Resumo:
O texto busca analisar a construção social de excelência no Colégio Estadual Central de Belo Horizonte, escola pública de referência no ensino secundário de Minas Gerais. Foi contemplado o período entre a implantação da nova sede, em 1956, e a criação de sedes anexas, evento contemporâneo ao fim do regime democrático, em 1964. Tais acontecimentos marcaram uma ruptura com as representações de excelência e liberdade, elementos identitários da instituição. Tendo como fontes dados de matrícula, aprovação e caracterização social dos alunos, jornais de época e entrevistas com ex-alunos e ex-professores, buscou-se analisar como a excelência do ensino e o autogoverno do aluno na gestão da aprendizagem definiram-se como características distintivas da instituição. Para tal foram contemplados: o projeto arquitetônico, desenvolvido por Oscar Niemeyer, a origem social e capital cultural dos alunos, o rigor dos processos seletivos e avaliativos, a excelência de ensino e formação, práticas de sociabilidade e ação política.
Palavras-chave:
Ensino Secundário; Excelência; Autogoverno; História
Abstract:
The paper aims to analyze the social construction of excellence at Colégio Estadual Central de Belo Horizonte, a public school that was considered a reference in secondary education in Minas Gerais. The period of study consists in the establishment of new school's headquarters in 1956 and its expansion that coincided with the end of Brazilian democratic regime in 1964. This event was a rupture on the idea of excellence and freedom, elements that defined the institution's identity. Using registers of students trajectory, their social and cultural background, newspapers and interviews with former students and teachers of that period as sources, we seek to analyze how excellence in teaching and student self-government were defined as distinctive features of the institution. To grasp the construction of excellence and self-government we put focus on architectural design, developed by Oscar Niemeyer, social origin and cultural capital of the students, the high selectivity and rigor in the selection and assessment processes, teaching excellence, practices of sociability and political action inside the institution.
Keywords:
Secondary education; Excellence; Self-government; History
Introdução
O ensino secundário no Brasil apresenta uma errática história, em que se destacam continuidades e deslocamentos, frutos das mudanças sociais, culturais e econômicas, bem como da pressão de grupos sociais por sua democratização e excelência. Pode-se afirmar que a identidade desse nível de ensino esteve sempre posta em questão, na afirmação de uma instituição preparatória para o Ensino Superior, historicamente identificada com as demandas dos extratos superiores, ou na luta por uma escola que preparasse o jovem para o trabalho qualificado, demanda identificada com extratos sociais populares. Mais recentemente, a ampliação da demanda por acesso ao Ensino Superior pelas camadas populares, bem como as maiores exigências do mercado de trabalho, conferiu mais complexidade a esse quadro, o que se reflete nos resultados das avaliações sistêmicas1 1 Para compreensão das questões referentes ao ensino secundário no momento atual, vide Castro e Tiezzi (2005) e Moehlecke (2012). .
Em termos de ordenamento legal, atravessa sua história a discussão acerca da responsabilidade pela oferta, em que a atribuição ao governo central, ou às províncias (e, posteriormente, estados), ou à iniciativa privada, ou à pública marca as sucessivas reformas, desde a afirmação do país como independente. No que refere-se à cultura escolar, o campo de disputa estabeleceu-se entre uma formação humanística, científica ou técnica, cuja definição ancorou os distintos modelos curriculares, produções de materiais didáticos e formação docente.
Se esta breve - e, evidentemente, superficial - caracterização remete às continuidades estruturais da história do ensino secundário, o olhar mais focalizado em distintos períodos e contextos regionais permite-nos adensar as análises, possibilitando apreender as dinâmicas que marcaram tal processo, avaliando seus deslocamentos. Nesse sentido, destaca-se um período histórico: a década de 50 do século XX, quando jovens das camadas urbanas demandaram uma formação posterior ao ensino primário, dando continuidade aos estudos para se qualificar social e profissionalmente. Tal busca pela democratização do ensino público fez-se acompanhar pela persistente crítica de educadores e dirigentes à qualidade das instituições e à sua incapacidade de atender às demandas de um país que se modernizava2 2 Vide principalmente os artigos de Jayme Abreu (1955, 1962, 1963) e Anísio Teixeira (1954) na Revista de Estudos Pedagógicos. .
Contemplando este contexto histórico, temos como objeto de investigação o Colégio Estadual Central de Belo Horizonte, no período de 1956 a 1964, escola pública de referência, responsável pela formação das elites intelectuais e dirigentes do país e do estado3 3 No livro Colégio Estadual, Renato Moraes (2014) arrola o nome dos seguintes ex-alunos, desde o antigo Ginásio Mineiro, do qual o Colégio Estadual é sucedâneo: Afonso Pena (presidente do estado de Minas), Raul Soares (presidente do estado mineiro), Hélio Pelegrino (escritor psicanalista), Milton Campos (governador do estado mineiro), Fernando Sabino (escritor), Henfil (cartunista e escritor), Getúlio Vargas, Dilma Roussef, Fernando Pimentel (prefeito de Belo Horizonte e governador do estado mineiro), Eduardo Azeredo (governador do estado mineiro), Elke Maravilha (atriz e modelo), Tostão (jogador de futebol), Humberto Werneck (escritor e jornalista), Fernando Brandt (compositor), entre outros. . Tal destaque assentava-se nas suas propaladas características: qualidade de ensino e liberdade, quer seja, o exercício de autogoverno do aluno na gestão de sua formação, bem como do professor no exercício da cátedra.
Nosso foco é o estudo da produção social de excelência da instituição nos seus primeiros anos na nova sede projetada por Oscar Niemeyer. Para tal, iremos contemplar não a análise de currículo, perfil e trabalho docente, elementos importantes para compreensão da sua cultura escolar; interessa-nos apreender a produção da excelência da instituição e da formação dos alunos, a partir de três eixos investigativos: o projeto arquitetônico; a origem e identidade sociocultural dos alunos; e os mecanismos escolares de seleção, formação humana e avaliação.
O período do estudo contempla o ano de 1956, quando a escola, que funcionava no bairro Barro Preto, foi transferida e reinaugurada no bairro de Lourdes, na gestão do então governador do estado, Juscelino Kubistschek, até a implementação de escolas anexas, em 1964, contemporânea ao golpe militar, voltada para a democratização do ensino secundário. Naquele ano, com o golpe militar, o cotidiano democrático da instituição experimentou uma quebra (menos radical que em 1968). Por outro lado, a criação de escolas anexas, cujo objetivo era a democratização do acesso, foi referida nos discursos dos entrevistados como ameaça à excelência, o que iremos analisar mais detidamente ao longo do texto4 4 O movimento de ampliação de vagas estava em sintonia com uma política nacional encabeçada pelo presidente João Goulart (1961-1964). Assim que assumiu a presidência, com a renúncia do presidente Jânio Quadros, João Goulart submeteu o Programa de Emergência do Ministério da Educação e Cultura, em 1962, referente aos ensinos primário e médio, ao Conselho de Ministros. Em decorrência desse plano, temos a Lei Estadual n. 3.032 de 19/12/1963 - "Cria cargos no Colégio Estadual de Minas Gerais e fixa estrutura dos ginásios anexos". A escola se expande abrindo anexos em alguns bairros de Belo Horizonte. Sobre esse período, ver Nádia Cunha (1963). .
Na realização deste estudo, tivemos como fontes jornais de época, revistas de educação e ensino, documentação escolar dos alunos, imprensa escolar, buscando fornecer dados históricos sobre a escola e seu corpo discente. Além disso, lançamos mão da história oral, por meio de entrevistas com ex-alunos e ex-professores5 5 Foram entrevistados três ex- professoras, sete ex-alunos e três ex-alunas. , buscando apreender a memória construída sobre a instituição.
Procuramos estar atentos a essa tensão entre memória e história6 6 Cf. LE GOFF, 2003. , uma vez que o caráter modelar da instituição reflete a construção da memória coletiva dos sujeitos que nela estudaram ou ensinaram, configurada na expressão: "uma escola sem muros". Tal expressão, frequentemente reproduzida nas entrevistas, realçava uma das principais características da instituição: seu caráter liberal, de modo que os alunos seriam responsáveis por sua aprendizagem. No estudo dos dados históricos, buscamos averiguar em que medida o perfil de excelência e a seletividade da instituição não configuravam outro muro, não de ordem material (já que no projeto arquitetônico a escola não apresentava muros que a separassem da rua), mas simbólica, calcado na rigidez dos processos seletivos e avaliativos.
Ressaltamos que o Colégio Estadual de Minas Gerais compartilha com outros ginásios e colégios públicos existentes no Brasil até a década de 1970 dessa representação e desse imaginário consagrado em torno da excelência acadêmica (SOUZA, 2009SOUZA, Rosa Fátima. História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX: ensino primário e secundário no Brasil., São Paulo: Cortez 2008.). Para além dessa dimensão, a formação humana dos alunos (e não estritamente escolar) sustentada pelo princípio do autogoverno foi uma característica ali marcante. Procuramos apreender o modo como essa representação e essa idealização foram construídas naquele período.
Uma escola sem muros
Ao tomarmos como referência o ano de 1956, este demarca não a criação de uma instituição pública de ensino secundário na capital mineira, mas a inauguração de sua nova sede. Na verdade, a escola foi criada com o nome de Ginásio Mineiro, em 1890, na cidade de Ouro Preto, e foi transferida para a nova capital, Belo Horizonte, em 1899.
O Ginásio Mineiro foi o primeiro a ser equiparado ao Ginásio Nacional da Capital da República (antigo Colégio Imperial Pedro II), em 21 de novembro de 18967 7 Livro de Ata da Congregação - Acervo Colégio Estadual de Minas Gerais. Sobre o Ginásio Mineiro, ver Teixeira (2004). . Tal equiparação desobrigava o alunado, ao completar o curso secundário seriado de sete anos, de prestar exame nas faculdades de Ensino Superior8 8 Isso pouco acontecia. A grande maioria dos alunos prestava exames avulsos ao longo desse período e completava o ensino secundário bem antes, conforme observamos na leitura dos relatórios dos Reitores (1890-1918) (TEIXEIRA, 2004). .
O público-alvo do Ginásio Mineiro era aquele que iria se preparar para as carreiras liberais, ou seja, os futuros bacharéis em Direito, Medicina e Engenharia. Atendia basicamente ao sexo masculino, apesar de franqueada a presença do sexo feminino. Assim como as mulheres, os alunos pobres eram uma exceção. Ainda que fosse "público", cobrava-se imposto de matrícula de 50 mil réis, além de taxas para os exames (MINAS GERAIS, 1890MINAS GERAIS. Decreto n. 260 de 1º de dezembro de 1890. )9 9 No Internato, eram isentos das taxas e admitidos até 12 alunos pobres, tirados das 12 principais zonas do Estado e que se "distinguiam por sua inteligência, bom procedimento e assídua aplicação ao estudo" (MINAS GERAIS, 1892, art. 107). Entre os 12 alunos pobres que cursaram o ensino secundário, somente dois, os que revelassem "excepcional aptidão", poderiam ser matriculados gratuitamente no Ensino Superior (BRASIL, 1901, art. 125). .
O Ginásio Mineiro padeceu das mazelas do ensino secundário no Brasil, quer seja, de seu caráter pouco orgânico, dadas a imprecisão dos mecanismos de entrada, a exigência de frequência, a relação entre as disciplinas e a organização serial, questões que foram enfrentadas com as Reformas de 1931 e 1942. Estas estabeleceram uma continuidade entre os diferentes níveis de ensino, criando mecanismos de passagem entre os ensinos primário, secundário e superior, bem como conferindo ao ensino secundário organicidade e padronização curricular (SOUZA, 2008SPOSITO, Marília Pontes. O Povo vai à Escola: a luta popular pela expansão do ensino público em São Paulo. 4. ed. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2002.).
A partir da década de 1940, é notável a ampliação da demanda por acesso à escola secundária em todo o país, especialmente na capital mineira, quando Belo Horizonte experimentou uma explosão demográfica. Com o êxodo rural, a população da cidade, que em 1940 era de 211.377 mil habitantes, passou para 352.724 em 1950, alcançando em 1960 o número de 693.328, com um crescimento ao longo desta década de 7% ao ano. Ao crescimento populacional aliou-se a urbanização, marcada pela verticalização da cidade e pela destacada industrialização. Esta se deveu tanto à localização privilegiada da capital quanto à existência de um aparato de serviços especializados, como escolas, universidades, centros de lazer (PAULA; MONTE-MOR, 2012PINÇON, Michel; PINÇON-CHARLOT, Monique. A infância dos chefes: A socialização dos herdeiros ricos na França. In: ALMEIDA, Ana Maria F.; NOGUEIRA, Maria Alice. A escolarização das Elites. Petrópolis, Editora Vozes, 2002. ). No que se refere à educação, houve uma ampliação de 65% no ensino primário (PAULA; MONTE- MOR, 2012PINÇON, Michel; PINÇON-CHARLOT, Monique. A infância dos chefes: A socialização dos herdeiros ricos na França. In: ALMEIDA, Ana Maria F.; NOGUEIRA, Maria Alice. A escolarização das Elites. Petrópolis, Editora Vozes, 2002. ).
Tal aumento da demanda por vagas no ensino secundário não conseguia ser atendida pelo Ginásio Mineiro. Assim foi que, no ano de 1953, o diretor Prof. Heli Menegale anunciava no jornal O Diário de Minas:
O colégio está superlotado, o que ameaça prejudicar-lhe a vida; ondas de candidatos batem-lhe à porta, sem lograr ingresso, por falta de vagas {...} de ano para ano se avoluma o número dos que procuram o Colégio Estadual atraídos pela fama da excelência do seu ensino, principalmente, e pela sua condição de colégio gratuito. (MENEGALE, 1953MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Dicionário Interativo da Educação Brasileira. São Paulo: Midiamix Editora, 2002.)
A resposta governamental deu-se por meio da edificação de uma nova sede, em diálogo com as profundas alterações no espaço urbano da capital, em que uma estética modernizadora buscava monumentalizar o progresso e o desenvolvimento.
O Colégio Estadual foi um dos ousados projetos do jovem arquiteto Oscar Niemeyer para a cidade de Belo Horizonte, juntamente com o Complexo Arquitetônico da Pampulha, inaugurado em 1943, primeira obra de grande porte do arquiteto10 10 A década de 40 é considerada, em Belo Horizonte, a década de modernização da arquitetura. Já na década de 50, preocupado com o crescimento desordenado da cidade, o prefeito Américo René Gianetti (1951 a 1954) deu início à elaboração de um Plano Diretor para Belo Horizonte, que verticalizou a cidade, ao qual se deu continuidade na gestão de JK. São dessa época o prédio do Colégio Estadual, o Edifício JK, o Edifício do BEMGE, o Edifício Niemeyer e a sede da Biblioteca Pública Estadual, todos projetados por Niemeyer. . Esse conjunto logo viria a ser considerado um dos pontos fundadores do modernismo brasileiro, pela utilização das linhas sinuosas, das paredes cheias e cobertas por pinturas. Segundo Ricardo Ohtake (2007ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Indústria Cultural. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1999., p. 17), a linha curva, que Niemeyer tanto utilizou, significa, "quase paradoxalmente, liberdade". Para o arquiteto, os espaços democráticos criados por Niemeyer, como os locais de convivência, a interação entre espaços privados e públicos, a redução do uso de apoios, e aí conta também a transformação de colunas em outros tipos de formas, e a surpresa das curvas, são os elementos considerados os mais interessantes nas obras de Niemeyer.11 11 Informações disponíveis em: <http://www.educacional.com.br/entrevistas/interativa/entint_0028.asp>. Acesso em: 20 abr. 2009.
Dando continuidade às intervenções do jovem arquiteto na capital mineira, no dia 18 de março de 1956, o jornal Estado de Minas (1956ESTADO de MINAS. Colégio Estadual inaugura nova sede. Belo Horizonte, 18 de maio de 1956. Primeiro caderno.) anunciava a inauguração do Colégio Estadual de Minas Gerais. A matéria destacava a leveza plástica e o tempo recorde da execução da obra, apenas um ano e dois meses:
O conjunto da obra possuía o bloco de salas de aula, a administração erguida sobre pilotis com vidros pintados em cores harmoniosas; ao centro, o clube ou grêmio dos alunos, que contava com uma ampla cantina destinada a refeições. Foram utilizados pedras de diamantina, copos de vidros e estacas "strauss". Todos esses elementos exigiam técnicas de engenharia das mais avançadas. (ESTADO DE MINAS, 1956, Primeiro caderno)
O conjunto arquitetônico foi projetado para o jovem secundarista, sendo, portanto, um lugar da juventude e de suas atividades escolares e culturais. Comportava no seu traçado um universo cultural do qual parte dos jovens de Belo Horizonte participava, num movimento de trocas com outros espaços, instituições e pessoas da cidade. Além da monumentalidade estética, as grandes proporções do Colégio possibilitavam a ampliação do número de vagas, conforme anunciava o Reitor Heli Menegale.
A escolha de uma escola secundária para ser parte da intervenção do jovem arquiteto na cidade indica a importância conferida à instituição pelo governo JK, dotando a juventude de um espaço identificado com o moderno. Como afirma Wolff (1992 citado por Correia 2005CUNHA, Nádia. Aspectos Estatísticos do Ensino Médio no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 40, p.186-189, out./dez. 1963., p. 230-231):
A arquitetura escola pública nasce imbuída do papel de propagar a ação dos governos pela educação democrática {...} um dos atributos que resultam desta busca é a monumentalidade, consequência de uma excessiva preocupação em serem as escolas públicas edifícios muito evidentes, facilmente percebidos e identificados como espaços de esfera governamental.
O Colégio Estadual é formado por um conjunto de três edifícios: um abrigando as salas de aulas e a administração; o outro, o auditório; e o terceiro, a caixa d'água e o mastro. O auditório tem a forma de duas curvas simétricas - convexa na abertura e côncava no piso -, apoiando-se a obra no ponto em que a curva côncava tangencia o solo, um verdadeiro mata-borrão. O arquiteto Ohtake (2007ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Indústria Cultural. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1999., p. 29) comenta sobre o desenho do auditório e o prédio de salas:
Forma volumétrica pouco observada no mundo até então, o arquiteto aproveita nela a inclinação exigida pela plateia; fazia parte, depois, dos muitos projetos que têm as estruturas em cascas curvas, o que Niemeyer usará por toda a vida, inventando variações infinitas. O longo volume horizontal é a linguagem comum, e os dois outros constroem a composição deste conjunto.
O formato das salas de aula lembrando uma régua "T"; a cantina com formato de uma borracha, e o auditório, de um mata-borrão são imagens que, no senso comum, são postas como intencionais no projeto de Niemeyer. Entretanto, no livro Minha Arquitetura, de autoria do próprio Oscar Niemeyer (2000NIEMEYER, Oscar. Minha Arquitetura. Rio de Janeiro: Revan, 2000., p. 19), este não assume essa intencionalidade e indica que foi uma observação de outra pessoa ao ver o projeto: "quando projetei numa escola em Belo Horizonte um auditório independente do bloco principal {...}, pela forma adotada, alguém sugeriu ser um mata-borrão12 12 O mata-borrão era um material escolar utilizado para enxugar a tinta da caneta-tinteiro, que, por vezes, caía em excesso no papel. Caiu em desuso com o uso e a popularidade da caneta esferográfica. ".
Para além de todos esses aspectos arquitetônicos inovadores, os alunos entrevistados, ao caracterizarem a escola, destacaram a ausência dos muros. Consideramos a expressão "a escola não tinha muros" como uma unidade narrativa, que se repete ao longo das entrevistas e que cristaliza aquilo que os entrevistados querem comunicar. Essas expressões, segundo Alberti (2004ALBERTI, Verena. Ouvir Contar: Textos em história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004., p.94), são "unidades indivisíveis da experiência do entrevistado e que, por isso mesmo, são indispensáveis toda vez que tal experiência é comunicada".
Qual a força dessa expressão, já que outras escolas em Belo Horizonte, nesse período, também não tinham muros e, nem por isso, são assim lembradas? Encontramos a resposta ao analisarmos algumas fotografias de outras escolas de ensino secundário em Belo Horizonte e uma escola de ensino primário. O muro era dispensável, pois as paredes dos edifícios sólidos já constituíam a fronteira com o exterior. Tal característica não expressa apenas uma configuração das demais escolas secundárias da cidade, mas da própria instituição escola. No dizer de Viñao (2005VIÑAO, Antonio. Espaços, usos e funções: a localização e disposição física da direção escolar na escola graduada. In: BENCOSTA, Marcus Levy (org.). História da educação, arquitetura e espaço escolar, São Paulo: Cortez 2005. p. 15-47., p. 18), "o espaço escolar torna-se, em sua configuração interna, um espaço segmentado onde o ocultamento e o fechamento se opõem, em geral, por razões de controle, à visibilidade, à abertura e à transparência". Talvez aí resida a maior diferença, pois o que chama atenção e distingue o projeto de Oscar Niemeyer é que qualquer cidadão poderia passar "por dentro" da escola.
Ohtake (2007ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Indústria Cultural. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1999., p. 29), ao analisar esse projeto de Niemeyer, sublinha que "o todo também fica aberto ao espaço urbano, onde pousam as unidades escolares, nas quais o amplo piso é a continuidade da cidade, que entra no terreno". A ideia de continuidade da cidade que "entra no terreno" é possível por meio de uma construção vazada, sustentada por pilares. O aluno ou o pedestre não encontravam, portanto, nenhum obstáculo.
Não ter muros em seu projeto inicial possibilitava a integração da escola com a cidade e o trânsito livre dos alunos, sendo fato marcante na memória daqueles que ali passaram parte de suas vidas. Ou seja, eles podiam entrar e sair da escola sem maiores constrangimentos13 13 Como será analisado posteriormente, a presença na sala de aula ancorava-se nos altíssimos níveis de exigência para aprovação. . Nesse sentido, o espaço se destaca na representação recorrente nas entrevistas como caráter distintivo da escola.
O novo ambiente, o conjunto ainda não inteiramente concluído, a arquitetura "futurista" de Niemeyer, a ausência de muros e grades, o clima de otimismo e euforia que reinava no início dos chamados Anos JK - tudo isso era muito estimulante para a meninada e a moçada em idade de se soltar. A partir dos aspectos físicos, que destoavam como novidade na paisagem tranquila e burguesa de Belo Horizonte, aquilo não nos parecia exatamente um colégio, quer dizer, uma instituição severa que impusesse bom comportamento aos alunos. (André, ex-aluno)
Os outros muros da escola
Se não havia maior constrangimento físico à entrada no Colégio, outros fatores caracterizaram a dificuldade de acesso e permanência na instituição. Os alunos lembram que as filas para inscrição no processo de seleção eram enormes. "Era igual um vestibular. E existiam os cursinhos preparatórios, ou então, professores particulares, muitos deles do próprio Colégio Estadual, que preparavam para o exame de seleção" (Lucas, ex-aluno).
O exame de seleção, o célebre "admissão", criado em 1931, instituía nacionalmente um filtro entre o ensino primário e o ginasial. O candidato à matrícula no ginasial deveria ter idade mínima de 11 anos e ser aprovado no exame de admissão com classificação suficiente, cuja inscrição envolvia pagamento de taxa e era limitada a um único estabelecimento de ensino, onde o candidato pretendesse a matrícula. Como indicam os estudos de Minhoto (2008MINHOTO, Maria Angélica Pedra. Articulação entre primário e secundário na era Vargas: crítica do papel do estado. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 3, p. 47-62 set./dez.2008.), Nunes (1980NUNES, Clarice. O "velho" e "bom" ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, v. 14, p. 35-60, 2000., 2000) e Sposito (2002TEIXEIRA, Aleluia Heringer Lisboa. A "Gymnastica no Ginásio Mineiro" - 1890-1916. Belo Horizonte: FAE, Faculdade de Educação, 2004, 180 p. Dissertação (mestrado em Educação) 2004.), essa linha divisória entre os dois níveis de ensino constituía uma barreira social, que dificultava mais ainda aos poucos alunos de camadas populares que terminavam o ensino primário no período continuar a trajetória escolar.
De forma a ter um retrato mais preciso da origem social e escolar dos alunos candidatos a uma vaga no colégio, buscamos traçar seu perfil. Tomamos como amostra os dados sobre os candidatos em dois exames de admissão: os realizados para o 1º ginasial de 1957 (500 candidatos) e de 1958 (715 candidatos), perfazendo 1.215 candidatos, tendo sido 961 rapazes e 240 moças14 14 A identidade étnico-racial e de gênero dos candidatos foi objeto de análise na pesquisa, mas não será aqui tratada, sendo contemplada em artigo em produção. . Podemos inferir que, como o candidato só poderia inscrever-se numa única escola, a alta seletividade do Colégio Estadual já determinava que possíveis candidatos optassem por outras instituições onde as chances de aprovação fossem maiores. Ou seja, a decisão de inscrição no Estadual já constituía parte do processo seletivo.
A partir desses dados, fizemos a classificação social com base na profissão do pai.15 15 O estudo histórico da estratificação social implica uma série de dificuldades na definição das categorias. Optamos por profissão do pai, de acordo com classificação estabelecida por Hutchinson (1960) sobre mobilidade e trabalho, estudo retratado por Mello e Novais (1998). Chamamos a atenção do leitor para o uso do Grupo A como base da sociedade e do Grupo D como topo da sociedade.
A expressiva participação do Grupo C confirma o que Mello e Novais (1998MENEGALE, Hely. A falta de vagas no Colégio Estadual. Diário de Minas, Belo Horizonte, 31 de janeiro de 1953, primeiro caderno, p. 7 .) afirmam sobre as famílias de classe média como sendo aquelas que procuravam utilizar todas as oportunidades de ascensão social, abertas tanto pela expansão da grande empresa privada ou estatal quanto pela ampliação da administração pública.
Identificamos esse quadro na cidade de Belo Horizonte entre as famílias dos entrevistados quando os pais, em sua maioria, eram de nível médio. No jornal Diário de Minas de 2 de março de 1957, a reportagem que tinha como tema "a escassez de vagas no ensino secundário" trouxe a seguinte informação: "dos alunos que fazem o curso secundário, 90% não tiveram seus pais em ginásios. E, desta nova geração, 30% são constituídos de jovens cujos pais não receberam sequer o ensino primário". Esses dados demonstram que a experiência daquela geração e das seguintes seria diferente do vivido pelos seus pais.
No campo em que deveria ser indicado o local onde haviam concluído o curso primário, chama a atenção a diversidade e, em especial, o alto índice de candidatos, aproximadamente 90%, provenientes basicamente dos Grupos Escolares, ou seja, das escolas públicas, concentrando-se nos instalados dentro do perímetro da Avenida do Contorno de Belo Horizonte16 16 A Avenida do Contorno, como o próprio nome diz, contorna a região central de Belo Horizonte. Seu desenho segue o traçado planejado anteriormente à construção da cidade. Originalmente, o projeto previa que a cidade fosse organizada em três círculos concêntricos: a zona urbana, onde se concentrava a maior parte dos serviços, como educação; a zona suburbana, cujo limite geográfico era a Avenida do Contorno, mais populosa, mas menos equipada por equipamentos públicos, cujos moradores eram das camadas populares; e a zona rural, em que foram criadas colônias agrícolas destinadas a imigrantes, tendo sido incorporadas à malha urbana na década de 1910 (AGUIAR, 2006). . Esse perímetro demarca também um pertencimento social, pois abrigava as camadas média e alta da sociedade belo-horizontina. Segundo Faria Filho (2000FARIA FILHO, Luciano Mendes. Dos Pardieiros aos Palácios: cultura escolar urbana em Belo Horizonte na Primeira República. Passo fundo: UPF, 2000. ), os grupos escolares, nas primeiras décadas do século XX, com pouca alteração até a década de 1950, ocupavam não apenas os "melhores prédios", mas também aqueles mais centrais.
A alta seletividade exigia que os candidatos a ingressar no Colégio investissem em sua preparação não apenas por meio da inserção nas melhores escolas públicas, mas agregando uma preparação privada nos chamados cursinhos. O curso preparatório era, portanto, mais uma condição para a qualificação do candidato ao exame de admissão, o que demandava recursos familiares.
Havia um desnível bem acentuado entre o ensino do Colégio Estadual e o de uma grande parte das demais escolas (de ensino primário). Isso criava uma grande dificuldade para os alunos serem aprovados nos exames de seleção do Colégio Estadual. Para melhorar as chances de ser aprovado na seleção, era necessário frequentar cursos preparatórios, o que nem sempre era viável financeiramente. {...} Com relação às pessoas de menor poder aquisitivo, eu acho que elas também almejavam a carreira acadêmica, mas enfrentavam mais dificuldades. (Lucas, ex-aluno)
Na ficha de inscrição dos alunos, a absoluta maioria declarou ter feito um curso privado, sendo arrolados cerca de 30 cursos. Os mais afamados e com maior número de aprovações eram coordenados por catedráticos do próprio colégio.
A rigidez do exame de seleção é revelada pelos dados de aprovação. No ano de 1957, foram aprovados 198 alunos, 40% do total. No ano de 1958, a seletividade foi ainda maior, tendo sido aprovados 166 alunos, o que representou 23% do total de inscritos. O exame de admissão funcionava como a linha divisória entre a escola primária e a escola secundária e agravava a dificuldade de acesso a esta. Esses dois níveis de ensino tinham objetivos distintos e se destinavam a setores populacionais diversos; por isso, não era fácil a passagem de um para o outro.
No depoimento dos ex-alunos, a seletividade social dos candidatos era recorrentemente apontada: "Entravam só os melhores. Como eles eram os melhores colégios {refere-se ao Estadual e Municipal}, os pais que, muitas vezes, podiam pagar outros colégios preferiam optar pelo Colégio Estadual ou Municipal" (Lucas, ex-aluno). Os altos níveis de exigência marcaram a história dos jovens pretendentes a uma vaga, sendo sua aprovação experimentada como sucesso pessoal, e a reprovação, como fracasso.
Mateus, ex-aluno, comenta sobre a mobilização da família em torno do exame de admissão, com certeza, um grande acontecimento.
Tinha um prêmio lá em casa para quem passasse no Estadual. O irmão do meio, o Flávio, não passou no Estadual. Foi terrível...! Eu fiz a preparação para o exame de admissão junto com a 4ª série do primário. Formei com 10 anos e já fiz exame de admissão.
O capital econômico das famílias dos alunos não constituía o único fator determinante do sucesso. O capital cultural familiar (ou o investimento na sua aquisição) também tinha destaque, o que analisaremos a seguir.
Capital cultural e sucesso escolar
Nas entrevistas foi possível identificar que era grande a expectativa que a família depositava no estudo e na escola. Ficou evidenciado que o Colégio Estadual era uma aposta da família e que o capital cultural familiar herdado - ou, quando na sua ausência, sua valorização - tinha grande influência na composição dessa elite escolar:
Minha mãe lia para a gente Monteiro Lobato, um capítulo a cada noite, e lia livrinhos em espanhol, para criança mesmo. A casa era cheia de livros para todos os lados. {...} Esse negócio de ter que estudar em uma boa escola é porque mamãe não pôde estudar. Ela fazia muita questão e media esta questão de cultura pela família do meu pai. Era onde ela queria nos manter naquele nível. (Maria, ex-aluna)
Deparamo-nos com famílias que criavam, portanto, desde cedo, uma disposição nos seus filhos para o estudo e a disciplina da vida acadêmica, o que facilitava o trabalho dos professores, que representam os alunos como sendo "meninos privilegiados que tinham tudo em casa, já chegavam à sala de aula estimulados para leitura, estimulados para tudo" (Ester, ex-professora). Também, "o colégio tinha essa coisa de alunos muito interessados, que você podia dar um curso de muito bom nível" (Samuel, ex-professor).
A gente nem tinha tempo. Lá em casa a coisa era meio linha dura, tinha de estudar. Tinha que estudar música. Aos 10 anos começava a estudar inglês, depois, aos 14, uma segunda língua, aí era opcional. Meu pai gostava muito de esporte, sempre no final de semana a gente ia para clube. Aos 6 anos tinha que aprender a nadar, quer dizer, então era muita coisa (Isabel, ex-aluna).
Pinçon e Pinçon-Charlot (2002PINÇON, Michel; PINÇON-CHARLOT, Monique. A infância dos chefes: A socialização dos herdeiros ricos na França. In: ALMEIDA, Ana Maria F.; NOGUEIRA, Maria Alice. A escolarização das Elites. Petrópolis, Editora Vozes, 2002. ), que pesquisaram a socialização dos herdeiros ricos na França, demonstram que a transmissão do capital cultural no seio desses grupos familiares acontece informalmente e realiza-se, "insensivelmente", no decorrer do tempo, das atividades de lazer e das relações afetivas com os ascendentes. Também dentro da ideia de "criar o gosto pelo estudo", Nogueira (2004NOGUEIRA, Maria Alice. Favorecimento econômico e excelência escolar: um mito em questão. Rev. Bras. Educ. {online}, n. 26, p. 133-144, 2004. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n26/n26a10
.. Acesso em:1º jun., 2013.
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n26/n26a1...
) identificou, em uma pesquisa com 25 famílias de grandes e médios empresários de Belo Horizonte, que um longo e lento processo de socialização familiar encarrega-se da constituição do gosto por alguma atividade e da transmissão de predisposições que possibilitam a integração a grupos sociais ou a universos profissionais específicos.
Dito isso, pode-se afirmar ainda que, se o capital cultural e econômico das famílias foram fatores determinantes da entrada no Colégio, o sucesso no interior da escola estava ancorado num conjunto de práticas que aliavam ao autogoverno do aluno na gestão da aprendizagem o alto grau de exigência da instituição.
A produção da excelência: mecanismos intra escolares
No depoimento da ex-professora Ester, fica explícito o uso dos pontos como moeda de troca e também a tática utilizada pelos professores para a manutenção da ordem: "pegar o aluno nos detalhes". Essa relação entre professores e alunos, denominada por ela como "sadomasoquista", estimulava e produzia o sentimento de orgulho entre os participantes desse jogo, pois melhor ainda seria, e com maior valor, caso conseguisse sair vitorioso. Por outro lado, o insucesso nas notas, num espaço onde isso ocorria com a maioria, não era tão sentido como um fracasso pessoal, mas como parte da engrenagem que sustentava a ideia de excelência.
Os professores tinham suas táticas como forma de demarcar autoridade: "o pessoal cascava", "os professores depenavam", lembra Mateus. Tinham fama de "reprovadores implacáveis", num tempo em que não havia "dependência" nem "recuperação", no máximo uma "segunda época", completa André. A exigência acadêmica prezava pelas minúcias e tinha no momento das provas o seu ápice.
A repetência e evasão não eram uma "prerrogativa" do Colégio Estadual. Conforme constatou Geraldo Bastos Silva (1969SILVA, Geraldo Bastos. A Educação secundária: perspectiva histórica e teoria. São Paulo: Editora Nacional, 1969. p. 301-307., p. 307-308, citado por NUNES, 1980NUNES, Clarice. Escola & Dependência: o ensino secundário e a manutenção da ordem. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980., p. 50), ao mesmo tempo que havia um movimento de expansão da educação secundária, muitos jovens evadiam antes da conclusão ou repetiam os períodos letivos. Esses índices são bastante elevados nas gerações dos brasileiros que se sucedem, de três em três anos, a partir de 1942. A média das percentagens de eliminação e retardamento, série a série, do 2º ciclo, no ensino secundário, em cada geração, é sempre maior que as médias do 1º ciclo. A eliminação e o retardamento total em cada geração, apesar do aumento de matrículas a cada ano, mantêm-se constantes, com ligeiras oscilações: 80,1% (geração 1942-48), 81,2% (geração 1945-51), 84,6% (geração 1948-54), 87,0% (geração 1951-57), 86,4% (geração 1954-60), 85,8% (geração 1957-63).
Esses dados, segundo Nunes (1980NUNES, Clarice. O "velho" e "bom" ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, v. 14, p. 35-60, 2000., p. 50), comprovam a drenagem da população escolar, ocorrida durante o prolongamento de todo o curso secundário, entre os anos 40 e 60. "Somente uma percentagem de 20%, ou menos, conseguia completar os cursos, sem retardamento, e sair dos colégios, realizando exames vestibulares com sucesso".
Entre os 11 ex-alunos entrevistados, essa trajetória se reproduzia:
Identificamos na fala dos ex-alunos que os exames sintonizavam todos e funcionavam como um centro que balizava as condutas; todas as ações dos alunos - matar ou não uma aula, estudar ou não - repercutiam diretamente em seus resultados. Se a ausência de muros, na perspectiva dos alunos, denotava liberdade, na análise de Ester, os muros eram outros. A ex-professora avaliou que, melhor que os tijolos, as altas exigências faziam muito bem o papel de contenção.
Desfrutar daquele lugar implicava um autogoverno, pois haveria contas a prestar. A liberdade era consentida e, literalmente, sentida. A tensão vivida pelos alunos no momento de administrar os usos e os abusos provenientes do sistema de autogoverno foi descrita por Maria, que também comentou que "a escola não se achava na obrigação de dar conta dos alunos". Ao contrário, "o aluno é que tinha que dar conta da escola".
Você via no final de semestre, aluno com febre, passando mal e assistindo aula. Ele sabia que não podia ter mais nenhuma falta, senão tomava bomba. Não eram os professores que controlavam, eles só faziam a chamada. Não tinha ninguém te falando que você estava com nota baixa, ou que você precisava estudar mais isso ou aquilo {...}. A gente se virava. No fim do semestre se acertava com o pai ou mãe se tomasse bomba por falta. Problema seu e deles. Enquanto o aluno estava na 1ª, 2ª e 3ª série ginasial, se fosse pego matando aula, eles avisavam em casa. Da 4ª série para cima já era no turno da manhã e não tinha mais esse controle. Aí era cada um por si, com sua família, e Deus por todos! (Maria, ex-aluna)
"A gente sabia que o negócio era com a gente mesmo. Não tinha como culpar o sistema. O seu sucesso ou o seu fracasso dependia totalmente de você" (Mateus, ex-aluno). O ofício de aluno era de cumprir com a obrigação de aprender, de digerir a aula, de estudar por fora, de frequentar as aulas, de passar de ano. No contexto do Colégio Estadual, no dia a dia da escola, essa dinâmica era percebida da seguinte forma:
O colégio Estadual era formado por uma política pedagógica que não era estruturada, mas que tinha uma filosofia onde cada professor exigia o máximo de seus alunos. Não havia uma preocupação do professor com o sucesso do aluno, numa ação direta. Mas a preocupação era no nível da cobrança, que era sistemática, constante e homogênea. (João, ex-aluno)
Se o aluno aprovado no ensino secundário tinha pela frente o concorrido vestibular, o aluno reprovado tinha três possibilidades: permanecer no colégio, mesmo reprovado; buscar um atalho, conhecido como a escola "papai pagou, passou"; ou, então, dependendo da idade, fazer o Madureza18 18 "O Madureza foi um curso de educação de jovens e adultos, que ministrava disciplinas dos antigos ginásio e colegial, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1961. As idades mínimas para o ingresso eram 16 e 19 anos, de Madureza Ginasial e de Madureza Colegial. Exigia-se um prazo de dois a três anos para a sua conclusão em cada ciclo, a qual foi abolida pelo Decreto-Lei n° 709/69" (MENEZES, 2002, p. 76). .
Tomar bomba e ficar lá era motivo de orgulho para gente, porque os que tomavam bomba e saíam de lá eram vistos pela gente com um soberano desprezo: "poxa! Foi pra escola pagou, passou". Era a escola "PP" que a gente chamava na época. {...} E a gente, mesmo tomando bomba, preferia ficar lá pra continuar naquela escola de boa qualidade. (Marta, ex-aluna)
Mateus foi para uma dessas escolas: "Aí foi aquela página triste na minha vida, eu fui para O Precursor, era um famoso 'pagou passou'".
Eu tomei duas bombas, aliás, eu nunca passei de ano. Eu sempre tomei segunda época; é o que chama hoje de recuperação. Eu nunca passei direto, nunca, e repeti a 2ª série e a 4ª série. {...} Até hoje eu sonho que não formei. Um sonho meio recorrente, e descobri que alguns colegas do Estadual têm isso também. Sonho que já estou formado em alguns cursos superiores, mas não formei no Estadual. É um negócio traumatizante, mas sem nenhuma revolta. Eu não conseguia, eu não conseguia. Era dificílimo você dar conta daquelas histórias.
O sonho recorrente de não ter se formado e a identificação desse mesmo sentimento em outros colegas sugerem tanto o peso da distinção de ser parte da instituição quanto a desonra de ser excluído.
Lá a escola era sem muros, porque os muros eram as notas, as exigências altíssimas. Podia ir embora à vontade, só que ia perder o ano. Ah! Com toda a certeza ia perder o ano. Tomava uma belíssima bomba, os pais iam ficar arrasados. Então, os muros eram as exigências altíssimas. (Ester, ex-professora)
Porém, exigência e seletividade não constituíam as únicas características distintivas da instituição. A liberdade, o autogoverno e a valorização pelos alunos de uma atividade intelectual "desinteressada" eram características que conferiam identidade ao Colégio, o que analisaremos a seguir.
Juventude, escola e formação humana
As exigências de desempenho escolar não eram os únicos fatores de cobrança no exercício do ofício do aluno do Colégio Estadual. Este deveria também investir na aquisição de um capital cultural não estritamente ligado ao conteúdo escolar, mas fundamental na formação de uma elite intelectual. A cobrança dava-se centralmente não pelos professores, mas pelos colegas, numa sociabilidade fundada na visibilidade do exercício da atividade intelectual.
Escola boa é escola que tem alunos bons, então toda minha referência eram meus colegas. Eu tinha vergonha dos meus colegas, eu não podia ser um medíocre. Eu não podia ser uma pessoa, um "Zé Ninguém". Eu podia tirar zero de A a Z, em todas as disciplinas. Isso era uma questão minha com o professor, mas eu tinha de alguma forma ser alguém perante meus colegas. Quando você está num ambiente de elite, de mérito, você é puxado pra cima. Por isso, são os alunos que criam um contexto superior, que puxa todo o grupo. Eu podia tirar zero, mas eu não podia estar fora de um contexto cultural. Tinha que saber o que estava acontecendo em termos de tudo. (Mateus, ex-aluno)
A posse ou o investimento na aquisição de um capital cultural eram fundados em algumas práticas, como a leitura literária ou de obras não ligadas diretamente ao universo escolar, como jornais e revistas, e a frequência a espaços culturais da cidade, especialmente o cinema, conformadores de uma estética identificada com a contemporaneidade.
O Estadual era uma universidade, o que a gente estudava na terceira ou quarta série do ginásio, os meninos de hoje não estudam na universidade. Eu li Raízes do Brasil na terceira série do ginásio, indicado pelo professor de História. Eu li Caio Prado Junior, Gilberto Freyre, Werneck Sodré ainda no ginásio, entende? O Prof. mandava a gente ler Sérgio Buarque de Holanda e discutir em classe. (Marcos, ex-aluno)
A gente lia muita coisa por fora, que não tinha nada a ver com escola. Lia romance e, romance bom; coisa de sociologia; coisa de gente grande que estava lendo. Eu acho que isso era muito valorizado no Colégio, você usava para dar um exemplo na sala de aula. Não era considerada pesquisa ou um dever. Dava status! Ah, meu Deus! Sair de casa, eu ficava insegura, eu tinha que ter um livro debaixo do braço, se eu ficasse sozinha eu podia ler. Era uma muleta maravilhosa, e a gente estava sempre lendo coisas interessantes, sempre trocando livros de tudo. (Maria, ex-aluna)
Como destaca Bourdieu (2007BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007), o senso estético constitui uma expressão distintiva de uma posição privilegiada no espaço social, que une aqueles que são parte desse espaço e separa os que dele são excluídos, no caso, o Colégio Estadual.
A gente olhava o pessoal dos outros colégios lá de cima. Isso a gente tinha certeza, que a gente era uma elite intelectual. O pessoal já ia assumindo aquele negócio de ser superior, de ser mais politizado, de ser entendido de cinema {...}. Era uma coisa que a gente praticava, mesmo dentro do Colégio Estadual, mas aí era uma coisa de subgrupos. A instituição de ensino, talvez a instituição que eu participei que eu tenho orgulho é o Estadual. Na hora que eu vejo um ex-colega, pô! Aquele cara, eu tenho orgulho de ser igual a ele. Eu não gosto de nada que já participei, já o Estadual eu tenho o maior orgulho, é uma coisa que nem sei se isso é comum, mas é comum a todo ex-aluno do Estadual. A gente acha que é diferente quem estudou no Estadual. Então você é diferente, que você tem alguma coisa diferente, é uma coisa assim. (Mateus, ex-aluno)
O sentimento de diferenciação e o orgulho de ter sido parte da instituição foram presentes em todas as entrevistas, definidoras da construção de uma memória coletiva, marcada pela idealização.
Outro fator distintivo da instituição reiteradamente destacado nas entrevistas foi a liberdade característica na comparação com os demais colégios secundários da cidade. Não apenas a arquitetura expressava a proposta de uma escola sem muros, mas a gestão do cotidiano escolar fundava-se no autogoverno pelo aluno, de modo que este transitava livremente entre a escola e a cidade, a sala de aula e os outros espaços do Colégio.
{...} Mas o que mais marcou era a liberdade que a gente tinha para circular, para matar aula, porque não tinha ninguém te vigiando e te empurrando para a sala de aula. O engraçado é que a gente matava aula não era pra sair pra rua não, era pra ficar no Colégio. (Davi, ex-aluno)
A gente já usava o espaço público, as praças, a rua. Não ficava confinado no Colégio Estadual o tempo todo. E tinha a "instituição" {aspas dos autores}: matar aula. Então, a gente matava muita aula, saía, voltava para a escola. (Marta, ex-aluna)
Tal prática constituía expressão do projeto pedagógico da instituição, como afirmou o reitor Heli Menegale numa entrevista em 1954, ao jornal Diário de Minas: "o princípio pedagógico básico adotado no nosso principal estabelecimento de ensino secundário é a liberdade responsabilizada" (WATANABE, 1954WATANABE, Hiroshi. O sistema pedagógico: o aluno - o professor. Diário de Minas. Belo Horizonte, 24 de setembro de 1954. Primeiro caderno.). O pensamento do Diretor e Prof. Menegale, ainda na antiga sede, era
suprimir lentamente a obrigatoriedade da permanência no recinto do colégio nos intervalos de aulas; permitir o livre acesso às estantes da biblioteca etc. Em troca dessa liberdade, esperava-se dos alunos o senso de responsabilidade e educação em relação ao uso do livro por parte do aluno.
Jorge do Ó (2003OHTAKE, Ricardo. Oscar Niemeyer. São Paulo: Publifolha, 2007.) demonstra que a psicopedagogia, emergente nas últimas décadas do século XVIII a meados do século XX, recusou qualquer tipo de imposição moral externa ao aluno, contrapondo a coerção externa ao exercício do autogoverno. As práticas disciplinares caminhavam no sentido de superação das tradicionais, fundadas na coerção externa, em benefício do autocontrole. Assim, o self-government passa a ser uma peça central do novo regime disciplinar na Escola Moderna. No dizer do autor: "Na escola, há muito que a palavra moral se traduz por vontade e governo de si" (Ó, 2003Ó, Jorge Ramos do. O governo de si mesmo: modernidade pedagógica e encenações disciplinares do aluno liceal (último quartel do século XIX - meados do século XX). Lisboa. Educa, 2003. , p. 8).
Se o princípio do autogoverno rege a escola moderna, no caso do Colégio Estadual, tal perspectiva foi tornada central na identidade da instituição, marcando na memória dos seus ex-alunos uma experiência de gestão que não tinha lugar em outras escolas e espaços públicos da cidade.
Sociabilidade, formação e ação política
Os alunos tinham no colégio intenso espaço de formação e atuação política, que ultrapassava o cotidiano escolar. Estavam em contato com diversas outras entidades, como o Diretório Estudantil do Colégio Municipal de Belo Horizonte e a União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Belo Horizonte (UMES). Paralelamente à UMES, no nível estadual existia a União dos Estudantes Católicos (UEC); no nível nacional, existia a União Nacional dos Estudantes (UNE). A União Colegial de Minas Gerais (UCMG); o Diretório Central dos Estudantes da UFMG (DCE); a Juventude Estudantil Católica (JEC) e a Juventude Universitária Católica (JUC), todas elas foram entidades de grande importância na formação dos jovens naquela época.
Quem participava da política estudantil secundarista estabelecia, desde então, contato com a política estudantil universitária. Nesse sentido, o período da universidade foi lembrado, por muitos, como um prolongamento daquilo que foi vivido no ensino secundário. Segundo Lucas,ex-aluno: "O pessoal do Diretório sabia quem era o reitor da UFMG, quem era diretor da FAFI, quem era o diretor da Ciências Econômicas, quem era o Ministro da Educação, quem era José Serra, presidente da UNE, e assim por diante".
A dificuldade de acesso a uma escola secundária era comentada pelos jovens estudantes. Marcos (ex-aluno), durante a entrevista, recuperou seu discurso de formatura do ginásio em 1962, em que fica marcado o tom político de denúncia das injustiças sociais:
"É chegada a hora de pensarmos no futuro. Que dizer de nós, ginasianos de agora, diante do futuro que nos espera?" - aí eu vou fazendo várias chamadas: - "Olhe, estudante, encare a realidade. Lembre-se de que você é minoria em comparação com o número de jovens, iguais a você, existentes no Brasil. Lembre-se de que a instrução na sua pátria é privilégio, um privilégio seu, apenas. Lembre-se de que é apenas sua a liberdade de prosseguir, de almejar uma carreira brilhante. Lembre-se, sobretudo, de que o Brasil é um país democrático, mas que a liberdade de estudar não é da maioria, mas sua". - Quantos anos eu tinha aqui, meu Deus, no ginásio! - "Encare a realidade, estudante. O homem do campo: de dez milhões de pessoas empregadas no Brasil em atividades agrárias, apenas 18% são proprietários; os 82% formam a massa que compõe os trabalhadores miseráveis". E por aí vai, assim, cheio dos clichês da época.
Lucas lembrou que o Diretório Estudantil (DE) promovia também atividades como feiras anuais de venda de livros didáticos com preços menores que no comércio, torneios esportivos, festas em geral, atividades culturais, conferências, excursões e muitas outras. Maria também destaca outros aspectos: "A gente fazia passeata por causa do preço de passagem de ônibus; para pagar só meia entrada no cinema; essas reivindicações tradicionais de estudante. A UMES (União Municipal de Estudante Secundários) conseguia através dos Diretórios Estudantis organizar os colégios".
João acompanhou o movimento estudantil antes de 1964 até próximo de 1968 e relembra que o Diretório Estudantil era extremamente organizado. Ele ressalta o papel político que os jovens do Colégio Estadual tiveram no período pós-64 até 68.
Era a liderança política do Colégio Estadual, sobretudo do Científico, alunos que participaram de grupos políticos: JEC, JUC, JOC, MR-819 19 JEC - Juventude Estudantil Católica; JUC - Juventude Universitária Católica; JOC - Juventude Operária Católica; MR-8 - Movimento Revolucionário 8 de Outubro. etc. Era uma plêiade de movimentações que agitavam a cidade, e os alunos participavam ativamente de todos os movimentos políticos. Destacando inclusive no ano de 68: o ápice do Movimento Estudantil do Colégio Estadual. Depois daí, o declínio definitivo.
Entre os entrevistados, a Juventude Estudantil Católica (JEC) é citada por todos, seja por aquilo que atraía e agregava, seja pelo sentimento de rejeição. Marcos relembra que "o peso da igreja era muito grande":
Não era a igreja tradicional, era a igreja do Padre Vaz, que foi o grande mentor da Ação Católica e depois da Ação Popular (AP). Eu nunca participei da JEC ou da JUC, porque nunca fui muito chegado em religião. Não era a igreja carola, entendeu? Os padres da Ação Católica eram padres progressistas, dominicanos... Muitos foram perseguidos, torturados. A JEC não se reunia só nas rodinhas do Colégio. Havia uma reunião em frente à Igreja São José, a chacrinha. O adro em frente à igreja ficava apinhado de jovens conversando fiado sobre política brasileira, questões econômicas etc. - era este o assunto. Alguns ouviam a missa das seis na igreja, saíam da missa e iam papear.
A Ação Católica brasileira começou a existir oficialmente a partir do documento chamado "Mandamento dos Bispos do Brasil", que a instituiu em 9 de junho de 1935, inspirada no modelo da Ação Católica italiana (ARY, 2000ARY, Zaira. Masculino e feminino no imaginário católico. São Paulo: Anablume 2000.). Os ramos da organização eram diferenciados por sexo, idade e estado civil20 20 São eles, segundo Dale (1985, p. 9, citado por ARY, 2000, p. 92): (a) Homens da Ação Católica (HAC), para os maiores de 30 anos e casados de qualquer idade; (b) Liga Feminina de Ação Católica (LFAC), para as maiores de 30 anos e as casadas de qualquer idade; (c) Juventude Católica Brasileira (JCB), para moços de 14 a 30 anos; (d) Juventude Feminina Católica (JFC), para moças de 14 a 30 anos. Estava previsto, ainda, no setor de juventude, a constituição da Juventude Estudantil Católica (JEC), para a mocidade do curso secundário, da Juventude Universitária Católica (JUC) e da Juventude Operária Católica (JOC). . Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro (1930-1942), era o principal promotor e organizador da Ação Católica do Brasil. Dom Leme chamava os "leigos" como os católicos especiais.
Mateus ri ao dizer que foi "aliciado", ou seja, um colega do Estadual o convidou para ir para a JEC. Maria também, ex-integrante da JEC, lembra que a ampliação do grupo se dava entre os próprios amigos de escola:
A JEC tinha como lema inspirador o ser "o sal da terra e a luz do mundo". A pessoa deveria estar no meio do povo, formando líderes que iriam agir no mundo. Sentiam-se na obrigação cristã "de juntar as pessoas para elas ficarem mais amigas, mais solidárias"...
Então me nuclearam, o termo era esse, cooptar alguém para a JEC chamava nuclear. Me puseram no núcleo, qualquer coisa assim, e eu fui entusiasmada. Essa ação de cooptar membros para a JEC acontecia lá mesmo, dentro da escola, por colegas de turma católicos e que já eram do movimento, que compreendia converter outros jovens para Cristo. Com isso a gente matava muita aula para fazer reunião, preparar, por exemplo, a páscoa. A gente ia para dentro da sala do Diretório Acadêmico ou qualquer canto para fazer cartaz. Coisas do tipo como "Jesus Te Ama"; "Seu vizinho precisa de você"; "Quem é seu próximo mais próximo?". A ideia era: para você ser um cristão, você tem que ser um homem vivo. (Maria, ex-aluna)
Frei Mateus Rocha, dominicano e psicanalista, foi durante muito tempo um dos assistentes de um Centro de JEC. Segundo Herbert José de Sousa, o Betinho, citado por Zaira Ary (2000ARY, Zaira. Masculino e feminino no imaginário católico. São Paulo: Anablume 2000., p. 108), Frei Mateus "marcou uma geração. Teve como sua grande experiência humana, política e religiosa a instalação da JEC em Belo Horizonte. {...} ele tinha uma visão de igreja extremamente crítica, achava que o cristianismo devia voltar para a época das comunidades".
A família de Isabel não era católica, e ela lembra que "achava o povo da JEC muito artificial com aquela coisa de 'somos todos irmãos'. Não me convencia, era aquela coisa que eu tinha certa antipatia".
Se os alunos que pertenciam à JEC tinham a possibilidade de ampliar os contatos com outros jovens, Maria nos relata que esses "pertencimentos", dentro do colégio, também isolavam as pessoas: "Tem pessoas que eu nunca fiquei amiga, porque era de outro grupo. Tinha comunistas que, organizados, disputavam eleição. Então, como a gente era católico, os comunistas gozavam a gente. A maioria do pessoal olhava pra gente assim: 'Ih! esse povo...".
O mundo da sociabilidade tem encargos e conflitos, daí Simmel (1983SIMMEL, Georg. A natureza sociológica do conflito. In: MORAES, Evaristo Filho(Org.). Simmel. São Paulo: Ática, 1983., p. 172) pontuar que a sociabilidade "é o jogo no qual faz de conta que são todos iguais e, ao mesmo tempo, se faz de conta que cada um é reverenciado em particular; e fazer de conta não é mentira mais do que o jogo ou a arte são mentiras, devido ao seu desvio da realidade".
A importância dessas interações cercadas de amor e ódio, afinidades e desafetos está, segundo Simmel (1983SIMMEL, Georg. A natureza sociológica do conflito. In: MORAES, Evaristo Filho(Org.). Simmel. São Paulo: Ática, 1983.), no fato de obrigar os indivíduos que possuem interesses e impulsos a formarem uma unidade - precisamente, uma sociedade. Para esse autor, a "sociedade" propriamente dita é:
O estar com um outro, para um outro, contra um outro que, através do veículo dos impulsos ou dos propósitos, forma e desenvolve os conteúdos e os interesses materiais ou individuais. As formas nas quais resulta esse processo ganham vida própria. São liberadas de todos os laços com os conteúdos; existem por si mesmas e pelo fascínio que difundem pela própria liberação destes laços. (SIMMEL, 1983SOUZA, Rosa Fátima. A renovação do ensino secundário no Brasil: as últimas batalhas pelo humanismo (1920-1960). Currículo sem Fronteiras, v. 9, n.1, p. 72-90, jan./jun. 2009., p. 168)
Marcos, que era do Diretório Estudantil, fornece-nos um panorama de quem era quem e como era a convivência entre os diferentes grupos.
De manhã se sobressaía a JEC, que era um movimento de jovens de bom nível socioeconômico. Mas havia alunos da JEC também à noite. Além da JEC, havia a POLOP, a AP e o PCB21 21 POLOP é a sigla de Política Operária, e AP, de Ação Popular, ambas organizações de esquerda que atuaram contra o regime militar. PC ou Partidão são referências ao PCB, partido Comunista Brasileiro. , o Partidão. Essas eram as tendências de esquerda mais representativas. A esquerda católica era representada pela JEC e pela AP, a Ação Popular da primeira fase. A POLOP era uma esquerda mais radical do que o Partidão e a AP de então. A divisão dos grupos era clara, exceto na esquerda católica. Mas havia diálogo, embora eles tivessem linhas políticas diferentes. Especialmente no turno da manhã, eram alunos bastante engajados no movimento estudantil, considerando-se a idade que tinham - 16, 17, 18 anos. Todos militavam ativamente nas suas respectivas tendências. Havia também os congregados marianos, de direita, que depois se reagruparam na TFP22 22 TFP é a sigla de Tradição, Família e Liberdade, organização de direita do período. .
Após 1964, período que extrapola o período desta pesquisa, intensifica-se o movimento dentro desses subgrupos, que passam a atuar de forma clandestina dentro da própria escola. Zaira Ary (2000ARY, Zaira. Masculino e feminino no imaginário católico. São Paulo: Anablume 2000.) considera que, mais tarde, a Teologia da Libertação despontou como uma espécie de movimento que realizou uma continuidade histórica meio camuflada da própria Ação Católica, ou, mais especificamente, de alguns ramos de juventude mais "politizados". A JEC e a JUC do Brasil tiveram o auge de sua atuação dos anos de 1950 até 1967, quando foram dissolvidas pelas autoridades eclesiásticas, sob a pressão dos militares brasileiros.
Conclusão
A profunda identificação com a instituição e sua idealização foram recorrentes nas entrevistas. Porém, observou-se a referência à sua decadência, a partir de 1964. Dois fatores foram determinantes na percepção da ruptura pelos entrevistados. Por um lado, o fim do estado democrático com o golpe militar teve seus reflexos na caracterização da escola como espaço de liberdade. Na verdade, foi apenas após 1968 que as marcas da ditadura militar e, especialmente, a censura impuseram uma ruptura radical na instituição. Segundo Ortiz (1999PAULA, João Antonio; MONTE-MOR, Roberto. Formação histórica: três momentos da história de Belo Horizonte. Relatório de pesquisa. Belo Horizonte: CEDEPLAR/ UFMG, 2012.Disponível em:<Disponível em:http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/pbh/arquivos/Mod1.pdf
>.Acesso em: 15 maio 2014.
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), mesmo depois do golpe de 64, o espaço de liberdade de expressão continuou a vigorar por um tempo a mais, uma vez que "o Estado autoritário, no início, se voltou para a repressão dos sindicatos e das forças políticas que lhes eram adversas, só depois é que o AI-5 estendeu suas presas sobre a esfera cultural" (ORTIZ, 1999PAULA, João Antonio; MONTE-MOR, Roberto. Formação histórica: três momentos da história de Belo Horizonte. Relatório de pesquisa. Belo Horizonte: CEDEPLAR/ UFMG, 2012.Disponível em:<Disponível em:http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/pbh/arquivos/Mod1.pdf
>.Acesso em: 15 maio 2014.
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, p. 104). Mesmo assim, nas entrevistas, foram destacados o temor à prisão e o perigo da livre expressão que marcava o período anterior, embora tenha sido destacada a continuidade da participação política no interior da escola.
Outro grande fator de mudança destacado nas entrevistas, principalmente de ex- professores, foi a abertura de novas sedes, para fazer frente à crescente demanda. Tal abertura, cujo objetivo era ampliar e democratizar o acesso à escola, significou para os entrevistados a quebra dos padrões de exigência e qualidade do ensino, marcando um novo tempo na longa história da instituição.
Mas aí já entrou uma nova era. Os salários já estavam caindo; as turmas eram heterogêneas; a seleção, para preencher todas as vagas, não podia ser tão rigorosa. Houve aquele período glorioso do Estadual Central com os melhores alunos, depois resolveram abrir, que eu acho que foi certíssimo abrir. Tinha que abrir, mas, agora, não daquele jeito, sem preparar os professores, sem dar os recursos, sem dizer o que fazer com o material didático. Eu acho que foi loucura.
Deve ter vindo da Secretaria da Educação a orientação de ampliar o número de vagas na escola pública. Para ampliar foi preciso abrir mão daquele vestibular rigorosíssimo. Foi uma espécie de reforma nos anos 60, quando o governo resolveu abrir os chamados Anexos do Colégio Estadual. Os alunos que entravam no primeiro ginasial mal sabiam ler. Eu acho, era a realidade da cidade. A gente queria extrair deles a mesma coisa que a gente extraía dos privilegiados que tinha antes. (Ester, ex-professora)
Assim foi que a liberdade no exercício do autogoverno e a excelência, definidores da identidade do Colégio no período anterior, foram descaracterizados com as reformas políticas e educacionais, de acordo com a memória dos entrevistados. Porém, a força da instituição continuou e continua sendo ainda muito presente, não apenas na memória dos que nela viveram sua juventude, mas dos que hoje continuam a construir sua história.
Seus sujeitos são hoje alunos das camadas populares e professores malremunerados da rede estadual de ensino, ensinando e aprendendo em condições radicalmente diversas daquelas retratadas aqui. Cabe continuar a contar a história da instituição, recuperando a vivência dos muitos sujeitos em décadas posteriores. Fica o convite.
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1
Para compreensão das questões referentes ao ensino secundário no momento atual, vide Castro e Tiezzi (2005CASTRO, Maria Helena G. de; TIEZZI, Sergio. A reforma do ensino médio e a implantação do ENEM no Brasil. In: SCHWARTZMAN, Simon; SIMON, Colin Brock. Os desafios da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2005. ) e Moehlecke (2012MOEHLECK, Sabrina. O ensino médio e as novas diretrizes curriculares nacionais: entre recorrências e novas inquietações. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, v. 17, n. 49, p. 39-58 jan./abr. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782012000100003&script=sci_arttext >. Acesso em: 14 maio 2013.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141... ). -
2
Vide principalmente os artigos de Jayme Abreu (1955ABREU, Jayme. A Educação Secundária no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de janeiro, n.58, v. 23, p. 26-104, 1955., 1962ABREU, Jayme. Escola Média no Brasil - Aspectos Quantitativos. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, n. 88, v. 38, p. 23-35, out./dez. 1962., 1963ABREU, Jayme. Ensino Médio Brasileiro: Tendências de sua expansão. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, n. 89, v. 39, p. 35-62, jan./mar. 1963.) e Anísio Teixeira (1954TEIXEIRA, Anísio. A escola secundária em transformação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, n. 53, v.21, p. 03-20, jan./mar. 1954.) na Revista de Estudos Pedagógicos.
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3
No livro Colégio Estadual, Renato Moraes (2014MORAES, Renato. Colégio Estadual. Belo Horizonte: Conceito Editorial, 2014.) arrola o nome dos seguintes ex-alunos, desde o antigo Ginásio Mineiro, do qual o Colégio Estadual é sucedâneo: Afonso Pena (presidente do estado de Minas), Raul Soares (presidente do estado mineiro), Hélio Pelegrino (escritor psicanalista), Milton Campos (governador do estado mineiro), Fernando Sabino (escritor), Henfil (cartunista e escritor), Getúlio Vargas, Dilma Roussef, Fernando Pimentel (prefeito de Belo Horizonte e governador do estado mineiro), Eduardo Azeredo (governador do estado mineiro), Elke Maravilha (atriz e modelo), Tostão (jogador de futebol), Humberto Werneck (escritor e jornalista), Fernando Brandt (compositor), entre outros.
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4
O movimento de ampliação de vagas estava em sintonia com uma política nacional encabeçada pelo presidente João Goulart (1961-1964). Assim que assumiu a presidência, com a renúncia do presidente Jânio Quadros, João Goulart submeteu o Programa de Emergência do Ministério da Educação e Cultura, em 1962, referente aos ensinos primário e médio, ao Conselho de Ministros. Em decorrência desse plano, temos a Lei Estadual n. 3.032 de 19/12/1963 - "Cria cargos no Colégio Estadual de Minas Gerais e fixa estrutura dos ginásios anexos". A escola se expande abrindo anexos em alguns bairros de Belo Horizonte. Sobre esse período, ver Nádia Cunha (1963CUNHA, Nádia. Aspectos Estatísticos do Ensino Médio no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 40, p.186-189, out./dez. 1963.).
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5
Foram entrevistados três ex- professoras, sete ex-alunos e três ex-alunas.
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6
Cf. LE GOFF, 2003LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5. Ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003..
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Livro de Ata da Congregação - Acervo Colégio Estadual de Minas Gerais. Sobre o Ginásio Mineiro, ver Teixeira (2004TEIXEIRA, Aleluia Heringer Lisboa. A "Gymnastica no Ginásio Mineiro" - 1890-1916. Belo Horizonte: FAE, Faculdade de Educação, 2004, 180 p. Dissertação (mestrado em Educação) 2004.).
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8
Isso pouco acontecia. A grande maioria dos alunos prestava exames avulsos ao longo desse período e completava o ensino secundário bem antes, conforme observamos na leitura dos relatórios dos Reitores (1890-1918) (TEIXEIRA, 2004TEIXEIRA, Aleluia Heringer Lisboa. A "Gymnastica no Ginásio Mineiro" - 1890-1916. Belo Horizonte: FAE, Faculdade de Educação, 2004, 180 p. Dissertação (mestrado em Educação) 2004.).
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9
No Internato, eram isentos das taxas e admitidos até 12 alunos pobres, tirados das 12 principais zonas do Estado e que se "distinguiam por sua inteligência, bom procedimento e assídua aplicação ao estudo" (MINAS GERAIS, 1892MINAS GERAIS. Lei n. 41 de 3 de agosto de 1892. Ementa. Dá nova organização à instrução púbica do estado de Minas, 1892. , art. 107). Entre os 12 alunos pobres que cursaram o ensino secundário, somente dois, os que revelassem "excepcional aptidão", poderiam ser matriculados gratuitamente no Ensino Superior (BRASIL, 1901BRASIL. Decreto 3.890, de 1/01/1901. Coleção de Leis do Brasil. V. 1, p. 1-51, 1901., art. 125).
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10
A década de 40 é considerada, em Belo Horizonte, a década de modernização da arquitetura. Já na década de 50, preocupado com o crescimento desordenado da cidade, o prefeito Américo René Gianetti (1951 a 1954) deu início à elaboração de um Plano Diretor para Belo Horizonte, que verticalizou a cidade, ao qual se deu continuidade na gestão de JK. São dessa época o prédio do Colégio Estadual, o Edifício JK, o Edifício do BEMGE, o Edifício Niemeyer e a sede da Biblioteca Pública Estadual, todos projetados por Niemeyer.
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11
Informações disponíveis em: <http://www.educacional.com.br/entrevistas/interativa/entint_0028.asp>. Acesso em: 20 abr. 2009.
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12
O mata-borrão era um material escolar utilizado para enxugar a tinta da caneta-tinteiro, que, por vezes, caía em excesso no papel. Caiu em desuso com o uso e a popularidade da caneta esferográfica.
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13
Como será analisado posteriormente, a presença na sala de aula ancorava-se nos altíssimos níveis de exigência para aprovação.
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14
A identidade étnico-racial e de gênero dos candidatos foi objeto de análise na pesquisa, mas não será aqui tratada, sendo contemplada em artigo em produção.
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15
O estudo histórico da estratificação social implica uma série de dificuldades na definição das categorias. Optamos por profissão do pai, de acordo com classificação estabelecida por Hutchinson (1960HUTCHINSON, Bertram. Mobilidade e trabalho na cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: INEP, 1960.) sobre mobilidade e trabalho, estudo retratado por Mello e Novais (1998MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.). Chamamos a atenção do leitor para o uso do Grupo A como base da sociedade e do Grupo D como topo da sociedade.
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16
A Avenida do Contorno, como o próprio nome diz, contorna a região central de Belo Horizonte. Seu desenho segue o traçado planejado anteriormente à construção da cidade. Originalmente, o projeto previa que a cidade fosse organizada em três círculos concêntricos: a zona urbana, onde se concentrava a maior parte dos serviços, como educação; a zona suburbana, cujo limite geográfico era a Avenida do Contorno, mais populosa, mas menos equipada por equipamentos públicos, cujos moradores eram das camadas populares; e a zona rural, em que foram criadas colônias agrícolas destinadas a imigrantes, tendo sido incorporadas à malha urbana na década de 1910 (AGUIAR, 2006AGUIAR, Tito Flávio Rodrigues de. Vastos Subúrbios da Nova Capital: formação do espaço urbano na primeira periferia de Belo Horizonte. 230 f. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Belo Horizonte: UFMG, 2006, 2006.).
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João não considera uma delas, já que foi por infrequência, quando morou no exterior.
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18
"O Madureza foi um curso de educação de jovens e adultos, que ministrava disciplinas dos antigos ginásio e colegial, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1961. As idades mínimas para o ingresso eram 16 e 19 anos, de Madureza Ginasial e de Madureza Colegial. Exigia-se um prazo de dois a três anos para a sua conclusão em cada ciclo, a qual foi abolida pelo Decreto-Lei n° 709/69" (MENEZES, 2002MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Dicionário Interativo da Educação Brasileira. São Paulo: Midiamix Editora, 2002., p. 76).
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19
JEC - Juventude Estudantil Católica; JUC - Juventude Universitária Católica; JOC - Juventude Operária Católica; MR-8 - Movimento Revolucionário 8 de Outubro.
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20
São eles, segundo Dale (1985, p. 9, citado por ARY, 2000, p. 92): (a) Homens da Ação Católica (HAC), para os maiores de 30 anos e casados de qualquer idade; (b) Liga Feminina de Ação Católica (LFAC), para as maiores de 30 anos e as casadas de qualquer idade; (c) Juventude Católica Brasileira (JCB), para moços de 14 a 30 anos; (d) Juventude Feminina Católica (JFC), para moças de 14 a 30 anos. Estava previsto, ainda, no setor de juventude, a constituição da Juventude Estudantil Católica (JEC), para a mocidade do curso secundário, da Juventude Universitária Católica (JUC) e da Juventude Operária Católica (JOC).
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21
POLOP é a sigla de Política Operária, e AP, de Ação Popular, ambas organizações de esquerda que atuaram contra o regime militar. PC ou Partidão são referências ao PCB, partido Comunista Brasileiro.
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22
TFP é a sigla de Tradição, Família e Liberdade, organização de direita do período.
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Doutora em História da Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Diretora do Colégio Santo Agostinho/ Contagem/ MG. Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em História da Educação da UFMG (GEPHE/ UFMG) E-mail: aleluiahl@yahoo.com.br
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Doutora em História da Educação pela UFMG. Professora da Faculdade de Educação da UFMG. Pesqusiadora 1-B do CNpq. Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em História da Educação da UFMG (GEPHE/ UFMG) e do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Infância e Educação Infantil da UFMG (NEPEI/ UFMG). E-mail: crisoares43@gmail.com
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2016
Histórico
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Recebido
03 Out 2014 -
Aceito
05 Dez 2015