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Fracasso na implementação de políticas educacionais: uma abordagem pelo discurso psicanalítico

Educational policy implementation failure: an approach by psychoanalytic discourse

Èchec dans la mise en oeuvre de politiques scolaires: une approche par le discours psychanalytique

Resumos

Este artigo insere-se no campo de análises de políticas públicas ao dedicar-se ao estudo da linguagem e dos discursos, como terrenos próprios da propagação das políticas, refletindo a importância de se compreender cada vez mais a relação da subjetividade com a linguagem. A escolha do ferramental psicanalítico se justificou na medida em que este nos possibilitou interrogar os efeitos da linguagem na constituição subjetiva. Para tanto, buscamos interrogar o discurso sobre o "fracasso da política educacional" como um sintoma associado aos discursos do mestre, do capitalismo e da universidade, implicando a presença real do inconsciente nos laços sociais instituídos por meio do campo das políticas educacionais na contemporaneidade.

Fracasso educacional; Política educacional; Implementação; Psicanálise; Teoria do discurso


This article is situated in the field of analysis of public policies and aims to explore both the role of language and discourse as appropriate domains for spreading policies, reflecting the importance of understanding the relation between subjectivity and language. A choice was made on psychoanalytic tools that allow us to examine the effects of language in the subjective constitution. In order to accomplish this task, we examined the discourse about the "failure of educational policies" as a symptom, associated with several types of discourse: the master's, the capitalism's, and the universities'. All of them imply the actual presence of the unconscious in the social links established by educational policies nowadays.

Educational failure; Educational policy; Implementation; Psychoanalysis; Discourse theory


Cet article s'insère dans le champ d'analyses de politiques publiques en se tournant à l'étude du langage et des discours, comme terrains propres de la propagation des politiques, en reflétant l'importance de comprendre de plus en plus la relation de la subjectivité avec le langage. Le choix d'utiliser un outil psychanalytique s'est justifié dans la mesure où celui-ci nous a rendus possible d'interroger les effets du langage dans la constitution subjective. Pour cela, nous cherchons à interroger le discours sur "l'échec de la politique scolaire" comme un symptôme associé aux discours du maître, du capitalisme et de l'université, en impliquant la présence réelle de l'inconscient dans les rapports sociaux institués par le biais du champ des politiques scolaires dans la contemporanéité.

Échec scolaire; Politique scolaire; Mise en œuvre; Psychanalyse; Théorie du discours


DEBATES & POLÊMICAS

Èchec dans la mise en oeuvre de politiques scolaires: une approche par le discours psychanalytique

Eric Ferdinando Passone

Faculdade de Psicologia da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Piracicaba (SP) - Brasil. Contato com o autor: <ericpassone@yahoo.com.br>

RESUMO

Este artigo insere-se no campo de análises de políticas públicas ao dedicar-se ao estudo da linguagem e dos discursos, como terrenos próprios da propagação das políticas, refletindo a importância de se compreender cada vez mais a relação da subjetividade com a linguagem. A escolha do ferramental psicanalítico se justificou na medida em que este nos possibilitou interrogar os efeitos da linguagem na constituição subjetiva. Para tanto, buscamos interrogar o discurso sobre o "fracasso da política educacional" como um sintoma associado aos discursos do mestre, do capitalismo e da universidade, implicando a presença real do inconsciente nos laços sociais instituídos por meio do campo das políticas educacionais na contemporaneidade.

Palavras-chave: Fracasso educacional. Política educacional. Implementação. Psicanálise. Teoria do discurso.

ABSTRACT

This article is situated in the field of analysis of public policies and aims to explore both the role of language and discourse as appropriate domains for spreading policies, reflecting the importance of understanding the relation between subjectivity and language. A choice was made on psychoanalytic tools that allow us to examine the effects of language in the subjective constitution. In order to accomplish this task, we examined the discourse about the "failure of educational policies" as a symptom, associated with several types of discourse: the master's, the capitalism's, and the universities'. All of them imply the actual presence of the unconscious in the social links established by educational policies nowadays.

Key words: Educational failure. Educational policy. Implementation. Psychoanalysis. Discourse theory.

RÉSUMÉ

Cet article s'insère dans le champ d'analyses de politiques publiques en se tournant à l'étude du langage et des discours, comme terrains propres de la propagation des politiques, en reflétant l'importance de comprendre de plus en plus la relation de la subjectivité avec le langage. Le choix d'utiliser un outil psychanalytique s'est justifié dans la mesure où celui-ci nous a rendus possible d'interroger les effets du langage dans la constitution subjective. Pour cela, nous cherchons à interroger le discours sur "l'échec de la politique scolaire" comme un symptôme associé aux discours du maître, du capitalisme et de l'université, en impliquant la présence réelle de l'inconscient dans les rapports sociaux institués par le biais du champ des politiques scolaires dans la contemporanéité.

Mot-clés: Échec scolaire. Politique scolaire. Mise en œuvre. Psychanalyse. Théorie du discours.

Introdução

Este trabalho apresenta, resumidamente, o produto do doutorado Fracasso da implementação de políticas educacionais: uma abordagem pelo discurso psicanalítico, desenvolvido entre março de 2008 e agosto de 2012, no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Nesse percurso abordei o "fracasso educacional" como um sintoma associado aos discursos do mestre, do capitalismo e da universidade, interrogando a presença real do inconsciente nos laços sociais instituídos por meio do campo das políticas educacionais na contemporaneidade. É importante frisar que, na leitura proposta, o discurso funda, cria e delimita um campo de linguagem. Portanto, quando me refiro à noção de campo, estou considerando-o como produto dos discursos concretos que são animados por meio dos conhecimentos instituídos, mas que ultrapassam a própria noção disciplinar de área de conhecimento, pois, além de considerar os saberes que o constitui, também implica os efeitos de produção de laços sociais por meio desses discursos. Assim, pensar as políticas educacionais significou, inicialmente, considerá-las a partir do campo criado pela produção dos discursos sobre análise e implementação dessas políticas, ao mesmo tempo em que se buscou articular a posição irredutível que ocupa o sujeito do inconsciente, como conflito constitutivo dessas práticas sociais. Certas possibilidades de análises surgiram na medida em que esse caminho aproximou campos distintos de conhecimento, a saber: a análise de implementação de políticas, a educação e a psicanálise, interrogando o papel da linguagem e da subjetividade no processo da política educacional.

Para tanto, utilizamos conceitos, noções e teorias oriundos tanto do campo de estudos sobre implementação de políticas (policy implementation), como do campo psicanalítico, buscando desenvolver uma abordagem do discurso da análise de implementação educacional sobre o fracasso da política educacional, a partir dos instrumentais que o campo teórico lacaniano1 1 . Jaques-Marie Émile Lacan (1901-1981) foi um leitor e praticante da psicanálise inventada por Sigmund Freud (1856-1939). Lacan denominou seu percurso como "retorno a Freud", criando uma prática clínica que incorporou os discursos da linguística, da etnologia, da crítica literária, entre outros. oferece - noção dos discursos como laços sociais. Esta abordagem dos discursos sobre o fracasso das políticas educacionais está alinhada aos estudos sobre educação, políticas educacionais, na medida em que produzem um saber sobre a implementação educacional e seus efeitos. Assim, a complexidade de estudar o papel da linguagem no processo de implementação de políticas educacionais reforçou a aposta transdisciplinar deste trabalho, que ultrapassa os limites impostos às próprias disciplinas.

Em suma, como um campo de saber, os estudos de análise e implementação de políticas educacionais foram abordados a partir da complexidade de relações epistêmicas que envolvem a política educacional (policy), o seu contexto e seus atores. Desse modo, busquei inscrever um "discurso analítico" sobre o campo de implementação de políticas educacionais, apresentando a tese de que o fracasso revela-nos o acontecimento do sujeito na estrutura, deslocando a tradicional pergunta "por que as políticas educacionais fracassam?" para afirmar que o "fracasso" revela a emergência do sujeito na estrutura.

Do ponto de vista metodológico, considerou-se que, ao se pensar o papel da linguagem no processo de implementação de políticas educacionais, pelo viés psicanalítico, com categorias e conceitos operacionais de análise, era preciso contemplar o próprio discurso da análise de políticas educacionais, tomando-o como objeto, para questionar a função desse saber como produção de discursos sobre o fracasso educacional.

A posição do sujeito, uma das funções do discurso, pode ser facilmente compreendida quando da passagem de um discurso a outro, como tentei demonstrar, na estruturação da tese,2 2 . Tese de doutorado disponível no endereço eletrônico: < http://www.bibliotecadigital.unicamp.br>. por meio de três discursos3 3 . A produção desses três discursos faz alusão à noção de tempo lógico, envolvendo três momentos distintos advindos da emergência significante do inconsciente, que pode ser descrito como "tempo de olhar", "tempo de compreender" e "tempo de concluir o tempo de compreender", fazendo menção ao texto O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada (LACAN, 1945/1998e). : o primeiro discurso - como tempo de conhecer - apresenta uma leitura sobre o discurso das análises de implementação de políticas educacionais, evitando uma assimilação abusiva de conceitos e, fundamentalmente, identificando os elementos de apoio e os pontos de aproximação à abordagem; o segundo discurso, como tempo de compreender as operações que definem os laços sociais como produção dos discursos, no qual buscamos compreender as relações possíveis entre a psicanálise e a educação; e, por fim, o terceiro discurso, como tempo de concluir, que remete à análise e fundamentação deste trabalho, apresentamos uma análise da produção do fracasso das políticas educacionais como sintoma dos discursos dos "mestres modernos", fundamentando a tese de que o dito fracasso educacional retrata o acontecimento do sujeito na estrutura. Para tanto, tratei de definir nosso problema como sintoma e analisar os principais elementos da implementação educacional à luz do ferramental psicanalítico dos discursos, considerando conceitualmente as noções de linguagem e de sujeito utilizadas nos distintos campos. Isso implicou, inclusive, diferentes formas de escrituras, que concernem às diferenças de linguagem entre o primeiro, segundo e terceiro discurso, conforme a lógica discursiva.

A posição de sujeito nos discursos foi apreendida a partir do deslocamento analítico dos discursos do mestre, da universidade e do capitalismo, culminando na formulação de três outros discursos análogos: o discurso da política educacional, o discurso científico-universitário da análise de política educacional e o discurso do capitalismo no campo da educação. A aproximação entre esses distintos campos possibilitou-nos extrair as questões que consubstanciaram a fundamentação desta tese, focalizando a análise das principais características de cada um dos discursos (governar, educar e produzir-consumir), buscando compreender e demonstrar as afetações de um discurso frente ao outro por meio das acepções de campo operatório e linguístico, que dinamizam o funcionamento dos diferentes laços sociais, retratados em tais discursos.

Desse modo, o procedimento de análise consistiu em vincular nosso enunciado "fracasso educacional" ao discurso do mestre e ao discurso do capitalismo, bem como associá-lo ao contexto cultural que retrata o lugar de verdade que ocupa a produção sustentada pelo desenvolvimento da ciência no discurso da universidade. Portanto, as acepções de campo operatório e campo da linguagem, apreendidas da abordagem lacaniana, permitiram a compreensão do funcionamento das estruturas discursivas e seus efeitos sobre a produção subjetiva, possibilitando levantar outras interpretações sobre o fracasso da implementação da política no campo educacional (sintoma dos laços sociais), como o acontecimento do sujeito na estrutura e suas implicações. Tratar o dito fracasso como um sintoma, que frustra os objetivos da civilização, implicou a inclusão da ordem do inconsciente nas relações sociais, pois não se trata de pensar a política somente na sua dimensão institucional, ou sob aspectos da normatividade, mas de introduzir uma dimensão libidinal ao ato educativo.

Ao sustentarmos que o fracasso da política educacional pode ser lido como um sintoma inerente aos laços sociais estabelecidos pelos discursos, retomamos a positividade do sintoma ao remeter a uma mensagem que carece de sentido, ou de ser interpretada. Assim, pensar o discurso do fracasso educacional como sintoma implicou um deslocamento da pergunta habitual "porque as políticas educacionais fracassam?", para afirmar e sustentar uma posição na qual o fracasso retrata o acontecimento do sujeito na estrutura. Portanto, o fracasso como produção discursiva pode ser interrogado pelo sentido que introduz novas perspectivas, lançando novas interpretações sobre as políticas educacionais e seus efeitos, na subjetivação dos envolvidos - sejam estes executores ou destinatários de uma dada política.

Em suma, ao investigar o fracasso das políticas educacionais por meio da abordagem de análise da produção do campo discursivo, apostamos na produção de um discurso que possa enlaçar o sujeito do inconsciente nos laços sociais necessários à implementação de políticas públicas educacionais, como demonstram as funções da linguagem e do gozo na estruturação do sujeito e de sua "realidade".

Primeiro discurso - tempo de conhecer: discursos sobre a implementação das políticas educacionais

Historicamente, os discursos sobre análise de implementação de políticas educacionais surgiram no início dos anos de 1960, nos Estados Unidos, e no final dessa década, na Europa, como subdisciplina da ciência política. Eles responderam, em grande parte, às críticas endereçadas às políticas sociais e aos programas destinados a combater as desigualdades sociais nesses países. Tais críticas também indicavam um hiato existente entre as etapas de elaboração e avaliação dessas políticas, cujos resultados eram sempre questionáveis. Nesse sentido, as ações decorrentes da operacionalização de uma política passaram à investigação por meio da análise da implementação, no intuito de revelar os "déficits de implementação" existentes quando uma política era executada (HILL, 2006; HONIG, 2006; JOHN, 1999). O foco de análise partia da indagação sobre os possíveis "déficits" de certas políticas, ampliando seu escopo de análises, ao mesmo tempo em que se acentuou um novo discurso em direção ao funcionamento das políticas que obtiveram êxito. Nesse sentido, nas últimas décadas, observamos um interesse maior em relação às políticas, aos atores e aos contextos, buscando compreender com quem, onde, quando e porque certas políticas e programas funcionaram (HONIG, 2006). Paralelamente, emergiram os discursos visando demonstrar como a implementação dessas políticas, bem como seus resultados, era afetada pela comunicação e, fundamentalmente, pelos limites e possibilidades impostos pelas características da linguagem no processo de implementação (YANOW, 2000). Os trabalhos recentes enfatizam que os implementadores criam seus próprios significados (individuais e sociais) às políticas educacionais, independentemente do quanto a comunicação seja racional e objetiva, no momento de formulação e implementação. Assim, a constituição desses significados dependeria tanto da forma como as mensagens são transmitidas por meio do sistema administrativo até chegar aos implementadores na escola, como do modo com que a política vai sendo ressignificada pelo ambiente cultural, no qual se inserem os implementadores, o que implica uma complexidade de relações entre a política educacional, seu contexto empírico e seus atores (HILL, 2006; 2001).

Desse modo, junto à abordagem da implementação de políticas educacionais, entendida como uma etapa processual do ciclo da política pública, partimos da compreensão de que sua emergência está associada, muitas vezes, ao hiato que a execução de uma política apresenta entre o que é formulado e o que é implementado, ou seja, que os "resultados" alcançados são totalmente distintos dos objetivos e metas previamente almejados. Concomitantemente, o problema se agrava quando as implicações das recomendações e conclusões de organizações multilaterais, como Unesco, OCDE, BID, entre outras, tendem a padronizar os debates e discursos sobre políticas educacionais, em especial sobre a qualidade da educação e a ênfase desmedida sobre a avaliação dos sistemas educacionais, influenciando as políticas educacionais do mundo inteiro, propondo metas comparáveis do desempenho acadêmico entre os sistemas mundiais de ensino. Assim, para muitos acadêmicos, a padronização dos sistemas de ensino é um fato inevitável em médio prazo, mediante as transformações econômicas das sociedades de capitalismo avançado. Portanto, os discursos gerados pelas instituições internacionais criaram, nos últimos vinte anos, uma noção emblemática sobre "qualidade", "eficácia", "avaliação" entre os políticos e gestores de políticas públicas. Charlot (2006) denominou tal discurso como o "discurso do domínio e da transparência: saber tudo, controlar tudo, prever tudo". Se, por um lado, as agências nacionais e internacionais sugerem o que há de certo ou errado nos sistemas educacionais, reforçando a pressão sobre os tomadores de decisão, para agir seguindo linhas de ações estabelecidas, por outro lado, também aumentaram os riscos dos países incorporarem tais diretrizes e discursos numa perspectiva descontextualizada e alienada, fadada ao fracasso (MARSHAL; NÓVOA, 2003; PEREZ; PASSONE, 2007).

Em termos de análises das políticas educacionais, o discurso da análise de implementação e da avaliação surge como promessa e ilusão de transformação dos sistemas educacionais e das práticas educativas envolvendo crianças e adolescentes. O fato é que temos presenciado o aumento discursivo sobre a avaliação tecnocientífica sobre o produto educacional cada vez mais associado ao crescimento das exigências do desempenho das políticas educacionais, em torno da padronização e uniformização do sistema e do produto educacional. Nessa lógica, o critério de sucesso e/ou fracasso de uma dada política está definido por metas e parâmetros de análise e avaliação de políticas, como os instrumentos de monitoramento e avaliação externa do "produto" do sistema educacional. A exposição do país ou das escolas por intermédio de um ranking de indicadores de desempenho à opinião pública (nacional e internacional) simboliza a "performance" de qualidade do ensino de um referido território. Neste caso, os efeitos dos resultados das provas, por intermédio de sua rápida propagação nos meios de comunicação e sua força na opinião pública, acabariam gerando uma forte pressão sobre os tomadores de decisão e, subsequentemente, sobre toda hierarquia administrativa do sistema, transferindo para o âmbito das escolas e das salas de aulas, quando não para o entorno social e para as famílias dos alunos, a cobrança por uma boa "performance".

Conforme argumenta Lajonquière (1998, 2010), esses fatos ilustram de modo exemplar um aspecto totalmente negligenciado ou "não dito" entre os estudiosos da área, a saber: como as ciências educacionais impulsionadas por ilusões e/ou ideais pedagógicos e tecnocientíficos acabam por ocasionar o "furor pedagógico" e/ou a "desistência do ato educacional", estes efeitos que possuem sua origem em um desconhecimento sistemático de questões que afetam o âmago da empresa educacional, tal como a impossibilidade de querer adequar as práticas pedagógicas a partir de uma noção idealizada e naturalizada de desenvolvimento do aluno e a impossibilidade dos resultados serem totalmente satisfatórios, na medida em que esta impossibilidade é estrutural de todo ato educativo que faz laço social, gerando como consequência um estado de demissão do adulto da posição de educador. Com isso, inserem-se questões relativas aos fins e aos meios desse complexo fenômeno de estudo, ou seja, questões referentes à política e a prática, respectivamente.

Segundo discurso - tempo de compreender: o discurso psicanalítico no campo da educação

A psicanálise foi inventada pelo médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939) para designar sua experiência clínica no tratamento das psiconeuroses. No alvorecer do século XX, a psicanálise foi instaurada no campo discursivo das ciências naturais e humanas. Desde então, uma nova hermenêutica dos processos subjetivos convocou os demais discursos sobre o humano em suas condições a se defrontarem com o inconsciente como determinação da ação, conforme demonstrou Foucault em Nietzsche, Freud e Marx (1987). Ao investigar os processos inconscientes constitutivos da subjetividade, em sua dimensão clínica e teórica, como médico neurologista, Freud forneceu instrumentos importantes para os pesquisadores do campo das ciências humanas em geral.

Crítico frente aos ideais de sua época, Freud sustentou que a educação, assim como a política e a psicanálise eram profissões ou práticas impossíveis (FREUD, 1925/1996b). Ele as designou como as três profissões impossíveis: educar, governar e curar, uma vez que a dimensão do desejo escapa a toda tentativa de normatização, controle racional e consciente do ser humano. O que torna impossíveis tais práticas sociais, sublinhadas por Freud, constitui a dimensão inconsciente do desejo e da linguagem, responsável pelos laços sociais, na medida em que possui a função de estruturar a subjetividade por meio da renúncia pulsional imposta pelo Outro em prol do processo civilizatório. Em dois artigos, O interesse educacional da psicanálise (1913/1996) e Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar (1914/1996a), Freud destacou a importância da psicanálise para a teoria da educação, indicando a relevância da sexualidade infantil, dos processos psíquicos inconscientes, como a sublimação, a transferência e a identificação, envolvidas na formação subjetiva e na transmissão do conhecimento. Freud alertou sobre a necessidade de se pensar em uma educação psicanaliticamente esclarecida, que incluísse os conflitos pulsionais na agenda educacional.

Na leitura psicanalítica apresentada por Kupfer (2001), Lajonquière (1998) e Cohen (2006), os autores reiteram a impossibilidade ou fracasso das estratégias educacionais como manifestação do inconsciente no ato educativo, como aquilo que surge como dimensão ineducável e corresponde à falta, a castração que deve operar todo ato educativo. Assim, a educação pode ser contemplada como uma prática impossível, mas não menos necessária, conforme designou Freud, na medida em que a dimensão inconsciente, que torna os atos humanos singulares e imprevisíveis, não permite nenhuma previsibilidade e padronização de resultados. Entretanto, como lembra Lajonquiére (2010, 1998), o discurso especializado e tecnicista nada quer saber sobre essa dimensão impossível da educação. Tal condição tem operado um apagamento do sujeito no ato educativo, pois, como alerta o autor, quanto mais inflacionada está a dimensão psicopedagógica (técnica), mais fica comprometida a dimensão educativa.

A indagação sobre a política educacional, no campo da psicanálise, remete, necessariamente, ao lugar discursivo e da fala que o outro ocupa na constituição da subjetividade e, consequentemente, na dialética inconsciente de constituição do objeto de desejo com o Outro da linguagem, o Outro da cultura. Nessa perspectiva, considerar a presença do sujeito do inconsciente no ato educativo, como uma dimensão impossível da educação, implica ao menos a relação de compromisso, no intuito de equilibrar o educável (as exigências da civilização) e o ineducável pulsional, como forma de abordar sua dimensão real, permitindo novas formas de simbolização e sublimação do real da pulsão. Portanto, temos a educação como uma função histórica de introduzir o indivíduo, criança ou adulto, na cultura, socializá-lo a partir de condições que possibilitem a subjetivação em vias do desejo, o que revela a existência de um saber fazer com esse impossível, destinado menos para sua resolutividade, normatividade e padronização a partir da produtividade, do que direcionado às possibilidades de lidar com isso que "insiste em não se inscrever", propiciando a emergência de práticas criativas e necessárias, que possam ir além do mero adestramento e treinamento de conteúdos.

Na história iniciada com Freud, diferentes leitores e praticantes inscreveram seus nomes no campo psicanalítico. Jaques-Marie Émile Lacan (1901-1981) foi um dos que subverteram a ortodoxia instaurada pelos membros da Associação Psicanalítica Internacional (International Psychoanalytical Association - IPA) com sede em Londres. Denominando sua empreitada como "retorno a Freud", Lacan inventou uma prática clínica que incorporava os discursos da linguística, da etnologia, da crítica literária e de uma determinada leitura de Hegel, apresentada por Alexandre Kojeve, na década de 1930, em Paris. A prática de seu ensino na forma de seminário e de escritos enlaçou toda uma geração de pesquisadores no campo da filosofia, ciências sociais e humanas. A partir da releitura dos textos freudianos, Lacan cartografou os conceitos fundamentais da psicanálise para sustentar sua premissa: o inconsciente é estruturado como uma linguagem.

Um ano após os movimentos sociais de 1968, Lacan apresentou, em seu Seminário 17 - O avesso da psicanálise (1969-70/1992), a noção de discurso como laço social, formulando o que ele denominou pelo neologismo "quadrípode" ou seus "quatro improvisos". Os discursos foram retratados por quatro fórmulas que representam as estruturas dos laços sociais básicos, denominados como discursos do mestre, da universidade, da histérica e do analista; posteriormente, ele apresentou o matema do discurso capitalista. Tais discursos revelam as relações do sujeito com o outro; a função do objeto causa de desejo - objeto a; bem como a posição em que o sujeito se situa em relação à verdade de seu próprio ser, de seu próprio gozo e de seu saber, ou mesmo com relação aos ideais e fantasias que o orientam a partir de sua injunção simbólica com o real, promovido pelo laço social ou discurso.

A noção de discurso como laço social implicou deslocarmos a análise de conteúdo e significado das representações sociais, comumente utilizada na análise de políticas públicas, para compreendê-lo como aparelhamento do gozo pela linguagem, ou seja, ela remete sempre ao poder de dominação do significante, que opera sobre a renúncia pulsional e instaura o sujeito do desejo, na medida em que o significante representa um sujeito junto a outro significante (LACAN, 1992). Seguindo essa linha de trabalho, o discurso compreende os efeitos inconscientes da linguagem, sendo que o mesmo também funda e define a realidade psíquica e social da comunicação para o sujeito. O discurso é, portanto, um recurso específico da linguagem que fixa, cristaliza a própria linguagem, e usa seus recursos para estabelecer os laços sociais entre os seres falantes.

Podemos inferir que, ao incluir o real na estrutura dos discursos, Lacan promoveu a inclusão do inconsciente e do desejo na dimensão histórica das práticas sociais, que regem e envolvem os grupos de humanos. Como um saber sobre o real, a psicanálise sempre avançou, produzindo um discurso estrangeiro sobre o estatuto de verdade para o sujeito. Ao comprometer-se com aquilo que falha, fracassa, ou insiste em "não parar de não se inscrever" como falta, o discurso psicanalítico produz um saber sobre esse impossível de ser simbolizado, que, de acordo com o discurso analítico de Lacan, retrata o discurso que aborda aquilo que sempre falha, gera problemas e faz com que todos os discursos se interroguem: não deu certo por quê? Não há resposta ou acerto para essa pergunta, no sentido positivo, mas ela nos adverte: o ponto de chegada não reitera o ponto de partida, lembrando-nos que a impossibilidade está presente em todo ato educativo que faz laço ou discurso.

Para pensarmos a estrutura do discurso lacaniano, além da noção de linguagem, torna-se fundamental sua articulação com o campo lacaniano do gozo. Nesse sentido, o discurso surge como uma inovação e equivale a um modo de "aparelhar o gozo", marcado pela articulação dos conceitos de repetição, pulsão de morte e seus derivados. O mal-estar da civilização expresso nos laços sociais deriva dessa dimensão de aparelhamento do gozo, que faz o discurso por meio da linguagem, no qual há sempre uma perda equivalente à renúncia pulsional necessária para a criação de laços sociais. Lacan apresentou a estrutura do discurso por meio de uma fórmula composta por diferentes funções e elementos4 4 . Lacan propôs quatro elementos em seu aparelho: o significante (S1) - significante-mestre que representa o sujeito para outros significantes e que confere consistência à cadeia; o saber (S2) - significante do saber inconsciente, do trabalho e da comunicação; o objeto a (causa de desejo); e o sujeito ($) - par ordenado que expressa dependência e articula o sujeito dividido entre a demanda e o desejo do outro. :

Nesse aparelho lógico, embora cada discurso retrate uma forma específica que promove distintos dizeres, todos os discursos possuem seu lugar de agente, que representa a causa do discurso, como significante-mestre (S1). Esta causa está, por sua vez, sustentada por uma verdade (que remete ao sujeito do inconsciente - $), impulsionando o "outro" para a produção de algo, obtendo nesse processo um saber (S2) e, especificamente, um saber sobre o gozo (objeto a). Nesses quatro lugares, que fundam as funções do discurso, pode-se apreender a ênfase de Lacan em situar o desejo, de um lado, e o lugar do Outro, na posição simetricamente oposta.

O lugar abaixo e à direita, "que figura sob o desejo, é o da verdade. Sob o Outro, é aquele onde se produz a perda, a perda de gozo da qual extraímos a função do mais-de-gozar" (LACAN, 1969-70/1992, p. 97), que, como Lacan frisou, a perda que opera o lugar do objeto a (mais-de-gozar) é o equivalente a mais-valia, para a teoria marxista.

Essa fórmula, segundo Lacan, deve ser tomada como uma topologia que funda um campo operatório e formaliza os discursos já inscritos naquilo que se denominou dizer que funciona como realidade, "a do discurso que já está no mundo e que o sustenta" (ibid., p. 13), possibilitando a sua escritura e o modelo de operar o seu funcionamento. A articulação do sujeito com o discurso implica as relações que são produzidas e indica a dominância do laço social, ou seja, pelo tratamento que o outro recebe: todo laço social que trata o outro como escravo, ou um saber produzir, insere-se no discurso do mestre; todo discurso que trata o outro como objeto retrata o discurso universitário; e todo laço social que trata o outro como consumidor e objeto de consumo inscreve-se na lógica do mestre moderno, o capitalismo. O discurso analítico é o único que trata o outro como sujeito (QUINET, 2009).

A partir do discurso do mestre, que é, por excelência, o discurso do poder, podemos associar o discurso da política educacional, que está diretamente relacionada com a questão dos governos democráticos. Com relação ao discurso capitalista, propomos o discurso capitalista no campo educacional, elegendo os seguintes elementos operacionais de análise: capital, capital humano, ciência e política educacional. Como desdobramento histórico dos discursos, também associei o discurso universitário-científico de análise da política educacional ao discurso da universidade.

Terceiro discurso - tempo de concluir: fracasso como sintoma e a emergência do Sujeito

A política educacional surge como simbólico, dimensão material da policy, fruto do ciclo da política que ordena a realidade daqueles que trabalham na sua implementação. Isso se aplica tanto em relação ao domínio que ela exerce sobre seus agentes implementadores, os funcionários dessa agência, quanto em relação à dominação sobre seu público-alvo, os alunos, pois a articulação se faz na medida em que esse laço social ordena o outro a produzir, a fazer, a aprender, sendo que a dominância que a policy ocupa, como simbólico, está, estruturalmente, marcada pelo real, no que se refere aos resultados da política educacional, portanto, impossível.

Como agente (à esquerda e acima), a política (S1) está sustentada pela verdade (à esquerda e abaixo) dos governos, revelando que há um sujeito ($) em todo ato de governar. Os implementadores ocupam o lugar do outro (à direita e acima), no lugar do saber produzir (S2), os profissionais da educação que trabalham com a coisa educacional. É justamente, sob lugar, que se produz sobre a perda do mais-de-gozar (objeto a), no ato de implementação, que o estudante ou aluno ocupa, como objeto a (à direita e abaixo), lugar da perda, no qual ele se apaga como sujeito, para produzir os resultados dessa política. Ao assumir tal posição, como dejeto da operação de gozo, enquanto pura perda, a criança fica presa no lugar de um produto, servindo de sustentação para o grande Outro, o Estado, o educador, a burocracia, a sociedade, a família, entre outros.

Se esse laço social está marcado pelo domínio, a sua inscrição no discurso universitário transformará o aluno e os implementadores em objeto, para sustentar sua prática de saber, como logo veremos com a escritura do discurso universitário-científico. A partir dessa variante do discurso, escrevemos o discurso capitalista no campo educacional. O capital passa a ser o significante-mestre, que domina todas as esferas da vida, controlando tudo, sendo o agente o sujeito dividido, que surge como capital humano, como sujeito do discurso capitalista, por fazer produzir e consumir. Conforme a estrutura a seguir, vemos que o capital passou a ocupar o poder do mestre:

O capital humano ocupa o lugar do sujeito ($), sustentado pela verdade significante do poder do capital (S1). O sujeito dividido, por sua vez, está determinado pela política educacional, como mão de obra qualificada, que compete para a produção do gozo capital. Esse discurso revela que o sujeito, como capital humano em potencial, encontra-se no lugar de dominância, como sujeito dividido, ou seja, ele possui a ilusão que detém o poder de negociar sua posição na divisão social do trabalho, em troca de maior poder de consumo. A política educacional segue sob o imperativo da ciência, como perda (objeto a), que é o mais-de-gozar, produzido pelo domínio do discurso capitalista no campo educacional. A política educacional, enquanto mais-de-gozar do capitalismo, pode ser lida como investimento para produção de mais capital humano, que, por sua vez, retorna como mais-valia para o capitalista. Nesse caso, o resultado é a produção de aumento do individualismo e da competitividade para o sujeito, que trabalha cada vez mais para produzir os objetos de consumo para seu gozo. Em outras palavras, com a dominância do discurso capitalista no campo da educação, as políticas educacionais, como promessa de geração de mais-valia, formam um indivíduo animado pelo desejo do capitalismo. Esse discurso produz o sujeito consumista, ao mesmo tempo em que dirige todos os seus esforços na produção de objetos de desejo, trocando horas de trabalho por uma promessa de gozo. De outro modo, o sujeito do desejo fica foracluído; no lugar da falta, característica do desejo, os produtos de consumo vêm ocupar a ilusão de um gozo pleno, absoluto, sem limites. O aspecto econômico da educação, como formação de "capital humano", passa a ser valorizado e operacionalizado em termos de mercado, em que o conhecimento se transforma em valor, marca recente de nossa "sociedade do conhecimento". Assim, assistimos à migração das técnicas administrativas de mercado para a administração pública, assim como os critérios de avaliação e os exigentes padrões de qualidade e competitividade dos serviços privados sendo aplicados no campo das políticas educacionais, por exemplo.

Este discurso revela que a política educacional ocupa o lugar da perda, que volta como mais-valia, seguindo a homologia do mais-de-gozar, conforme apontou Lacan (1969-70/1992), produzindo o sujeito animado pelo discurso capitalista. Como sabemos, tal discurso corresponde ao desmantelamento dos laços sociais, transformando tudo e todos em objetos de produção e consumo. É o que ilustra o cenário macroeconômico atual, no qual acompanhamos a reestruturação internacional do trabalho, que exige profissionais com novas disposições e habilidades, consideradas essenciais para os bons resultados econômicos.

Consequentemente, tais transformações refletem sobre os sistemas educacionais do mundo inteiro: a nova pedagogia discursa sobre o desenvolvimento de habilidades e competências desejáveis ao pleno desenvolvimento humano. O saber deixa de ser atribuído à operação de trabalho para ser um saber de capitalista, deixa de ser a lei que regulariza um tipo de laço e passa a ser lei do mercado. O que se produz sobre o imperativo desse discurso, a mais-valia, no lugar da perda pulsional, será destituído de seu valor, na medida em que a passagem do discurso do mestre para o discurso do capitalista representou, justamente, a destituição desse saber, operando a foraclusão da lei significante e do sujeito do desejo.

Isso, também, acontece com o campo da educação sob a inscrição desse discurso que, apesar de o Estado manter a ilusão de que está agindo por boas causas, assim como o trabalhador tem a ilusão de que participa do capital como consumidor, é o poder econômico que sustenta as políticas educacionais, que reproduzem, por sua vez, a mais-valia, por meio da formação de capital humano, que retorna como taxa de lucro absorvida pelo capital. Como vemos, tanto o aluno como o professor, o gestor, o pesquisador, o político, todos equivalem ao proletário, para o capital, sendo considerados como valor de troca e de uso, como agentes de uma agência, ou operários de uma mesma fábrica.

A ênfase dominante exercida pelo discurso capitalista se desdobra, também, sobre o discurso da universidade, que pode ser lido a partir da posição que a ela assume frente ao capitalismo. Ao colocar o fracasso da política educacional como sintoma produzido pelos discursos dos mestres modernos, buscou-se interrogar o lugar e o papel que a universidade ocupa e desempenha na produção desse campo concreto de realidade. Como um discurso recente da civilização, a universidade tem que indicar qual é a sua posição frente ao domínio do capitalismo no campo da educação. Essa resposta remete ao discurso que enuncia sua própria verdade: a universidade está a serviço de quem? Vejamos sua inscrição na estrutura do discurso:

Nessa fórmula, temos o sujeito dividido ($) como sintoma produzido pelos discursos dos mestres modernos, injunção entre o capital (S1) e a ciência (S2), que ocupam o campo do domínio e do sujeito. Nesta posição de agente, a ciência reduz o outro à posição de objeto do conhecimento. Assim, ela age em nome do saber (S2), como um "agente autorizado" à produção de conhecimento sobre a política educacional (acima à direita), essa que surge como objeto a, causa do desejo científico. O que esse discurso oculta é o capital como poder que sustenta sua verdade (abaixo à esquerda). Na medida em que tudo que é tratado pelo discurso da universidade é determinado pelo saber, tudo que se encontra no campo do outro significante é objetificado, assim como acontece com o objeto a e o sujeito dividido, resultando, no caso da fórmula anterior, na produção do sujeito sintomatizado, que está dividido justamente naquilo que implica o seu desejo, por um lado, e o sentido que adquire como produto de avaliação ou resultado da policy, por outro, sendo identificado como produto dessa operação discursiva.

Sabemos que, na era do discurso da eficácia, as políticas educacionais se desdobram como demandas específicas de conhecimento especializado sobre o real da educação, como as pesquisas que se realizam mediante diagnósticos e análises da política educacional, em que o ciclo da política, ou a implementação e avaliação, surge como objeto a, causa do desejo de saber. Assim, o campo produzido pelo discurso científico de análise das políticas educacionais remete ao lugar do agente ocupado pela ciência (S2), como significante-mestre, e o saber passa a dominar o campo do objeto, o campo do outro. Quando se trata do campo da ciência, o conhecimento produzido por esse discurso, ao ser universalizado, retorna como poder sobre o outro, assim como de fato ocorre quando a experiência do implementador/educador vai gradativamente sendo substituída em nome de novos conhecimentos, novos procedimentos tecnocientíficos, novas pedagogias, entre outros. O que o discurso da análise da política educacional não quer saber é que ela opera a desapropriação do saber do educador. De modo análogo, o aluno também fica eclipsado, a partir da posição sintomática que ocupa na estrutura, na medida em que o discurso da análise de políticas educacionais o retrata como objeto, sobrando-lhe a identificação com esse lugar como produto, ou resultados da policy.

De outro modo, na lógica dos discursos do domínio, o sujeito sofre um apagamento, referente à foraclusão do simbólico, como dimensão subjetiva, produzido pela própria escritura do discurso. Ao produzir seu próprio objeto de saber, a ciência apaga o sujeito. É justamente o simbólico foracluído pelo discurso universitário-científico que retorna no real, como fracasso do simbólico. Para esse sujeito, resta-lhe a desistência, a revolta, ou o sintoma. Ao desistir do ideário da educação, o sujeito fica fora do discurso, como os loucos, os evadidos, os desistentes, os excluídos etc. Ao se revoltar contra o discurso oficial, o sujeito tenta retomar as rédeas do poder; aqui, vemos o inconsciente como política do desejo que instaura em ato um novo estado. Ao sintomatizar, temos o sujeito do laço social instaurado pelos discursos modernos, enfim, o discurso concreto que instaura o campo da realidade transindividual do sujeito e se manifesta como produto dos discursos educacionais.

Considerações finais

Vimos que ao sujeito situado como dejeto, sob o saber-fazer do Outro, resta-lhe a imputação do fracasso, esse que será lido de acordo com a convenção dos resultados (metas, escalas de proficiência, entre outros). O fracasso da política educacional adquire novo sentido, como impossível e acontecimento do sujeito, que retrata o sujeito dividido, como presença de laço social. O fracasso como sintoma passa a ser interpretado na sua função constitutiva, na medida em que se torna ao mesmo tempo condição do social e o modo particular de inscrição do sujeito no discurso, ou seja, no laço social. Eis a diferença entre dispor a alcançar um ponto preciso ou aproximar-se dele de modo assintótico, sem esperar chegar mas também sem perdê-lo de vista, em que a educação pode ser mantida no horizonte ético das práticas escolares.

Notas

Recebido em 26 de outubro de 2012.

Aprovado em 31 de outubro de 2013.

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  • Fracasso na implementação de políticas educacionais: uma abordagem pelo discurso psicanalítico

    Educational policy implementation failure: an approach by psychoanalytic discourse
  • 1
    . Jaques-Marie Émile Lacan (1901-1981) foi um leitor e praticante da psicanálise inventada por Sigmund Freud (1856-1939). Lacan denominou seu percurso como "retorno a Freud", criando uma prática clínica que incorporou os discursos da linguística, da etnologia, da crítica literária, entre outros.
  • 2
    . Tese de doutorado disponível no endereço eletrônico: <
  • 3
    . A produção desses três discursos faz alusão à noção de tempo lógico, envolvendo três momentos distintos advindos da emergência significante do inconsciente, que pode ser descrito como "tempo de olhar", "tempo de compreender" e "tempo de concluir o tempo de compreender", fazendo menção ao texto
    O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada (LACAN, 1945/1998e).
  • 4
    . Lacan propôs quatro elementos em seu aparelho: o significante (S1) - significante-mestre que representa o sujeito para outros significantes e que confere consistência à cadeia; o saber (S2) - significante do saber inconsciente, do trabalho e da comunicação; o
    objeto a (causa de desejo); e o sujeito ($) - par ordenado que expressa dependência e articula o sujeito dividido entre a demanda e o desejo do outro.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Maio 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Aceito
      31 Out 2013
    • Recebido
      26 Out 2012
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