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Formação do docente da educação profissional e tecnológica no Brasil: um diálogo com as faculdades de educação e o curso de Pedagogia

Teacher training for Professional and Technological Education in Brazil: a dialogue with the faculties of education and pedagogy courses

Formation des enseignants de l'enseignement professionnel et technologique au Brésil: un dialogue avec les facultés d'éducation et le cursus de pédagogie

Resumos

Com a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), uma nova institucionalidade para a educação profissional e tecnológica (EPT) está sendo construída. Torna-se imprescindível trazer para o centro do debate a necessidade de novas políticas públicas de formação para o docente de EPT. As faculdades de educação e o curso de Pedagogia não podem ficar ausentes desse processo. Iniciando o diálogo que propomos, discutimos o tema em questão e analisamos dados de levantamento realizado em conjunto com os alunos do Mestrado em Educação, da Universidade de Brasília, sobre o perfil de formação dos professores da rede federal de EPT.

Educação profissional e tecnológica; Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia; Política de formação docente em EPT; Faculdades de educação; Curso de Pedagogia


With the creation of the Federal Institutes of Education, Science and Technology, a new institutional framework for professional and technological education (PTE) is being built. It is essential to bring to the heart of the debate, the importance of creating new public policies for teacher training courses aimed at professionals working in these institutes. In addition, Faculties of Education and Pedagogy courses must take part in the process. Starting the dialogue that we propose herein, we discuss these questions and analyze the data collected by means of a survey which focused on the teacher training structure or profile for teaching professionals working in federal professional and technological education institutes. The participants of the survey were attending the Master in Education program from the University of Brasilia.

Professional and technological education; Federal Institutes of Education, Science and Technology; Teacher training policies in PTEs; Faculty of Education; Pedagogy course


Avec la création des Instituts Fédéraux d'Education, Science et Technologie (IF), un nouveau cadre institutionnel pour l'éducation professionnelle et technologique (EPT) est en construction. Il est essentiel d'apporter au centre des débats le besoin de nouvelles politiques publiques de formation d'enseignants en EPT. Les facultés d'éducation et le cursus de Pédagogie ne peuvent pas être absents de ce processus. Pour démarrer le dialogue, nous avons discuté le sujet en question et nous avons analysé les données de l'enquête menée en collaboration avec les étudiants du master en éducation de l'Université de Brasília, sur le profil de formation des enseignants du réseau fédéral d'EPT.

Éducation professionnelle et technologique; Institut Fédéral d'Éducation, Science et Technologie; Politique de formation d'enseignants en EPT; Facultés d'éducation; Cursus de Pédagogie


Introdução

O problema da formação do docente para a educação profissional e tecnológica tem suscitado, nos últimos tempos, debates acadêmicos e políticos na área educacional, no entanto ainda não resultaram em posições conclusivas no que se refere ao processo de formação desse professor. Algumas questões têm mobilizado o debate: há especificidades na formação do docente da EPT? Como e onde os professores da EPT adquirem os saberes da docência? Quais são os saberes mobilizados pelos docentes em sua prática profissional? Que modelo(s) de formação responderia(m) adequadamente a essas questões?

Estas e outras perguntas fazem parte de estudos que vimos desenvolvendo no âmbito da linha de pesquisa Políticas Públicas e Gestão da Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília. Também fazem parte da experiência de formação que vem sendo acumulada desde 2006 com o início da oferta de formação, em nível de mestrado, para gestores e para professores da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, por intermédio de parceria entre o PPGE/FE/UnB e a Setec/MEC.

A implementação dessa formação deu-se pela operacionalização do Projeto Gestor 1 1 O Projeto Gestor foi desenvolvido entre 2006 e 2011, tendo ofertado formação, em nível de mestrado, para gestores e para professores da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, por intermédio de parceria entre o PPGE/FE/UnB e a Setec/MEC. , cujos resultados sinalizaram, concretamente, para o modelo de formação ora adotado, um mestrado profissional em políticas públicas e gestão da educação profissional e tecnológica. Das práticas de formação decorrentes tem-se evidenciado um rico laboratório de trocas de saberes e experiências sobre a EPT, entre a UnB e as instituições participantes e destas entre si, revelando ao mesmo tempo, um elenco de problemas a serem investigados. Um deles, ao qual nos dedicamos nesse artigo, refere-se ao perfil de formação dos docentes da educação profissional e tecnológica. Nossa análise pretende exercitar o diálogo entre as instituições envolvidas no processo de formação do profissional da EPT.

No Brasil, conforme determina a Lei nº 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a formação do docente do ensino propedêutico - cujo fundamento é generalista, compreensivo das bases do conhecimento humano - é realizada por meio de cursos de licenciatura nas instituições de educação superior (IES), universidades, centros universitários e faculdades isoladas. Os docentes da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental são formados no curso de Pedagogia, pilar das faculdades de educação. Os futuros docentes das séries finais do ensino fundamental e do ensino médio, após realizarem os estudos específicos do seu campo disciplinar, por exigência curricular, buscam os saberes da docência ou formação técnico-pedagógica no curso de Pedagogia, ou mais exatamente, em seu currículo, em disciplinas-chave deste curso. Duas contradições emergem dessa prática acadêmico-política e precisam ser explicitadas.

A primeira está relacionada ao fato da formação técnico-pedagógica nos cursos de licenciatura ser obrigatória na modalidade propedêutica e de ser apenas recomendada na educação profissional e tecnológica, ou seja, os estudos propedêuticos requerem professores com formação teórica e metodológica consistente, fundada em conhecimentos gerais e compreensivos, críticos da realidade, portanto pedagogicamente preparados para a sua condução; enquanto que os estudos profissionais e tecnológicos dispensam os saberes da docência.

Constituir-se-iam essas especificidades acima em mais uma forma de reforçar o dualismo educacional que caracterizou as políticas públicas do setor educação no Brasil e que separava de um lado, a formação daqueles que deveriam prosseguir os estudos em nível superior, "as elites condutoras" e de outro, aqueles que deveriam se inserir rapidamente no mercado de trabalho, "os desvalidos da sorte", atribuindo a estes uma condição de inferioridade em relação àqueles, devido à sua condição de classe? Ou seria um modo específico de separação entre a educação e o trabalho, atribuindo às universidades ou ao ensino propedêutico a supremacia do desenvolvimento teórico-compreensivo, a crítica das realidades e às escolas profissionais, o legado da prática, o pragmatismo, convertendo a formação para o trabalho em uma profissionalização estreita? Em pleno século XXI estaria o Brasil reeditando ou reinventando políticas educacionais dualistas?

A segunda contradição aponta para o fato de que, embora no currículo da licenciatura em Pedagogia, nas faculdades de educação localizem-se as disciplinas científicas responsáveis pelos conhecimentos pedagógicos da formação docente - o que equivale dizer, ser a faculdade de educação locus complementar da formação docente em diversos campos científicos -, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, está ausente de sua concepção e base curricular a educação profissional e tecnológica.

O foco de atuação do curso de Pedagogia na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental parece explicar, de algum modo, as impressões que os professores de EPT têm quando procuram espontaneamente esse curso, para complementarem sua formação pedagógica.

Em seu artigo sobre A formação do professor para a educação profissional de nível médio: tensões e (in)tenções, Oliveira Jr. (2008), discute as implicações da formação pedagógica (ou da ausência dela) no trabalho do professor de educação profissional de nível médio.

Dialogando com Schön (2000SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo. Porto Alegre: Artmed. 2000.) e outros pesquisadores que defendem que a formação do professor se dá pela vivência no trabalho docente cotidiano e pela reflexão do próprio docente sobre essa prática, Oliveira Jr. (2008) enfatiza a necessidade da formação pedagógica, na formação inicial, argumentando que sem a realização de estudos pedagógicos na graduação, a capacidade de refletir sobre a própria prática fica prejudicada no docente do ensino técnico.

Oliveira Jr. (2008, p. 8) constata que alguns professores de disciplinas técnicas buscam espontaneamente os cursos de licenciatura em Pedagogia,

[...] mas acabam se frustrando, pois, nesses cursos, via de regra, os conteúdos estão restritos ao domínio da formação de professores para o ensino fundamental. Em geral, nem uma linha é escrita, nenhum exemplo é dado, no campo da educação profissional.

Corroboramos a constatação de Oliveira Jr. (2008) quanto à ausência de disciplinas ou componentes curriculares do campo da educação profissional no currículo dos cursos de Pedagogia e, especificamente, no Projeto Acadêmico do Curso de Pedagogia FE/UnB. Constatamos, também, a carência de estudos e pesquisas sobre a epistemologia da EPT e, por consequência, sobre uma pedagogia das disciplinas técnicas.

Esse modelo de formação pedagógica que ignora a especificidade dos campos da docência pode responder adequadamente às demandas de formação do professor da EPT?

Tardif (2002TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 115) afirma que "[...] noções tão vastas como pedagogia, didática, aprendizagem, etc., não têm nenhuma utilidade se não fizermos o esforço de situá-las, isto é, de relacioná-las com as situações concretas do trabalho docente".

Desse modo, alerta que a valorização da abstração por parte da academia contribui para o distanciamento dos docentes de cursos técnico-pedagógicos, dos livros e dos eventos da área da educação. Este é um dos perigos efetivos que ameaçam a pesquisa na área de educação.

Como os docentes-pesquisadores que atuam nos cursos de Pedagogia vem desenvolvendo estudos e práticas sobre a formação de professores para a educação profissional e tecnológica -professores estes que atuarão no ensino médio técnico-profissional e na educação tecnológica superior -, quando seu campo de atuação está focado na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental?

2 Bases para uma discussão da formação do docente de EPT

Tendo em vista o objetivo de contribuir para o debate sobre a formação de professores de EPT, este artigo dialoga com distintos autores brasileiros e estrangeiros - a exemplo de Machado, Moura, Tardif e Schön, entre outros - que fazem parte do debate científico e político sobre o tema na atualidade. Mesmo sem nos aprofundarmos a respeito de suas perspectivas específicas, cabe mencioná-las, posto que reconhecemos suas diferenças.

Ainda que a epistemologia da prática seja objeto das análises desses autores, consideramos importante observar que Tardif e Schön a reconhecem como elemento fundamental na formação do professor, mas segundo concebemos, esta perspectiva da prática se revela insuficiente, por ser dissociada dos fundamentos teóricos, históricos, econômicos etc. que a condicionam.

Defendemos a necessidade de se avançar para uma epistemologia da formação com bases na concepção de práxis, que propicia a articulação dialética entre a prática social e seus fundamentos teóricos, históricos, econômicos etc., capazes não apenas de compreendê-la, mas também de transformá-la. Essa é, aliás, a orientação das propostas que discutimos a seguir.

A Lei nº 11.892, 29/12/2008, que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, e cria os Institutos Federais, os define como instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos, com suas práticas pedagógicas.

Esta complexidade na oferta de educação profissional e tecnológica, abrangendo níveis e modalidades distintos, não veio acompanhada de políticas de formação docente. Ao contrário, as discussões atuais acerca da docência para a EPT identificam um histórico de fragmentação, improviso e insuficiência de formação pedagógica na prática de muitos desses professores. Segundo Machado (2008MACHADO, L. R. S. Diferenciais inovadores na formação de professores para a educação profissional. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, Brasília, v. 1, nº 1, 2008.), isso implica desenvolver um outro perfil de docente, capaz de pôr em prática as pedagogias do trabalho independente e criativo, bem como de construir a autonomia progressiva dos alunos, tornando-se partícipe de projetos interdisciplinares.

Zamborlini (2007ZAMBORLINI, M. G. Desenvolvimento profissional de professores: um olhar sobre os professores da educação profissional de nível técnico do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFETES). Revista Capixaba de Ciência e Tecnologia, Vitória, n 3, p. 20-25, 2. sem./2007.) afirma que um dos maiores problemas na formação de docentes no Brasil é a orientação descontextualizada da realidade contemporânea com que essa formação se desenvolve. Muitas vezes descontextualizada da própria instituição a que diz respeito, o que acarreta diversos problemas, a exemplo da não integração curricular, do não envolvimento do aluno como sujeito de sua aprendizagem, bem como da ausência de fóruns de discussão e reflexão permanentes, institucionalizados.

Nessa direção explicita Machado (2010) que o ponto de partida para o desenvolvimento da capacidade de contextualizar saberes e técnicas é o próprio sujeito situado na realidade em que vive, pois contextualizar, significa vincular processos educativos a processos sociais, escola e vida, currículo escolar e realidade local, teoria e prática, educação e trabalho.

Na busca da contextualização da formação docente, Carvalho e Lacerda (2010CARVALHO, O. F.; LACERDA, G. Dualismo versus congruência: diálogo entre o novo modelo brasileiro para a formação profissional e o modelo didático ESC (Experiencial, Científico e Construtivista). In: MOLL, J. (Org.). Educação profissional e tecnológica no Brasil contemporâneo: desafios, tensões e possibilidades. Porto Alegre: Artmed, 2010.) acrescentam que os recursos tecnológicos podem instrumentalizar os indivíduos, potencializando sua capacidade de transformação do meio em que vivem e não apenas para contribuir com sua colocação no mercado de trabalho ou, ainda, para sua mera preparação e adaptação às mudanças provenientes dos deslocamentos do mercado. Para estes autores é desejável uma maior proximidade do processo de ensino-aprendizagem com o contexto social, bem como com as relações do trabalho, para garantir ampla base científico-tecnológica e maior articulação entre teoria e prática. Explicitam que, a teoria tem a ver com o que os objetos são e a prática com o como os objetos funcionam. Dessa forma, no caso do ensino profissional, é a prática que articula esses elementos, buscando o conhecimento prático por meio do conhecimento teórico e vice-versa.

Sem dúvida, os avanços culturais, técnicos, tecnológicos e científicos têm introduzido novos requerimentos para a educação profissional e tem provocado maior aproximação e unidade entre a educação básica e a tecnológica. Segundo Machado (2008MACHADO, L. R. S. Diferenciais inovadores na formação de professores para a educação profissional. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, Brasília, v. 1, nº 1, 2008.), em função disso:

[...] se prevê proporcionar a maior proximidade possível do processo de ensino-aprendizagem com o contexto social e das relações do trabalho, garantindo uma ampla base científico-tecnológica e a articulação entre teoria e atividades práticas mediante a oferta de dois tempos de estágio, um na perspectiva do saber docente e outro na perspectiva do aprimoramento do saber técnico/tecnológico. (MACHADO, 2008, p. 91)

Para Moura (2008MOURA, D. H. A formação de docentes para educação profissional e tecnológica. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica Brasília, v. 1, n. 1, 2008.) uma formação docente específica deve estabelecer as conexões entre as disciplinas da formação geral e as da formação profissional, não formar exclusivamente para atender ao mercado de trabalho. Deve contribuir para a diminuição da fragmentação do currículo, bem como para uma maior aproximação da problemática das relações entre educação e trabalho. Além do mais, conforme afirma Moura (2008MOURA, D. H. A formação de docentes para educação profissional e tecnológica. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica Brasília, v. 1, n. 1, 2008.), a formação do professor precisa se dar na perspectiva de que a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico devem estar voltados para a produção de bens e serviços que proporcionem a melhoria das condições de vida dos coletivos sociais.

Ainda segundo Moura (2008MOURA, D. H. A formação de docentes para educação profissional e tecnológica. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica Brasília, v. 1, n. 1, 2008.), a unidade ensino-pesquisa colabora para edificar a autonomia dos indivíduos, porque é através do desenvolvimento da capacidade de aprender a aprender, proporcionado pela investigação, pela inquietude e pela responsabilidade social, que o estudante passa a construir, desconstruir e reconstruir suas próprias convicções a respeito da ciência, da tecnologia, do mundo e da própria vida.

Por outro lado, Quartiero et al. (2010QUARTIERO, E. M.; LUNARDI, G. M.; BIANCHETTI, L. Técnico e tecnologia: aspectos conceituais e implicações educacionais. In: MOLL, J (Org.). Educação profissional e tecnológica no Brasil contemporâneo: desafios, tensões e possibilidades Porto Alegre: Artmed, 2010.) nos alertam sobre a orientação dos debates e sobre os riscos da ênfase dada a presente "era tecnológica" na instituição escolar, pois quando no âmbito da educação, em especial da EPT, preservam-se ações que valorizam a contínua mudança tecnológica, são reiterados os discursos que supervalorizam essa "era", Desse modo reitera-se, também, a lógica pragmática e utilitarista, bem como é fortalecida a suposta neutralidade da tecnologia.

Mas, esclarece Machado (2010), que são os projetos, conflitos e interpretações convergentes ou divergentes dos sujeitos sociais, dos seres humanos em relações sociais nem sempre harmoniosas, que desempenham um papel decisivo na definição e escolhas das técnicas e do desenvolvimento da tecnologia.

Outro problema, ressaltado por Conciani e Figueiredo (2009CONCIANI, W.; FIGUEIREDO, L. C. A produção de ciência e tecnologia nos Institutos Federais: 100 anos de aprendizagem. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, Brasília, v. 2, n 2, 2009.), que ocorre já na contratação de novos docentes é que há uma tensão entre a administração das escolas e seu corpo docente, há uma falha de visão processual, isto é, ao mesmo tempo em que se pretende formar técnicos e cidadãos, contrata-se professores (mestres e doutores) para desenvolver pesquisa. Observam que os novos docentes trazem uma visão da pesquisa pela ciência e não de solução tecnológica. Parte dessa dicotomia é de responsabilidade das políticas de pessoal que não permitem pontuar adequadamente a experiência profissional requerida dos candidatos nos concursos públicos.

Em suma, as bases tecnológicas, suas dimensões e significados devem, segundo esses autores retro mencionados, nortear os princípios da formação docente em EPT. Alguns levantaram propostas ou identificaram tensões a serem solucionadas.

Machado (2008MACHADO, L. R. S. Diferenciais inovadores na formação de professores para a educação profissional. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, Brasília, v. 1, nº 1, 2008.) aponta para uma tipologia de cursos de licenciatura para a EPT de quatro formatos, com sua respectiva carga horária: (1) curso de licenciatura para graduados (1.200 horas); (2) curso de licenciatura integrado com o curso de graduação em tecnologia (até 4.000 horas); (3) licenciatura para técnicos de nível médio ou equivalente (2.400 horas); e (4) licenciatura para concluintes do ensino médio (3.200 horas).

Apresentando uma formatação diferenciada, em suas análises Moura (2008MOURA, D. H. A formação de docentes para educação profissional e tecnológica. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica Brasília, v. 1, n. 1, 2008.) enxerga a possibilidade de se promover a formação docente em EPT tanto por meio de licenciatura, de especialização, como de curso complementar. Isso, visando a atender necessidades de formação dos profissionais não graduados que já atuam na EPT; dos graduados que já atuam como docentes da EPT, mas não têm formação específica; dos futuros profissionais que já estão em formação superior inicial de graduação; e dos futuros profissionais que ainda começarão a formação superior inicial.

3 Faculdades de educação, curso de Pedagogia e formação do professor em EPT

No debate sobre a formação do docente de EPT, que resgatamos brevemente no item anterior, duas questões emergem inicialmente, quais sejam, que tipo de formação deve ser efetivada e onde deve ser realizada. As propostas mencionadas evidenciam a complexidade e a especificidade da formação em EPT, sinalizando diferentes possibilidades que incluem tanto a formação inicial (graduação) quanto a continuada (pós-graduação). Para acionarmos o diálogo que pretendemos com o curso de Pedagogia e as faculdades de educação é importante compreender como se dá a formação do licenciado, a partir do documento Diretrizes Curriculares para os cursos de Licenciatura da UnB,de maio de 2003, tendo em vista a Resolução CNE/CP nº 1, de 18/02/2002 e CNE/CP nº 2, de 19/02/2002, que instituíram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura e de graduação plena.

Segundo as Diretrizes Curriculares para os cursos de Licenciatura da UnB, o fluxo curricular é constituído por um núcleo básico comum a todas as licenciaturas da universidade, composto por três eixos de formação: prática de ensino, formação geral do educador e formação técnico-pedagógica. Além da formação disciplinar específica da licenciatura, elementos de formação geral do educador e de formação didático-pedagógica compreendendo conhecimentos e práticas nas áreas de ciências da educação, política e legislação, pesquisa em educação, uso de tecnologias na aprendizagem, atendimento ao portador de necessidades educacionais especiais, metodologia e prática em docência, avaliação da aprendizagem, projeto político-pedagógico, comunicação educativa, ética, desenvolvimento humano e construção do conhecimento, visão do mundo de trabalho na perspectiva humanista etc. compõem as diretrizes da formação docente.

Cada um dos eixos, articulados com essas diretrizes, será composto por espaços curriculares de formatos diversos, de modo que, no cômputo dos créditos necessários em cada eixo, a proposta curricular componha um conjunto diversificado de atividades de formação.

Os eixos serão assim constituídos:

Eixo 1 - Prática de ensino: objetiva propiciar a atuação do licenciando em espaços de efetivo exercício profissional e corresponde ao que tradicionalmente tem sido chamado de estágio supervisionado.

Eixo 2 - Formação geral do educador: objetiva propiciar o conhecimento e práticas de formação geral, em várias áreas do conhecimento, voltadas para a compreensão do fenômeno educativo e da intervenção no campo profissional. Inclui atividades - como disciplinas, seminários, projetos etc. - ligadas às áreas de sociologia, psicologia, antropologia, pedagogia, psicologia, política, administração, história, legislação etc.

Eixo 3 - Formação técnico-pedagógica: objetiva propiciar o conhecimento e práticas de métodos e técnicas de ensino da área disciplinar, bem como atividades voltadas para a pesquisa sobre as mesmas.

Com efeito, além dos conhecimentos específicos de seu campo científico de atuação; de conhecimentos técnico-metodológicos, dos estudos pedagógicos; o professor deve possuir, também, conhecimentos sobre gestão educativa para poder elaborar, construir práticas e políticas educacionais, juntamente com toda a equipe da instituição em que atua, com o objetivo de aprimorar e melhorar os processos de ensino e de aprendizagem.

A formação de graduados, com habilitação em licenciatura2 2 Diferentemente de outros países, nos meios educacionais e profissionais brasileiros ainda é corrente a compreensão de que o grau de licenciado é inferior ao de bacharel. Esta expressão de cultura vem do nosso Período Colonial quando os filhos dos grandes latifundiários tornavam-se bacharéis na Europa e, ao voltar para o Brasil, eram uma das expressões maiores do poder e do prestígio social. Hoje, mesmo sendo graus obtidos com duração cronológica semelhante, com progressão curricular não muito diferenciada, a tradição colonial, preconceituosa e retrógrada, é de algum modo preservada nos meios acadêmicos e profissionais brasileiros. Contudo, na prática, legalmente, um licenciado faz tudo que um bacharel faz e faz mais, dá aulas, pois a licenciatura forma docentes para a Educação Básica, em todas as suas etapas e modalidades. , permite ao profissional do ensino, tomar conhecimento dos assuntos relativos ao exercício docente em sala de aula, bem como articular esses conhecimentos ao conjunto de conceitos relacionados à prática educativa mais geral, que corresponde ao planejamento organizacional e a identificação de necessidades dos sujeitos individuais (alunos) e coletivos (instituições).

Ao analisarmos, nas Diretrizes Curriculares para os cursos de Licenciatura da UnBe no Projeto Acadêmico do Curso de Pedagogia, como seu currículo compreende a formação do professor de EPT, constatamos nesses documentos, que não há menção alguma sobre esta modalidade de ensino. A preocupação com a EPT está, portanto, ausente da formação do pedagogo propriamente dita, visto que tem seu foco no magistério da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental. Esta ausência de preocupação com a EPT também está presente no âmbito das licenciaturas nos diversos campos do conhecimento científico e, seguramente, não faz parte do repertório epistemológico das faculdades de educação brasileiras.

Todavia, a formação de professores para o exercício docente, em qualquer modalidade, mas especialmente na EPT, com a contribuição das faculdades de educação, poderia fazer-lhes compreender o processo educativo de maneira ampla, por meio de estudos propostos no currículo de seus cursos. Esses estudos seriam realizados nos núcleos especializados que abrangem vários domínios epistemológicos, relacionados à atividade educativa. A oferta de três disciplinas, como é feito atualmente na licenciatura - uma de fundamentos da psicologia da educação, outra de didática e a terceira de organização da educação brasileira, para todo e qualquer curso - podem ser suficientes para esse desafio?

Oliveira Jr. (2008) ajuda-nos a entender as características do desenvolvimento docente, explicitando que este exercício deve orientar-se por três dimensões:

Identifico-me com os que pensam que o professor, em sua trajetória profissional, se desenvolve em três dimensões: a sua formação sócio-política, ou seja, autoconstrução de um perfil pessoal adequado à profissão docente; a formação técnica bem fundamentada na ciência, a arte da docência propriamente dita. A terceira dimensão corresponde ao domínio das especificidades da profissão docente e dos fundamentos dos processos de aprendizagem. (OLIVEIRA JR., 2008, p. 8)

O docente que possui formação técnico-pedagógica inicial, adquirida na graduação, pode compreender o processo de ensino e de aprendizagem de maneira complexa e abrangente, visualizando este processo por meio de conhecimentos técnico-pedagógicos e metodologias próprias que o auxiliam na construção e no planejamento das atividades práticas a serem desenvolvidas diariamente na sala de aula.

Para Delors (1998DELORS, J. Educação um tesouro a descobrir. Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez, 1998.) a melhoria da qualidade da educação está relacionada à motivação dos professores. A formação adequada é um dos elementos que contribuem para esta motivação.

A formação de professores deve inculcar-lhes uma concepção de pedagogia que transcende o utilitário e estimule a capacidade de questionar, a interação e a análise de diferentes hipóteses. Uma das finalidades essenciais da formação de professores, quer inicial quer contínua, é desenvolver neles as qualidades de ordem ética, intelectual e afetiva que a sociedade espera deles de modo a poderem em seguida cultivar nos seus alunos o mesmo leque de qualidades. (DELORS, 1998, p. 162)

Em suma, tendo em vista a importância da formação pedagógica para os professores da EPT, dos mais diversos campos do conhecimento científico, e a formação de pedagogos para atuarem com a EPT e, tomando-se como referência o currículo dos cursos de Pedagogia, novo questionamento emerge dessa relação: o atual formato curricular da licenciatura em Pedagogia seria capaz de preparar o docente da EPT, contemplando as especificidades do exercício docente desta modalidade de educação?

Para encaminhar resposta a essa questão é preciso que as faculdades de educação, além dos cursos de Pedagogia repensem sua relação com esta modalidade de ensino. Oliveira Jr. (2008) aponta um caminho que consideramos um bom ponto de partida, isto é, a necessidade de aproximação entre as universidades e as escolas técnicas:

A aproximação da universidade com a escola técnica, buscando compreender sua função, entender sua dinâmica e, a partir deste conhecimento, ajudar a melhorar seu desempenho, a começar pela formação de seus professores, ensejará aos acadêmicos olhar para a complexidade e para a riqueza dos processos pedagógicos desenvolvidos nas escolas profissionais. Cada pesquisador da academia terá a oportunidade de ver o brilho nos olhos do jovem que, ao aprender uma profissão, conscientiza-se de que está ganhando a sua liberdade, percebe que não ficará à mercê de políticas assistencialistas ou compensatórias. (OLIVEIRA JR., 2008, p.11)

Com efeito, por meio dessa aproximação o currículo desenvolvido nas faculdades de educação e o curso de Pedagogia seriam alçados a incorporar compreensivamente as funções, as estruturas, os conhecimentos e as especificidades da modalidade de formação para a EPT. A partir de uma nova orientação epistemológica seriam organizados e realizados estudos para a compreensão crítica da história e da sociologia; da antropologia e da psicologia; da gestão e das políticas; da didática e das metodologias de ensino, no contexto de EPT.

4 Delineamentos da pesquisa

Conforme mencionado anteriormente, esse artigo pretende contribuir com a discussão sobre a formação do docente da EPT. Para tanto, apresenta e discute os dados de levantamento realizado em conjunto com os alunos, no âmbito da disciplina Tópicos de Formação dos Professores de EPT, do Programa de Pós-Graduação em Educação da FE/UnB, no segundo semestre de 2010, buscando conhecer o perfil desses docentes. A investigação realizada apresenta caráter descritivo e exploratório, objetivando maior conhecimento sobre o tema, bem como contribuir para pesquisas futuras.

Para realizar esse levantamento utilizamos o questionário, como técnica para a coleta dos dados. Os resultados alcançados revelaram a pertinência do seu uso, em face da variedade de informações coletadas relativos ao perfil de formação do docente de EPT.

Para viabilizar o levantamento, optamos pelo questionário on-line, o que nos permitiu atingir um público maior, em diferentes lugares e em menor tempo. O aplicativo de informática utilizado foi o Limesurvey, um software livre para questionários on-line, feito em PHP. O sistema operacional no qual o programa foi instalado é o Linux (Debian 5). O servidor web, por meio do qual os sujeitos inqueridos puderam acessar via internet o questionário, é o Apache 2. O banco de dados no qual ficaram armazenados os resultados (dados e informações) é o Mysql.

O universo da pesquisa foi a rede federal de educação profissional e tecnológica, atualmente composta por 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, distribuídos nas cinco regiões do país, conforme mostra o quadro 1.

Para construção da amostra da pesquisa, o critério utilizado foi o de que tivéssemos, pelo menos, um Instituto Federal por região. Participaram da investigação, 15 IFs, 1 CEFET e 2 Escolas Técnicas, vinculadas a universidades federais. O somatório de respondentes foi de 525 professores, conforme mostra o quadro 2.

Tabela 1
Número de Institutos Federais no Brasil por região, em 2013
Tabela
Número de professores respondentes por região e por instituição de ensino

Na Tabela 1 e na Tabela 2 constatamos que a região Nordeste e a região Sudeste concentram o maior número de IFs, 11 e 9, respectivamente. A região Centro-Oeste é a que apresenta o menor número, 5 IFs. No que concerne à participação, no total de respondentes por IFs, foi a região Nordeste que obteve o maior número (42%), seguida pela região Sudeste com 22% de respondentes. A região com a menor participação foi a Norte, com apenas 2% do total geral de 525 respondentes.

5 O perfil de Formação do docente de EPT

Neste item, apresentamos os resultados do levantamento realizado na rede federal de educação profissional e tecnológica, explicitando o perfil de formação dos professores participantes da pesquisa e discutindo-o à luz do debate sobre o tema. Foram definidas algumas categorias para sistematização e análise dos dados, a saber: (1) características pessoais dos docentes; (2) vínculos funcionais dos docentes; (3) tempo de atuação e experiência como docente; (4) área de formação inicial e instituição de graduação dos docentes; (5) exercício profissional e formação inicial e continuada dos docentes.

5.1 Caracterização individual dos docentes

Na Tabela 3 são apresentadas as características relativas ao gênero e à faixa etária dos docentes. Observa-se pelos dados que a maioria dos professores é do sexo masculino, 66% do total. No que tange à idade, boa parte dos docentes é jovem, 19% tem até 29 anos, seguida da faixa entre 30 e 39 anos, com 39%, o que caracteriza 58%de uma população docente com menos de 40 anos em atividade. Apenas 13% dos docentes da rede federal de educação profissional e tecnológica possuem mais de 50 anos de idade.

Tabela 3
Gênero e faixa etária dos docentes

5.2 Vínculos funcionais dos docentes

A Tabela 4 evidencia que o vínculo funcional dos docentes que, atualmente trabalham na rede federal de educação profissional e tecnológica, em sua grande maioria (91%) é de professores efetivos, condição importante para assegurar a qualidade da educação. Chama a atenção o dado de que apenas 9% são docentes substitutos, considerando que vivenciamos um contexto de expansão sem precedentes da rede. Entretanto, esse dado precisa ser analisado em conjunto com outros, como o regime de trabalho docente. Com relação a esse aspecto os dados também são reveladores de uma boa condição, evidenciando que a grande maioria (82%) possui dedicação exclusiva, condição para que se possa cumprir adequadamente as funções de ensino, pesquisa e extensão, cujo tripé quando integrados, de fato, possibilita a concretização das funções docentes.

Do total de 525, 464 professores (88%) trabalham apenas na instituição pesquisada; 8% acumulam outro cargo de professor e apenas 4% acumulam outro cargo fora do exercício docente.

Por fim, esses dados sobre docentes que trabalham em mais de uma instituição, ao todo 12%, nos permitem consolidar as informações sobre o significado positivo do atual regime de contratação do docente de educação profissional no que concerne à atuação e fixação dos docentes em uma instituição da rede federal de educação profissional e tecnológica, seguramente com implicações na qualidade de seu desempenho.

Tabela 4
Vínculos funcionais dos docentes

5.3 Tempo de atuação como docente e experiência profissional

Em relação ao tempo de atuação e experiência, conforme a Tabela 5 demonstra, a maioria dos docentes possui menos de 10 anos, atingindo um somatório de 48% dos respondentes concentrados na faixa até 8 anos de atuação. O menor percentual (8%) corresponde aos professores que atuam há mais de 25 anos. Sobre a experiência profissional anterior à docência, 371 professores afirmaram ter experiência no mercado de trabalho, na área de sua formação inicial de graduação, antes da docência, correspondendo a 71% do total, o que é fator essencial para a formação técnica/EPT.

Tabela 5
Tempo de atuação como docente e experiência profissional anterior

5.4 Área de formação inicial e instituição de graduação do docente

Na Tabela 6 temos a distribuição por área da formação inicial. Pode-se observar que a área com maior número de professores é a de Ciências Exatas e da Terra (27%), seguida das Engenharias (18%) e Ciências Agrárias (15%). As áreas de formação com menor percentual são Outras (3%), Ciências Sociais Aplicadas (4%) e Ciências Biológicas (4%). A análise aponta ainda que 82% do total cursaram a graduação em instituições públicas de ensino, e apenas 28% dos professores realizaram seus cursos em instituições privadas.

Tabela 6
Área de formação inicial/graduação dos docentes e tipo de instituição do curso

5.5 Exercício profissional e formação inicial e continuada dos docentes

Em relação à formação acadêmica inicial/graduação, de acordo com os resultados apresentados na Tabela 7, a maioria (49%) dos respondentes possuem formação em cursos de bacharelado, correspondendo a 279 professores, enquanto que 249 docentes (43%) possuem licenciatura e outros 46 que possuem graduação em cursos tecnológicos.

A respeito dos professores que não cursaram a licenciatura na graduação, identificamos que 190 afirmaram não ter tido nenhuma formação pedagógica para iniciar a docência e 82 declararam possuí-la.

Tabela 7
Área de formação inicial/graduação dos docentes e formação pedagógica

A Tabela 8 apresenta os resultados obtidos a respeito da formação continuada/pós-graduação. A maioria dos professores possui pós-graduação em nível de mestrado (52%), que foi realizado na mesma área da graduação (68%). Apenas 17% dos professores cursaram pós-graduação na área pedagógica.

Tabela 8
Formação continuada/pós-graduação dos docentes e sua especificidade

Ao analisarmos os dados da Tabela 9 constatamos que dos 82 professores que afirmaram ter realizado algum tipo de formação pedagógica para iniciar a docência, 40 consideraram que esta formação foi fundamental para o início da atividade docente. Somadas as três outras modalidades de professores respondentes temos um total de 42% questionando a formação recebida. Deste total, somente 19 consideraram que a formação não acrescentou muito ou que esta não foi adequada ao exercício em EPT.

Do total de 190 professores que afirmaram não ter recebido nenhum tipo de formação pedagógica antes do início da docência, a maioria (134) considerou fazer falta ter mais conhecimentos a respeito da docência. Observemos que 22% avalia a formação pedagógica como dispensável.

Tabela 9
Significado da formação pedagógica para a docência e avaliação de sua falta

Na Tabela 10 sobre a formação continuada, do total dos 525 professores, 68% afirmaram não ter participado de nenhum tipo de formação continuada voltada para a EPT. Somente 32% responderam afirmativamente.

Questionados sobre a exigência de algum tipo de formação pedagógica específica, no caso de bacharéis e tecnólogos, para o ingresso na carreira docente em EPT, 309 professores afirmaram que deve ser exigida e 216 não concordam com esta exigência. Observamos uma significativa resistência dos docentes da EPT quanto à formação pedagógica. Talvez aqui encontremos uma boa chave para exercitar o diálogo entre as faculdades de educação, o curso de Pedagogia e as políticas de formação docente em EPT.

Tabela 10
Formação continuada no exercício docente e exigência de formação pedagógica

Conclusões exploratórias

Nossos esforços em buscar exercitar diálogo entre as faculdades de educação e o curso de Pedagogia com as políticas de formação do professor de EPT no Brasil, por meio de análises documentais e empíricas, apresentam resultados que nos remetem e incentivam à continuidade de nossas pesquisas, embora a discussão efetivada neste artigo já traga contribuições de ordem teórica e prática, para início de debate sobre o problema.

A constatação de que alguns professores de EPT buscam, espontaneamente, suprir suas lacunas de formação e de conhecimento no campo dos estudos pedagógicos nas faculdades de educação, nos cursos de licenciatura em Pedagogia, mas acabam frustrados em suas expectativas é rotina no Brasil. Em geral, os currículos desenvolvidos nesses ambientes são restritos ao domínio da formação de professores para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental. Também é fato que essa busca dos professores de EPT se dirige, também, aos Programas de Pós-Graduação em Educação que, em alguns casos, como é o da Faculdade de Educação da UnB, oferta curso de mestrado profissional em Política Pública e Gestão da Educação Profissional e Tecnológica, sem, entretanto, ter como finalidade a formação do professor, embora, os anseios e expectativas desse segmento educacional por tais conhecimentos sejam evidentes e reiterados. O problema concreto é que nas faculdades de educação, tanto a formação inicial, nos cursos de Pedagogia quanto a formação continuada, no âmbito da pós-graduação, não têm respondido adequadamente aos desafios postos à formação docente em EPT.

Ao que parece as respostas que buscam esses docentes, para resolver suas expectativas de complementação de sua formação docente, não está nem nas faculdades de educação nem no curso de Pedagogia conforme os formatos hoje adotados. Pelos relatos da pesquisa realizada, os professores de EPT buscam mais bases teóricas e práticas nas disciplinas científicas que discutem metodologias de atuação docente, relacionadas aos procedimentos didáticos e pedagógicos, contudo necessitam também de fundamentos para a reflexão sobre problemas educacionais, políticos e outros, parte do cotidiano das instituições educativas.

A ausência de componentes curriculares ou disciplinas do campo da educação profissional e tecnológica no curso de Pedagogia não é o único problema. Constatamos, também, a carência de estudos e pesquisas sobre a epistemologia da EPT e por consequência, sobre uma pedagogia das disciplinas técnico-científicas. O modelo de formação pedagógica que ignora as especificidades dos campos da docência não pode responder adequadamente às demandas de formação do professor em geral, nem do professor da EPT.

Entendemos, contudo, que as faculdades de educação, como espaço de formação de docentes, devem abranger também a formação de professores para a EPT, assim como contempla a área propedêutica e mais, que o currículo do curso de formação de pedagogos incorpore componentes da EPT que propiciem a estes profissionais atuar nos IFs, com conhecimentos específicos do campo de inserção técnico-científica dessas instituições.

Com efeito, como modalidade de educação, a EPT deve integrar os conhecimentos da formação docente na necessária complementação pedagógica, por meio de propostas de formação de seus professores tanto no âmbito dos cursos de licenciatura, ofertados nas universidades ou nos próprios Institutos Federais, quanto no âmbito de formação do próprio pedagogo, para que todos estejam aptos a desenvolverem suas funções, atribuições e competências nessas instituições.

Reiteramos, diante do perfil profissional do docente da EPT, construído a partir dos resultados da pesquisa realizada, a necessidade de formação pedagógica destes professores nas universidades, que se constituem por excelência no locus privilegiado da produção social do conhecimento, nas quais a circulação da produção cultural em diferentes áreas do saber é constante, bem como o é o exercício da crítica-social.

O perfil do professor de EPT, conforme evidenciado nos resultados da pesquisa, abrange experiência profissional articulada à área de formação específica, mas segundo Machado (2008MACHADO, L. R. S. Diferenciais inovadores na formação de professores para a educação profissional. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, Brasília, v. 1, nº 1, 2008.) é preciso também que o docente saiba trabalhar com as diversidades regionais, políticas e culturais existentes; que saiba educar de forma inclusiva, contextualizando o conhecimento tecnológico; que saiba explorar situações-problema, dialogando com diferentes campos de conhecimento; e que saiba inserir sua prática educativa no contexto social em todos os seus níveis de abrangência.

Desse modo, temos a composição de um novo perfil docente de EPT, em conformidade com a formação profissional de um trabalhador que incorpora capacidades que lhe assegure flexibilidade para enfrentar, de modo competente, o mundo de trabalho complexo que vivenciamos hoje, bem como que lhe possibilite promover, junto aos estudantes que orienta e forma, as aprendizagens necessárias para enfrentar com efetividade e competência seus desafios profissionais.

Evidencia-se desse debate, que para que a formação dos trabalhadores seja adequada ao novo perfil profissional contemporâneo, dadas às características já apontadas, a formação do professor é essencial, mas não se trata de qualquer formação. As faculdades de educação e o curso de Pedagogia têm o desafio de também se reinventarem, promovendo mudanças estruturais de ordem prática e teórico-epistemológica para responder aos novos desafios que a contemporaneidade requer.

Assumir esses desafios supõe considerar o atual contorno da sociedade tecnológica e o surgimento de um novo modo de produção de conhecimentos, o que impacta fortemente os sistemas de ensino e, por conseguinte, a formação docente. Todavia, é importante considerar também a cultura gerada ao longo da existência da rede federal de EPT e os impactos trazidos para a nova cultura a ser construída. Nesse processo de mudança, sem dúvida, a formação docente cumpre um papel central.

Em suma, este artigo evidencia que no contexto de mudanças, onde o professor vive as contradições de ter herdado um certo legado teórico-epistemológico e de práticas pedagógicas, mas a sociedade concreta exige dele cada vez mais outro desempenho, compatível com o mundo real, é preciso conhecê-lo, ouvi-lo e gerar um novo protagonismo docente, migrando do protagonismo isolado, restrito à autonomia em sala de aula, para um novo protagonismo que signifique um trabalho ao mesmo tempo autônomo e compartilhado.

Esta redefinição do papel do professor supõe recuperar sua centralidade, seu compromisso no processo educativo e o reconhecimento de que há um conjunto de fatores que influenciam uns aos outros, tais como, a formação inicial, o desenvolvimento profissional em serviço, as condições de trabalho, o engajamento profissional, a carreira profissional etc. O que supõe, que indaguemos continuamente, quem educa o educador?

Enquanto espaço de formação docente as faculdades de educação e o curso de Pedagogia necessitam se indagar permanentemente como responder a essa questão, por meio da construção, reconstrução e socialização permanente das bases teórico-epistemológicas e das práticas com as quais atua, sempre em articulação orgânica com os conhecimentos científicos, tecnológicos, culturais, produzidos pelos seres humanos em suas relações sociais

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  • 1
    O Projeto Gestor foi desenvolvido entre 2006 e 2011, tendo ofertado formação, em nível de mestrado, para gestores e para professores da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, por intermédio de parceria entre o PPGE/FE/UnB e a Setec/MEC.
  • 2
    Diferentemente de outros países, nos meios educacionais e profissionais brasileiros ainda é corrente a compreensão de que o grau de licenciado é inferior ao de bacharel. Esta expressão de cultura vem do nosso Período Colonial quando os filhos dos grandes latifundiários tornavam-se bacharéis na Europa e, ao voltar para o Brasil, eram uma das expressões maiores do poder e do prestígio social. Hoje, mesmo sendo graus obtidos com duração cronológica semelhante, com progressão curricular não muito diferenciada, a tradição colonial, preconceituosa e retrógrada, é de algum modo preservada nos meios acadêmicos e profissionais brasileiros. Contudo, na prática, legalmente, um licenciado faz tudo que um bacharel faz e faz mais, dá aulas, pois a licenciatura forma docentes para a Educação Básica, em todas as suas etapas e modalidades.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2014
  • Aceito
    24 Out 2014
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