Resumos
A concepção de meio ambiente tem uma relação direta com as práticas pedagógicas que serão elaboradas e a situação ambiental que vivenciamos hoje é imperativa no sentido de exigir que soluções sejam condizentes com a realidade. Nesse sentido, o sujeito ecológico tem seu alicerce embasado na corrente crítica de EA (Educação Ambiental), que concebe o meio ambiente em sua totalidade, considerando as complexas e conflituosas interfaces que permeiam a relação homem e natureza. Dessa forma, nos preocupamos nesta pesquisa em verificar quais são as concepções de meio ambiente dos educadores ambientais do Zoológico de Goiânia, verificar como isso é traduzido nas atividades e, por fim, verificar as contribuições desse espaço não formal de educação na formação do sujeito ecológico. Notou-se que as atividades do Zoológico de Goiânia estão alicerçadas em uma perspectiva naturalista e conservacionista, que compreendem o meio ambiente como natureza e como recurso. Assim, foram encontradas práticas simplistas e que reforçam a necessidade de adquirir comportamentos ditos ecologicamente corretos, bem como reconstruir uma ligação com a natureza, sem, contudo, contribuir com a formação do sujeito ecológico. Dessa forma, o zoológico como um espaço não formal de educação, não cumpre seu papel educativo, seu compromisso com a formação do cidadão crítico, ciente dos seus direitos e deveres sociais, capaz de intervir nas discussões sobre as questões ambientais em prol de uma sociedade mais justa e ambientalmente sustentável.
educação ambiental; sujeito ecológico; espaço não formal; zoológico
The concept of environment has a direct relationship to the pedagogical practices that are developed and applied and the current environmental setting which is imperative, as it requires solutions that must be consistent with reality. Thus, the ecological subject has its foundation based on the critical current of EE (Environmental Education), which regards the environment as a whole, considering the complex and conflicting interfaces that permeate the relationship between humans and nature. Thereby, we propose in this study to investigate what is the concept of environment held by the environmental educators at the Zoo in Goiânia. We intend to verify how this is translated into pedagogical activities and, finally, analyze the contributions of this informal education setting to the formation of the ecological subject. It was noticed that didactic activities at the Zoo in Goiânia are based on a naturalist and conservationist perspective, which regards the environment as nature and resource. Moreover, we found simplistic practices that, although reinforcing the need of the subject to acquire behaviors considered in agreement with environmentally friendly practices, as well as the need to rebuild a connection with nature, they do not contribute to the critical formation of the ecological subject. This way, the zoo, as an informal educational setting, does not fulfill its educative role, nor its commitment to aid the development of critical-thinking citizens, aware of his or her rights and social duties, and capable to intervene on environmental issues, in pursuit of a juster and environmentally sustainable society.
environmental education; ecological subject; non-formal space; zoo
ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA
Fabíola Simões Rodrigues da FonsecaI; Leandro Gonçalves OliveiraII
IMestre em Educação em Ciências e Matemática. Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil. E-mail: fabiologa@gmail.com.
IIDoutor em Ciências (Zoologia). Professor Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PQ CNPQ). Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil. E-mail: lego@icb.ufg.br
RESUMO
A concepção de meio ambiente tem uma relação direta com as práticas pedagógicas que serão elaboradas e a situação ambiental que vivenciamos hoje é imperativa no sentido de exigir que soluções sejam condizentes com a realidade. Nesse sentido, o sujeito ecológico tem seu alicerce embasado na corrente crítica de EA (Educação Ambiental), que concebe o meio ambiente em sua totalidade, considerando as complexas e conflituosas interfaces que permeiam a relação homem e natureza. Dessa forma, nos preocupamos nesta pesquisa em verificar quais são as concepções de meio ambiente dos educadores ambientais do Zoológico de Goiânia, verificar como isso é traduzido nas atividades e, por fim, verificar as contribuições desse espaço não formal de educação na formação do sujeito ecológico. Notou-se que as atividades do Zoológico de Goiânia estão alicerçadas em uma perspectiva naturalista e conservacionista, que compreendem o meio ambiente como natureza e como recurso. Assim, foram encontradas práticas simplistas e que reforçam a necessidade de adquirir comportamentos ditos ecologicamente corretos, bem como reconstruir uma ligação com a natureza, sem, contudo, contribuir com a formação do sujeito ecológico. Dessa forma, o zoológico como um espaço não formal de educação, não cumpre seu papel educativo, seu compromisso com a formação do cidadão crítico, ciente dos seus direitos e deveres sociais, capaz de intervir nas discussões sobre as questões ambientais em prol de uma sociedade mais justa e ambientalmente sustentável.
Palavras-chave: educação ambiental; sujeito ecológico; espaço não formal; zoológico.
ABSTRACT
The concept of environment has a direct relationship to the pedagogical practices that are developed and applied and the current environmental setting which is imperative, as it requires solutions that must be consistent with reality. Thus, the ecological subject has its foundation based on the critical current of EE (Environmental Education), which regards the environment as a whole, considering the complex and conflicting interfaces that permeate the relationship between humans and nature. Thereby, we propose in this study to investigate what is the concept of environment held by the environmental educators at the Zoo in Goiânia. We intend to verify how this is translated into pedagogical activities and, finally, analyze the contributions of this informal education setting to the formation of the ecological subject. It was noticed that didactic activities at the Zoo in Goiânia are based on a naturalist and conservationist perspective, which regards the environment as nature and resource. Moreover, we found simplistic practices that, although reinforcing the need of the subject to acquire behaviors considered in agreement with environmentally friendly practices, as well as the need to rebuild a connection with nature, they do not contribute to the critical formation of the ecological subject. This way, the zoo, as an informal educational setting, does not fulfill its educative role, nor its commitment to aid the development of critical-thinking citizens, aware of his or her rights and social duties, and capable to intervene on environmental issues, in pursuit of a juster and environmentally sustainable society.
Keywords: environmental education; ecological subject; non-formal space; zoo.
O surgimento do sujeito ecológico
Falar da trajetória da Educação Ambiental (EA) no Brasil é voltar o olhar para os movimentos sociais e ambientalistas, iniciados na década de 1970. Na época, estava instaurada a ditadura no país, período histórico em que movimentos estudantis e sindicais foram fortemente combatidos. Observando esse cenário nacional, Loureiro (2006) afirma que o debate ambientalista no Brasil foi impulsionado muito mais pelas pressões internacionais do que pelas forças dos movimentos ambientalistas nacionais.
Hobsbawn (1995) descreve o cenário internacional no período pós II Guerra Mundial (1945-1990) marcado pela intensificação do processo de industrialização, iniciado no século XIX, e crescente em todas as partes do mundo, inclusive nos países subdesenvolvidos. Como consequência, ocorre o abarrotamento das cidades, pessoas vivendo em precárias condições de vida, aumento da poluição e da deterioração ambiental. A situação tornou-se uma preocupação das autoridades internacionais, o que acabou contribuindo para que, em 1972, em Estocolmo, acontecesse a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano.
Gonçalves (2006) destaca que os movimentos sociais e ambientalistas tem um traço em comum, que é o de emergir a partir de determinadas condições sociais de existência que lhes dão substância, pois, embora semelhantes neste ponto, o movimento ambientalista vai mais a fundo na ideia e na prática de questionar as condições de vida presente, característica que talvez nenhum outro movimento social tenha chegado próximo. E assim se consolidou o movimento ambientalista, ora questionando a poluição da água, do ar, o uso de agrotóxicos, a extinção das espécies, ora a urbanização desenfreada, o crescimento demográfico. Foi no seio desses movimentos sociais e ambientalistas que emergiu a EA.
No Brasil, a partir da década de 1980, final da ditadura e, portanto, período em que o país atravessou um momento de redemocratização, é que a EA inicia a substituição do seu caráter incipiente para começar a se configurar como campo de pesquisa. Porém, é importante ressaltar que ainda nessa época,
[...] falar em ambiente era pensar na preservação do patrimônio natural, em um assunto técnico voltado para a resolução dos problemas ambientais identificados e em algo que impedia o desenvolvimento do país. Nesse contexto, a Educação Ambiental se inseriu nos setores governamentais e científicos vinculados à conservação de bens naturais, com forte sentido comportamentalista, tecnicista e voltada para o ensino da ecologia e para a resolução de problemas. (LOUREIRO, 2006, p. 80)
Ainda assim, a EA seguiu uma trajetória ascendente e vem conquistando espaço no cenário nacional acadêmico e político. González-Gaudiano e Lorenzetti (2009) destacam alguns fatores que contribuíram para impulsionar a EA, tais como: a institucionalização da Política Nacional de Educação Ambiental (Lei n° 9.795, de 27 de abril de 1999), o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais-PCN (1997), a organização dos pesquisadores em coletivos, promoção de grupos de pesquisa, realização de intercâmbio entre Universidades e, por fim, uma parceria entre Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Ministério da Educação (MEC), através da Diretoria de Educação Ambiental que possibilitou um trabalho articulado com as premissas da corrente crítica da EA. Apesar da configuração como campo de pesquisa que contribuiu para a consolidação e reconhecimento da EA na sociedade, Floriani (2003) afirma que ainda hoje não é possível traçar um perfil epistemológico da EA.
É notório que adentrar no campo de pesquisa da EA implica em uma preocupação comum referente tanto à educação, como à questão ambiental. Embora esse seja o ponto de partida das pesquisas e atividades em EA. Vários caminhos podem ser tomados e, consequentemente, vários pontos de chegada podem ser alcançados. Sauvé (2005) utiliza a ideia de correntes de EA para descrever as várias formas de trilhar esses caminhos.
A concepção de correntes será utilizada conforme definido por Sauvé (2005) como "maneira geral de conceber e praticar a Educação Ambiental". Nesse contexto, a autora esclarece que, embora as correntes tenham características que as distinguem entre si, não são mutuamente excludentes, pois podem compartilhar características em comum, sem, contudo, perder sua identidade.
Na cartografia de EA elaborada por Sauvé (2005) são definidas 15 diferentes correntes. Aqui, destacaremos três delas: naturalista e conservacionista, correntes mais antigas (1970) e que, ainda hoje, tem suas concepções muito presentes nas atividades de EA; e a crítica, corrente recente que vem conquistando espaço nesse campo de pesquisa, por unificar conceitos que possibilitam uma leitura mais abrangente de meio ambiente e por estar mais próxima com o compromisso da educação.
As estratégias marcadas pela corrente naturalista têm como característica uma EA centrada na relação com a natureza, na qual o aprender e conviver com a natureza tem lugar de destaque nas atividades. Já na corrente conservacionista, as atividades têm em seu escopo um guia de comportamentos objetivando a conservação da natureza (SAUVÉ, 2005).
A corrente crítica da Educação Ambiental tem se destacado bastante por considerar pressupostos de fundamental importância na formação do sujeito como cidadão, ciente de seus direitos e deveres dentro da sociedade. Diversos pesquisadores corroboram com as vertentes presentes na EA crítica, entre eles Loureiro (2005) que contribui com a discussão ao falar em teoria crítica na área da Educação Ambiental, que "deve-se compreender que nenhum fenômeno pode ser entendido nele mesmo, mas sim nas relações que formam sua totalidade complexa"; e Carvalho (2008), que defende como principal objetivo da EA crítica, a formação do "sujeito ecológico".
Carvalho (2005a) enuncia que o sujeito ecológico deve ser pensado como um tipo ideal que possui uma identidade em construção, capaz de traduzir os ideais das relações sociais que giram em torno da questão ambiental. Dessa forma, seria um sujeito com condições de compreender sua experiência, ao mesmo tempo, como intérprete do seu campo e interpretado pela narrativa ambiental. A autorreflexão torna-se então condição fundamental, e os sujeitos e suas relações com o meio ambiente vão se constituindo mutuamente, em um processo que envolve a dialética para alcançar a compreensão/interpretação.
A proposta do sujeito ecológico
[...] é um ideal de ser que condensa a utopia de uma existência ecológica plena, o que também implica uma sociedade plenamente ecológica. O ideal de ser e viver em um mundo ecológico se vai constituindo como um parâmetro orientador das decisões e escolhas de vida que os ecologistas, os educadores ambientais e as pessoas que aderem a esses ideais vão assumindo e incorporando, buscando experimentar em suas vidas cotidianas essas atitudes e comportamentos ecologicamente orientados (CARVALHO, 2008, p. 65).
Concepções de meio ambiente e o paradigma científico moderno
Cada corrente de EA possui uma forma de conceber o meio ambiente. Reigota (2002) considera como uma representação social de meio ambiente essa forma de pensar e concebê-lo e, vai além, dizendo que essas concepções têm influência direta nas práticas pedagógicas dos educadores. Assim sendo, as características das atividades são reflexos daquilo que se compreende como sendo meio ambiente.
Ao considerar a corrente naturalista, a concepção de meio ambiente está atrelada ao conceito de natureza, principalmente à flora e fauna. Por consequência, as práticas apontam para uma reconstrução da relação do homem com a natureza, por exemplo: andar descalço para sentir a terra nos pés, aprender a plantar mudas, tocar árvores, sentir cheiros, entre outros. Já na corrente conservacionista, o meio ambiente é concebido como um recurso e que, portanto, deve ser preservado. Assim sendo, as atividades objetivam a adoção de comportamentos de conservação e de habilidades para a gestão ambiental, exemplificadas pela clássica atividade dos 3R's (Reciclar, Reduzir e Reutilizar).
A junção das características das correntes naturalista e conservacionista pode ser traduzida em atividades que apontam para uma tendência afetiva, comportamentalista e tecnicista, voltadas tanto para o cuidado com a natureza, como para a resolução de problemas ambientais, ambos apresentados considerando apenas os aspectos naturalísticos. Assim, as atividades marcam um forte tom de denúncia, porém sem se preocupar com as interfaces (culturais, sociais, econômicas, políticas etc.) que permeiam a relação entre o homem e a natureza.
Tendo como aporte teórico a vertente crítica, o meio ambiente pode ser definido como
[...] o lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Essas relações implicam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do meio natural em construído (REIGOTA, 2002, p. 14).
Conceber meio ambiente em uma perspectiva crítica é ir além de uma leitura biologizante e reducionista, em busca de entender as complexas inter--relações e conflitos de interesses que envolvem a sociedade e natureza, e que resultam na atual crise ambiental vivenciada.
Sobre a crise ambiental, Guimarães (2007) nos diz que já é um consenso mundial, tanto é que está presente nas pautas de grandes debates e negociações internacionais. Além disso, concordamos com esse autor quando ele afirma que se trata de uma crise civilizatória de um modelo de sociedade e seu modo de produção.
Aliada ao modelo de produção capitalista, que visa à produção em larga escala e o lucro, a ciência moderna também contribui para a manutenção da crise ambiental na medida em que seus pressupostos são utilizados sem uma reflexão crítica. Entender o paradigma científico moderno (CARVALHO, 2008) faz-se necessário, pois o legado da racionalidade científica consolidada no século XVIII tem, até hoje, consequências para a EA.
Sobre a história da ciência, Chassot (2004) ressalta que o início do século XVI foi marcado por grandes mudanças no cenário europeu, época em que a ciência começa a angariar espaço como campo de conhecimento. Aqui merecem destaque Francis Bacon (1561-1626) e seu método científico, René Descartes (1596-1650) e o pensamento cartesiano e, por fim, Isaac Newton (1642-1727) que consolidou a racionalidade ao afirmar que somente poderia ser considerado como conhecimento aquilo que era passível de ser traduzido em números: apenas assim era possível alcançar a Verdade. Japiassu (1991) ressalta que nos séculos XVI a XVIII, a busca pela Verdade científica tinha um grande poder crítico, uma vez que se opunha ao pensamento dominante da época e à ideologia que o mantinha.
Ao se apoderar da racionalidade consolidada na física newtoniana, a EA promove então a separação entre natureza/sociedade e natureza/cultura e que tem grandes consequências, pois não permitem uma leitura ambiental complexa, que indique e responda aos novos problemas advindos da crise ecológica (CARVALHO, 2008).
[...] a racionalidade moderna separou rigorosamente o sujeito cognoscitivo e o objeto do conhecimento e afirmou-se como capacidade de abstrair as qualidades de seu objeto e fazer uma descrição matemática do mundo real. Para tanto, o encontro do humano com o mundo deve ser "purificado" ou ainda "desencantado". Isto é, a compreensão do mundo teve que se isentar das paixões, dos afetos, de todo e qualquer tipo de "contaminação" por sensibilidades, sentidos, propriedades anímicas, cosmológicas e modos de experienciar o real não correspondente ao modelo da razão (CARVALHO, 2008, p. 115).
Dessa forma, a racionalidade causou um distanciamento entre o sujeito/ objeto, explicitando a dissociação entre homem e natureza. O objetivo era então dominar a natureza, colocando-a a seu dispor, postura essa que também implica em uma visão de mundo e de um sentimento de dominação existente nas relações sociais e nas comunidades internacionais. Por fim, Guimarães (2005) acrescenta que essa dominação beneficia uma pequena parcela social, faz parte da sociedade que tem como modelo de crescimento econômico a extração ilimitada de recursos naturais, renováveis ou não, a acumulação de capitais, a produção ampla e em larga escala.
Educação Ambiental em espaços não formais: o Zoológico de Goiânia como locus da pesquisa
Por espaços não formais, devem-se entender aqueles diferentes da escola, em que a educação acontece de maneira menos hierárquica, menos burocrática e sem que exista um sistema sequencial (GADOTTI, 2005), como museus, centros de ciências, jardins botânicos, zoológicos, entre outros.
Sobre a educação não formal enuncia-se que
[...] designa um processo com várias dimensões, tais como: a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacidade dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do que se passa ao seu redor [... ] (GOHN, 2009, p. 31).
A crescente utilização de práticas de EA em espaços não formais é comum no Brasil (MAGNANI; SILVA, 2008). A procura por parte das escolas tem crescido bastante e, consequentemente, tais locais vêm tentando se adequar às novas necessidades de atendimento a esse público.
As pesquisas sobre EA nos zoológicos brasileiros têm início por volta de 1974 e, a partir de 1982, vários programas educativos foram implantados nesses espaços não formais (AURICCHIO, 1999). Apesar disso, Vasconcellos et al. (2009) revelam que apenas 2% da produção científica de EA realizadas no Brasil são realizadas em espaços não formais.
No Zoológico de Goiânia, locus deste trabalho, até então não existia nenhuma pesquisa científica sobre as práticas de EA oferecidas. Portanto, o objetivo desta pesquisa é verificar como as concepções de meio ambiente dos educadores ambientais do Zoológico de Goiânia influenciam na elaboração das atividades, bem como analisar as contribuições destas para a formação do sujeito ecológico.
Procedimentos metodológicos
A presente pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso, uma vez que este método é utilizado para contribuir com o entendimento dos fenômenos individuais, grupais, sociais, organizacionais, políticos e relacionados (YIN, 2010). Além disso, e ainda de acordo com Yin (2010), trata-se de um estudo no qual as questões "como" e "por que" são propostas, combinadas com o fato de o investigador ter pouco controle sobre o fenômeno contemporâneo a ser desvelado.
A metodologia da pesquisa (Quadro 1), em constante diálogo com o método assumido por nós, pesquisadores, contempla a construção dos dados através da realização de entrevistas semiestruturadas, realizadas em junho/2009, com os dois educadores ambientais responsáveis pela elaboração e execução das atividades de EA no Zoológico de Goiânia e, posteriormente, pela análise textual discursiva.
A elaboração da entrevista semiestruturada seguiu a descrição feita por Marconi e Lakatos (2003), de possuir um roteiro com perguntas previamente estabelecidas, porém não engessado, podendo surgir outras perguntas durante a entrevista. Isso significa dizer que a entrevista constituiu um momento em que foi estabelecido um diálogo entre pesquisador e os educadores ambientais do Zoológico de Goiânia, com o intuito de sanar dúvidas e questionamentos em direção a conhecer melhor os aspectos da EA realizada no local.
Para tanto, os dados das entrevistas foram analisados pelo modelo proposto por Moraes e Galiazzi (2007), intitulado "Análise Textual Discursiva", que consiste em desconstruir um texto, nomeado de corpus, para a posterior elaboração de um metatexto contendo as interpretações dos fenômenos em questão. Ainda baseado nesses autores, a desconstrução do texto deve ser feita de acordo com o propósito da pesquisa, formando as unidades categóricas que devem ser agrupadas segundo suas semelhanças.
Nesse contexto, duas categorias foram construídas para serem analisadas, são elas: a concepção de meio ambiente dos educadores ambientais do Zoológico de Goiânia e o enfoque das atividades por eles elaboradas e executadas.
Resultados e reflexões...
Para analisar as concepções sobre meio ambiente dos educadores ambientais do Zoológico de Goiânia, foram selecionados um trecho de cada entrevista (entrevistado A e B), por serem representativos ao todo das falas dos entrevistados e capazes de traduzir a concepção de meio ambiente dos mesmos.
[...] você primeiro precisa sensibilizar as pessoas para questões ambientais para que elas tenham a preocupação de mudar a situação em que nós vivemos em relação ao Meio Ambiente, à depredação, mas também que tenha também amor à essa natureza, cuidado com essa natureza e a mudança, a gente também trabalha a questão do olhar, de notar, de ter uma visão diferente do meio ambiente, o olhar, é, conforme aquilo que você olha, que você tem, algumas intenções você tem. Tipo assim, eu estou olhando para um rio depende da intenção que tenho com aquele rio, se eu tenho uma intenção boa, de, de tratá-lo bem, é claro que também ele não vai sofrer as agressões, mas depende do seu olhar. Que olhar você tem pra natureza? Que cuidado você tem com a natureza. (ESTREVISTADO A)
Então, isso tudo pra criança perceber a importância do meio ambiente, a importância de conservar, a importância de falar sobre nascentes, sobre desmatamentos, sobre tudo isso, então, ela sai daqui com uma outra visão. [... ] atualmente as crianças estão muito distante da natureza. (ENTREVISTADO B)
Nota-se que na fala dos entrevistados A e B, o meio ambiente é reduzido à compreensão de natureza e de recurso, respectivamente. Dessa forma, fica perceptível que os educadores ambientais do Zoológico de Goiânia corroboram com as características presentes nas correntes de EA naturalista e preservacionista, descritas por Sauvé (2005).
Durante as entrevistas, foi questionado quais seriam as atividades de EA elaboradas e oferecidas pelo Zoológico de Goiânia. É válido ressaltar que, apesar das atividades citadas (Quadro 2), a entrevistada esclareceu que apenas a palestra vinha sendo oferecida pelo Zoológico de Goiânia1 1 Em julho de 2009, o Zoológico de Goiânia foi fechado à visitação pública, por tempo indeterminado, devido a problemas técnicos. , devido às mudanças na legislação municipal e à falta de verba para dar andamento às demais atividades.
Conforme enunciou Sauvé (2005), alicerçada nas correntes naturalista e preservacionista, podemos deduzir que atividades elaboradas terão em seu cerne enfoques sensoriais, experimentais, afetivos, cognitivos e pragmáticos. Ainda conforme essa autora, os objetivos das correntes naturalistas perpassam por uma tentativa de resgatar a ligação com a natureza e, dessa forma, deslocar sua relação com a sociedade para um plano mais afetivo, em que os sujeitos aprendam a amar a natureza e, portanto, respeitá-la. Já a corrente preservacionista, adota uma vertente mais pragmática em que o objetivo principal é adotar comportamentos de conservação, através do desenvolvimento de habilidades.
Logo, é esperado que as atividades elaboradas pelos educadores ambientais do Zoológico de Goiânia não ultrapassem a preocupação de preservar, conservar e cuidar do meio ambiente. É perceptível que os títulos das atividades remetem a uma intenção de reconstruir uma ligação com a natureza e preservação dos recursos ambientais, fato que pode ser evidenciado principalmente pelos títulos "Zoo vai à escola" e "Semear"; as descrições explicitam ainda mais tanto a intenção, como o enfoque das atividades ao falar do plantio de mudas, conhecer o hábito dos animais, "passar" a mão nos animais, o trabalho com questões como coleta seletiva, animais em extinção e água.
Apoiar-se na concepção que o meio ambiente é natureza e recurso é reduzi-lo ao espaço no qual acontecem as relações físicas, químicas e biológicas. Assim, corroboramos com Grün (2007), que tendo como embasamento teórico tais correntes, perde-se a oportunidade de tematizar eticamente a crise ambiental, pois a fragmentação dos componentes presentes no conceito de meio ambiente não nos permite vislumbrá-lo em sua complexidade.
Ao analisarmos descrição das atividades elaboradas pelos educadores ambientais do Zoológico de Goiânia, percebemos que a dissociação entre homem e natureza está presente na elaboração das dinâmicas e é reforçada a cada descrição. Assim, o objetivo está longe de discutir a crise ambiental, suas origens e consequências, pois ao desconsiderar a interface social e os fatores históricos da crise ambiental, ficamos impossibilitados de ir às raízes do problema e, portanto, de mãos atadas perante a situação.
Compreender a crise ambiental dessa maneira simplista, vinculada a um colapso da natureza, implicaria em apostar em soluções que coadunam com essa mesma linha de pensamento, tais como a reciclagem, preservação das nascentes, produção de mudas, entre outros. É dessa forma que as atividades de EA do Zoológico de Goiânia comprometem-se com seus visitantes e com a sociedade.
Obviamente, o caminho a ser seguido em busca de uma leitura da crise ambiental em sua totalidade transcende o plano das correntes naturalista e preservacionista e trata-se certamente de um árduo caminho. Porém, a relação entre sociedade e natureza é impositiva no sentido de exigir que a EA caminhe por uma trajetória que possibilite a superação da concepção que separa homem e natureza. Nesse sentido, é de grande importância a proposta de Guimarães (1995), com a qual corroboramos que ao Educador Ambiental cabe trabalhar intensamente a relação entre o ser humano e o ambiente e se conscientize que o ser humano é natureza e não apenas parte dela.
Corroboramos com a preocupação que Moraes (2009) expõe em seu trabalho, quando ele diz que a maioria dos professores que elaboram atividades de EA entende o meio ambiente como um recurso. O autor indica que uma nova pedagogia nos cursos de formação inicial, principalmente nas licenciaturas, deve ser instituída no sentido de superar a fragmentação do conhecimento.
Carvalho (2008) sugere a necessidade da superação da visão naturalista por uma visão socioambiental, orientada por uma racionalidade complexa e interdisciplinar onde as interações sociais e biológicas acontecem e se modificam de maneira mútua e dinâmica.
Nossas ideias vão ao encontro com as dos pesquisadores que corroboram com a corrente crítica de EA (REIGOTA, 2002; LOUREIRO, 2004; GUIMARÃES, 2005; GONÇALVES, 2006; GRÜN, 2007) e que indicam que práticas simplistas devem ser repensadas, no intuito de ceder lugar àquelas que considerem as complexidades e o conflito de interesses que envolvem e permeiam a relação sociedade e natureza.
Para falar sobre o papel do Zoológico de Goiânia como um espaço não formal de educação, traremos para a discussão uma contribuição de Gadotti (2000), quando ele diz que uma "educação voltada para o futuro será sempre uma educação contestadora, superadora dos limites impostos pelo Estado e pelo mercado, portanto uma educação muito mais voltada para a transformação social do que para a transmissão cultural". (Grifos do autor)
A nosso ver, as atividades de EA pautadas na perspectiva crítica implicam no entendimento do meio ambiente em sua complexidade, condizentes às urgências e peculiaridades da crise ambiental. Deve-se então observar os fatores históricos e culturais que revelam o processo dinâmico da relação entre a sociedade e natureza. Carvalho (2005b) diz que "na perspectiva interpretativa, a Educação Ambiental se posiciona face ao conceito de meio ambiente como realidade passível de diversas leituras".
Pensar em estratégias pedagógicas que superem a transmissão cultural e vão à busca da transformação social exigiria esforços não apenas dos educadores ambientais do Zoológico de Goiânia, mas também dos professores que levam seus alunos para visitarem o local. Faz-se necessário o engajamento nas discussões sobre EA, o estabelecimento do diálogo entre educadores ambientais e professores e de um planejamento adequado das atividades que contemplem a intencionalidade tanto daqueles que visitam, como daqueles que são visitados. Assim, espaço formal e não formal estarão de mãos dadas em busca da superação de práticas ingênuas, acríticas, pontuais e descontextualizadas.
O zoológico é um ambiente que tem um enorme potencial educativo em que existe a possibilidade de entrelaçar a curiosidade ao lúdico, principalmente por ser um espaço diferente da sala de aula. Tozoni-Reis (2006) diz que existe a possibilidade de elaborar diferentes atividades utilizando, dentre outros, os temas geradores que, certamente, seriam de grande importância aos educandos, tanto para o processo educativo como para a construção da descoberta.
Uma visita bem planejada ao zoológico, antecipada e seguida de discussões e questionamentos no âmbito escolar, proporcionaria uma complementaridade entre esses espaços (GUIMARÃES; VASCONCELLOS, 2006), que se diferem por suas peculiaridades, mas que se aproximam pelos seus objetivos. Deste modo, continuando com a proposta desses autores, além de garantir a continuidade do processo educativo, essa aliança entre o formal e o não formal favoreceria a busca da contextualização das atividades que passariam a ter um significado social e histórico para os educandos, possibilitando uma participação eficaz nas discussões em busca de soluções que considerem a complexidade das relações do ambiente ao seu redor.
Na perspectiva atual em que vêm sendo realizadas as atividades de Educação Ambiental no Zoológico de Goiânia não há contribuições para a formação do sujeito ecológico, uma vez que os pressupostos teóricos dos educadores ambientais responsáveis pela elaboração das atividades estão pautados nas correntes naturalista e conservacionista.
Considerações finais
As concepções de meio ambiente têm uma relação direta com as práticas de EA, pois levam e carregam consigo valores imbricados dos pressupostos teóricos em que estão alicerçados. No Zoológico de Goiânia, os educadores ambientais corroboram com a concepção de meio ambiente definida pela corrente naturalista e preservacionista. Desta forma, não existe a possibilidade das atividades de EA do Zoológico de Goiânia contribuir com a formação do sujeito ecológico, embasado na corrente crítica.
Cientes da necessidade de mudanças, acreditamos que apenas pautados em uma perspectiva crítica é que conseguiremos alcançar o entendimento da complexidade das questões ambientais inserido em um contexto histórico, que inclui seus fatores sociais, políticos, culturais e econômicos.
Torna-se então necessário que seja estabelecida uma nova prática pedagógica no Zoológico de Goiânia, contextualizada, crítica e que possibilite a discussão da crise ambiental, considerando o mosaico de especificidades presentes nas relações socioambientais. Desta forma, existe a possibilidade de que as práticas da EA realizadas no zoológico venham contribuir com a emancipação dos atores envolvidos no processo educativo, com a formação do cidadão, consciente do seu papel social ou, em outras palavras, o sujeito ecológico.
Aos educadores ambientais ainda são muitos os obstáculos a serem superados, pois a urgência da crise ambiental traz consigo a necessidade de uma nova postura diante dos fatos que estão postos como realidade objetiva. Apesar das dificuldades, acreditamos que somente alicerçados em uma EA crítica é que poderemos vislumbrar a construção de uma sociedade ambientalmente sustentável e socialmente equilibrada.
Texto recebido em 19 de fevereiro de 2011.
Texto aprovado em 27 de setembro de 2011.
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Concepções de meio ambiente dos educadores ambientais do Zoológico de Goiânia: implicações nas atividades e contribuições para a formação do sujeito ecológico?
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Dez 2011 -
Data do Fascículo
Set 2011
Histórico
-
Recebido
19 Fev 2011 -
Aceito
27 Set 2011