Acessibilidade / Reportar erro

Transição para a maternidade na trajetória acadêmica: estratégias de reparação dinâmica do self e de resistência no campo social de jovens universitárias

Resumo

O presente estudo pretende analisar as estratégias de reparação dinâmica do self e de resistência no campo social construídas por jovens universitárias que inesperadamente engravidaram durante suas trajetórias acadêmicas. A partir da perspectiva da Psicologia Cultural Semiótica, será apresentado um estudo de caso construído por entrevista narrativa. A análise do caso revela que a gravidez não planejada foi experienciada pela jovem entrevistada como um evento disruptivo que, junto a um restrito apoio social e institucional, implicou em significativos desafios para conciliar distintas demandas, colocando em risco a sua saúde mental. Nesse cenário de complexas demandas desenvolvimentais, intensos deverão ser os esforços com o intuito de reparação dinâmica do self e de resistência para a permanência na universidade.

Palavras-chave
Ensino superior; Estudo de caso; Gravidez; Psicologia cultural

Abstract

This study aims to analyze the strategies of dynamic self-repair and resistance in the social field built by young university students who unexpectedly became pregnant during their academic formation. From the perspective of Semiotic Cultural Psychology, a case study built in a narrative interview situation will be presented. The case analysis reveals that the unplanned pregnancy was experienced by the young woman as a disruptive event, which, together with a restricted social and institutional support, resulted in significant challenges to reconcile different demands, putting her mental health at risk. In this scenario of complex developmental demands, intense efforts should be made with the purpose of dynamic self-repair and resistance to remain in the university.

Keywords
Case study; Cultural psychology; Higher education; Pregnancy

O presente estudo pretende analisar as estratégias semióticas de reparação dinâmica do self e de resistência no campo social construídas e utilizadas por jovens universitárias que inesperadamente engravidaram durante suas trajetórias acadêmicas. A emergência de uma gravidez não planejada ao longo do percurso acadêmico pode ser sentida/percebida por uma jovem como uma ruptura, tanto no sentido de uma interrupção inesperada daquilo que ela imaginava que aconteceria em sua trajetória de vida (por exemplo, a formação universitária e a transição da universidade para o mercado de trabalho e, posteriormente a gravidez e o nascimento de um filho), mas também descontinuidades no desenvolvimento do self (entendimentos e expectativas que vinham sendo construídos acerca de si e do mundo). Neste sentido, as estratégias semióticas de reparação dinâmica do self possuem o propósito principal de lidar com pelo menos três complexas demandas pessoais e socioculturais distintas, que simultaneamente se apresentam em seus cursos de vida: (I) persistir no percurso da formação universitária, (II) dar conta das exigências da transição para a maternidade mediante a notícia de gravidez – evento biográfico significativo – e, (III) dar início a concretização das prospecções pessoal-coletivas voltadas para a inserção laboral.

À luz da perspectiva teórica da Psicologia Cultural de base semiótica, o presente trabalho consiste em um recorte de um projeto de pesquisa mais amplo que almeja entender quais são as estratégias semióticas utilizadas para a reparação de descontinuidades significativas e simultâneas nas trajetórias de vida, além da articulação de distintas demandas pessoais e socioculturais que emergem em um mesmo momento existencial em diferentes esferas da vida. Nesse sentido, o cenário de análise é composto por condicionantes estruturais do desenvolvimento da vida das jovens na realidade brasileira, tais como os arranjos familiares existentes em diferentes grupos sociais e os recursos materiais e instrumentais disponibilizados por instituições universitárias voltados para auxiliar as jovens em seus processos de formação acadêmica superior e de entrada no mercado de trabalho em interface com o evento da gravidez. Estes são aspectos macrossociais e contextuais determinantes para compreender os processos de transição em curso. Ademais, também serão consideradas e enfatizadas as questões específicas à condição feminina em nossa sociedade que, entre outras, revelam o valor sociocultural atribuído à maternidade e ao papel social de mãe, as sugestões sociais referentes às atribuições do cuidado dos filhos, prioritariamente, destinadas às mulheres e, ainda, a desvalorização da atividade feminina no mercado de trabalho. Ao considerar esses aspectos, pretendemos analisar o esforço das jovens universitárias em persistir no percurso acadêmico em termos de resistência.

Parte-se do pressuposto de que durante períodos de transição no curso do desenvolvimento humano – como quando alguém está tentando reparar e resolver uma ruptura existencial, que envolve mudanças qualitativas –, faz-se necessária a ativação de mecanismos adicionais de reorganização do self, como a construção de uma nova cadeia hierárquica de signos que permita à pessoa ajustar o seu desenvolvimento através da reparação da ruptura. Ressalta-se, entretanto, que esta situação desafiadora pode se tornar ainda mais complexa quando essas experiências significativas de ruptura e transição se dão em contextos educacionais, como a universidade. Afinal, tais contextos também exigem que a pessoa precise lidar com múltiplas demandas educacionais. Estar em transição dentro deste contexto de vida culturalmente organizado leva a emergência de outras tensões e ambiguidades, suscitando o desenvolvimento na medida em que promove a construção de novos significados que emergem na tentativa de dar conta dessas tensões (Marsico & Tateo, 2018Marsico, G., & Tateo, L. (2018). Introduction: the construct of educational self. In G. Marsico & L. Tateo (Eds.), The emergence of self in educational contexts: theoretical and empirical explorations (pp. 1-14). Cham: Springer.).

Com o propósito de construir um senso de continuidade, de integridade e consistência através da experiência de múltiplas demandas pessoal-socioculturais significativas, que podem ser experienciadas em termos de rupturas simultâneas ao longo da trajetória de vida, dá-se uma busca psicológica de autopreservação do self – por meio de estratégias semióticas de reparação dinâmica. Tais estratégias ao serem utilizadas, levam à construção de signos específicos – os signos reparadores –, que operam sobre os fragmentos da trajetória interrompida, promovendo algum tipo de articulação entre esses fragmentos, resgatando certo senso de continuidade (Pontes, 2016Pontes, V. V. (2016). Trajetórias interrompidas: perdas gestacionais, luto e reparação. Salvador: EDUFBA., 2019Pontes, V. V. (2019). Disquieting experiences of ruptures in the life trajectory: challenges to dynamic self-repair. Integrative Psychological and Behavioral Science, 53, 450-462. https://doi.org/10.1007/s12124-019-09492-5
https://doi.org/10.1007/s12124-019-09492...
).

Por sua vez, a emergência dos signos reparadores ocorre através da intersubjetividade, isto é, da relação que o sujeito estabelece com o(s) outro(s) através das diferentes esferas da vida nas quais a pessoa se encontra inserida – e no qual estão presentes outras pessoas, tais como familiares –, que circunscrevem “às condições de possibilidade de o sujeito ser e estar no mundo, à sua consciência e reflexão sobre si mesmo e sobre os outros seres no e do mundo, à permanência e à transformação de si que esse ser no mundo acarreta e, em última instância, às possibilidades e implicações do vir a ser e do não ser na relação com os outros” (Simão, 2010Simão, L. M. (2010). Ensaios dialógicos: compartilhamento e diferença nas relações eu-outro. São Paulo: Hucitec., p. 88). Assim sendo, as relações eu-outro podem balizar elaborações pessoais do sujeito na direção de reorganizar sua experiência diante do evento disruptivo. Essa reorganização implica um diálogo pessoal no âmbito da temporalidade (Pontes & Simão, 2018Pontes, V. V., & Simão, L. M. (2018). Transgenerational ambivalence in the time to come: how meanings regulate being pregnant and facing miscarriage. In I. Albert, E. Abbey, & J. Valsiner. (Orgs.). Trans-generational family relations: investigating ambivalences. Charlotte: Information Age Publishing.; Simão, 2016Simão, L. S. (2016). Culture as a moving symbolic border. Integrative Psychological and Behavioral Sciences, 50, 14-28. https://doi.org/10.1007/s12124-015-9322-6
https://doi.org/10.1007/s12124-015-9322-...
).

A fim de embasar a análise do caso que será apresentado neste artigo, faz-se importante revisar brevemente os estudos mais recentes que se debruçam sobre o fenômeno da transição para a maternidade na trajetória acadêmica, e definir o que são e como funcionam as estratégias semióticas de reparação dinâmica do self.

Transição para a maternidade na trajetória acadêmica

Ao longo dos últimos anos diversos estudos sobre o Ensino Superior no Brasil têm evidenciado a importância da criação e implementação de políticas públicas que visem promover a equidade de gênero, raça e classe, aspectos que influenciam fortemente as condições de acesso e permanência dos estudantes (Barreto, 2015Barreto, P. C. S. (2015). Gênero, raça, desigualdades e políticas de ação afirmativa no ensino superior. Revista Brasileira de Ciência Política, 16, 39-64. http://dx.doi.org/10.1590/0103-335220151603
https://doi.org/10.1590/0103-33522015160...
; Silva & Borba, 2018Silva, P. V. B., & Borba, C. A. (2018). Políticas afirmativas na pesquisa educacional. Educar em Revista, 34(69), 151-191. https://doi.org/10.1590/0104-4060.58095
https://doi.org/10.1590/0104-4060.58095...
). Esse é o caso de muitas jovens universitárias que engravidam ao longo da trajetória acadêmica e precisam conciliar diversas e complexas demandas pessoais e socioculturais distintas, relacionadas às exigências da transição para a maternidade e da formação universitária.

A expansão da escolaridade no Brasil ocorrida nas últimas décadas promoveu um maior número de vagas ofertadas nas universidades públicas e um aumento significativo das mulheres nesses contextos educativos. Em 2017, 57,0% do total de matrículas nos cursos de graduação pertenciam ao sexo feminino, sendo maioria também no total de ingressos (55,0%) e de concluintes (61,1%) (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2017Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2017). Censo da Educação Superior 2017: divulgação dos principais resultados. Brasília: INEP. http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-pdf/97041-apresentac-a-o-censo-superior-u-ltimo/file.
http://portal.mec.gov.br/docman/setembro...
).

Entretanto, apesar dessas transformações socioculturais, acompanhadas pelo movimento feminista (Ricoldi & Artes, 2016Ricoldi, A., & Artes, A. (2016). Mulheres no ensino superior brasileiro: espaço garantido e novos desafios. Ex Æquo, 33(1), 149-161. http://www.scielo.mec.pt/pdf/aeq/n33/n33a11.pdf
http://www.scielo.mec.pt/pdf/aeq/n33/n33...
), que impulsionaram as mulheres à realização de múltiplas funções além do espaço doméstico, persiste a expectativa pessoal-coletiva da responsabilidade prioritariamente feminina com o cuidado do lar, do marido e dos filhos. A maternidade carrega consigo significados culturalmente construídos e compartilhados que atribuem a uma “essência feminina” a habilidade natural no cuidado dos filhos e a realização pessoal da mulher através da maternidade. Tais signos e significados guiam o pensar, o sentir e o agir das pessoas inseridas nestes contextos e acabam por minimizar os potenciais desafios que podem surgir na experiência de tornar-se mãe (Urpia, 2009Urpia, A. M. O. (2009). Tornar-se mãe no contexto acadêmico: narrativas de um self participante (Dissertação de mestrado não-publicada). Universidade Federal da Bahia. https://pospsi.ufba.br/sites/pospsi.ufba.br/files/ana_maria_urpia.pdf
https://pospsi.ufba.br/sites/pospsi.ufba...
). Deste modo, as novas ofertas no campo social para as mulheres disputam espaço com as funções sociais tradicionais como a vida doméstica e a maternagem, levando a emergência de diversas tensões e ambivalências.

As múltiplas atribuições acumuladas por mulheres universitárias que se tornam mães aparecem como desafios para a permanência e conclusão do percurso acadêmico, obrigando-as a adotar estratégias variadas como trancar o curso temporariamente ou cursar menos disciplinas por semestre para dar conta das diversas exigências (Prates & Gonçalves, 2019Prates, S. R., & Gonçalves, J. P. (2019). Educação superior e relações de gênero: atividades domiciliares para mães estudantes de pedagogia. Revista Internacional de Ensino Superior, 5(1), 1-23. https://doi.org/10.20396/riesup.v5i0.8653753.
https://doi.org/10.20396/riesup.v5i0.865...
). Além desses obstáculos, o estudo realizado por Silva et al. (2020)Silva, J. S., Alves, M. B., Carvalho, G. B., Tavares, R., Arruda, A. A., & Costa, C. D. M. (2020). A maternidade na trajetória universitária: desafios percorridos pelas discentes da Universidade Federal do Maranhão – UFMA campus VII Codó. Brazilian Journal of Development, 6(7), 42538-42550. https://doi.org/10.34117/bjdv6n7-027
https://doi.org/10.34117/bjdv6n7-027...
revela que as mães estudantes ainda precisam enfrentar concepções patriarcais de alguns membros familiares, que acreditam que uma mulher com filhos precisa ficar em casa e se ocupar dos cuidados domésticos e parentais. Ademais, muitos colegas e professores não conseguem compreender as ausências em sala de aula e os atrasos nas realizações das tarefas acadêmicas devido aos desafios enfrentados no exercício da maternidade.

Seguindo nesta direção, Soares et al. (2017)Soares, L. S., Bezerra, M. A. R., Silva, D. C., Rocha, R. C., Rocha, S. S., & Tomaz, R. A.S. (2017). Vivência de mães na conciliação entre aleitamento materno e estudos universitários. Avances en Enfermaría, 35(3), 284-292. http://dx.doi.org/10.15446/av.enferm.v35n3.61539
https://doi.org/10.15446/av.enferm.v35n3...
identificaram que a excessiva carga horária distribuída nos turnos de atividades acadêmicas, a rigidez do horário previsto para a realização dessas atividades e a falta de estrutura exclusiva para o aleitamento materno na instituição de ensino contribuem para as interrupções das atividades universitárias. Os resultados do estudo também apontaram a falta de suporte familiar neste período como mais um dos desafios vivenciados por estas jovens.

Por sua vez, a revisão da literatura realizada por Vieira, Souza e Rocha (2019)Vieira, A. C., Souza, P. B. M., & Rocha, D. S. P. (2019). Vivências da maternidade durante a graduação: uma revisão sistemática. Revista COCAR, 13(25), 532-552. https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/2172.
https://periodicos.uepa.br/index.php/coc...
revela que entre as mães universitárias são comuns sentimentos descritos como estresse, impotência e falta de motivação, e que estas estudantes estão mais suscetíveis à interrupção e desistência da formação acadêmica quando não dispõem do suporte social necessário. Ressalta-se que as repercussões da interrupção e do abandono da trajetória acadêmica vão além da não formação de sujeitos produtivos para o sistema econômico. Afinal, o contexto de Ensino Superior consiste em um espaço de desenvolvimento humano e a interrupção dessa trajetória implica na exclusão da oportunidade de acesso ao conhecimento e a bens culturais hegemônicos, bem como de uma consciência crítica e política (Marinho-Araújo, 2016Marinho-Araújo, C. M. (2016). Inovações em psicologia escolar: o contexto da educação superior. Estudos de Psicologia (Campinas), 33(2), 199-211. http://dx.doi.org/10.1590/1982-02752016000200003
https://doi.org/10.1590/1982-02752016000...
). Por essa razão, uma rede de apoio social e institucional adequada revela-se imprescindível para que estas jovens consigam atender às demandas da maternidade, assim como persistir e resistir no percurso universitário (Moreno, Duarte, & D’Affonseca, 2020Moreno, C. S., Duarte, G. M., & D’Affonseca, S. M. (2020). A condição universitária e a vivência parental. Psicologia e Argumento, 38(1), 548-579. https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/26506.
https://periodicos.pucpr.br/index.php/ps...
).

A rede de apoio institucional é assegurada no Brasil, sobretudo, por aspectos legais. A Lei n° 6.202/1975 garante às estudantes grávidas o direito ao tratamento excepcional, tornando a instituição de ensino responsável pelo acompanhamento dos exercícios domiciliares – como compensação da ausência às aulas –, durante três meses, a partir do oitavo mês de gestação. O afastamento poderá ocorrer por períodos maiores em casos particulares, comprovados mediante ao atestado médico (Presidência da República, 1975Presidência da República (Brasil). (1975). Lei n° 6.202, de 17 de abril de 1975. Atribui à estudante em estado de gestação o regime de exercícios domiciliares instituído pelo Decreto-lei nº 1.044, de 1969, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1970-1979/L6202.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
).

Entretanto, mesmo com essas conquistas legais, incluindo a implementação das creches nas universidades, a literatura tem evidenciado que as políticas de assistência estudantil a esta população ainda são insuficientes (Dias & Soares, 2019Dias, M. J. S., & Soares, B. V. P. S. (2019). Assistência estudantil x creche nas universidades públicas. Revista Educação e Emancipação, 12(2), 50-74. http://dx.doi.org/10.18764/2358-4319.v12n2p50-74
https://doi.org/10.18764/2358-4319.v12n2...
; Vieira et al., 2019Vieira, A. C., Souza, P. B. M., & Rocha, D. S. P. (2019). Vivências da maternidade durante a graduação: uma revisão sistemática. Revista COCAR, 13(25), 532-552. https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/2172.
https://periodicos.uepa.br/index.php/coc...
). Desta forma, a emergência de uma gravidez não planejada na trajetória acadêmica pode ser experienciada por uma jovem universitária como uma ruptura significativa de sua trajetória, ameaçando certo senso de continuidade do self e exigindo a construção e o uso de estratégias semióticas de reparação dinâmica (Pontes, 2016Pontes, V. V. (2016). Trajetórias interrompidas: perdas gestacionais, luto e reparação. Salvador: EDUFBA., 2019Pontes, V. V. (2019). Disquieting experiences of ruptures in the life trajectory: challenges to dynamic self-repair. Integrative Psychological and Behavioral Science, 53, 450-462. https://doi.org/10.1007/s12124-019-09492-5
https://doi.org/10.1007/s12124-019-09492...
).

Estratégias semióticas de reparação dinâmica do self e resistência no campo social

As estratégias semióticas de reparação dinâmica do self são a expressão de um esforço contínuo de autorregulação semiótica da mente, mediante eventos que provocam ruptura no sistema de significados pessoal-cultural, com a finalidade de manutenção da saúde psíquica do indivíduo.

A ocorrência de um evento pessoalmente significativo e inesperado, que rompe súbita e definitivamente o que era imaginado e esperado acontecer no futuro próximo ou imediato (ruptura temporal) – como uma gravidez inesperada na trajetória acadêmica –, leva a emergência de um tumulto interno desencadeado pela ruptura. Rupturas externas provocam rupturas internas relacionadas ao sentido do self, ameaçando certo senso de continuidade e de identidade: sentidos acerca de quem se era, de quem se é, e de quem será. A ampliação da incerteza face ao futuro pode abalar as pontes de sentido constantemente construídas pelos indivíduos entre o passado, presente e futuro (Valsiner, 2019Valsiner, J. (2019). Cultural psychology as a theoretical project/La psicología cultural como proyecto teórico. Estudios de Psicología, 40(1), 10-47. https://doi.org/10.1080/02109395.2018.1560023
https://doi.org/10.1080/02109395.2018.15...
). O self enquanto um intérprete produz esforços na tentativa de traduzir as rupturas em termos simbólicos, conectando os fragmentos da trajetória de vida subitamente interrompida, a fim de resgatar um senso de integridade. O self luta para se reencontrar, para se reerguer e, para isso, reúne suas forças com o propósito de autorreparação, lançando mão de estratégias semióticas de reparação dinâmica, criando e fazendo uso de uma miríade de signos (signos reparadores), que podem ser sobrepostos, com o propósito de reparar a conexão entre o passado e o presente, construindo um sentido de futuro possível (Pontes, 2016Pontes, V. V. (2016). Trajetórias interrompidas: perdas gestacionais, luto e reparação. Salvador: EDUFBA., 2019Pontes, V. V. (2019). Disquieting experiences of ruptures in the life trajectory: challenges to dynamic self-repair. Integrative Psychological and Behavioral Science, 53, 450-462. https://doi.org/10.1007/s12124-019-09492-5
https://doi.org/10.1007/s12124-019-09492...
).

Em suma, quando uma pessoa experiencia rupturas significativas e inesperadas no curso do seu desenvolvimento, faz-se necessário que algum significado generalizado, ainda que provisório, seja construído para fornecer uma síntese, unidade e alívio. Argumentamos que a experiência de rupturas significativas, algumas vezes temporalmente simultâneas, requer um tipo específico de processo semiótico – as estratégias semióticas de reparação dinâmica do self. Estas estratégias ao serem utilizadas, levam à construção de signos específicos – os signos reparadores –, que têm o poder de realizar algum tipo de conexão dos fragmentos da trajetória interrompida, construindo uma articulação entre esses fragmentos e resgatando certo senso de continuidade (Pontes 2016Pontes, V. V. (2016). Trajetórias interrompidas: perdas gestacionais, luto e reparação. Salvador: EDUFBA., 2019Pontes, V. V. (2019). Disquieting experiences of ruptures in the life trajectory: challenges to dynamic self-repair. Integrative Psychological and Behavioral Science, 53, 450-462. https://doi.org/10.1007/s12124-019-09492-5
https://doi.org/10.1007/s12124-019-09492...
). Os signos reparadores operam sobre as rupturas significativas no curso de vida e promovem a emergência de novos significados no momento presente, a reconstrução de significados atribuídos às experiências no passado e nova orientação para a gama aceitável de construções de significados para o futuro, conectando passado e futuro no presente. Relançando-os numa nova narrativa, sempre singular – e, de certo modo, unificada e coerente – acerca de si mesmo e da sua própria vida.

Método

O presente trabalho consiste em um recorte de um estudo de pós-doutoramento em Psicologia (PPGPSI/UFBA), intitulado “Rupturas na transição para a vida adulta: estratégias semióticas de reparação e resistência do self”, sob responsabilidade da primeira autora deste artigo. Será apresentado um estudo de caso qualitativo construído em situação de entrevista narrativa individual, aprofundada.

Participante

A participante cuja narrativa será analisada é uma jovem universitária de 25 anos, que engravidou inesperadamente aos 19 anos, quando cursava o terceiro semestre do curso de Psicologia de uma universidade pública e federal na cidade do Salvador/BA, Brasil.

Procedimentos de coleta de dados

De acordo com Yin (2015)Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: planejamento e métodos (5a ed.). Porto Alegre: Bookman., o estudo de caso é um método de pesquisa que permite entender fenômenos sociais complexos, pois possibilita que os pesquisadores focalizem um fenômeno contemporâneo em profundidade, a partir de uma perspectiva holística e contextual. Uma importante fonte de informação consiste nas entrevistas. A técnica utilizada neste estudo para a realização das entrevistas aproxima-se daquela descrita por Jovchelovitch e Bauer (2017)Jovchelovitch, S., & Bauer, M. V. (2017). Entrevista narrativa. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes. ao tratar da entrevista narrativa, na qual não se segue o esquema “pergunta-resposta” ou um roteiro dirigido, mas, sim, temas amplos a serem propostos aos entrevistados. Assim, incentivando-se a espontaneidade por parte da participante e o ‘contar histórias’, intenta-se privilegiar sua própria perspectiva na narração dos acontecimentos. A entrevista foi audiogravada.

Uma vez transcrita a entrevista, foi iniciado o tratamento e análise dos dados. Mediante a leitura intensiva do transcrito, foi elaborada sinopses do caso, buscando-se um olhar abrangente ou holístico (Lieblich, Tuval-Mashiach, & Zilber, 1998Lieblich, A., Tuval-Mashiach, R., & Zilber, T. (1998). Narrative research: reading, analysis and interpretation. Thousand Oaks: Sage.) no primeiro momento, e classificando os dados, em um segundo momento, através de categorias de análise propostas nos seguintes eixos centrais: (1) significados de formação superior, inserção laboral e maternidade; (2) emergência de assimetrias e tensões entre distintas expectativas pessoais e socioculturais relacionados a eventos biográficos significativos (tais como gravidez, formação acadêmica e inserção no mercado de trabalho) que simultaneamente se apresentam no curso de vida; (3) signos reparadores e estratégias semióticas utilizadas para conciliar as distintas expectativas pessoais e socioculturais relacionadas aos eventos biográficos acima identificados e, assim, promover uma articulação consistente entre aspectos da memória autobiográfica (passado), com a perspectiva presente sobre si mesma e expectativas para o futuro, (4) rede social e institucional de apoio emocional e instrumental existente e efetiva.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da UFBA (parecer nº 2.283.053). A participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a divulgação dos resultados em ensino, pesquisa e publicação. Foi garantido o livre acesso às informações coletadas e quaisquer esclarecimentos solicitados, bem como a suspensão da participação se assim fosse da vontade da participante. Também foi garantido o sigilo, a fim de assegurar a privacidade da participante e dos dados confidenciais envolvidos na pesquisa.

Resultados

A narrativa da participante, aqui denominada de Flávia, foi organizada a partir de três eixos temáticos principais: (I) Ruptura na trajetória acadêmica em decorrência da emergência inesperada da gravidez, (II) Transição para a maternidade, e, (III) Persistência na formação acadêmica e perspectiva de futuro. Esses eixos temáticos contemplam aspectos de interesse específico a este estudo, tais como: os significados construídos sobre formação superior, inserção laboral e maternidade; emergência de assimetrias e tensões entre distintas expectativas pessoais e socioculturais; rede de apoio social e institucional; questões de gênero; e, expectativa de futuro (inserção profissional).

Ruptura na trajetória acadêmica: a notícia inesperada da gravidez

Flávia estava com 19 anos e cursava o terceiro semestre do curso de Psicologia quando descobriu que estava grávida. Relata que a notícia da gravidez suscitou intensa preocupação, afinal não havia planejado aquela gravidez e imaginava que este acontecimento implicaria renunciar a aspectos considerados importantes em sua vida, tais como a formação acadêmica: “fiquei muito preocupada porque iria atrapalhar a minha vida [...] eu ia ter que deixar tudo [...] Então eu fiquei muito desesperada”. A universidade para a Flávia era concebida como um importante elemento para a manutenção da sua saúde mental: “a [universidade] sempre foi isso, um lugar que me mantinha minimamente bem [...] sempre algo de […] me ajudar a manter, me manter organizada [...] vir pra cá, pra mim sempre foi muito bom [...] era maravilhoso [...] eu amava”. Flávia foi a primeira mulher da sua família a ingressar no Ensino Superior e esta conquista era percebida como valorizada pelos membros familiares. Para Flávia consistia na possibilidade de seguir um caminho diferente em relação às demais mulheres da família, cujo destino estava atrelado ao trabalho reprodutivo, isto é, ao cuidado do lar e dos filhos.

A gravidez inesperada, assim, ameaçava a sua permanência na trajetória acadêmica. Na tentativa de resolver esta inquietante situação, Flávia cogitou a possibilidade de realizar um aborto. Entretanto, envolta em uma armadilha semiótica acionada no momento em que seu ex-parceiro relata aos familiares a notícia da gravidez – como uma estratégia de impedi-la de interrompê-la –, percebeu-se forçada, por receio de julgamentos morais, a desistir do aborto e dar continuidade à gravidez: “Fiquei presa [...] acabou comigo ali, eu realmente queria abortar. E aí depois eu tive que aceitar [...] foi difícil para mim”.

A experiência da gravidez foi descrita por Flávia como “muito complicada”, repercutindo na sua trajetória acadêmica: “eu não conseguia levantar da cama porque eu sentia muita dor, muita cólica. [...] Aí depois passou a dor e apareceu um ardor no seio [...] e isso foi até o final da gravidez. Não conseguia nem ir para a faculdade direito”. Estes sintomas foram apontados como razões para as frequentes faltas nas aulas, culminando no momento em que uma professora teve uma atitude considerada “rude”, levando à interrupção temporária da sua trajetória acadêmica:

Na primeira semana eu faltei porque eu tava me sentindo mal [...]. Aí eu cheguei pra professora e falei: ‘professora, eu tô sem grupo’, e ela: ‘ah, por que você tá sem grupo? já é a segunda semana de aula!’ [...] aí eu fiz ‘não, porque eu passei mal, tô grávida’ expliquei pra ela, aí ela ‘ah, mas gravidez não é doença, não! Se vire aí!’. Depois daquele dia não quis mais ir pra aula [...] eu fiquei assustada, porque eu não esperava a reação, uma professora de psicologia […] e depois eu fiquei tipo muito, sei lá, fiquei me sentindo culpada, inclusive porque eu tava grávida.

Após este acontecimento de não-apoio por parte de uma docente, Flávia interrompeu a sua trajetória acadêmica por um ano e meio.

Transição para a maternidade

A transição para a maternidade trouxe implicações significativas para a saúde mental de Flávia, sendo percebida como uma experiência de fronteira entre a sanidade < > não sanidade mental. A interrupção da trajetória acadêmica e o afastamento do contexto universitário foram apontados como aspectos que contribuíram para o seu intenso sofrimento psíquico: “Eu me via mesmo no limite entre a sanidade e a insanidade, eu me sentia na corda bamba, e precisava fazer alguma coisa pra não desorganizar de vez, e pra mim a [universidade] sempre foi isso, um lugar que me mantinha minimamente bem, apesar de todo o sofrimento, apesar de tudo”.

O período do puerpério foi considerado como um dos momentos mais difíceis da sua trajetória de vida, sendo a maternidade significada como uma experiência de aprisionamento, de solidão, como um campo de impossibilidades: “Terrível. Eu odiava ficar em casa o dia todo... pra mim foi um conflito muito grande, eu não tinha ninguém pra falar sobre isso [...] Eu não gostava, pra mim aquilo era [...] O pior momento da minha vida [...] Eu não estudava, eu não conseguia sair, eu não conseguia vir para a faculdade”.

A comparação da sua situação com as das colegas da universidade contribuiu para os significados construídos para o puerpério em termos de improdutividade e involução, levando Flávia a se perceber como “emburrecida”:

Eu não podia mais sair, não podia mais estudar, e as minhas amigas todas estavam indo pra faculdade, estavam sabe, estudando e seguindo a vida delas, e eu tava ali tipo […] Sendo dona de casa. Pra mim foi terrível [...] Elas estavam produzindo, elas estavam estudando, elas estavam evoluindo no sentido do conhecimento acadêmico e eu tava me sentindo emburrecida em casa.

A experiência de temporalidade também foi afetada pelo puerpério e suas repercussões afetivo-semióticas na dinâmica subjetiva de Flávia. Para a jovem, o tempo passou a apresentar um fluxo mais lento e gradual, e sentia como se estivesse em um mundo paralelo às demais pessoas:

É como se eu olhasse pro mundo e visse tudo em câmera lenta, eu não sei explicar, foi muito difícil. Pra mim as coisas estavam acontecendo lá fora, mas era como se eu tivesse à parte, como se eu não tivesse envolvida, não sei [...] Foi muito estranho. Isso me deixava mais desesperada.

A estratégia encontrada para preservar a sua saúde mental e conseguir manter-se realizando os cuidados à filha recém-nascida foi “fugir” imaginariamente da situação a partir do uso de recursos simbólicos das histórias de ficção: “era como se eu tivesse realmente […] eu me envolvia muito nas histórias da série, era como se eu fugisse da minha, porque eu não queria olhar pra minha”.

Persistência na formação acadêmica e perspectiva de futuro

O retorno às atividades acadêmicas aconteceu quando a filha completou oito meses, momento em que se separou do parceiro e voltou a morar com o pai. O pai ofereceu um suporte avaliado como insatisfatório, representando um cuidador não qualificado para a sua filha, porém o único que dispunha para conseguir retomar a sua vida acadêmica. Flávia enfatiza em sua narrativa a necessidade de retornar à universidade e dar continuidade à sua formação acadêmica: “Eu voltei porque eu não me via longe, eu sabia que eu precisava voltar. [...] Foi um ano e meio em casa sem fazer nada, sem estudar [...] e pra mim isso era muito ruim”.

Para conseguir dar conta das exigências da formação acadêmica e conciliá-las com as exigências da maternidade, Flávia relata que o seu retorno à universidade se deu de forma gradativa, cursando poucas disciplinas por semestre. Mesmo com este artifício, o desafio de ter tempo para estudar persistiu, levando-a a estudar de noite, às vezes de madrugada, após a sua filha dormir.

Neste processo de retomada da trajetória acadêmica, descreve a dinâmica de apoio < > não-apoio da sua rede formal e informal. Para Flávia, a universidade não ofereceu qualquer suporte para a continuidade na trajetória acadêmica após o nascimento da filha, colocando em risco a sua permanência no Ensino Superior: “A universidade também não dá o suporte pra gente continuar, né? Tá, beleza, tem a creche, mas é muito difícil de conseguir [uma vaga na] creche, tem alguns auxílios, mas é muito complicado conseguir os auxílios”. Por outro lado, reconhece que a maioria dos docentes mostrou-se compreensiva quando Flávia precisou levar a filha para a universidade:

A maioria dos professores [...] Eu trouxe ela (filha) várias vezes pra aula porque não tinha com quem deixar… Muitos professores receberam muito bem e super entenderam e super ‘não, não tem problema, ela pode ficar, não tá atrapalhando’ e eu sabia que ela tava atrapalhando, mas super me apoiaram [...] no geral assim, os professores foram muito tranquilos.

A rede de apoio era constituída pelo pai – apoio considerado como não qualificado –, eventualmente pela mãe – que não se mostrava muito disponível para cuidar da neta – e apenas judicialmente pelo ex-parceiro, que pagava pensão alimentícia e cuidava da filha nos finais de semana, a cada quinze dias. Com o crescimento da filha, esta foi matriculada em uma escola, o que também foi avaliado como uma importante fonte de apoio para Flávia, permitindo-lhe maior tempo livre para estudar.

Apesar das muitas estratégias utilizadas por Flávia para garantir a sua permanência na trajetória acadêmica, conforme descritas anteriormente, os desafios para conciliar a vida acadêmica e maternidade persistiram ao longo do tempo. Intensa ambivalência foi experienciada em relação à maternidade e grandes obstáculos eram vislumbrados para as suas metas profissionais futuras, tais como realizar mestrado acadêmico após a graduação. Diante do intenso sofrimento psicológico vivenciado, Flávia decide iniciar uma psicoterapia. E assim, por meio desta experiência, relata que foi possível ressignificar a sua trajetória de vida passada, presente e futura (imaginada): juntamente com a psicóloga conseguiu coconstruir o significado de que a filha não é um empecilho em direção à concretização das suas metas profissionais e que, apesar de difícil, não é impossível alcançá-las:

[...] antes da terapia eu via minha filha como se fosse um empecilho pra fazer as coisas, ela não é um empecilho e muitas das coisas que eu não fazia eu justificava que eu não fazia por causa dela, mas hoje não. Hoje pra mim é muito difícil, muito, mas eu continuo fazendo e aos poucos [...] depois que a gente tem um filho precisa reformular [...] [chora] não que eu não vou entrar no mestrado, não que eu não vou fazer o que eu quero, mas não vai ser no mesmo tempo. [...] Que é mais difícil que os outros, mas não é impossível [chora]”.

A formação acadêmica revelou-se como um importante valor para Flávia e sua família. Tendo sido a primeira mulher do seu núcleo familiar a ingressar no Ensino Superior, espera poder ser para a filha, no futuro, um modelo a ser seguido: “quero que ela continue estudante também [...] é uma perspectiva nova [...] de me ter inclusive como modelo, como alguém que ela quer seguir, que ela admira. É isso que eu quero”.

Discussão

A gravidez inesperada no percurso acadêmico foi experienciada por Flávia como uma ruptura significativa no seu sistema de significados pessoal-cultural, daquilo que era imaginado e esperado acontecer no futuro: a formação acadêmica – tão valorizada por ela, sua família e pelo contexto sociocultural no qual encontra-se inserida. A universidade apresenta um importante papel de regulação afetivo-semiótica na sua vida e saúde mental, na medida em que articula diacronicamente a sua história de vida passada, incluindo a geração anterior de mulheres da sua família, com o momento presente e o campo de possibilidades vislumbrado para o futuro. Flávia enfatiza a importância de ser e fazer “diferente” em relação às escolhas dos membros da sua família, pois acredita que estar na universidade e ter uma graduação podem garantir melhores condições de vida para ela, para seus pais e para a próxima geração da sua família. Nesse sentido, o aborto foi cogitado como uma possibilidade de interromper o evento disruptivo em curso, mas abandonado no momento em que Flávia percebe ter sido capturada por uma armadilha semiótica, acionada por seu ex-parceiro que desejava dar seguimento à gestação em curso. Conforme Valsiner (2012, p. 29)Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida. Porto Alegre: Artmed., “uma armadilha semiótica é uma forma de ‘captura’ simbólica do self, em uma rede de vergonha, inferioridade ou outra forma de mostrar a superioridade da pessoa que coloca a armadilha sobre aquele que é alvo da mesma”. Neste sentido, Flávia confiou ao ex-parceiro tanto a notícia da gravidez, quanto a intenção de interrompê-la, com o propósito de contar com o seu apoio. Entretanto, o ex-parceiro comunica a notícia da gravidez para os membros da sua família, submetendo Flávia a uma imaginada rede de julgamentos, vergonha e abandono caso viesse a concretizar a intenção do aborto.

Sentindo-se aprisionada à transição para a maternidade e afetada por modificações fisiológicas e psicológicas da gestação em curso, percebidas como desagradáveis, Flávia encontra dificuldade para dar continuidade à trajetória acadêmica, decidindo interrompê-la temporariamente. Conforme apontam alguns estudos, os problemas relacionados à fisiologia que acometem a mulher em estado gravídico são apontados como condição que pode interferir no andamento do percurso acadêmico, podendo levar ao seu abandono (Soares et al., 2017Soares, L. S., Bezerra, M. A. R., Silva, D. C., Rocha, R. C., Rocha, S. S., & Tomaz, R. A.S. (2017). Vivência de mães na conciliação entre aleitamento materno e estudos universitários. Avances en Enfermaría, 35(3), 284-292. http://dx.doi.org/10.15446/av.enferm.v35n3.61539
https://doi.org/10.15446/av.enferm.v35n3...
). No caso analisado, o sentimento de culpa suscitado pela tensão entre as transformações físico-psicológicas da gravidez e as demandas acadêmicas revela a dificuldade de conciliar os campos semióticos da maternidade e da universidade, suscitando um sentido de inadequação que promove o afastamento do contexto educativo. Assim, um dos maiores desafios enfrentados por Flávia consistiu em encontrar um lugar simbólico para o tornar-se mãe em um momento em que a formação acadêmica ocupava lugar central em sua vida.

Com o nascimento da filha e a escassez de apoio por parte da sua rede social, Flávia recorre à estratégia de fuga imaginativa da realidade, por meio de histórias de ficção. Uma tentativa de não entrar em contato com pensamentos e sentimentos muito difíceis, sobre acontecimentos percebidos como aprisionamento do self – inserido em um campo de impossibilidades –, e que suscitava intenso sofrimento psíquico. Afinal, os signos “mãe” e “dona de casa” remetiam-na a papeis tradicionais de gênero exercidos pelas mulheres da sua família, aos quais tentava se afastar por meio da formação acadêmica. Com o signo autorregulador “universidade” temporariamente interditado, sentia-se na “corda bamba”, na fronteira entre a sanidade < > não-sanidade mental. Vale ressaltar que o apoio social consiste em um fator de proteção e parece ter potencial de atenuar os impactos frente aos eventos desafiadores que permeiam a transição para a maternidade (Maffei, Menezes & Crepaldi, 2019Maffei, B., Menezes, M., & Crepaldi, M. A. (2019). Rede social significativa no processo gestacional: uma revisão integrativa. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, 22(1), 216-237. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582019000100012&lng=pt&nrm=iso
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; Moreno et al., 2020Moreno, C. S., Duarte, G. M., & D’Affonseca, S. M. (2020). A condição universitária e a vivência parental. Psicologia e Argumento, 38(1), 548-579. https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/26506.
https://periodicos.pucpr.br/index.php/ps...
).

Com o crescimento da filha, outras estratégias foram construídas na tentativa de reparação do self, como a de aceitar o apoio percebido como não qualificado oferecido pelo pai para auxiliá-la no cuidado da filha, permitindo-lhe certa “liberdade” para regressar ao contexto universitário. Em um momento posterior, a entrada da filha na escola também permitiu maior tempo disponível para se dedicar aos estudos. Diferentemente do que indica a literatura – isto é, de que durante este tipo de transição no desenvolvimento ocorrem alterações na rede social de apoio no sentido de ampliar o suporte, sendo este oferecido principalmente pelo parceiro e por figuras femininas como a mãe e a sogra, bem como por amigos (Maffei et al., 2019Maffei, B., Menezes, M., & Crepaldi, M. A. (2019). Rede social significativa no processo gestacional: uma revisão integrativa. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, 22(1), 216-237. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582019000100012&lng=pt&nrm=iso
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
) –, o suporte emocional e instrumental à Flávia foi escasso e oferecido mais consistentemente por seu pai.

Ademais, também optou por retomar gradativamente as atividades acadêmicas com propósito de conseguir realizá-las, apesar da existência da filha – percebida como um “empecilho” à realização das metas pessoal-profissionais construídas ao longo da sua trajetória de vida. Conforme apontam outros estudos (Vieira et al., 2019Vieira, A. C., Souza, P. B. M., & Rocha, D. S. P. (2019). Vivências da maternidade durante a graduação: uma revisão sistemática. Revista COCAR, 13(25), 532-552. https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/2172.
https://periodicos.uepa.br/index.php/coc...
), estudantes universitárias que tiveram filhos durante a trajetória acadêmica relataram desafios significativos para conciliar a dupla, ou mesmo tripla jornada de trabalho, apontando a falta de apoio no cuidado com a casa e com os filhos como um dos principais problemas enfrentados. Assim, visando traçar um caminho diferente às mulheres da sua família, cujo destino estava fadado ao trabalho reprodutivo, a formação acadêmica representava para Flávia uma meta muito valorizada e associada à realização pessoal e familiar.

A persistência do sofrimento psíquico diante dos desafios enfrentados para conciliar a maternagem e a carreira acadêmica conduziu Flávia a buscar outra estratégia de reparação: dar início a uma psicoterapia. Através deste espaço dialógico, pôde coconstruir com o profissional de psicologia um importante signo reparador para o evento disruptivo em sua trajetória de vida: que seria “difícil”, mas não “impossível”. Ou seja, a existência da filha não consistia em um empecilho que a aprisiona em um campo de impossibilidades, mas que, apesar de tornar maior o desafio de persistir em direção à meta da formação acadêmica – carregada de valor no âmbito do self –, ainda era possível alcançá-la.

Conclusão

No decorrer das últimas décadas a educação superior tem sido alvo de inúmeras políticas educacionais nacionais e internacionais, com destaque para discussões contextuais, filosóficas, ideológicas e estruturais que influenciaram as condições de acesso, permanência, democratização e universalização da educação superior no país. Deste modo, a expansão do Ensino Superior e o movimento feminista promoveram um aumento significativo das mulheres na universidade. Entretanto, ainda nos dias atuais, o desafio de conciliar a maternidade e a formação acadêmica erige-se como um obstáculo à permanência das jovens no percurso acadêmico.

Nesta empreitada estão em jogo fenômenos desenvolvimentais complexos, tais como a transição normativa para a vida adulta e a transição não normativa para a maternidade, que exigem intensa reconstrução do self a fim de sustentar essas múltiplas e, muitas vezes, ambivalentes posições. A experiência de ruptura que uma gravidez inesperada pode representar na trajetória de vida e, em particular, na trajetória acadêmica de uma jovem universitária exigirá intensos esforços na tentativa de construção de estratégias de reparação dinâmica do self, com o intuito de reconstruir um sentido de self, isto é, de resgatar certo senso de continuidade, integridade e identidade: sentidos acerca de quem se era, de quem se é e de quem será. Neste sentido, torna-se fundamental a construção de uma conexão entre presente e passado, daquilo que a jovem havia imaginado para si em termos de metas pessoal-coletivas de vida, bem como a sua persistência na formação acadêmica em direção à inserção laboral – que envolve uma conexão entre passado-presente e futuro, com aquilo que a pessoa almeja tornar-se ou alcançar no porvir.

Nesse cenário de intensas e complexas demandas desenvolvimentais, a questão de gênero revela-se importante, pois atravessa as experiências pessoais das jovens universitárias no contexto sociocultural. Assim, ainda nos dias atuais outorgar-se à mulher a responsabilidade pelo trabalho reprodutivo, que envolve o cuidado dos filhos e os afazeres domésticos, pautada na crença de uma habilidade natural da maternidade. Esta expectativa pessoal-cultural influenciará o tipo de apoio social que uma jovem que engravida na trajetória acadêmica receberá. O não-apoio ou um apoio social insuficiente poderá colocar em risco a permanência das estudantes em sua trajetória acadêmica.

A universidade também se revela fundamental para a permanência, com dignidade, das jovens que conseguiram acesso ao Ensino Superior, oferecendo uma estrutura de apoio adaptativa e ações facilitadoras que evitem o fracasso e o abandono. Quando isto não acontece, a gravidez na trajetória acadêmica coloca em risco à permanência digna, o sucesso acadêmico e a formação dessas jovens. E isto tem ampla repercussão na vida de uma jovem, pois o contexto de Ensino Superior consiste em um espaço de desenvolvimento humano e a interrupção dessa trajetória acadêmica implica na exclusão da oportunidade de acesso ao conhecimento e a bens culturais hegemônicos, bem como de uma consciência crítica e política que envolve, entre outras coisas, a luta pela igualdade de direitos entre os gêneros.

Como citar este artigo

  • Pontes, V. V., Queiroz, F. S., Nascimento, J. S., & Fonseca, F. D. T. (2022). Transição para a maternidade na trajetória acadêmica: estratégias de reparação dinâmica do self e de resistência no campo social de jovens universitárias. Estudos de Psicologia (Campinas), 39, e200190. https://doi.org/10.1590/1982-0275202239e200190
  • Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Finance Code 001).
  • Artigo baseado no projeto de pós-doutorado de V.V. PONTES, intitulado “Rupturas na transição para a vida adulta: estratégias semióticas de reparação e resistência do self”. Universidade Federal da Bahia, 2017.

Referências

  • Barreto, P. C. S. (2015). Gênero, raça, desigualdades e políticas de ação afirmativa no ensino superior. Revista Brasileira de Ciência Política, 16, 39-64. http://dx.doi.org/10.1590/0103-335220151603
    » https://doi.org/10.1590/0103-335220151603
  • Dias, M. J. S., & Soares, B. V. P. S. (2019). Assistência estudantil x creche nas universidades públicas. Revista Educação e Emancipação, 12(2), 50-74. http://dx.doi.org/10.18764/2358-4319.v12n2p50-74
    » https://doi.org/10.18764/2358-4319.v12n2p50-74
  • Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2017). Censo da Educação Superior 2017: divulgação dos principais resultados Brasília: INEP. http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-pdf/97041-apresentac-a-o-censo-superior-u-ltimo/file
    » http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-pdf/97041-apresentac-a-o-censo-superior-u-ltimo/file
  • Jovchelovitch, S., & Bauer, M. V. (2017). Entrevista narrativa. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático Petrópolis: Vozes.
  • Lieblich, A., Tuval-Mashiach, R., & Zilber, T. (1998). Narrative research: reading, analysis and interpretation Thousand Oaks: Sage.
  • Maffei, B., Menezes, M., & Crepaldi, M. A. (2019). Rede social significativa no processo gestacional: uma revisão integrativa. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, 22(1), 216-237. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582019000100012&lng=pt&nrm=iso
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582019000100012&lng=pt&nrm=iso
  • Marinho-Araújo, C. M. (2016). Inovações em psicologia escolar: o contexto da educação superior. Estudos de Psicologia (Campinas), 33(2), 199-211. http://dx.doi.org/10.1590/1982-02752016000200003
    » https://doi.org/10.1590/1982-02752016000200003
  • Marsico, G., & Tateo, L. (2018). Introduction: the construct of educational self. In G. Marsico & L. Tateo (Eds.), The emergence of self in educational contexts: theoretical and empirical explorations (pp. 1-14). Cham: Springer.
  • Moreno, C. S., Duarte, G. M., & D’Affonseca, S. M. (2020). A condição universitária e a vivência parental. Psicologia e Argumento, 38(1), 548-579. https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/26506
    » https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/26506
  • Pontes, V. V. (2016). Trajetórias interrompidas: perdas gestacionais, luto e reparação Salvador: EDUFBA.
  • Pontes, V. V. (2019). Disquieting experiences of ruptures in the life trajectory: challenges to dynamic self-repair. Integrative Psychological and Behavioral Science, 53, 450-462. https://doi.org/10.1007/s12124-019-09492-5
    » https://doi.org/10.1007/s12124-019-09492-5
  • Pontes, V. V., & Simão, L. M. (2018). Transgenerational ambivalence in the time to come: how meanings regulate being pregnant and facing miscarriage. In I. Albert, E. Abbey, & J. Valsiner. (Orgs.). Trans-generational family relations: investigating ambivalences Charlotte: Information Age Publishing.
  • Prates, S. R., & Gonçalves, J. P. (2019). Educação superior e relações de gênero: atividades domiciliares para mães estudantes de pedagogia. Revista Internacional de Ensino Superior, 5(1), 1-23. https://doi.org/10.20396/riesup.v5i0.8653753.
    » https://doi.org/10.20396/riesup.v5i0.8653753
  • Presidência da República (Brasil). (1975). Lei n° 6.202, de 17 de abril de 1975. Atribui à estudante em estado de gestação o regime de exercícios domiciliares instituído pelo Decreto-lei nº 1.044, de 1969, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1970-1979/L6202.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1970-1979/L6202.htm
  • Ricoldi, A., & Artes, A. (2016). Mulheres no ensino superior brasileiro: espaço garantido e novos desafios. Ex Æquo, 33(1), 149-161. http://www.scielo.mec.pt/pdf/aeq/n33/n33a11.pdf
    » http://www.scielo.mec.pt/pdf/aeq/n33/n33a11.pdf
  • Silva, P. V. B., & Borba, C. A. (2018). Políticas afirmativas na pesquisa educacional. Educar em Revista, 34(69), 151-191. https://doi.org/10.1590/0104-4060.58095
    » https://doi.org/10.1590/0104-4060.58095
  • Silva, J. S., Alves, M. B., Carvalho, G. B., Tavares, R., Arruda, A. A., & Costa, C. D. M. (2020). A maternidade na trajetória universitária: desafios percorridos pelas discentes da Universidade Federal do Maranhão – UFMA campus VII Codó. Brazilian Journal of Development, 6(7), 42538-42550. https://doi.org/10.34117/bjdv6n7-027
    » https://doi.org/10.34117/bjdv6n7-027
  • Simão, L. M. (2010). Ensaios dialógicos: compartilhamento e diferença nas relações eu-outro São Paulo: Hucitec.
  • Simão, L. S. (2016). Culture as a moving symbolic border. Integrative Psychological and Behavioral Sciences, 50, 14-28. https://doi.org/10.1007/s12124-015-9322-6
    » https://doi.org/10.1007/s12124-015-9322-6
  • Soares, L. S., Bezerra, M. A. R., Silva, D. C., Rocha, R. C., Rocha, S. S., & Tomaz, R. A.S. (2017). Vivência de mães na conciliação entre aleitamento materno e estudos universitários. Avances en Enfermaría, 35(3), 284-292. http://dx.doi.org/10.15446/av.enferm.v35n3.61539
    » https://doi.org/10.15446/av.enferm.v35n3.61539
  • Urpia, A. M. O. (2009). Tornar-se mãe no contexto acadêmico: narrativas de um self participante (Dissertação de mestrado não-publicada). Universidade Federal da Bahia. https://pospsi.ufba.br/sites/pospsi.ufba.br/files/ana_maria_urpia.pdf
    » https://pospsi.ufba.br/sites/pospsi.ufba.br/files/ana_maria_urpia.pdf
  • Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida Porto Alegre: Artmed.
  • Valsiner, J. (2019). Cultural psychology as a theoretical project/La psicología cultural como proyecto teórico. Estudios de Psicología, 40(1), 10-47. https://doi.org/10.1080/02109395.2018.1560023
    » https://doi.org/10.1080/02109395.2018.1560023
  • Vieira, A. C., Souza, P. B. M., & Rocha, D. S. P. (2019). Vivências da maternidade durante a graduação: uma revisão sistemática. Revista COCAR, 13(25), 532-552. https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/2172
    » https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/2172
  • Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: planejamento e métodos (5a ed.). Porto Alegre: Bookman.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Set 2020
  • Revisado
    21 Out 2020
  • Aceito
    14 Dez 2020
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas Núcleo de Editoração SBI - Campus II, Av. John Boyd Dunlop, s/n. Prédio de Odontologia, 13060-900 Campinas - São Paulo Brasil, Tel./Fax: +55 19 3343-7223 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: psychologicalstudies@puc-campinas.edu.br