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O sinal do espiralamento anti-horário da linea nigra

RESUMO

Objetivo:

Descrever a morfologia da linea nigra supra e infraumbilical em puérperas.

Métodos:

O estudo foi realizado no período de setembro de 2017 a abril de 2018 e incluiu 157 puérperas admitidas para o parto no Serviço de Obstetrícia de uma maternidade pública da cidade de São Paulo (SP). O abdome das pacientes foi fotografado no primeiro ou segundo dia pós-parto, com a paciente deitada simetricamente em decúbito dorsal a uma distância padronizada. O contraste foi ligeiramente ajustado, e o padrão morfológico da linea nigra supra e infraumbilical na proximidade da cicatriz umbilical foi caracterizado. As imagens foram analisadas independentemente por dois pesquisadores, e apenas os resultados concordantes dos dois observadores foram utilizados.

Resultados:

Dos 157 casos observados, 139 (88,5%) imagens apresentaram resultados concordantes entre os dois pesquisadores. Excluindo 41 casos de ausência ou má definição da linea nigra, 98 imagens foram analisadas. As linea nigra supra e infraumbilicais foram analisadas separadamente e classificadas de acordo com três direções (esquerda, centro e direita da cicatriz umbilical). A combinação das imagens supra e infraumbilicais resultou na formação de nove padrões distintos, sendo os mais prevalentes nas primíparas (72,2%) e multíparas (50,0%), o que os autores denominaram “espiralamento anti-horário da linea nigra”.

Conclusão:

A análise das linea nigra supra e infraumbilical em puérperas mostrou predominância do que os autores denominaram “sinal do espiralamento anti-horário da linea nigra”.

Descritores:
Linea nigra; ; Hiperpigmentação/diagnóstico; Pele/patologia; Pigmentação da pele; Alterações fisiológicas na gravidez

ABSTRACT

Objective:

To describe the morphology of the supra- and infraumbilical linea nigra in puerperal women.

Methods:

The study was conducted from September 2017 to April 2018, and included 157 puerperal women admitted for childbirth care at the Obstetrics Department of a public maternity hospital of the city of São Paulo (SP), Brazil. The abdomen of subjects was photographed on the first or second day postpartum, with the patient lying symmetrically in dorsal decubitus at a standardized distance. Contrast was slightly adjusted and the morphological pattern of supra and infraumbilical linea nigra in the proximity of the umbilical scar was characterized. The images were independently analyzed by two researchers and only the matching results from both observers were used.

Results:

Of the 157 observed cases, 139 (88.5%) images provided concordant results between the two researchers. Excluding 41 cases of absence or poor definition of the linea nigra, 98 images were analyzed. Supra- and infraumbilical linea nigra were analyzed separately and classified according to three directions (left, center and right of the umbilical scar). The combination of the supra- and infraumbilical images resulted in the formation of nine distinct patterns, being the most prevalent, in primiparous (72.2%) and multiparous women (50.0%), and the authors named as “anticlockwise spiralization of the linea nigra”.

Conclusion:

The analysis of supra- and infraumbilical linea nigra in puerperal women showed a predominance of what the authors named “anti-clockwise spiralization of the linea nigra sign”.

Keywords:
Linea nigra ; Hyperpigmentation/diagnosis; Skin/pathology; Skin pigmentation; Physiological changes in pregnancy

INTRODUÇÃO

A prática clínica é uma fonte importante de geração de conhecimento, por propiciar fonte inesgotável de observação dos fenômenos fisiológicos, bem como alterações em situações patológicas. Após 35 anos de prática profissional, o autor principal deste artigo constatou algo que poderia ser um padrão repetitivo da linea nigra, a formação de um espiralamento no sentido anti-horário em torno da cicatriz umbilical. Uma observação independente e semelhante foi reportada por outro autor, há mais de duas décadas, mas as conclusões foram diferentes dos achados deste estudo.(11. Beischer NA, Wein P. Linea alba pigmentation and umbilical deviation in nulliparous pregnancy: the ligamentum teres sign. Obstet Gynecol. 1996; 87(2):254-6.)

A hiperpigmentação é a alteração cutânea fisiológica mais comum na gestação e mais frequente em mulheres de pele mais escura.(22. Mandelbaum SH. Dermatologia na gestante. In: Cuce LC, Neto FC, editors. Manual de dermatologia. 2a ed. São Paulo: Atheneu; 2001. p. 549-53.,33. Elling SV, Powell FC. Physiological changes in the skin during pregnancy. Clin Dermatol. 1997;15(1):35-43. Review.) Caracteriza-se pelo escurecimento de áreas já pigmentadas (aréolas, genitais, axilas, região periumbilical e face interna das coxas), melasma e escurecimento da linha alba, que leva à formação de uma faixa linear acastanhada, ao longo da linha média do abdome, denominada linea nigra.(44. Barankin B, Silver SG, Carruthers A. The skin in pregnancy. J Cutan Med Surg. 2002;6(3):236-40. Review.77. Vora RV, Gupta R, Mehta MJ, Chaudhari AH, Pilani AP, Patel N. Pregnancy and skin. J Family Med Prim Care. 2014;3(4):318-24.)

Em geral, a linea nigra localiza-se longitudinalmente entre a sínfise púbica e a cicatriz umbilical, e pode se estender até o processo xifoide, mas há algumas particularidades sobre sua morfologia.(44. Barankin B, Silver SG, Carruthers A. The skin in pregnancy. J Cutan Med Surg. 2002;6(3):236-40. Review.) Há poucos estudos descrevendo em detalhes o padrão da linea nigra em gestantes e puérperas.

Este artigo reporta um estudo observacional da morfologia do padrão supra e infraumbilical da linea nigra na proximidade da cicatriz umbilical em puérperas.

OBJETIVO

Descrever a morfologia da linea nigra supra e infraumbilical em puérperas.

MÉTODOS

O estudo foi realizado no período de setembro de 2017 a abril de 2018 e incluiu 157 puérperas admitidas para o parto no Serviço de Obstetrícia do Hospital Municipal de Vila Santa Catarina, uma maternidade pública da cidade de São Paulo (SP). Após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (número 2.233.215, CAAE: 70691317.2.0000.0071), foi realizada a coleta de dados. As participantes foram abordadas aleatoriamente durante a internação para o parto na enfermaria de obstetrícia, independentemente da presença ou ausência da linea nigra. O estudo foi explicado, e aquelas que concordaram em participar assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido permitindo a captura de imagens. Nenhum critério de exclusão foi aplicado neste momento. O estudo seguiu os princípios estabelecidos na Declaração de Helsinki de 1975, conforme a revisão de 2013.

Dados demográficos (idade e cor da pele reportada) e o número de partos anteriores foram coletados dos registros hospitalares. O abdome das puérperas foi fotografado pelo mesmo observador no primeiro ou segundo dia pós-parto, na enfermaria de obstetrícia do hospital. As fotos foram obtidas com as pacientes deitadas simetricamente, em decúbito dorsal, com uma câmera Sony Exmor RS 12 MP (1,22μm) com retroiluminação, abertura f/2.2, a cerca de 30cm do abdome da paciente. As fotografias foram tiradas perpendicularmente ao abdome das pacientes, permitindo a visualização equidistante das linhas supra e infraumbilicais e a análise de ambas em relação à cicatriz umbilical. Depois, o contraste foi ligeiramente ajustado para permitir uma melhor caracterização do padrão morfológico da linea nigra supra e infraumbilical na proximidade da cicatriz umbilical. As imagens foram analisadas independentemente por dois pesquisadores, e foram utilizados apenas os resultados congruentes nas avaliações individuais.

As linea nigra supra e infraumbilical foram analisadas separadamente e classificadas de acordo com três direções, conforme mostrado na figura 1.

Figura 1
Direção da linea nigra em relação à cicatriz umbilical

As linhas supra e infraumbilical foram classificadas em relação à cicatriz umbilical (à esquerda, ao centro ou à direita da cicatriz umbilical), e suas combinações apresentaram nove padrões figurativos (Figura 2).

Figura 2
Classificação da combinação das linea nigra supra- e infraumbilical

RESULTADOS

Dos 157 casos observados, 139 (88,5%) imagens apresentaram resultados concordantes entre os dois pesquisadores.

Das 139 imagens selecionadas, 41 (29,5%) apresentaram ausência ou má definição da linha; destas, 37 eram linhas supraumbilicais, 17 infraumbilicais e 13 ambas. A frequência mais alta de imagens supraumbilicais com má definição da linha decorreu da presença de cicatrizes de piercing (27 casos; 72,9%). Após a exclusão dessas pacientes, restaram 98 imagens de boa qualidade para avaliação da direção da linea nigra.

A idade da população do estudo variou de 14 a 45 anos, com média de 26,9 anos. O estudo incluiu 36 mulheres na primeira gestação (primíparas; 36,7%), 58 com gestações anteriores (multíparas; 59,2%) e quatro sem informações de paridade disponíveis (4,1%) (Tabela 1).

Tabela 1
Dados demográficos da população do estudo

Dentre as 94 puérperas com informações de paridade, as direções predominantes (que, combinadas, geraram o padrão I) foram D-3 para a linha supra (73,4%) e D-1 para a linha infra (72,3%), que foram mais prevalentes em primíparas (Tabela 2).

Tabela 2
Direção da linea nigra supra- e infraumbilical de acordo com a paridade

A combinação das imagens supra e infraumbilicais resultaram na formação de nove padrões distintos (Tabela 3, Figura 2). O padrão I, denominado “espiralamento anti-horário da linea nigra” (Figura 3), foi o mais prevalente em primíparas (26; 72,2%) e em multíparas (29; 50,0%).

Tabela 3
Distribuição das combinações das linea nigra supra e infraumbilical, de acordo com a paridade e o padrão
Figura 3
O sinal do espiralamento anti-horário da linea nigra

DISCUSSÃO

Embora o objeto deste artigo seja intrigante, não há muitas publicações acadêmicas que o corroborem. Além da simples descrição da linea nigra, as diferenças de padrões foram descritas pela primeira vez em 1996, em um artigo publicado por Beischer et al.,(11. Beischer NA, Wein P. Linea alba pigmentation and umbilical deviation in nulliparous pregnancy: the ligamentum teres sign. Obstet Gynecol. 1996; 87(2):254-6.) pesquisadores da Austrália. Os autores analisaram apenas a porção infraumbilical da linea nigra e relataram frequência de 13,9% na população estudada. Em nosso estudo, a frequência da linea nigra infraumbilical foi de 87,7%. Essa diferença pode ter relação com a população dos dois estudos, que é diversa em termos de etnia e paridade, e o fato de nosso estudo ter sido realizado em puérperas e com base na captura de imagens. Outro estudo realizado em quatro Unidades Básicas de Saúde, na cidade de São Paulo, em 2008, com 123 gestantes, relatou a presença da linea nigra em 37,3% das pacientes, sem distinção entre as porções supra e infraumbilical.(88. Urasaki MB. Alterações fisiológicas da pele percebidas por gestantes assistidas em serviços públicos de saúde. Acta Paul Enferm. 2010;23(4):519-25.)

Nosso estudo, no entanto, foi conduzido em puérperas. Essa escolha baseou-se na hipótese de que, após o parto e a consequente diminuição da distensão abdominal, haveria maior concentração de pigmentos cutâneos, facilitando a identificação da presença e da morfologia da linea nigra.

De acordo com Beischer et al.,(11. Beischer NA, Wein P. Linea alba pigmentation and umbilical deviation in nulliparous pregnancy: the ligamentum teres sign. Obstet Gynecol. 1996; 87(2):254-6.) 70% das mulheres com linea nigra apresentavam desvio dessa linha para a direita, além de deslocamento da cicatriz umbilical. Esse fenômeno foi atribuído ao estiramento dos ligamentos redondo e falciforme, devido ao aumento do volume abdominal durante a gestação. Os autores estudaram somente primíparas próximo ao termo (>37 semanas) e analisaram os abdomes com as mulheres deitadas em decúbito dorsal, do ponto de vista podocefálico, o que não proporcionou visibilidade adequada da porção supraumbilical da linea nigra. Além disso, os autores analisaram a linea nigra e a cicatriz umbilical em relação apenas à linha média abdominal da gestante. Nossa análise baseou-se em fotografias realizadas perpendicularmente ao abdome das pacientes, o que permitiu a visualização equidistante das linhas supra e infraumbilicais, e a análise de ambas em relação à cicatriz umbilical. Com esse método, evitamos vieses como, por exemplo, efeitos de paralaxe, que podem ter prejudicado a análise de Beischer et al.(11. Beischer NA, Wein P. Linea alba pigmentation and umbilical deviation in nulliparous pregnancy: the ligamentum teres sign. Obstet Gynecol. 1996; 87(2):254-6.)

Muito importante também, todas as imagens foram analisadas separadamente por dois pesquisadores, e usamos somente aquelas cuja direção de rotação foi concordante entre os dois observadores. Dessa forma, minimizou-se o viés associado à subjetividade dependente do observador.

Beischer et al.,(11. Beischer NA, Wein P. Linea alba pigmentation and umbilical deviation in nulliparous pregnancy: the ligamentum teres sign. Obstet Gynecol. 1996; 87(2):254-6.) analisaram apenas primíparas, pois acreditavam que gestações anteriores poderiam causar flacidez abdominal, um possível fator de confusão dos resultados. De fato, observamos uma maior dispersão dos padrões em multíparas (50,0% do padrão I) do que em primíparas (72,2% do padrão I), possivelmente devido a um efeito de “borramento” da linea nigra após múltiplas gestações. No entanto, outras causas, como obesidade e presença de estrias (que também resultam da multiparidade) devem ser consideradas.

Os autores sugerem que a maior ocorrência do padrão I, denominado “espiralamento da linea nigra”, pode ser explicado pela rotação anti-horária de 270° do mesentério,(99. Soffers JH, Hikspoors JP, Mekonen HK, Koehler SE, Lamers WH. The growth pattern of the human intestine and its mesentery. BMC Dev Biol. 2015;15:31.) que ocorre durante o retorno da onfalocele fisiológica à cavidade abdominal, próximo à 10ª semana de vida embrionária.(1010. Kim WK, Kim H, Ahn DH, Kim MH, Park HW. Timetable for intestinal rotation in staged human embryos and fetuses. Birth Defects Res A Clin Mol Teratol. 2003;67(11):941-5.)

CONCLUSÃO

A análise das linea nigra supra e infraumbilical em puérperas mostrou predominância do que os autores denominaram “sinal do espiralamento anti-horário da linea nigra”.

AGRADECIMENTOS

A Leo Klotzel Reali, pelo auxílio no tratamento das imagens.

REFERENCES

  • 1
    Beischer NA, Wein P. Linea alba pigmentation and umbilical deviation in nulliparous pregnancy: the ligamentum teres sign. Obstet Gynecol. 1996; 87(2):254-6.
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    Mandelbaum SH. Dermatologia na gestante. In: Cuce LC, Neto FC, editors. Manual de dermatologia. 2a ed. São Paulo: Atheneu; 2001. p. 549-53.
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    Elling SV, Powell FC. Physiological changes in the skin during pregnancy. Clin Dermatol. 1997;15(1):35-43. Review.
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    Soffers JH, Hikspoors JP, Mekonen HK, Koehler SE, Lamers WH. The growth pattern of the human intestine and its mesentery. BMC Dev Biol. 2015;15:31.
  • 10
    Kim WK, Kim H, Ahn DH, Kim MH, Park HW. Timetable for intestinal rotation in staged human embryos and fetuses. Birth Defects Res A Clin Mol Teratol. 2003;67(11):941-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2019
  • Aceito
    04 Mar 2020
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