolsa de pesquisa concedida entre 2004 e 2007. Igualmente, agradeço à Profª. Carmem Maria Craidy e aos dois pareceristas ad hoc, pelos comentários elaborados para a versão prévia deste trabalho.

Childhood and the City: Porto Alegre through the lenses of children

RESUMO

O artigo analisa as visões das crianças sobre a cidade que habitam. A partir de uma perspectiva metodológica de inspiração etnográfica, o estudo acompanhou um grupo de nove crianças, de quatro a doze anos, moradoras de três diferentes bairros da cidade de Porto Alegre. O principal objetivo do trabalho é explorar como as crianças entendem suas vidas na cidade. As crianças foram convidadas a fotografar os lugares da cidade os quais consideravam importantes nas suas vidas, o que foi seguido de conversas gravadas e transcritas. A análise se concentra nos espaços delimitados pelas crianças nas fotografias, sejam eles criados por elas ou para elas. As crianças também apresentam suas opiniões, preocupações e medos, o que evidencia a necessidade de serem ouvidas e de participarem das discussões sobre a cidade em que vivem.

Palavras-chave
Cidade; Etnografia; Fotografia; Infância

ABSTRACT

The paper analyses how children view the city in which they live. An ethnographic methodology was used to follow a group of nine children, from 4 to 12 years of age, who live in different neighbourhoods of Porto Alegre (Brazil). The main aim of the paper is to investigate how the children understand their lives in that city. They were invited to photograph places they considered important in their daily routines.These photographs were the basis of talks about the city and their lives. The analysis focus on the spaces defined by the children through the photographs, such as the places created by them or for them. Also, they manifest their opinions, worries and fears, which shows how vital it is to listen to them, and to allow them a voice in the debate concerning the development of the city in which they live.

Keywords
City; Ethnography; Photography; Childhood

Introdução

O artigo apresenta a análise de dados produzidos com nove crianças2 2 Alderson (2001) defende que as crianças são pesquisadoras nas suas tarefas diárias e podem ser perfeitamente consideradas como coprodutoras de dados nas pesquisas conduzidas com elas. Embora elas possam falar por seu próprio direito, expondo suas visões de mundo, é preciso estar atento para outras linguagens, que não somente a verbal e escrita. É importante pontuar, contudo, que embora tenha optado pela pesquisa com crianças, tomo como princípio que é impossível teorizar a infância sem contextualizá-la em uma rede maior de relações, o que nesta pesquisa se manifestou também através das instituições imediatas de cuidado e educação das crianças - a família e a escola (ver Müller, 2008; 2010). , de quatro a doze anos, sobre diferentes espaços da cidade de Porto Alegre, focalizando as relações sociais, institucionais e individuais que se constituem na e atravessam a cidade. Mais do que isto, apresenta as experiências das crianças na cidade não somente a partir do ponto de vista do adulto, mas também delas próprias.

O principal objetivo do trabalho é explorar como as crianças entendem suas vidas e sua participação na cidade. Partindo do pressuposto de que conhecer uma cidade vai além da apropriação geográfica e diz respeito às relações sociais e afetivas estabelecidas pelas pessoas nos diferentes espaços e lugares3 3 Tuan (1997, p. 6) explica que, mesmo que espaço e lugar sejam categorias codependentes, uma vez que seus significados se misturam, o espaço é mais abstrato que o lugar. O espaço se tornaria lugar quando o conhecemos melhor e o atribuímos valor. Embora ciente da diferença conceitual entre espaço e lugar, eu vou usá-los por vezes como sinônimos, entendendo que isto é o reflexo da sua própria codependência. , construí uma combinação de métodos para capturar o entendimento das crianças. Optei pela pesquisa de campo de inspiração etnográfica, ao estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, mapear genealogias e manter um diário de campo (Geertz, 1989GEERTZ, Cliffort. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1989.). Isto foi associado às fotografias realizadas pelas crianças e as nossas posteriores conversas, de forma a oferecer-lhes um leque maior de possibilidades para se expressarem. A análise se concentra nos espaços delimitados pelas crianças nas fotografias, sejam eles criados por elas ou para elas4 4 De acordo com Coninck-Smith e Gutman (2004) os espaços criados para as crianças nas cidades estão conectados com o ideal de “boa infância” e de “boa educação dada pelos pais”. Segundo os autores (2004, p. 133), um ideal de boa infância foi difundido entre a classe média das democracias industrializadas do século XIX, que consistia no consenso de que as crianças não devem trabalhar, mas aprender e brincar em lugares planejados e construídos para elas. Além disso, passou a fazer parte do ofício de bons pais garantir a existência de espaços próprios para as crianças. .

O reconhecimento da necessidade de estudos da relação das crianças com a cidade é decorrente da ruptura da associação da infância com uma etapa passiva, de incompletude e de total dependência. Logo, analisar como a criança entende a cidade envolve discutir vários conceitos, sobretudo o de infância. A modernidade produziu uma versão particular da infância, não fazendo mais sentido a sustentação da tese de invenção ou descoberta5 5 Foi Philippe Ariès (1981) quem primeiro discutiu a emergência da noção de infância, entendida como categoria social a partir de dois sentimentos constituídos no século XVII: a paparicação e a moralização. Contudo, trabalhos posteriores no campo da história, como o de Flandrin (1988), não pouparam críticas à análise e ao método empregado pelo historiador. As conclusões de Ariès estariam comprometidas, uma vez que toda a análise foi feita a partir de um único exemplo - a infância de Luís XIII - e de uma única pergunta - existe um sentimento de infância? Nesse sentido, Flandrin (1988) sugere que o autor delimitou as convergências, não se preocupando com as divergências durante o processo analítico. (Archard, 2004ARCHARD, David. Children: rights and childhood. London: Routledge , 2004.). Uma característica dessa versão é a divisão do mundo em categorias que diferem a infância da idade adulta, relacionando a criança ao privado, à natureza, à irracionalidade, à dependência, à passividade, à incompetência e à brincadeira. Do outro lado, o adulto é relacionado ao público, à cultura, à racionalidade, à independência, à atividade, à competência e ao trabalho (Prout, 2005PROUT, Alan. The Future of Childhood . New York/London: RoutledgeFalmer , 2005.).

Essas dicotomias entre crianças e adultos vêm sendo cada vez mais rompidas na contemporaneidade. Primeiro, porque crianças são agentes ativos em seus próprios processos de socialização e se apropriam de aspectos do mundo adulto na ação com pares, de modo que contribuem para a reprodução e mudança da sociedade como um todo (Corsaro, 1997CORSARO, William A. The Sociology ofC hildhood . California: Pine Forge Press, 1997.). Segundo, porque crianças vêm dominando melhor certos conhecimentos produzidos pelos adultos do que estes próprios, como é o caso do domínio das novas tecnologias, da Internet, dos jogos eletrônicos. Outro exemplo da agência6 6 Agency (traduzido livremente para o português como agência) diz respeito à capacidade dos indivíduos agirem autonomamente. Com relação às crianças, James e James (2008) argumentam que o conceito de agência foi fundamental para o campo dos estudos da infância por sublinhar as capacidades delas para fazerem escolhas e expressarem suas ideias. Mais do que isto, “enfatiza a habilidade das crianças não somente para ter controle sobre a direção das suas próprias vidas, mas também para contribuir com as mudanças da sociedade mais amplamente” (James; James, 2008, p. 9). das crianças é evidenciado nos processos de adaptação de famílias imigrantes. Estudando imigração nos Estados Unidos, Thorne et al. (2003THORNE, Barrie et al. Raising Children, and Growing up, across national borders: comparative perspectives on age, gender and migration. In: HONDAGNEU-SOTELO, Pierrette. Gender and U.S. immigration: contemporary trends. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 2003. p. 241-262.) observam que muitas crianças são responsáveis pela mediação de suas famílias com as regras do novo país, fazendo traduções e ajudando os pais a lidar com a burocracia.

Logo, a contemporaneidade indica que conceber as crianças como irracionais, passivas e totalmente dependentes dos adultos não contribui para a compreensão das relações sociais mais amplas. Morrow (1996MORROW, Virginia. Rethinking Childhood Dependency: children’s contributions to the domestic economy. The Sociological Review, Keele, v. 44, n. 1, p. 58-77, 1996. ) afirma que a construção da ideia de dependência, baseada nas concepções de crianças como seres irracionais e irresponsáveis, mascara a extensão do quanto as crianças são capazes, competentes e têm agência nas suas vidas.

O presente artigo se propõe a entender a cidade de Porto Alegre a partir do ponto de vista da criança, reconhecendo que cidades foram criadas e planejadas pelos adultos, de forma a atender, principalmente, as necessidades daqueles saudáveis e em situação econômica privilegiada. Igualmente, investigar como as crianças entendem a cidade também é um compromisso político, que as posiciona como agentes da cidade onde vivem.

Ainda nos anos 1970, Ward (1978WARD, Colin. The Child in the City. New York: Pantheon Books, 1978.) reuniu pesquisas sobre a condição das crianças nas cidades a partir dos seus pontos de vista, e, questionando o papel passivo imputado a elas, o autor comprova que crianças são ativas porque rompem com as limitações dos adultos ao usar os espaços públicos. No entanto, ainda são poucos os estudos científicos no Brasil que aliam os temas infância e cidade, o que justifica a necessidade de estudos neste campo. Nos anos 1980, o trabalho de Lima (1989LIMA, Mayumi Souza. A Cidade e a Criança. São Paulo: Nobel, 1989.) negou a visão de espaço relacionada somente à dominação, afirmando que o espaço é continuamente construído, destruído e, portanto reconstruído, seja pelas forças do ambiente, como pelo esforço humano. Logo, “[...] não há espaço vazio, nem de matéria nem de significado; nem há espaço imutável. Nada é mais dinâmico do que o espaço” (Lima, 1989LIMA, Mayumi Souza. A Cidade e a Criança. São Paulo: Nobel, 1989., p. 13).

Castro (2001CASTRO, Lucia Rabello. Subjetividade e Cidadania: um estudo com crianças e jovens em três cidades brasileiras. Rio de Janeiro: 7 Letras/Faperj, 2001.) coordenou a pesquisa Oficinas da cidade nos municípios de Fortaleza, Rio de Janeiro e São José dos Campos. A pesquisa sempre priorizou a escuta às crianças e jovens e consistiu em três módulos. No primeiro, chamado de a cidade real, as crianças e os jovens foram convidados a falar sobre os seus modos de participação na cidade. No segundo, a cidade ideal, as crianças puderam discutir e imaginar possibilidades para a melhoria da vida na cidade. Por fim, no módulo chamado a cidade possível, as crianças e os jovens discutiram as implicações para uma maior participação delas na vida da cidade.

Outras pesquisas, na Itália, são igualmente relevantes. Ao relatar o projeto de algumas cidades italianas, a cidade das crianças, Tonucci (1997TONUCCI, Francesco. La Ciudad de los Niños: un modo nuevo de pensar la ciudad. Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipérez, 1997.) sugere que a cidade seja um grande laboratório, responsável pelas funções investigativa e educativa. Nessa concepção de cidade, os adultos seriam ajudados a reconhecer as necessidades e direitos das crianças através da escuta e da compreensão. Considerando as crianças como protagonistas, Tonucci (1997TONUCCI, Francesco. La Ciudad de los Niños: un modo nuevo de pensar la ciudad. Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipérez, 1997.) acredita que elas podem dar opiniões e fazer propostas para a cidade, o que não significa que elas devam ser responsáveis por resolver os problemas causados pelos adultos. Às crianças é dada a oportunidade de participar e cooperar através de discussões, como também através de desenhos sobre os espaços e as estruturas da cidade.

Na Dinamarca, Rasmussen (2004RASMUSSEN, Kim. Places for Children - children’s places. Childhood , London, Thousand Oaks and New Delhi, v. 11, n. 2, p. 155-173, 2004. ) e Rasmussen e Smidt (2003RASMUSSEN, Kim; SMIDT, Søren. Children in the Neighbourhood: the neighbourhood in the city. In: CHRISTENSEN, Pia; O'BRIEN, Margaret (Org.). Children in the City: home, neighbourhood and community. London: FalmerPress, 2003. p. 82-100.) estiveram envolvidos em dois projetos de pesquisa que buscaram entender o cotidiano da infância institucionalizada como, também, a estrutura das vizinhanças e a qualidade das cidades para as crianças. As principais conclusões de ambos os estudos é que na sociedade dinamarquesa contemporânea as crianças vivem em espaços pensados para elas pelos adultos - lugares para as crianças - a escola, a família e os espaços de recreação. No entanto, a participação das crianças na pesquisa apontou um novo conceito, os lugares das crianças, que consistem naqueles espaços informais, muitas vezes nem percebidos pelos adultos, mas que tem um significado próprio para elas7 7 Rasmussen (2004) argumenta que por vezes os espaços criados pelos adultos para as crianças são idênticos, aparentemente, aos espaços criados pelas próprias crianças. No entanto, reconhece o quanto ambos os espaços se distanciam em significado quando descritos pelas crianças, o que é exemplificado por desenhos de giz na calçada; um buraco na cerca, que facilita a passagem para o gramado; uma goleira entre os arbustos. .

Contudo, analisar a experiência das crianças na cidade impõe minimamente duas dificuldades ao pesquisador. A primeira diz respeito às suas experiências enquanto adulto, que muito se diferenciam daquelas vividas pelas crianças. Schachtel (apud Ward, 1978WARD, Colin. The Child in the City. New York: Pantheon Books, 1978., p. 2) explica que “[...] os adultos não são capazes de experienciar o que a criança vivencia, visto que toda a sua forma de experiência mudou”. Igualmente difícil é traçar uma investigação em um campo de pesquisa conhecido. Ambas as dificuldades exigem um duplo movimento: transformar o exótico em familiar para entender a condição de ser criança na cidade contemporânea, e transformar o familiar em exótico, de modo a tomar distância de pré-conceitos em relação à cidade (Da Matta, 1978DA MATTA, Roberto. O Ofício do Etnólogo, ou como ter Anthropological Blues. In: NUNES, Edson de Oliveira (Org.). A Aventura Sociológica: objetividade, paixão, improviso e método na pesquisa social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1978. p. 23-35. ).

Criança, infância e cidade constituem um tema de pesquisa emergente, que demanda um referencial teórico interdisciplinar. Concebendo não somente as crianças, mas todos os grupos geracionais, como seres ativos, criativos e em permanente formação, é possível afirmar que todos estão em um constante processo de aprendizagem da e na cidade. Como afirma Castro (2004CASTRO, Lucia Rabello. A Aventura Urbana: crianças e jovens no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004., p. 23) “[...] tornar-se habitante da cidade é um processo de aprendizagem”.

As crianças apresentam preocupações, sugestões e medos, o que evidencia a necessidade de serem ouvidas e de participarem das discussões sobre a cidade em que vivem. O planejamento das cidades é feito com base em diferentes conceitos sobre os seus habitantes e, aparentemente, crianças não têm direito pleno à participação, pois são consideradas menos capazes. O presente artigo mostra que, embora não sejam consultadas, as crianças não só têm opiniões fundamentadas, como querem mais de sua cidade.

Metodologia

Segundo o PNUDPROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Brasília: 2002. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/atlas/>. Acesso em: 15 fev. 2007. (2002), Porto Alegre é a capital com maior taxa de alfabetização e seu Índice de Desenvolvimento Humano de 0,865 a coloca na nona posição dentre as cidades do país, ainda que esses altos indicadores de desenvolvimento escondam uma ampla desigualdade social interna com que convivem seus cerca de 1 milhão de habitantes. Diante desses dados, primeiramente escolhi o meu campo de pesquisa. Defini três bairros da cidade, de baixa, média e alta renda per capita, que contam com a circulação de pessoas nas ruas. Com isso, relacionava a ideia de bairro com o conceito de pedaço, que envolve pertencimento e “[...] poder ser reconhecido em qualquer circunstância, o que implica o cumprimento de determinadas regras de lealdade” (Magnani, 1998MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no Pedaço: cultura popular e lazer na cidade. São Paulo: Editora Unesp/Editora Hucitec, 1998. , p. 116). Mais do que isto, trabalhar com a noção de bairro, que é, ao mesmo tempo, territorial e social, possibilita entrar em contato com as redes socioafetivas das crianças, sejam elas familiares, de vizinhança e de amizade.

Realizei o mapeamento de cada bairro, do Bom Fim, Bom Jesus e Moinhos de Vento, de forma a me aproximar das formas de apropriação dos espaços pelos indivíduos, e dos pequenos fatos do cotidiano que geralmente não são considerados (Certeau, 1996CERTEAU, Michel de. Caminhadas pela Cidade. In: CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: artes de fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. p. 169-191.). As caminhadas permitiram explorar as ruas dos três bairros e, a observação de casas, prédios, lojas, praças e parques, favoreceu a identificação de importantes características (ver seção 2). Conforme a tabela abaixo ressalta, esses bairros têm características distintas.

Tabela 1
Comparação dos Indicadores Sociais de Quatro Bairros de Porto Alegre

Nos três bairros identifiquei nove famílias através do meu próprio capital social8 8 No sentido de Coleman (1988), porque foram baseadas na minha própria rede social. . No bairro Bom Fim, conheci Jéssica9 9 Diferentes princípios vêm sendo pensados para a postura do pesquisador, de modo a desenvolver estratégias justas e respeitosas nas pesquisas com crianças. Já é de consenso que não basta somente uma explicação da decisão do pesquisador no corpo de seu relatório de pesquisa (Kramer, 2002). Portanto, os nomes das crianças apresentados neste artigo são verdadeiros, mas isso não se trata de uma decisão arbitrária, e sim do resultado de uma negociação prolongada com todas as crianças e suas famílias. (10 anos)10 10 As idades das crianças se referem ao ano de 2004. , Leonardo (12 anos), Gabriel (4 anos) e Giuseppe (7 anos), o que foi facilitado por ter sido moradora do bairro entre 2003 e 2006. No Bairro Moinhos de Vento conheci Victória (9 anos), colega da filha de uma amiga e indicada por esta. A mesma amiga me apresentou a proprietária da escola, que facilitou o contato com Matheus (6 anos), também morador do bairro. Já Adriane (9 anos) e Élida (12 anos) me foram apresentadas por uma líder comunitária do bairro Bom Jesus, as quais, por sua vez, sugeriram Waldemir (10 anos).

O Quadro 1 resume algumas informações sobre as crianças e suas famílias.

Quadro 1
Informações Selecionadas sobre Crianças e suas Famílias em 2004

Visitei crianças e suas famílias por um período de dezoito meses, em diferentes horários e também aos finais de semana, a fim de ter uma visão abrangente das suas vidas nos bairros. Hammersley e Atkinson (1983) concordam que toda a pesquisa social é uma forma de observação participante, já que é impossível estudar o mundo sem que sejamos parte dele. Nesse sentido, a observação participante não seria uma técnica particular de pesquisa, mas um modo de estar e agir no mundo, próprio do pesquisador. A observação participante propiciou a captura de informações complementares, pois com a escrita detalhada e contínua no diário de campo registrei conversas informais e eventos com a participação de outras pessoas relacionadas às crianças, que não somente aquelas da família. Além disso, ao analisar o conjunto de dados produzidos em cada uma das visitas, pude organizar entrevistas informais, que foram realizadas nos encontros subsequentes, com vistas a esclarecer informações junto aos responsáveis das crianças.

Após o aceite de cada criança para participar na pesquisa, expliquei sobre o uso da máquina fotográfica e disponibilizei a cada família um roteiro a ser seguido durante a semana em que a criança estivesse de posse da câmera. Este roteiro consistia nos seguintes direcionamentos:

  • Você permanecerá sete dias com uma câmera fotográfica, com doze poses.

  • Lembre-se de levar a câmera a todos os lugares a que você costuma ir durante a semana.

  • Permaneça com a câmera durante todo o tempo neste período.

  • Não permita que outras pessoas interfiram na escolha das imagens e mesmo tirem a foto por você.

  • As fotografias deverão ser tiradas de lugares que você costuma frequentar e que você acha importantes na cidade de Porto Alegre.

  • Passada uma semana, a pesquisadora apanhará a câmera e revelará o filme. Em seguida, a criança e a pesquisadora conversarão sobre as fotografias.

  • A criança participará da pesquisa durante o período de um ano e meio a dois anos, sendo que a pesquisadora, a família e a criança sempre agendarão os momentos de encontro.

  • Entre em contato com a pesquisadora em caso de dúvida.

Cada criança então recebeu a máquina fotográfica (automática ou manual), com um filme de doze poses, duas vezes, com intervalos de alguns meses. Naquela semana, eu não tinha contato com a criança e sua família e não interferi na forma de organização para a realização das fotografias. Ao retornar depois de sete dias para coletar a câmera, eu perguntava como o processo havia transcorrido e sempre era surpreendida com a variedade de situações provocadas pela presença da câmera11 11 As três crianças no Bairro Bom Jesus (Adriane, Jéssica e Waldemir), narraram situações em que tinham bastante autonomia para escolher e realizar as fotografias, contudo, em uma das situações a câmera foi utilizada por uma parente de Élida para registrar o aniversário da vizinha. Waldemir e Adriane solicitaram a outras pessoas que os fotografassem junto com amigos e parentes. Leonardo e Jéssica (Bairro Bom Fim) também explicitaram autonomia com o uso da câmera. Em algumas situações, Jéssica foi acompanhada pela mãe e em outras realizou as fotos sozinha; em um momento de viagem da família, solicitou à mãe que tirasse algumas fotografias escolhidas pela menina, já que encontrava-se no banco da frente do carro. No caso de Leonardo, algumas fotos foram comprometidas devido à abertura da máquina. Gabriel e Giuseppe (Bairro Bom Fim) foram acompanhados pelos pais ou mães para a realização das fotos; no caso de Giuseppe, algumas fotos da primeira tomada foram tiradas pelo pai e uma pelo irmão. Matheus e Victória (Bairro Moinhos de Vento) foram acompanhados pelos adultos em algumas situações, mas em outras realizaram fotografias sozinhos como, por exemplo, de espaços da escola. Durante a segunda tomada, duas fotos foram tiradas pela mãe de Victória, a partir da solicitação da menina. .

Após a revelação de cada conjunto de fotos, eu as mostrava para as crianças e motivava uma conversa. Nesse momento da pesquisa, já tínhamos estabelecido vínculos de confiança, e recebi, sem problemas, o consentimento de todas para gravar esses encontros, o que foi posteriormente transcrito. As conversas fluíam espontaneamente; as crianças ficavam curiosas no aguardo das fotos e me contavam com mais detalhes e com o aporte das fotografias como o processo tinha se desenvolvido nos dias de posse da câmera. Também, neste momento, as fotografias eram nomeadas pelas crianças, o que contribuiu para um primeiro exercício de análise.

Considerar o uso de fotografias na pesquisa com crianças apresenta algumas vantagens, principalmente a de que elas podem controlar o ritmo e a direção do assunto, explorando tópicos com pouca interferência do pesquisador (Mayall, 2001MAYALL, Berry. Conversations with Children: working with general issues. In: CHRISTENSEN, Pia; JAMES, Allison (Org.). Research with Children: perspectives and practices . London/New York: Routledge/Falmer , 2001. p. 120-135.). Mason e Tipper (2006MASON, Jennifer; TIPPER, Becky. Children, Kinship and Creativity. In: CHILDREN’S KINSHIP SEMINAR, 2006, Manchester. Working Paper... Manchester: University of Manchester/Morgan Centre for the Study of Relationships and Personal Life, 2006. p. 1-20.) chamaram de foto-elucidação a estratégia de conversa após a revelação das fotografias das crianças. As autoras conduziram a pesquisa Children Creating Kinship, em que ofereceram câmeras descartáveis a quarenta e nove crianças, de sete a doze anos, e solicitaram que fotografassem quem importava na vida delas, ou lugares e coisas que estivessem associados a estas pessoas.

Também considerando fotografia como instrumento de pesquisa, Rasmussen (2004RASMUSSEN, Kim. Places for Children - children’s places. Childhood , London, Thousand Oaks and New Delhi, v. 11, n. 2, p. 155-173, 2004. ) contou com a participação de oitenta e oito crianças, de cinco a doze anos, em treze diferentes regiões da Dinamarca, que durante uma semana utilizaram câmeras descartáveis para fotografar espaços significativos nas suas vidas. Sessenta crianças participaram da pesquisa de Rasmussen e Smidt (2003RASMUSSEN, Kim; SMIDT, Søren. Children in the Neighbourhood: the neighbourhood in the city. In: CHRISTENSEN, Pia; O'BRIEN, Margaret (Org.). Children in the City: home, neighbourhood and community. London: FalmerPress, 2003. p. 82-100.), que teve como cenário quatro bairros diferentes de Copenhague e tinha como foco entender o impacto do ambiente físico na vida das crianças. Assim, as crianças foram convidadas a guiar os pesquisadores em caminhadas, que serviram como entrevistas sobre as condições das suas vizinhanças.

Cidade como Campo de Pesquisa

Se, no período de sua expansão, a fragmentação da cidade conforme suas funções era uma solução, na contemporaneidade, torna-se problemática. A complexidade e o tamanho das cidades propiciam a presença de pessoas mais diversas, o que não significa que isso se reflita no planejamento do espaço. Seria mais um paradoxo da contemporaneidade: “[...] a diversidade não parece facilitar a interação entre pessoas diferentes. Inventada para irradiar, restringiu; destinada a conectar com o universal, entrincheirou-se no local” (Castro 2004CASTRO, Lucia Rabello. A Aventura Urbana: crianças e jovens no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004., p. 126). A diversidade, neste caso, favorece o confinamento e isolamento das pessoas.

O espaço geográfico deve ser entendido sempre em articulação com o espaço social e vice-versa. Isto é quase óbvio, mas a visão do adulto muitas vezes perde estas pistas de vista, ao pensar e executar políticas urbanas tendo a criança como foco. No campo acadêmico, a geografia da infância consolidou-se como uma abordagem interdisciplinar, que explora as dimensões geográficas da vida das crianças. Os trabalhos de Aitken (2001AITKEN, Stuart. The Geography of Young People: the morally contested spaces of identity. London: Routledge, 2001.) e Holloway & Valentine (2000HOLLOWAY, Sarah; VALENTINE, Gill. Children's Geographies: Playing, Living, Learning. London: Routledge , 2000.) vêm explorando a articulação de conceitos como infância, espaço e lugar, cidade, vizinhança e pertencimento.

Brarda e Ríos (2004BRARDA, Anália; RÍOS, Guillermo. Argumentos e Estratégias para a Construção da Cidade Educadora. In: GADOTTI, Moacir; PADILHA, Paulo Roberto; CABEZUDO, Alicia (Org.). Cidade Educadora: princípios e experiências. São Paulo: Cortez, 2004. p. 11-45., p. 15) argumentam que os sentidos do conceito de cidade podem ser múltiplos e, sobretudo, não se referem somente “[...] a um fenômeno físico ou a um modo de se apropriar do espaço, mas também do lugar onde se produzem inumeráveis interações e experiências do habitar”. Como se aproximar das diferentes experiências do habitar das crianças? Essas decorrem, em grande parte, da diversidade das condições sociais, culturais e econômicas nas quais vivem e crescem. Neste sentido, a opção de trabalhar com a noção de bairro permitiu uma maior aproximação às experiências das crianças, ainda que, anteriormente, possibilitou a mim o duplo exercício teorizado por Da Matta (1978DA MATTA, Roberto. O Ofício do Etnólogo, ou como ter Anthropological Blues. In: NUNES, Edson de Oliveira (Org.). A Aventura Sociológica: objetividade, paixão, improviso e método na pesquisa social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1978. p. 23-35. ), já referido anteriormente.

A seguir, um breve histórico da aproximação às crianças e suas famílias nos bairros.

Bairro Bom Fim

Quadro 2
Informações Selecionadas sobre Crianças e Escolarização no Bairro Bom Fim

Caminhei pelo Bom Fim em diferentes horários e dias da semana, o que foi facilitado pelo fato de eu ser moradora do bairro. Este preserva características muito peculiares: abriga uma grande comunidade judaica, de idosos e de universitários. Também é observável a circulação de muitas crianças moradoras ou que se deslocam ao bairro para estudar. As pessoas conservam o hábito de caminhar na rua, sendo este o principal meio de locomoção no interior do bairro.

Alguns pontos do bairro - o Parque Farroupilha e a Lancheria do Parque - são evidentemente aglutinadores das diversas tribos urbanas12 12 Maffesoli (1998) conceitua como tribos urbanas os agrupamentos semiestruturados, nos quais as pessoas se aproximam por identificação a rituais, princípios ou estilos de vida em um espaço-tempo. . No Parque Farroupilha, com seus 32 hectares, isso fica mais evidente aos domingos, quando a diversidade é a principal característica da paisagem humana: mendigos, famílias, vendedores, militantes políticos, punks, travestis, metaleiros, entre outros, misturam-se no espaço. Em suma, trata-se de um bairro comercial e residencial bastante diverso e próximo do ideal urbano defendido por Jane Jacobs (1992JACOBS, Jane. The Death and Life of Great American Cities. New York: Vintage Books, 1992.)13 13 Jane Jacobs defendia um ideal de cidade associado à preservação de comunidades em bairros de multiutilização, sendo bastante crítica às reformas urbanas americanas da década de 1950, que segundo a autora (1992) consistiam na criação de espaços urbanos artificiais e isolados. .

Por ser um bairro pequeno, que combina comércio, prestação de serviços e residências, Jéssica, Leonardo, Gabriel e Giuseppe têm experiências cotidianas como pedestres no Bom Fim, sendo os dois primeiros já autorizados a ir e vir da escola sem a companhia de adultos. Ao total, as quatro crianças realizaram 95 fotografias, sendo a maioria destas nas ruas do bairro. Abaixo, o quadro apresenta informações sobre as fotos:

Quadro 3
Descrição e Frequência das Fotos tiradas pelas Crianças14 14 Este quadro, assim como os quadros 5 e 7, apresentam dados categorizados por mim e não conforme a nomeação das fotografias pelas crianças. A ordem da apresentação dos lugares se guiou pela soma global das fotografias do lugar; ainda que tenham sido tiradas 31 fotografias de outros lugares do bairro, estas não se repetem de um mesmo lugar.

Dentre os lugares destacados pelas crianças no Bairro Bom Fim, é possível evidenciar três que são comuns a todas elas, quais sejam: suas casas e a rua, o Parque Farroupilha e o posto policial. Ainda que no caso de Leonardo nenhuma foto tenha sido tirada do posto, a conversa subsequente à tomada de fotos evidencia sua preocupação por segurança, o que ele exprimiu através das fotografias das grades das casas e das casas abandonadas do bairro.

Jéssica, Leonardo, Giuseppe e Gabriel fotografaram as suas casas, evidenciando um conjunto de aspectos físicos e de experiências com as pessoas com quem as compartilham. Se a pesquisa tinha como interesse perseguir os significados dos espaços para as crianças, isso não seria possível sem a identificação das concepções dos irmãos, do pai, da mãe, ou seja, das relações imediatas da criança, pois a família “[...] é o filtro através do qual se começa a ver e a significar o mundo. Esse processo que se inicia ao nascer estende-se ao longo de toda a vida, a partir dos diferentes lugares que se ocupa na família” (Sarti, 2004SARTI, Cynthia Andersen. A Família como Ordem Simbólica. Psicologia USP, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 11-28, 2004., p. 17).

A rua é entendida pelas crianças como oposta à casa, sobretudo por ser, na opinião delas, um espaço sujo e perigoso. Tomando como exemplo a avenida Oswaldo Aranha e a rua da sua escola, Jéssica sugere que estas poderiam ser mais limpas, o que tem a ver com o entendimento de Gabriel (4 anos, 2004), que fotografa as fezes de um animal na calçada da sinagoga que frequenta. Ele diz não gostar quando os cachorros fazem cocô na rua, porque fede, e se mostra enojado quando relembra que já pisou em um deles na calçada. São poucas as cidades brasileiras que apresentam vias limpas e uma hipótese menos comprometida seria de que enquanto o privado - entendido como o familiar - é cuidado dentro de um contexto íntimo, a rua é de todos e de ninguém ao mesmo tempo e, então, não é assumida como responsabilidade coletiva e compartilhada. Isto porque a rua (pública, suja e perigosa) é contrária a casa, que “[...] só faz sentido quando em oposição ao mundo exterior: ao universo da ‘rua’” (Da Matta, 1985DA MATTA, Roberto. A Casa e a Rua. São Paulo: Brasiliense, 1985., p. 16).

No entanto, algumas políticas urbanas voltadas à infância e às crianças mostram que casa e rua não necessariamente devem estar em oposição, mas ao contrário. O projeto “a cidade das crianças”, na Itália, defende que todos os habitantes sintam a cidade como sua e a cuidem como se fosse a própria casa (Tonucci, 1997TONUCCI, Francesco. La Ciudad de los Niños: un modo nuevo de pensar la ciudad. Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipérez, 1997., p. 55).

A rua também é relacionada à (in)segurança, sobretudo à noite. De modos diversos e enfatizando situações relacionadas aos seus cotidianos, as crianças mencionam o seu medo em relação ao espaço público. A preocupação com casas abandonadas e assalto fizeram parte das nossas conversas e todas mencionam a polícia como uma das soluções.

Como alternativa de lazer e também contrário à rua, as crianças apresentam o Parque Farroupilha. Jacobs (1992JACOBS, Jane. The Death and Life of Great American Cities. New York: Vintage Books, 1992.) assume como fantasiosa a tendência dos adultos em pensar os parques como lugares seguros para as crianças, como forma de proteção à rua. Embora a sua análise seja temporal e espacialmente focada - as cidades americanas dos anos 1940 e 1950 - alguns argumentos ainda são pertinentes. Isto porque a autora toca naqueles mitos que vão se constituindo como legítimos, mostrando que por trás deles há um jogo de poder e arbitrariedade dos adultos. A autora (1961) argumenta que as crianças das cidades precisam de uma variedade de lugares para brincar e aprender, pois, acima de tudo, devem ser consideradas como responsabilidade pública.

Bairro Bom Jesus

Quadro 4
Informações Selecionadas sobre Crianças e Escolarização no Bairro Bom Jesus

As primeiras caminhadas pelo bairro Bom Jesus foram marcadas pelo medo. As poucas informações que tinha eram oriundas dos meios de comunicação local que enfocavam notícias ligadas à pobreza, ao tráfico de drogas, aos assassinatos e aos demais crimes associados. Diferentemente da avenida de fronteira, Protásio Alves, a região interna do bairro é marcada por pobreza, ruas não calçadas, casas construídas com restos de madeira e papelão. Como o acesso de ônibus à parte mais baixa do bairro é inexistente, eu sempre me deslocava a pé do corredor de ônibus até o interior do bairro. O trajeto denunciava a desigualdade social interna, pois, se no alto, a maioria das casas era de alvenaria e inclusive de dois andares, à medida que descia a ladeira, apareciam os becos e as construções precárias.

Por se tratar de um bairro grande e desconhecido, procurei uma referência que pudesse me guiar e me apresentar aos moradores. Conheci uma líder comunitária no Centro de Educação Ambiental da Vila Pinto, uma associação que trabalha com a seleção e o reaproveitamento do lixo urbano. Cerca de 200 pessoas trabalham no galpão de reciclagem, durante as 24 horas do dia, em quatro turnos de seis horas. Através da líder comunitária, fui apresentada à comunidade dos trabalhadores do galpão de reciclagem de lixo.

De forma geral, as condições de vida dos moradores são bem desfavorecidas. A praça, que não passa de um terreno baldio em frente ao Centro de Educação Ambiental, possui três balanços e um banco em estado precário de conservação. As caminhadas foram realizadas sempre à tarde ou pela manhã, na companhia de alguns moradores. Mesmo depois, tendo segurança para fazer o trajeto do ônibus até o interior do bairro sozinha, os próprios moradores me aconselhavam a fazer sempre pelas ruas das escolas, e nos horários de entrada ou saída das crianças.

Ao total, as três crianças do Bairro Bom Jesus realizaram 61 fotografias, sendo todas no bairro, com a exceção de três tiradas por Waldemir em sua escola, localizada no bairro Mont’Serrat. A seguir, um quadro expõe algumas informações sobre as fotografias:

Quadro 5
Descrição e Frequência das Fotos tiradas pelas Crianças

Sem dúvida, as redes de apoio, na vizinhança e na família, ficam bastante explícitas no momento em que as crianças fotografam seus parentes, amigos e a escola. Através das fotografias, sobretudo Waldemir (10 anos, 2004) busca mostrar diversos problemas enfrentados pelos vizinhos e amigos em seu bairro, o que o fez concluir que as pessoas precisam de ajuda. Por ter uma experiência mais ampla na cidade e não estar confinado no bairro, ele tem a possibilidade de contrastar distintas situações e perceber, do seu jeito, as diferenças sociais que se desdobram em desigualdades.

Entendendo que os vizinhos e amigos mereceriam uma casa melhor, já que existem goteiras no telhado de suas casas, Waldemir demonstra preocupação com os dias de chuva e frio, o que denuncia através de suas fotos. Ao mesmo tempo em que enfrentam dificuldades, Waldemir percebe as tentativas dos amigos para ajudar no sustento da família: às vezes minha mãe dá um dinheirinho para ele. Daí eles compram pão para eles mesmos comerem.

Adriane e Élida têm um vasto conhecimento do bairro Bom Jesus, que foi sendo apropriado pelas suas vivências tais como: longas e curtas caminhadas para ir à escola, acompanhamento de irmãos e visitas aos parentes. No entanto, Adriane e Élida possuem um conhecimento limitado dos espaços fora dos limites do Bom Jesus, vivendo numa espécie de confinamento espacial. Ambas não possuem outros referenciais que lhes permitam contrastar e comparar o seu bairro com outros e experimentam uma condição contraditória em sua própria cidade: “[...] a criança pobre, que é geralmente a mais isolada da vida na cidade como cidade, é também, paradoxalmente, a quem é negado o consolo do isolamento” (Ward, 1978WARD, Colin. The Child in the City. New York: Pantheon Books, 1978., p. 47).

Ainda que caminhar seja um bom recurso para conhecer uma cidade e para apreender detalhes que passam despercebidos quando observados de dentro de um carro ou ônibus, isto não significa que por si só representa um recurso pedagógico. Waldemir, embora tenha experiências similares como morador do Bairro Bom Jesus, estuda fora do bairro, usando o transporte coletivo e tendo a percepção do seu bairro em comparação aos outros da cidade.

À noite existe uma tensão e medo pelas brigas nos bares ou pelos tiroteios. Isto é evidenciado nos relatos de Adriane, que teme pela segurança dos irmãos quando estes saem à noite, e quando receia que os Bragé e os Miranda (gangues rivais do bairro) matem até crianças se as encontrarem na rua. Entretanto, não seria apropriado afirmar que as ruas e becos do Bom Jesus estão associados somente à ideia de medo e perigo. Se a ameaça de tiros e balas perdidas causados por brigas entre diferentes grupos e destes com a polícia, não só é próxima como permanente, também é a rua o lugar das brincadeiras, das danças e da interação de pares. A rua se confunde entre espaço público e extensão da casa. Para estas crianças, a rua é o lugar de encontro com os amigos, para brincar, dançar, conversar, jogar futebol. Logo, se por vezes a casa é o lugar de proteção em relação à rua, por outras, a rua é o lugar familiar, de encontro e pertencimento.

Bairro Moinhos de Vento

Quadro 6
Informações Selecionadas sobre Crianças e Escolarização no Bairro Moinhos de Vento

Uma primeira caminhada pelo bairro Moinhos de Vento é suficiente para perceber que se trata de uma das áreas mais valorizadas de Porto Alegre. Na Rua Olavo Barreto Viana são observáveis prédios luxuosos de residência e comércio e os suntuosos Hotel Sheraton e Moinhos Shopping, além de um charmoso casario. Nessa área, a vigilância de policiais militares é frequente.

Realizei caminhadas em diferentes turnos e dias da semana e utilizei o transporte coletivo para chegar ao bairro. Existem ônibus com frequência regular, mas os veículos utilizados são velhos e geralmente sujos. Com certeza, não são os moradores do bairro os usuários típicos do serviço. Fica evidente, em alguns horários do dia, que a linha é utilizada pelas empregadas domésticas, pelos vigilantes, demais trabalhadores e poucos estudantes.

A circulação de pessoas é mais constante na Avenida Goethe, Rua 24 de Outubro e em frente ao Moinhos Shopping, na Olavo Barreto Viana. O Parque Moinhos de Vento reúne famílias e jovens durante o final de semana, que, de forma geral, parecem ser grupos homogêneos do ponto de vista socioeconômico. O bairro também conta com os clubes recreativos e também possui uma associação de moradores.

Matheus e Victória realizaram 50 fotografias ao total, de lugares ao longo de toda a cidade.

Quadro 7
Descrição e Frequência das Fotos tiradas pelas Crianças

Victória participou da campanha do candidato a prefeito José Fogaça (outubro de 2004), distribuindo folhetos e tentando convencer os motoristas nos segundos de pausa no sinal de trânsito. Argumentando com a mãe, que solicitava que ela permanecesse na calçada, já que os carros são perigosos, Victória assegura que esperaria o sinal fechar para se aproximar dos motoristas na rua. Ainda diante da consequente proibição da mãe, a menina se nega a obedecer e replica: se é para ficar na calçada, eu nem precisaria sair de casa. Contudo, de qualquer forma, Victória e Matheus apresentam experiências mais limitadas como pedestres no bairro Moinhos de Vento. Enquanto Matheus se restringe às poucas ruas no entorno da sua casa, Victória caminha algumas quadras para ir ao curso de inglês e pintura, acompanhada da empregada, e conta com o transporte coletivo duas vezes por semana. Ambos possuem um conhecimento amplo da cidade, pois são as crianças que mais dependem de carro e que percorrem maiores distâncias. No entanto, todo o trajeto é planejado por outrem, ao ponto de que Victória e Matheus sabem a ordem dos lugares linearmente, tendo a casa como ponto de partida e a escola como ponto de chegada.

Ao falar sobre o posto de gasolina e o carro da mãe, Matheus garante: O posto é uma coisa muito fácil de falar, sabe por quê? A gasolina entra dentro do carro para ele andar... Para ir para a aula, para outras coisas, a gente tem que abastecer o carro. Além disso, ele chamou a minha atenção para a presença do carro nas suas fotos. O conjunto de fotografias tirado por Matheus o deixa completamente impressionado: Tu viu que, em quase todas as fotos, apareceu o carro?

Além de brincar, Matheus e Victória visitam o Parque Moinhos de Vento para alimentar os patos e passear com a família. Embora existam balanços individuais, de madeira, ele prefere aqueles de pneus, porque entra mais gente; dá umas cinco (crianças) eu acho... é um pneu tipo de caminhão.

Discussão

A maioria das crianças fotografou as suas casas, sendo que Adriane demonstrou intenção, mas foi impedida pela mãe. Victória não fotografou a sua casa por fora, porém, na primeira tomada de fotos, fotografou o exterior, através de todas as janelas do apartamento. Assim, ela mostrou o que está ao seu redor, a visão que tem do mundo através das diferentes janelas da sua casa. Não há dúvidas de que as crianças entendem as suas casas a partir da combinação de aspectos físicos e de experiências com as pessoas com quem as compartilham.

Se, para alguns, como Giuseppe, a casa apresenta aspectos interessantes e convidativos, para outros, como Gabriel e Adriane, os aspectos negativos prevalecem. Embora ambos estejam expostos a realidades opostas em termos de condições de moradia, é interessante perceber algumas conexões. Em situações de insegurança, seja o quarto novo, seja o medo de ter um dos irmãos assassinados, é a figura mais próxima que serve de conforto - o irmão de Gabriel ou a mãe de Adriane, Xuxa. Enquanto Adriane se queixa de problemas sérios, como alagamento e ratos na casa, Gabriel desabafa: Eu não gosto de dormir sozinho.

Ainda, para algumas crianças, a casa está associada à punição. Waldemir e Leonardo foram impedidos, em algumas situações, de sair de casa, pois deviam cumprir castigos motivados pela reprovação escolar e pelo não cumprimento de tarefas domésticas, respectivamente. Sanções físicas foram relatadas por Adriane, que afirma que esse é um modo que os irmãos mais velhos encontraram para resolver conflitos diários, mas que também teria uma função pedagógica, como quando o irmão bateu nela porque derramou café na mesa e se recusou a comer no almoço. O seu tamanho físico não a impede de também bater nos irmãos mais velhos.

Adriane, Élida e Waldemir são as únicas crianças que relatam atividades domésticas cotidianas. Adriane colabora nos afazeres domésticos todos os dias pela manhã, o que inclui a assistência do sobrinho bebê com cuidados de higiene e alimentação e, eventualmente, o preparo do almoço. Élida e Waldemir com a organização da casa: varrer, lavar e secar a louça, arrumar as camas, remover o pó. Este ainda auxilia no pequeno negócio da família, assumindo o atendimento aos clientes, quando a irmã Gisele está desempenhando uma tarefa doméstica e a mãe está sesteando.

Voltando à Da Matta (1985DA MATTA, Roberto. A Casa e a Rua. São Paulo: Brasiliense, 1985., p. 15), este diferencia ambas as categorias casa e rua, pois, no seu entendimento, não seriam somente espaços geográficos,

[...] mas acima de tudo entidades morais, esferas de ação social, províncias éticas dotadas de positividade, domínios culturais institucionalizados e, por causa disso, capazes de despertar emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas.

Enquanto espaço público, a rua é ao mesmo tempo de todos e de ninguém, e constitui um espaço onde as leis e a ética não são exercidas sem a autoridade externa. Já a casa é o espaço privado da proteção, onde se encontra o familiar. De modos diferentes e enfatizando situações relacionadas aos seus cotidianos, todas as crianças apresentaram medos em relação ao espaço público.

Certamente as crianças possuem a capacidade de criar e interpretar, contudo suas visões sobre perigo muito se aproximam dos preconceitos dos adultos, que veem a rua como um espaço de perigo. Neste sentido, os parques são invenções dos adultos para as crianças e surgem com os projetos urbanos do século XX, quando, no auge dos processos de industrialização das sociedades ocidentais, se via neles uma possibilidade de se respirar ar puro. As crianças também buscam, nos parques, o contato com a natureza, expresso nas fotos das árvores, dos lagos e dos animais.

A transferência das crianças de classes média e alta das ruas para os parques causa a privação do contato com outras gerações. Além disso, esses lugares apresentam os mesmos problemas de insegurança das ruas, todavia não contam com os olhos das personagens públicas15 15 Jacobs (1992, p. 68) define personagem pública como “[...] alguém que está em contato frequente com um círculo abrangente de pessoas e que está suficientemente interessado em se tornar uma figura pública [...] sua principal qualificação é ser pública, falar com diferentes pessoas. Neste sentido, as notícias correm pelas calçadas”. . Representam, sim, uma forma de adultos e gestores de políticas se eximirem da culpa de a cidade não ser adaptada às necessidades das crianças. A elas restam os parques, a escola e a família.

Para Jéssica, Leonardo, Gabriel, Giuseppe, Victória e Matheus, os parques Farroupilha e Moinhos de Vento são os lugares de recreação e lazer, visitados principalmente aos finais de semana e na companhia de alguém da família. Todavia, Jacobs (1992JACOBS, Jane. The Death and Life of Great American Cities. New York: Vintage Books, 1992.) expõe que as crianças das cidades precisam de uma variedade de lugares para brincar e aprender. Se limitadas aos parques, as crianças terão uma experiência especializada, enquanto que elas também necessitam de lugares não-especializados para brincar, como as calçadas e as ruas. Ainda segundo a autora (Jacobs, 1992JACOBS, Jane. The Death and Life of Great American Cities. New York: Vintage Books, 1992., p. 99), “[...] a variedade de experiências atrai a vivacidade, ao passo que a monotonia repele a vida”.

Os parques não têm a função de diversidade das cidades; eles podem, sim, conectar os diversos arredores, o que fazem com sucesso o Parque Farroupilha e o Parque Moinhos de Vento na intersecção de vizinhanças diferentes, adicionando um elemento de diversidade. Consequentemente, as crianças de classes média e alta comparam e contrastam a rua com o parque, associando a primeira com sujeira, perigo e um lugar de passagem. Elas também alegam que a rua é suja, tem paralelepípedo desnivelado, enquanto o parque é limpo, verde, e é onde se pode correr e brincar.

Se, por um lado, para as crianças dos bairros Bom Fim e Moinhos de Vento, a rua serve como um lugar de passagem, por outro, no bairro Bom Jesus, ela é entendida como uma extensão da casa durante o dia. São raras as moradias que possuem calçadas - se as têm, essas são estreitas, com a exceção da existente na frente da escola. Para as crianças, este é o lugar de encontro, para dançar, conversar, brincar e jogar futebol, onde a “[...] rua e casa se reproduzem mutuamente, posto que há espaços na rua que podem ser fechados ou apropriados por um grupo, categoria social ou pessoas, tornando-se sua ‘casa’, ou sendo seu ‘ponto’” (Da Matta, 1985DA MATTA, Roberto. A Casa e a Rua. São Paulo: Brasiliense, 1985., p. 59).

Os becos do bairro Bom Jesus são tomados pelas crianças, que, ao contrário dos adultos, têm agilidade e desenvoltura para se locomover por eles. Waldemir, Élida e Adriane explicitam o seu prazer em brincar com crianças de diferentes idades em um espaço que mistura público e privado - o beco é uma rua onde tem um monte de casas (Élida). É quando jogam futebol e caçador, pulam corda e brincam de esconde-esconde que vários conceitos emergem, como os de amizade, ajuda, companheirismo e resistência.

A infância contemporânea também é vivida em outros espaços de lazer, para além dos parques e da rua, principalmente tendo o consumo como foco. A expansão mundial da indústria de brinquedos e vestuário vem apontando as crianças como agentes econômicos ativos16 16 Zelizer (2002) considera ilusória a ideia de que as crianças na contemporaneidade passaram da fase da produção para a do consumo, argumentando que as crianças estão envolvidas com as três instâncias econômicas: produção (qualquer esforço que produz valor como a variedade de tarefas domésticas); consumo (transferência de valores não somente frutos de troca, mas presentes de aniversário e lanche na escola trocados entre pares); distribuição (aquisição de bens e serviços). . As crianças de classes média e alta mencionam a frequência a lugares de consumo junto com suas famílias, como hipermercados, locadoras de vídeo, shopping centers e as cadeias de fast food. É interessante notar que, dentro desses espaços, foram criados outros, especialmente para as crianças, adaptados em tamanho, cores, formas de acesso. Todavia, as crianças também são críticas daquilo que é produzido para elas. Ao me pedir que fosse ao McDonald`s para lhe ajudar a colecionar um bônus que dava direito ao brinquedo, Victória me explicara que não poderia comer todos os lanches sozinha, pois iria engordar e sabia que o lanche é gorduroso. Jéssica afirma que visita os shoppings com amigos e parentes para olhar as coisas, já que elas são muito caras, o que inviabilizaria a compra.

A associação da criança a uma ideia de incompetência, passividade e dependência a colocou, entretanto, na condição de vulnerável, o que pode ser observado nas manifestações de ansiedade dos pais para permitir que atravessem a rua sozinhas, tomem o ônibus, guiem os adultos mesmo em pequenos trajetos. Sabe-se que “[...] a criança não é mais vulnerável que outros simplesmente porque é criança, mas porque está diante de uma complexidade que ainda não domina, até porque esta complexidade não foi construída por e para ela” (Castro, 2004CASTRO, Lucia Rabello. A Aventura Urbana: crianças e jovens no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004., p. 23). Todavia, as crianças encontram jeitos criativos de lidar com as limitações dos adultos, criando lugares alternativos daqueles criados para elas na cidade, o que é evidenciado quando narram suas brincadeiras. Como atores sociais, as crianças mantêm e transformam a infância, se apropriam e modificam criativamente as suas cidades. Portanto, cidade é um espaço na sua totalidade, que se transforma em lugar, nos fragmentos apreendidos e significados pelas crianças.

Criados e planejados pelos adultos, os espaços para as crianças refletem uma visão específica e fragmentada sobre a infância. Por isso é interessante pesquisar as concepções das crianças sobre os lugares delimitados pelos adultos para elas. Uma noção diferente da vida das crianças na cidade pode ser evidenciada quando as crianças fotografam e falam dos lugares que são importantes nas suas vidas. Elas demonstram a necessidade de lugares diferentes, ou transformados, daqueles planejados para elas. Na companhia de seus pares, as crianças querem ter e compartilhar controle sobre as suas vidas (Corsaro, 2003CORSARO, William A. We're Friends, Right?: inside kids’ cultures. Washington DC: Joseph Henry Press, 2003.). Crianças produzem culturas com seus pares naqueles lugares que conseguem proteger, ainda que provisoriamente, dos adultos. E é onde elas conseguem ter domínio sobre a situação, imprimindo a sua marca no grupo ao se fazerem pertencer, ao mesmo tempo em que também são influenciadas.

Há de se considerar que dentro dos limites espaciais e temporais impostos pelos adultos, as crianças criam lugares delas. Independentemente de ser a rua em frente a casa, os becos, o pátio do condomínio, ou partes do parque, os lugares criados pelas crianças na cidade reafirmam as trocas entre pares, ao mesmo tempo que são tentativas de se fazerem pertencer, de se tornarem menos invisíveis e resistirem à separação do convívio social mais amplo.

Enquanto os adultos poderiam identificar espaços para as crianças, somente as crianças podem mostrar - e fotografar - os lugares criados por elas. Elas são criativas para criar lugares e atribuir a eles um sentido especial, o que muitas vezes o adulto é incapaz de compreender. Ao criar seus lugares, as crianças se identificam com seus pares e compartilham experiências únicas. Giuseppe entende o Parque Farroupilha como uma floresta e cria lugares com diferentes nomes - o vulcão, o lugar do Buda, a árvore da vida - para caracterizar os cenários das suas brincadeiras e aventuras com o irmão e outros amigos. Uma forma de se apropriar e se fazer pertencer é dar nomes aos locais favoritos. Isso também demonstra que, apesar do planejamento cauteloso do parque pelos adultos, onde se preveem espaços próprios para as crianças, como as pracinhas de brinquedos, elas brincarão em todos os lugares e com qualquer coisa.

As crianças participantes da pesquisa representam diferentes experiências de infância, o que não significa que estas se cruzam e se encontram. Castro (2004CASTRO, Lucia Rabello. A Aventura Urbana: crianças e jovens no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004., p. 107) encontrou o mesmo tipo de comportamento entre crianças e jovens no Rio de Janeiro e conclui que “[...] se o que está longe, distante e não se conhece é considerado pejorativamente, acaba-se por se valorizar única e absolutamente o que é local, próximo, conhecido”. Se, por um lado, o argumento de Ward (1978WARD, Colin. The Child in the City. New York: Pantheon Books, 1978., p. 204) é pertinente: “[...] eu não quero uma cidade da infância. Eu quero uma cidade onde as crianças vivam no mesmo mundo que eu”, por outro, as cidades do norte da Itália, que direcionam suas políticas para as crianças, acreditam que todos os cidadãos serão através delas contemplados. Isto se desdobra na defesa de um trânsito mais lento, de amplitude de espaços para os pedestres e ciclistas, de mais praças para o convívio das pessoas, pois “[...] as crianças abrem o caminho para os outros grupos geracionais” (Tonucci, 1997TONUCCI, Francesco. La Ciudad de los Niños: un modo nuevo de pensar la ciudad. Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipérez, 1997., p. 53). À primeira vista, os argumentos de Ward e Tonucci parecem opostos, porém, olhando atentamente, é possível entendê-los em consonância: as cidades devem ser usufruídas e cuidadas por todos de maneira ampla e integradora.

Todas essas manifestações apontam para a necessidade de incluir as crianças nas discussões sobre a cidade que habitam e de promover o diálogo com elas, de forma a engajá-las nos processos de mudança. Seria fundamental captar o ponto de vista delas, respeitando sua condição de ator social, para propor um novo modelo de cidade. Mayall (2003MAYALL, Berry. Towards a Sociology for Childhood : thinking from children's lives. Maidenhead: Open University Press, 2003.) argumenta que as visões das crianças devem fazer parte das discussões políticas, de forma a mudar os aspectos material e social do espaço público e promover novas ideias sobre quem tem o direito de usá-lo; sem dúvida, as crianças devem ser aceitas como usuárias de direito do espaço público.

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  • SARTI, Cynthia Andersen. A Família como Ordem Simbólica. Psicologia USP, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 11-28, 2004.
  • THORNE, Barrie et al. Raising Children, and Growing up, across national borders: comparative perspectives on age, gender and migration. In: HONDAGNEU-SOTELO, Pierrette. Gender and U.S. immigration: contemporary trends. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 2003. p. 241-262.
  • TONUCCI, Francesco. La Ciudad de los Niños: un modo nuevo de pensar la ciudad. Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipérez, 1997.
  • TUAN, Yi Fu. Space and Place: the perspective of experience. Minneapolis: University of Minnessota Press, 1977.
  • WARD, Colin. The Child in the City. New York: Pantheon Books, 1978.
  • ZELIZER, Viviana. Kids and Commerce. Childhood , v. 9, n. 4, p. 375-396, nov. 2002.

Notas

  • 1
    Este trabalho se baseia na minha tese de doutorado (Müller, 2007MÜLLER, Fernanda. Retratos da Infância na Cidade de Porto Alegre. 2007. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.). Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por bolsa de pesquisa concedida entre 2004 e 2007. Igualmente, agradeço à Profª. Carmem Maria Craidy e aos dois pareceristas ad hoc, pelos comentários elaborados para a versão prévia deste trabalho.
  • 2
    Alderson (2001ALDERSON, Priscilla. Children as Researchers: the effects of participation rights on research methodology. In: CHRISTENSEN, Pia; JAMES, Allison (Org.). Research with Children: perspectives and practices. London/New York: Routledge/Falmer, 2001. p. 241-257.) defende que as crianças são pesquisadoras nas suas tarefas diárias e podem ser perfeitamente consideradas como coprodutoras de dados nas pesquisas conduzidas com elas. Embora elas possam falar por seu próprio direito, expondo suas visões de mundo, é preciso estar atento para outras linguagens, que não somente a verbal e escrita. É importante pontuar, contudo, que embora tenha optado pela pesquisa com crianças, tomo como princípio que é impossível teorizar a infância sem contextualizá-la em uma rede maior de relações, o que nesta pesquisa se manifestou também através das instituições imediatas de cuidado e educação das crianças - a família e a escola (ver Müller, 2008MÜLLER, Fernanda. Socialização na Escola: transições, aprendizagem e amizade na visão das crianças. Educar em Revista, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, v. 32, p. 123-141, 2008.; 2010MÜLLER, Fernanda. Um Estudo Etnográfico sobre a Família a partir do Ponto de Vista das Crianças. Currículo sem Fronteiras, v. 10, p. 246-264, jan./jun. 2010.).
  • 3
    TuanTUAN, Yi Fu. Space and Place: the perspective of experience. Minneapolis: University of Minnessota Press, 1977. (1997, p. 6) explica que, mesmo que espaço e lugar sejam categorias codependentes, uma vez que seus significados se misturam, o espaço é mais abstrato que o lugar. O espaço se tornaria lugar quando o conhecemos melhor e o atribuímos valor. Embora ciente da diferença conceitual entre espaço e lugar, eu vou usá-los por vezes como sinônimos, entendendo que isto é o reflexo da sua própria codependência.
  • 4
    De acordo com Coninck-Smith e Gutman (2004CONINCK-SMITH, Ning; GUTMAN, Marta. Children and Youth in Public: making places, learning lessons, claiming territories. Childhood, Norway, v. 11, n. 2, p. 131-141, 2004.) os espaços criados para as crianças nas cidades estão conectados com o ideal de “boa infância” e de “boa educação dada pelos pais”. Segundo os autores (2004CONINCK-SMITH, Ning; GUTMAN, Marta. Children and Youth in Public: making places, learning lessons, claiming territories. Childhood, Norway, v. 11, n. 2, p. 131-141, 2004., p. 133), um ideal de boa infância foi difundido entre a classe média das democracias industrializadas do século XIX, que consistia no consenso de que as crianças não devem trabalhar, mas aprender e brincar em lugares planejados e construídos para elas. Além disso, passou a fazer parte do ofício de bons pais garantir a existência de espaços próprios para as crianças.
  • 5
    Foi Philippe Ariès (1981ARIÈS, Phillip. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1981.) quem primeiro discutiu a emergência da noção de infância, entendida como categoria social a partir de dois sentimentos constituídos no século XVII: a paparicação e a moralização. Contudo, trabalhos posteriores no campo da história, como o de Flandrin (1988FLANDRIN, Jean Louis. O Sexo e o Ocidente. São Paulo: Brasiliense , 1988.), não pouparam críticas à análise e ao método empregado pelo historiador. As conclusões de Ariès estariam comprometidas, uma vez que toda a análise foi feita a partir de um único exemplo - a infância de Luís XIII - e de uma única pergunta - existe um sentimento de infância? Nesse sentido, Flandrin (1988) sugere que o autor delimitou as convergências, não se preocupando com as divergências durante o processo analítico.
  • 6
    Agency (traduzido livremente para o português como agência) diz respeito à capacidade dos indivíduos agirem autonomamente. Com relação às crianças, James e James (2008JAMES, Allison; JAMES, Adrian. Key Concepts in Childhood Studies. London: Sage, 2008.) argumentam que o conceito de agência foi fundamental para o campo dos estudos da infância por sublinhar as capacidades delas para fazerem escolhas e expressarem suas ideias. Mais do que isto, “enfatiza a habilidade das crianças não somente para ter controle sobre a direção das suas próprias vidas, mas também para contribuir com as mudanças da sociedade mais amplamente” (James; James, 2008JAMES, Allison; JAMES, Adrian. Key Concepts in Childhood Studies. London: Sage, 2008., p. 9).
  • 7
    Rasmussen (2004RASMUSSEN, Kim. Places for Children - children’s places. Childhood , London, Thousand Oaks and New Delhi, v. 11, n. 2, p. 155-173, 2004. ) argumenta que por vezes os espaços criados pelos adultos para as crianças são idênticos, aparentemente, aos espaços criados pelas próprias crianças. No entanto, reconhece o quanto ambos os espaços se distanciam em significado quando descritos pelas crianças, o que é exemplificado por desenhos de giz na calçada; um buraco na cerca, que facilita a passagem para o gramado; uma goleira entre os arbustos.
  • 8
    No sentido de Coleman (1988COLEMAN, James S. Social Capital in the Creation of Human Capital. American Journal of Sociology, Chicago, v. 94, suplemento, p. S95-S120, 1988.), porque foram baseadas na minha própria rede social.
  • 9
    Diferentes princípios vêm sendo pensados para a postura do pesquisador, de modo a desenvolver estratégias justas e respeitosas nas pesquisas com crianças. Já é de consenso que não basta somente uma explicação da decisão do pesquisador no corpo de seu relatório de pesquisa (Kramer, 2002KRAMER, Sonia. Autoria e Autorização: questões éticas na pesquisa com criança. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, s/v, n. 116, p. 41-59, jul. 2002.). Portanto, os nomes das crianças apresentados neste artigo são verdadeiros, mas isso não se trata de uma decisão arbitrária, e sim do resultado de uma negociação prolongada com todas as crianças e suas famílias.
  • 10
    As idades das crianças se referem ao ano de 2004.
  • 11
    As três crianças no Bairro Bom Jesus (Adriane, Jéssica e Waldemir), narraram situações em que tinham bastante autonomia para escolher e realizar as fotografias, contudo, em uma das situações a câmera foi utilizada por uma parente de Élida para registrar o aniversário da vizinha. Waldemir e Adriane solicitaram a outras pessoas que os fotografassem junto com amigos e parentes. Leonardo e Jéssica (Bairro Bom Fim) também explicitaram autonomia com o uso da câmera. Em algumas situações, Jéssica foi acompanhada pela mãe e em outras realizou as fotos sozinha; em um momento de viagem da família, solicitou à mãe que tirasse algumas fotografias escolhidas pela menina, já que encontrava-se no banco da frente do carro. No caso de Leonardo, algumas fotos foram comprometidas devido à abertura da máquina. Gabriel e Giuseppe (Bairro Bom Fim) foram acompanhados pelos pais ou mães para a realização das fotos; no caso de Giuseppe, algumas fotos da primeira tomada foram tiradas pelo pai e uma pelo irmão. Matheus e Victória (Bairro Moinhos de Vento) foram acompanhados pelos adultos em algumas situações, mas em outras realizaram fotografias sozinhos como, por exemplo, de espaços da escola. Durante a segunda tomada, duas fotos foram tiradas pela mãe de Victória, a partir da solicitação da menina.
  • 12
    Maffesoli (1998MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.) conceitua como tribos urbanas os agrupamentos semiestruturados, nos quais as pessoas se aproximam por identificação a rituais, princípios ou estilos de vida em um espaço-tempo.
  • 13
    Jane Jacobs defendia um ideal de cidade associado à preservação de comunidades em bairros de multiutilização, sendo bastante crítica às reformas urbanas americanas da década de 1950, que segundo a autora (1992) consistiam na criação de espaços urbanos artificiais e isolados.
  • 14
    Este quadro, assim como os quadros 5 e 7, apresentam dados categorizados por mim e não conforme a nomeação das fotografias pelas crianças. A ordem da apresentação dos lugares se guiou pela soma global das fotografias do lugar; ainda que tenham sido tiradas 31 fotografias de outros lugares do bairro, estas não se repetem de um mesmo lugar.
  • 15
    Jacobs (1992JACOBS, Jane. The Death and Life of Great American Cities. New York: Vintage Books, 1992., p. 68) define personagem pública como “[...] alguém que está em contato frequente com um círculo abrangente de pessoas e que está suficientemente interessado em se tornar uma figura pública [...] sua principal qualificação é ser pública, falar com diferentes pessoas. Neste sentido, as notícias correm pelas calçadas”.
  • 16
    Zelizer (2002ZELIZER, Viviana. Kids and Commerce. Childhood , v. 9, n. 4, p. 375-396, nov. 2002. ) considera ilusória a ideia de que as crianças na contemporaneidade passaram da fase da produção para a do consumo, argumentando que as crianças estão envolvidas com as três instâncias econômicas: produção (qualquer esforço que produz valor como a variedade de tarefas domésticas); consumo (transferência de valores não somente frutos de troca, mas presentes de aniversário e lanche na escola trocados entre pares); distribuição (aquisição de bens e serviços).

Notas

  • *
    Fernanda Müller é professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB). Possui mestrado e doutorado em educação, especialização em educação infantil, e tem investigado temas relacionados à infância e à educação das crianças pequenas, tais como: concepções de mães, educadoras e estudantes de pedagogia acerca das práticas pedagógicas na creche; socialização; processos de interação de crianças pequenas; família.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2012

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2010
  • Aceito
    01 Mar 2011
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