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O aprisionamento da mulher: The Handmaid’s Tale na contemporaneidade

The imprisonment of women: The Handmaid’s Tale in contemporary times

Resumo

Este artigo analisa, com base no método bakhtiniano, o enunciado estético do seriado The handmaid’s tale (2017, 2018, 2019), em cotejo com o esquete do Porta dos fundos, denominado Handmaid’s tale (2019), relacionado à política brasileira. Os objetivos são refletir sobre: a atualidade do discurso da série; a valoração da mulher; o seriado relacionado à sociedade brasileira. Os estudos bakhtinianos fundamentam esta escrita e a relevância social justifica o estudo. Para exemplificar a relação com a sociedade brasileira, como cotejo, são trabalhados dois posts do Instagram. Os resultados revelam quanto o atual governo intensifica as desigualdades, com suas práticas patriarcais, sustentadas pelo discurso religioso.

Palavras-chave
Círculo de Bakhtin; gênero; patriarcado; arte e vida; mulher

Abstract

This article analyzes, through the bakhtinian method, the TV series The Handmaid’s Tale (2017, 2018, 2019) in comparison with Porta dos Fundos’ sketch Handmaid’s Tale (2019), which makes references to Brazilian politics scenario. This work’s aim is to reflect on: how present the discourse depicted in the TV show is; the value attributed to women and the relation between the TV series and Brazilian society. This paper is based on bakhthinian studies. In order to exemplify the relation between Brazilian society and the TV series, two Instagram posts will be analyzed. This study is justified by its social relevance. The results show how the current Brazilian government intensifies inequality through its patriarchal practices, which are sustained by religious discourses.

Keywords
Bakhtin Circle; gender; patriarchy; art and life; woman

Introdução

A série The Handmaid’s Tale (2017, 2018, 2019)SKOGLAND, K.; PODESWA, J.; REID, D. The Handmaid’s Tale. 1ª, 2ª, 3ª temporadas. Estados Unidos: MGM Television, 2017, 2018, 2019., produzida pela Hulu, é uma adaptação1 1 Neste artigo, não nos voltamos à relação romance e seriado. Focamo-nos na série, entendida em sua unidade singular e como elo discursivo. Consideramos a adaptação uma recriação da obra- fonte (no caso, um romance), que serve de apoio para os protocolos audiovisuais, aos quais se adapta, como diria Stam (2006, p. 50), a demandas em voga (constrangimentos políticos, predileções autorais, valores culturais, práticas de reconhecimento etc.). Para Stam (2008, p. 20), mesmo que fosse possível desconsiderar o dinamismo do processo sócio-discursivo que envolve a adaptação, a “mudança de meio” (do literário para o audiovisual) é suficiente para transformar a adaptação num outro enunciado, dada a estruturação de cada produção. Da mesma forma, o diálogo entre arte (seriado) e vida (sociedade brasileira) ocorre, com base nos estudos bakhtinianos, como indissociável e indireto (reflexo-refração), de maneira situada. Como alguns episódios do governo Bolsonaro são objetos do esquete do Porta dos Fundos e dos posts do Instagram analisados, sua menção é necessária, pois constituem os enunciados analisados, objetos deste estudo. do romance homônimo, escrito por Margaret Atwood, em 1985. O enredo se passa numa sociedade distópica, num tempo futuro, após um golpe de Estado cometido por um grupo ultraconservador dos Estados Unidos, transformados na República de Gilead. A nova sociedade se funda como totalitária, fundamentalista e hostil às mulheres. Pela baixa taxa de fertilidade e pela necessidade de aumento da população, as mulheres férteis são submetidas a estupros consentidos, inclusive pelas mulheres-esposas, que escolhem quem vai passar por rituais constantes de sexo não consentido com os líderes dessa sociedade. A Bíblia é a constituição do local. Há a instituição de outra estrutura de governo, fundada em categorias de pessoas, em especial, de mulheres, diminuídas em todas as classes. O sexo, para a mulher e na oficialidade, só é aceito para a procriação, ainda que os homens tenham, de maneira não oficial, prostíbulos para seu prazer. Homossexuais são discriminadas e punidas. Toda a opressão revolta e surgem núcleos de resistência clandestina.

A crítica ao machismo aflora na série e é sobre essa temática que nos propomos a refletir, junto com alguns discursos do Brasil contemporâneo, tendo em vista a arte como reflexo e refração da vida. Se Gilead é um país fictício, o Brasil real é machista e a objetificação da mulher é um dos traços comuns entre série e realidade, junto com posicionamentos do governo atual, que defende a constituição da família nuclear heteronormativa e o fundamentalismo religioso cristão, o que aviva a história de colônia de exploração (como estuda SILVA, 1984SILVA, M. B. N da. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo: TAO Edusp, 1984.) escravagista-servil do Brasil, na qual poucos têm direitos a tudo, a maioria só tem deveres, as mulheres devem se submeter a seus maridos e ao sistema, aprisionadas ao lar e às esferas servis da sociedade.

Esses traços são reconhecidos por outros brasileiros, a ponto de aparecerem postagens na internet que semiotizam, por livre associação, a relação de submissão da mulher ao homem e a incorporação das vozes machista e fundamentalista do governo, especialmente semiotizada, nas postagens, pela figura de Damares Alves, como em dois posts a serem analisados, em cotejo, retirados da página oficial da série no Instagram.

O Porta dos Fundos compõe um esquete com título quase homônimo à série, em que inverte realidade e ficção para, por meio do humor, deslocar a sociedade brasileira, colocada como fictícia e, ao torná-la objeto estético, assumir sua crítica ao sistema como forma de re-conhecer o fundamentalismo, o negacionismo e o autoritarismo do governo como ridículos.

A estrutura econômica de Gilead é focada nos homens (os comandantes, chefes de Estado) e na fertilidade das mulheres, vistas como reprodutoras, mães e servis aos homens.

As mulheres são agrupadas como: 1. Esposas, mulheres dos comandantes; 2. Tias, carrascas que asseguram a obediência das Aias; 3. Aias, mulheres férteis, úteros ambulantes das famílias poderosas; 4. Econopessoas, empregados, como as Marthas, responsáveis pelos afazeres domésticos; 5. Não-Mulheres, as rebeldes, enviadas aos campos de trabalhos forçados, consideradas traidoras.

Ao considerarmos a política teocrática de Gilead (PAULA; BATISTA, 2020PAULA, L. de.; BATISTA, R. dos S. Um lugar de violência: perspectiva dialógica do corpo em The Handmaid’s Tale. Polifonia, Cuiabá (MT), v. 27 n. 49, p. 130-153, 2020. Disponível em: <https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/view/10692>. Acesso em: 3 abr. 2022.
https://periodicoscientificos.ufmt.br/oj...
), a crítica ao machismo é flagrante. O paralelo com a contemporaneidade patriarcal se estabelece como possibilidade, dada a desigualdade de gênero existente de forma alarmante ainda hoje no mundo e, em especial, no Brasil (com alto índice de feminicídios, estupros e demais violências, simbólicas e físicas, em variadas esferas: familiar, trabalho, entre outras). A desigualdade é estimulada pelo discurso religioso, avançado nos últimos anos (com partidos, sobretudo, de vertentes evangélicas e católicas no poder e com organizações populares que estimulam o retrocesso da mulher ao cárcere do lar — como o movimento Tradwives2 2 Como Paula e Teixeira (2021a, 2021b) e Paula e Santana (2021) já analisaram. ).

Segundo Bakhtin, a arte se baseia na vida e a altera pela ressignificação:

A arte, também, é imanentemente social; o meio social extra-artístico afetando de fora a arte, encontra resposta direta e intrínseca dentro dela. Não se trata de um elemento estranho afetando outro, mas de uma formação social, o estético, tal como o jurídico ou o cognitivo, é apenas uma variedade do social.

(BAKHTIN, s/d,BAKHTIN, M. M. Discurso na vida e discurso na arte – sobre a poética sociológica. [S.l.]: Mimeo, [s.d.] (para fins didáticos). p. 2).

A vida social é matéria viva semiotizada com acabamento estético, típico de dado gênero. Assim, arte e vida não são iguais nem se relacionam diretamente. Trata-se da dupla refração da linguagem.

O autor-criador de um enunciado arquiteta seu projeto de dizer e pensa a forma composicional do conteúdo temático abordado com base em um estilo, ao mesmo tempo, genérico e autoral. Como cada enunciação é um ato único, cada enunciado é, ao mesmo tempo, elo discursivo (que dialoga responsiva e responsavelmente com outros — episódios políticos, posts do Instagram, romance, esquete etc.) e singular (afinal, cada enunciado se configura com sua arquitetônica).

Para refletirmos sobre a condição das mulheres, a partir da análise da série, em cotejo com dois posts da página oficial da série no Instagram e com o esquete Handmaid’s Tale, do Porta dos Fundos, fundamentamo-nos nas concepções bakhtinianas de linguagem, em suas dimensões verbivocovisuais, conforme Paula (2017)PAULA, L. de. O enunciado verbivocovisual de animação: a valoração do “amor verdadeiro” Disney – uma análise de Frozen. In: FERNANDES Jr, A.; STAFUZZA, G. B. (org.). Discursividades contemporâneas: política, corpo, diálogo. Campinas (SP): Mercado de Letras, 2017. p. 287-314., Paula e Serni (2017)PAULA, L. de.; SERNI, N. M. A vida na arte a verbivocovisualidade do gênero filme musical. Raído, Dourados (MS), v. 11, n. 25, p. 178-201, jan./jun. 2017. Disponível em: <https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/Raido/article/view/6507>. Acesso em: 03 abr. 2022.
https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/Raido/...
, Paula e Batista (2021)______. A verbivocovisualidade criptografada de Augusto de Campos. Revista da Anpoll, 52(3), p. 55-75, 2021. Disponível em: <https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/article/view/1580>. Acesso em: 3 abr. 2022.
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e Paula e Luciano (2020aPAULA, L. de; LUCIANO, J. A. R. A filosofia da linguagem bakhtiniana e sua tridimensionalidade verbivocovisual. Revista Estudos Linguísticos – Gel, São Paulo, v. 49, n. 2, p. 706-722, 2020a. Disponível em: <https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/article/view/2691>. Acesso em: 03 abr. 2022.
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, 2020b______. A tridimensionalidade verbivocovisual da linguagem bakhtiniana. Linha D’Água, São Paulo (SP), v. 33, n. 3, p. 105-134, 2020b. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/linhadagua/article/view/171296>. Acesso em: 3 abr. 2022.
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, 2020c______. Filosofia da linguagem bakhtiniana: concepção verbivocovisual. Revista Diálogos – RevDia, Cuiabá (MT), v. 8, n. 3, p. 132-151, 2020c. Disponível em: <https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/revdia/article/view/10039>. Acesso em: 3 abr. 2022.
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, 2020d______. Dialogismo verbivocovisual: uma proposta bakhtiniana. Polifonia. Cuiabá (MT), v. 27 n. 49, p. 15-46, 2020d. Disponível em: <https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/view/11366>. Acesso em: 3 abr. 2022.
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, 2021)______. The Verbivocovisual Architectonic of the Stage La Conversione Di Un Cavallo. Global Journal of Human Social Sciences-A - GJHSS-A, v. 21, n. 13, p. 1-13, 2021. Disponível em: <https://globaljournals.org/GJHSS_Volume21/E-Journal_GJHSS_(A)_Vol_21_Issue_13.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2022.
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, para compreender como a série reflete e refrata vozes sociais e as ressignifica. O esquete compara o governo brasileiro ao de Gilead e os posts figurativizam Damares como Tia Lídia.

O gênero como segregação e dominação

A opressão das mulheres num sistema totalitário é o tema central da série. Analisá-la demanda uma reflexão acerca de como o patriarcado é opressor. De acordo com Beauvoir (2009)BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. 2 v., as mulheres ocupam a posição de segundo sexo na sociedade patriarcal, restritas a procriadoras e submissas aos homens (veridictoriedade baseada no livro do Gênese, que, na versão judaico-cristã, ao apagar a criação de Lilith como igual a Adão e substituí-la por Eva, advinda da costela do homem, institui à mulher uma inferioridade ao homem, a quem deve obedecer. À Eva é imputada a culpabilidade pelo pecado original, o que reforça sua inferiorização e lhe atribui responsabilidade pela expulsão humana do Jardim do Éden), objetificadas, improdutivas e reclusas no lar.

O gênero é um dos determinantes da condição do sujeito em sociedade. O homem é encarado como forte, livre, racional e superior; a mulher é construída como frágil, emotiva, subserviente e inferior. Conforme Saffioti (1987, p. 29)SAFFIOTI, H. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.,

[...] torna-se bem claro o processo de construção social da inferioridade. O processo correlato é o da construção social da superioridade. Da mesma forma como não há ricos sem pobres, não há superiores sem inferiores. Logo, a construção social da supremacia masculina exige a construção social da subordinação feminina. Mulher dócil é a contrapartida de homem macho. Mulher frágil é a contraparte de macho forte. Mulher emotiva é a outra metade de homem racional. Mulher inferior é a outra face da moeda do macho superior.

Segundo o Dicionário Houaiss online, patriarcado é “3. forma de organização social em que predomina a autoridade paterna; 4. forma de organização social em que a descendência reconhecida é patrilinear”. O patriarcado é um sistema hierárquico de dominação do homem sobre a mulher. Assumimos a importância dessa designação, pois “colocar o nome da dominação masculina — patriarcado — na sombra significa operar segundo a ideologia patriarcal, que torna natural essa dominação-exploração” (SAFFIOTI, 2011______. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Expressão Popular, 2011., p. 56). De acordo com Pateman, esse termo explicita o “[...] único conceito que se refere especificamente à sujeição da mulher. […] Se o problema não for nomeado, o patriarcado poderá muito bem ser habilmente jogado na obscuridade, por debaixo das categorias convencionais da análise política” (1993PATEMAN, C. O contrato sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993., p. 39).

As relações de gênero, no patriarcado, se inserem em todas as esferas. Analisar as manifestações estruturais significa adentrar em um sistema social via semioses. A concepção de ideologia é essencial, pois as valorações se expressam por meio da linguagem.

Segundo Volóchinov (2017, p. 93)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2017., “o campo ideológico coincide com o campo dos signos. Eles podem ser igualados. Onde há signo há também ideologia. Tudo o que é ideológico possui significação sígnica”, uma vez que “na palavra se realizam os inúmeros fios ideológicos que penetram todas as áreas da comunicação social. É bastante óbvio que a palavra será o indicador mais sensível das mudanças sociais” (ibidem, p. 106).

A linguagem se encontra em todos os meios, e “[...] toda palavra é um pequeno palco [arena3 3 A preferência pelo termo arena ocorre pela compreensão de que, mais que encenação, o discurso reflete e refrata juízos de valor em enfrentamento, por isso o acréscimo-alteração, uma vez que utilizamos a tradução do russo, mas assumimos o termo existente na tradução francesa. ] em que as ênfases sociais multidirecionadas se confrontam e entram em embate. Uma palavra nos lábios de um único indivíduo é um produto da interação viva das forças sociais” (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2017., p. 140).

Discursos e sujeitos são frutos da interação composta pelo embate de forças contrárias. A série apresenta a subjugação das mulheres e seu encarceramento no lar. Quanto à condição de aprisionamento, Davis (2016, p. 45)DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016. explica que:

Na verdade, o lugar da mulher sempre tinha sido em casa, mas durante a era pré-industrial a própria economia centrava-se na casa e nas terras cultiváveis ao seu redor. Enquanto os homens lavravam o solo (frequentemente com a ajuda da esposa), as mulheres eram manufatoras, fazendo tecidos, roupas, velas, sabão e praticamente tudo o que era necessário para a família. O lugar das mulheres era mesmo em casa — mas não apenas porque elas pariam e criavam as crianças ou porque atendiam às necessidades do marido. Elas eram trabalhadoras produtivas no contexto da economia doméstica, e seu trabalho não era menos respeitado do que o de seus companheiros. Quando a produção manufatureira se transferiu da casa para a fábrica, a ideologia da feminilidade começou a forjar a esposa e a mãe como modelos ideais. No papel de trabalhadoras, ao menos as mulheres gozavam de igualdade econômica, mas como esposas eram destinadas a se tornar apêndices de seus companheiros, serviçais de seus maridos. No papel de mães, eram definidas como instrumentos passivos para a reposição da vida humana. A situação da dona de casa branca era cheia de contradições. Era inevitável que houvesse resistência.

A elite de Gilead se apoia no sagrado. A Igreja integra a superestrutura como instituição de manutenção do poder, uma vez que “[...] fruto de estratégias dos grupos dominantes para a consolidação e perpetuação de seu domínio. Trata-se da estrutura jurídico-política e a estrutura ideológica (Estado, Religião, Artes, meios de comunicação etc).” (BODART, 2021BODART, C. das N. Infraestrutura e superestrutura em Marx. Disponível em: <https://cafecomsociologia.com/infraestrutura-e-superestrutura-em-marx/>. Acesso em: 13 mar. 2021.
https://cafecomsociologia.com/infraestru...
, online).

A classe dominante (masculina, cis, branca e abastada) utiliza a força (militar) e a ideologia (Igreja, mídias etc.) para manter o poder sobre a mulher. Essa estrutura é planejada, pois

[...] o patriarcado não se resume a um sistema de dominação, modelado pela ideologia machista. Mais do que isto, ele é também um sistema de exploração. Enquanto a dominação pode, para efeitos de análise, ser situada essencialmente nos campos político e ideológico, a exploração diz respeito diretamente ao terreno econômico.

(SAFFIOTI, 1987SAFFIOTI, H. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987., p. 50).

Os sujeitos dominantes impõem seus valores como padrão e verdade sobre a classe subjugada. O encarceramento da mulher em casa ocorre porque

Embora os bens de raiz se achem em parte abalados, a burguesia apega-se à velha moral que vê, na solidez da família, a garantia da propriedade privada: exige a presença da mulher no lar tanto mais vigorosamente quanto sua emancipação torna-se uma verdadeira ameaça; mesmo dentro da classe operária os homens tentaram frear essa libertação, porque as mulheres são encaradas como perigosas concorrentes, habituadas que estavam a trabalhar por salários mais baixos.

(BEAUVOIR, 2009BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. 2 v., p. 17).

Ao pensar na relação super e infraestrutura, consideramos a perseguição, exclusão, reclusão, tortura e morte de mulheres consideradas bruxas e loucas (as Liliths expulsas do Paraíso).

Conforme FedericiFEDERICI, S. O calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. [S. l.]: Elefante, 2018.:

A caça às bruxas foi também a primeira perseguição, na Europa, que usou propaganda multimídia com o objetivo de gerar uma psicose em massa entre a população. Uma das primeiras tarefas da imprensa foi alertar o público sobre os perigos que as bruxas representavam, por meio de panfletos que publicizavam os julgamentos mais famosos e os detalhes de seus feitos mais atrozes.

(2017, p. 299).

Esse tratamento representou uma tentativa da Igreja de relacionar a mulher ao mal para dominá-la. A construção da imagem de mulher obediente, com o propósito de ser mãe, é fortalecido pelo discurso religioso: “Se se recusa a Maria o caráter de esposa é para lhe exaltar mais puramente a Mulher-Mãe. Mas é somente aceitando o papel subordinado que lhe é designado que será glorificada. ‘Eu sou a serva do Senhor’.” (BEAUVOIR, 2009BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. 2 v., p. 246).

Nessa lógica, o sexo por prazer é considerado pecaminoso e aceitável apenas para a procriação, até como estupro, como na série. Segundo Saffioti (1987, p. 18)SAFFIOTI, H. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.,

o caso extremo do uso de poder nas relações homem-mulher pode ser caracterizado pelo estupro. Contrariando a vontade da mulher, o homem mantém com ela relações sexuais, provando, assim, sua capacidade de submeter a outra parte, ou seja, aquela que, segundo a ideologia dominante, não tem direito de desejar, não tem direito de escolha.

O sexo, nesses termos, é um ato de dominação do homem sobre a mulher (na série, tanto sobre as Aias quanto sobre as Esposas). Ato de subjugação e exploração imposto de maneira violenta.

As Aias são tratadas como úteros, sem domínio do seu corpo e obrigadas a engravidar. Sem voz, só lhes resta a sujeição a violências e segregações. Reduzidas a objetos corpóreos em razão da elite, pois pobres, são consideradas indignas. As merecedoras da maternidade são as mulheres da elite, em nome do Deus-poder e mesmo elas se encontram encarceradas no lar.

A reprodução criou uma subdivisão entre as mulheres, com base nas leis de intersecção (DAVIS, 2016DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.) gênero-raça-classe, denominada por Saffioti como “nó” patriarcado-capitalismo-racismo:

Constituído de classe, em raça/etnia e em gênero, o sujeito metamorfoseia-se dentro destes limites. Trata-se, em outros termos, de três faces, de três identidades sociais do sujeito, todas igualmente importantes para que ele atue na construção de uma sociedade sem desigualdades, como as que separam pobres de ricos, mulheres de homens, negros de brancos. As três identidades estão presentes, embora não com o mesmo vigor. Dependendo da situação histórica vivenciada, uma delas pode apresentar mais relevo, e frequentemente o faz. Há circunstâncias em que a identidade de gênero fala mais alto, mas há outras em que a de classe ou a de raça/etnia está neste caso.

(SAFFIOTI, 1997______. Violência de gênero: o lugar da práxis na construção da subjetividade. Revista Lutas Socais, 1997. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/ls/article/view/18789/13973>. Acesso em: 28 abr. 2020.
https://revistas.pucsp.br/ls/article/vie...
, p. 76)

A estrutura desse nó revela a contradição que constitui o sujeito (eu-outro) e possibilita atos que expressam vozes de grupos que não necessariamente semiotizam a sua posição axiológica. Isso remete à falta de consciência de classe (MARX, 2007MARX, K. O trabalho alienado. Manuscritos econômico-filosóficos. HTML, 2007. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/marx/1844/manuscritos/index.htm>. Acesso em: 11 abr. 2022.
https://www.marxists.org/portugues/marx/...
), dado o processo de alienação: “de si”, “do outro”, do “produto do trabalho” e “ente e espécie”. Este, institui o “fetiche da mercadoria” que inverte valores: o ser vale pelo poder econômico, o que leva à “humanização do objeto” e à “reificação do homem”. Esse é o processo ocorrido com as Aias.

Fundada nessa lógica, a série flagra mulheres que oprimem mulheres, já que o discurso dominante é encarnado nos oprimidos como verdade. As mulheres divididas reproduzem a hierarquia de poder em seu grupo: as do topo da pirâmide social (Esposas e Tias) se sentem superiores às inseridas na base (Aias, Econopessoas/Marthas e Não-Mulheres). Ao assumirem a voz patriarcal, as mulheres rivalizam com suas iguais, como os homens agem com elas.

Como explica Saffioti (1987, p. 16)SAFFIOTI, H. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.:

A sociedade não está dividida entre homens dominadores de um lado e mulheres subordinadas de outro. Há homens que dominam outros homens, mulheres que dominam outras mulheres e mulheres que dominam homens. Isto equivale a dizer que o patriarcado, sistema de relações sociais que garante a subordinação da mulher ao homem, não constitui o único princípio estruturador da sociedade brasileira.

Tia Lydia, ao adestrar as Aias, encarna a ideologia hegemônica por replicar a voz machista violenta. A Esposa Serena Joy perpetua a visão opressora, pois maltrata sua Aia (Offred) e a culpabiliza por não engravidar e, com isso, impossibilitá-la de ser mãe. Lydia e Joy são caracterizadas por traços bivocais, pois vivem o drama de incorporarem a voz opressora, sendo oprimidas. Elas semiotizam “[...] duas vozes, dois sentidos e duas expressões. Ademais, essas duas vozes são correlacionadas dialogicamente, como que conhecem uma à outra [...] como se conversassem uma com a outra” (BAKHTIN, 2015b______. Teoria do romance I: a estilística. São Paulo: 34, 2015b., p. 113).

Para demonstrar como essas relações aparecem na série, analisamos uma cena do episódio 6 da 1ª temporada, chamado “Um lugar de mulher”, em cotejo com um esquete do Porta dos Fundos e dois posts do Instagram.

Na arena seriada, embate de vozes e classes sociais

No episódio em análise, Gilead recebe a visita de uma embaixadora mexicana interessada no estilo de vida da nova sociedade. O episódio é cheio de flashbacks sobre a constituição de Gilead. O passado de Serena revela que ela planejou o Golpe.

Uma mulher arquiteta o próprio cárcere. Esse evento revela quanto a ideologia hegemônica age em prol da alienação, contra o próprio sujeito, com tendência centralizadora (como força centrípeta), para a manutenção do sistema. Joy se pune, num ato de culpabilidade por não cumprir o socialmente programado pelo patriarcado para a mulher-Eva-Maria. Serena se colocou em situação de escravização, de segundo sexo.

Nesse episódio, um jantar é servido para exibir os feitos de Gilead. Na sala de jantar, a série semiotiza a hierarquia político-econômico-social do país. Segundo Bakhtin (2015a)______. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015a., o cronotopo da sala de estar, também chamado de cronotopo da sala de visita, semiotiza a hierarquização da pirâmide social, que revela as posições dos sujeitos e suas relações de poder.

Conforme Bakhtin (2011, p. 297)______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011., “é impossível alguém definir sua posição sem correlacioná-la com outras posições. Por isso, cada enunciado é pleno de variadas atitudes responsivas a outros enunciados de dada esfera da comunicação discursiva”. Sujeitos e enunciados se relacionam no pequeno e no grande tempo cultural. Afinal, “no cronotopo, os acontecimentos do enredo se concretizam, ganham corpo e enchem-se de sangue” (BAKHTIN, 1988______. Questões de literatura e de estética. São Paulo: Unesp, 1988., p. 355). A importância do cronotopo é de expressão conteúdo-formal das relações histórico-sociais, pois “[…] qualquer intervenção na esfera dos significados só se realiza através da porta dos cronotopos.” (ibidem, p. 362).

A posição das mesas no salão (Fig. 1), na série, indica a hierarquia dos sujeitos. Na cena, as Aias são expostas à visitante, numa falácia de prestígio inexistente.

Figura 1
O salão de jantar/visita (T01E06).

A hierarquia apresentada no tempo-espaço pela posição dos sujeitos se mostra na distribuição visual da série (Fig. 1): a elite no topo, com a Esposa Serena acima de todas; as Tias logo abaixo, como perpetuadoras do patriarcado; as Marthas, em serviço durante o jantar; e as Aias, na base da pirâmide, expostas como objetos férteis.

Em seguida, várias crianças são mostradas à visitante. O uso da vida como moeda de troca lucrativa demonstra a insensibilidade da sociedade arraigada na lógica capital, pois tudo se resume a dinheiro. As Aias têm essa consciência e mencionam a questão umas com as outras (Fig. 2).

Figura 2
Cena do jantar – Aias e bebês (T01E06).

A maternidade ocupa o centro sistêmico de Gilead, pois ao forçar o “mito do amor materno” (BADINTER, 1985BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.) pelo temor a Deus imposto às mulheres, a sociedade consegue controlá-las e subjugá-las.

A cena em questão exemplifica a matiz cromática predominante na série (Fig. 3), marcada pela tonalidade marrom, que revela o trabalho análogo de escalas entre laranja e vermelho, em tons sombrios que variam até preto. Segundo Heller (2013, p. 473)HELLER, E. A psicologia das cores: como as cores afetam a emoção e a razão. São Paulo: Gustavo Gili, 2013., “O marrom [...], junto com o preto, é a principal cor do ruim e do mal”. Conforme Goethe (2013)GOETHE, J. W. Doutrina das cores. São Paulo: Nova Alexandria, 2013. e Guimarães (2001)GUIMARÃES, L. A cor como informação: a construção biofísica, linguística e cultural da simbologia das cores. São Paulo: Annablume, 2001., o marrom se relaciona à significação emotivo-volitivo da brutalidade e do conservadorismo.

Figura 3
Gradiência de cores da cena do jantar (T01E06).

O discurso patriarcal se materializa em embate com vozes como a da Aia Offred, contra a ideologia imposta, punida por seus atos. Como explica Bakhtin (1988, p. 82)______. Questões de literatura e de estética. São Paulo: Unesp, 1988., “ao lado das forças centrípetas caminha o trabalho contínuo das forças centrífugas da língua, ao lado da centralização verbo-ideológica e da união caminham ininterruptos os processos de descentralização e desunificação”. Esse é o confronto da arena seriada.

Tendo em vista que a arte parte da vida e a ela se volta, aliando-se a outros enunciados e gêneros, no grande tempo da cultura, que essa é a relevância histórica do discurso estético e que o seriado tem marcado a contemporaneidade por sua viralização transmidiática, consideramos a repercussão da série e como ela tem sido fonte de posts nas redes para criticar a atuação de Bolsonaro e sua equipe no Brasil, pela aproximação política entre os sistemas de governo da série (arte) e do país (vida). Tanto na página oficial quanto no perfil do Instagram (handmaidsbrasil), entre outros canais, essa relação é difundida, o que aponta para a atualidade do enunciado estético e para o retrocesso histórico do Brasil. Como ilustração, analisamos dois posts.

O primeiro post (Fig. 4) simula a capa do livro que nomeia a série, com a apresentação, ao fundo, das Aias e, ao centro, em primeiro plano, de Damares Alves, pastora evangélica e ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo Bolsonaro, com roupa e postura das Tias da série.

Figura 4
Damares como Tia Lydia.

A ministra dissemina, de maneira icônica, mas não exclusiva, a voz machista e teocrática, trabalhando para a manutenção do sistema, como a Tia Lídia, na série, que detém posição privilegiada ao lado da elite e, ao invés de defender suas iguais, adestra-as (violentamente, como é o caso da Aia que perde a visão de um olho como forma de punição por sua rebeldia — o que aparece, de forma alusiva, no esquete do Porta dos Fundos aqui analisado) para a sujeição ao sistema. A Tia Lídia semiotiza, como Damares, cada qual a seu modo e em sua esfera, o pilar da alienação de classe, gênero e raça.

O post-capa (Fig. 4) revela a estrutura composicional da série e marca o posicionamento do autor-criador que, ao colocar Damares como uma Tia na cenografia, critica o governo brasileiro.

A Tia-Damares é uma mulher opressora. O marrom do seu uniforme semiotiza o controle, tal qual a gradiência cromática explorada na série e exemplificada pela cena analisada. O fundo negro confirma o tom sombrio da série e do governo, num ambiente que assombra as mulheres, vestidas de vermelho-sangue que, se por um lado, a depender da configuração, pode remeter ao amor, por outro, como é o caso, semiotiza a crueldade, numa relação vida e morte que alinhava a narrativa, fundada na fertilidade e na maternidade, advinda de relações violentas (estupros) impostas (contrato social).

A inscrição verbal “THE HANDMAID’S TALE” em caixa alta e em branco, acima da Tia-Damares, destaca a relação entre Gilead e o Brasil como sistemas opressores, que contam com Tias em seus governos, em prol da manutenção do poder, contra o próprio grupo.

O outro post (Fig. 5) é um print do Twitter publicado na página oficial da série no Instagram. O post é composto por duas partes: a de cima, verbal, e a de baixo, visual, com o rosto de Offred.

Figura 5
Discurso de posse de Bolsonaro.

Os dizeres da parte superior marcam o posicionamento da página, que compartilha o post de “Matheus Esperon #EleNão”. As inscrições são: “Primeiro pronunciamento do novo presidente do Brasil é uma oração evangélica em rede nacional. *The Handmaid’s Tale intensifies*”, em alusão à posse de Bolsonaro, que paraleliza, por sobreposição, discursos e esferas religiosa, midiática e política.

Na parte inferior, a imagem da Aia Offred, de olhos fechados, sugere, pela expressão facial, reação ao pronunciamento oficial citado, via discurso indireto livre. A unidade material explicita tanto o diálogo com a série quanto com a política contemporânea, ao denotar a resposta de Matheus e da página na reação de Offred ao primeiro pronunciamento do atual presidente, numa relação de reflexo e refração entre sujeitos (Offred, página oficial da série no Brasil, Matheus, Bolsonaro, seguidores da página e fãs da série), esferas (arte, mídia e política), gêneros (seriado, post e pronunciamento) e enunciados (post, página, série, governo).

Pela referência ao discurso de posse, Bolsonaro atua como um Comandante, em benefício próprio. Outra semelhança é seu pertencimento a certa elite, a um grupo religioso e militar que se autodeclara conservador e de bem, ainda que seus atos sejam misóginos, eugenistas, negacionistas e reveladores de sua necropolítica, como estudam Paula e Lopes (2020)PAULA, L. de; LOPES, A. C. S. A eugenia de Bolsonaro: leitura bakhtiniana de um projeto de holocausto à brasileira. Linguasagem. São Carlos (SP), v. 35, n. 1, p. 35-76, 2020. Disponível em: <http://www.linguasagem.ufscar.br/index.php/linguasagem/article/view/769>. Acesso em: 03 abr. 2022.
http://www.linguasagem.ufscar.br/index.p...
e Paula e Siani (2020)PAULA, L. de.; SIANI, A. C. Uma análise bakhtiniana da necropolítica brasileira em tempos de pandemia. Revista da Abralin, v. 19, n. 3, p. 475-503, 17 dez. 2020. Disponível em: <https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1595>. Acesso em: 03 abr. 2022.
https://revista.abralin.org/index.php/ab...
.

Esses são dois exemplos de aproximação entre a gestão de Bolsonaro e a estrutura de Gilead, para demonstrarmos quanto o conteúdo temático explorado no esquete do Porta dos Fundos não é único nem causa estranhamento. Ao contrário, funciona, com sua singularidade, como elo a outros enunciados produzidos e em circulação desde 2019. O Brasil é comparado a uma sociedade distópica, nascida de um golpe de Estado (o que remete a golpes pelos quais o Brasil passou historicamente — o golpe militar e o golpe ao governo de Dilma Rousseff são dois exemplos) e à postura de Bolsonaro, marcada pelos ideais da direita. Uma Gilead à brasileira.

No esquete Handmaid’s Tale: o Brasil pela porta dos fundos

Dentre os esquetes do Porta dos Fundos em seu canal do Youtube, destacamos o publicado em 06/06/2019, denominado Handmaid’s Tale, em alusão à série e ao período político atravessado pelo Brasil.

O contexto do esquete marca o seu conteúdo temático, voltado para o cenário político brasileiro de 2019, primeiro ano de governo de Bolsonaro, focado em declarações de sua equipe ministerial. A forma composicional inverte personagens ao transformar as Aias em telespectadoras que semiotizam sujeitos do mundo e as personalidades governamentais, em personagens de TV.

O estilo paródico marca o esquete com humor ácido e critica o Brasil governado por Bolsonaro. Segundo Volóchinov (2017, p. 94)VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2017., “qualquer signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também uma parte material dessa mesma realidade”. O esquete coloca em jogo Gilead e o Brasil, de forma responsiva. Conforme o autor russo,

Todo enunciado, mesmo que seja escrito e finalizado, responde a algo e orienta-se para uma resposta. Ele é apenas um elo na cadeia ininterrupta de discursos verbais. Todo monumento continua a obra dos antecessores, polemiza com eles, espera por uma compreensão ativa e responsiva, antecipando-a etc.

(VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2017., p. 184).

Ao unir aspectos da série (presença das Aias) com falas de políticos brasileiros no esquete, o grupo afirma seu posicionamento por meio da palavra do outro (discurso alheio): “o discurso dentro do discurso, o enunciado dentro do enunciado, mas ao mesmo tempo [...] o discurso sobre o discurso, o enunciado sobre o enunciado” (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2017., p. 249). O esquete utiliza o discurso direto das declarações dos políticos como discurso indireto livre e ressignifica as falas citadas como réplicas ao reacentuar a cenografia, configurada de outro modo, com o posicionamento dos autores-criadores.

Como na série, as Aias do esquete andam em filas e de cabeça baixa (Fig. 6). A cor (vermelha) da vestimenta remete ao sangue e à reprodução. O chapéu tem a função de uma viseira, que impede a visão lateral e remete: ao adestramento de animais (cavalos), para re-forçar a servidão; aos homens (pelo ato sexual e a gravidez), como marcado na cena da série analisada; e ao sistema político, como explicitado tanto na série (pelo aprisionamento vivido pelas mulheres, como demonstrado pela hierarquia que as divide) quanto no esquete do Porta dos Fundos. Os posts relacionam a opressão realizada pela Tia Lídia aos atos de Damares como símbolo, no caso, das vozes reproduzidas pelo governo.

Figura 6
Paráfrase paródica da série The Handmaid’s Tale feita pelo esquete do Porta dos Fundos.

As Aias seguem regras e sabem, no esquete, que subvertem a ordem ao irem, escondidas, assistir à TV. O programa, como uma delas diz: “É meio uma distopia do Estado teocrático”. Ao serem questionadas por uma Aia temerosa sobre o motivo desse ato, uma delas responde: “[...] Vai que um dia a gente acaba assim”. Começam a assistir a declarações boquiabertas e com expressão de choque, até que uma delas diz: “Nossa, imagina viver num lugar assim?!”; e, depois de uma pausa, continua: “Como as coisas chegam nesse nível?”. Outras respondem: “Que horror!”.

Na TV, os eventos se referem a situações que remetem à ditadura militar ou a fake news tragicômicas como se fossem fictícios. O Porta dos Fundos retira do trágico o humor e demonstra o ridículo vivido no país. A intersecção arte e vida se materializa como estratégia composicional que fortalece a crítica.

Na série, as mulheres férteis, com o golpe, são levadas ao Centro Vermelho de Gilead, uma espécie de escola para Aias, onde as Tias as obrigam a respeitar as leis do sistema. Em seguida, são designadas a famílias da elite e assumem o nome do comandante com o prefixo Of (que significa “de” e indica posse — tão comum em tantas sociedades, historicamente. Até hoje, quando se casa, a mulher adiciona ao nome de solteira o sobrenome da família do companheiro e carrega, pela hereditariedade, nos filhos, a identidade paterna, já que os filhos recebem o sobrenome do pai — daí também outra significação do termo patriarcado. Além disso, a mulher nem sempre é conhecida por seu nome, mas como mulher de alguém, o que revela sua objetificação, marcada pela expressão de posse que remete à ideia de utilitarismo e à permissividade com a lógica exploratória do outro. Para o capitalismo, se algo/alguém é meu, posso fazer com isso o que eu quiser).

As Aias rebeldes são as que compõem a resistência na série, pois lutam pela liberdade das mulheres. As Aias do esquete remetem a essas resistências. A violência é mostrada visualmente (tanto na série quanto no esquete), pois elas aparecem machucadas, como é o caso de uma Aia mutilada nos olhos (Fig. 7), em alusão à Aia Ofwarren (Janine), da série, punida por sua rebeldia (tentar não entregar seu filho à Esposa da família a quem servia).

Figura 7
Aia mutilada.

Há no esquete a alusão de que “é preferível perder um olho”, como ocorre de maneira violenta na série, a assistir às declarações do governo brasileiro, visto que ambos semiotizam, de modos diferentes, a mesma truculência. Se considerarmos o aumento da violência contra as mulheres no Brasil de 2019 a 2021, o retrocesso e a crueldade se tornam flagrantes entre os enunciados de natureza e esferas diferentes.

O Brasil apresentado na TV é chamado pelas Aias do esquete de distópico. Segundo Pereira (2018, p. 3090)PEREIRA, A. de A. N. O conto da aia no século XXI: o romance, a série e seus contextos históricos. XVI Encontro Abralic, Uberlândia, 2018. Disponível em: <http://www.abralic.org.br/anais-artigos/?id=2803>. Acesso em: 5 abr. 2020.
http://www.abralic.org.br/anais-artigos/...
, a distopia é caracterizada pela “[...] crítica às tendências, comportamentos e fenômenos do presente através das especulações e extrapolações sobre o futuro da sociedade”. O esquete faz essa especulação tanto na narrativa (as Aias dizem assistir ao programa para se prevenirem), de maneira metalinguística, quanto como estratégia discursiva de inversão que projeta o Brasil como Gilead e Gilead dentro do esquete, como ficção real.

O real é estetizado. Daí, a dupla refração e não a relação direta entre arte e vida, pois os eventos reais passam a ser fictícios e o fictício assume a função, dentro da ficção do esquete, de real. Essa estratégia de ressemiotização, mais que deslocar e inverter, recria situações para comparar Brasil e Gilead (ambas, no esquete, sociedades fictícias).

As Aias também chamam o Brasil de teocrático, em referência aos discursos religiosos feitos pelos políticos. Os comentários das Aias exprimem, de modo verbivocovisual, o humor ácido e a provocação que o esquete causa, dada a atual configuração, que instaura a opressão como política brasileira (título da série televisiva).

O esquete transforma a seriedade em (tragi)comédia como estratégia crítica. Como aponta Bakhtin,

O perigo faz o sério, o riso autoriza evitar o perigo. A necessidade é séria, a liberdade ri. [...] Para ela não há nada por vir, porque o porvindouro faz o sério. O riso suprime o peso do futuro (do porvindouro), livra das preocupações do futuro; o futuro deixa de ser uma ameaça (2011, p. 397).

O esquete usa a distopia (séria e trágica) como elemento cômico e, com isso, trava um impasse: a liberdade do riso ocorre pela aflição da gravidade anunciada-enunciada. A ironia do esquete desestabiliza a hierarquia patriarcal ao dar voz à resistência. Ao inverter Gilead e Brasil, as ideologias são carnavalizadas. O riso coloca em embate as culturas (o alto e o baixo, o centrípeto e o centrífugo, hegemonia e resistência, superestrutura e infraestrutura).

Como na série, a iluminação do esquete é escura (vermelha, preta e cinza – Fig. 8), o que indica a distopia como elo entre os enunciados.

Figura 8
Gradiência de cores do esquete do Porta dos Fundos.

“Preto-vermelho-marrom é o acorde da violência e da brutalidade” (HELLER, 2013HELLER, E. A psicologia das cores: como as cores afetam a emoção e a razão. São Paulo: Gustavo Gili, 2013., p. 259) e “a composição preto-marrom-cinza é associada ao mal” (ibidem, p. 29). A cor é um elemento ideológico que configura a unidade enunciativa.

As Aias do esquete caminham para um depósito, onde coisas não mais usadas são guardadas. Nesse espaço-tempo de despejo, abandono e esconderijo, elas encontram e usam uma TV antiga (Fig. 9), o que alude a um tempo-pensamento ultrapassado e ao ato de desobediência (resistência) diante do não permitido.

Figura 9
Diálogo explícito entre o governo de Gilead e o do Brasil.

A relação entre a super e a infraestrutura compõe “[...] um processo de formação dialética de uma sociedade real, que tem início na base e termina nas superestruturas” (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2017., p. 104). Conforme o estudioso russo,

As relações produtivas e o regime sociopolítico condicionado diretamente por elas determinam todos os possíveis contatos verbais entre as pessoas, todas as formas e os meios da comunicação verbal entre elas: no trabalho, na vida política, na criação ideológica. Já as condições, as formas e os tipos de comunicação discursiva, por sua vez, determinam tanto as formas quanto os temas dos discursos verbais

(ibidem, p. 107).

Na TV, algumas falas da equipe de Bolsonaro (Fig. 10) refletem e refratam a relação infra e superestrutural: a live feita com o presidente e o ex-ministro da Educação, em que Abraham Weintraub usa chocolates para explicar cortes de verbas na educação; a nomeação feita por Bolsonaro a estudantes, de “idiotas úteis, uns imbecis”; o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, enxugando as lágrimas na bandeira do Brasil; o presidente comemorando o golpe militar, tratado por ele como “Contrarrevolução”; a ministra Damares inventando beijo gay entre princesas Disney etc. As reações das Aias (que se indignam e riem das situações – Figs. 11 e 12) denotam a crítica do esquete.

Figura 10
Cenas da série “Política Brasileira”.
Figura 11
Cena de comentários invertidos: da vida para a arte e da arte de volta à vida.
Figura 12
As mulheres no Brasil e em Gilead.

Segundo o esquete, o que se passa na série e parece impossível não é tão distante do vivido no Brasil de 2019-2020. E, como afirma Medviédev (2012, p. 49)MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2012., a ideologia “não se situa dentro de nós, mas entre nós”. As valorações se tornam palpáveis pela linguagem. Nossos atos são ideológicos, responsivos e responsáveis, situados socioculturalmente. Conforme Faraco (2009, p. 49)FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009.,

Nós nos relacionamos com um real informado em matéria significante, isto é, o mundo só adquire sentido para nós, seres humanos, quando semioticizado. E mais: como a significação dos signos envolve sempre uma dimensão axiológica, nossa relação com o mundo é sempre atravessada por valores.

Em Gilead e no Brasil, o grupo dominante manipula verdades. Parte dos grupos dominados acredita e segue a hegemonia. “Isso determina a particularidade do signo ideológico de refratar e distorcer a realidade dentro dos limites da ideologia dominante” (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2017., p. 113-114). Nesse jogo, o embate de forças aparece em movimento, pois há sujeitos (na super e na infraestrutura) que não compactuam com os valores sistêmicos.

A superestrutura responde à infraestrutura, com gestos centrípetos, em atos que

[...] tentarão impor uma das verdades sociais (a sua) como a verdade; tentarão submeter a heterogeneidade discursiva (controlar a multidão de discursos); monologizar (dar a última palavra); tornar o signo monovalente (deter a dispersão semântica); finalizar o diálogo.

(FARACO, 2009FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009., p. 53).

O diálogo entre arte e vida expressa quanto o enunciado estético calca-se no solo social, com um acabamento específico, refletindo-o e refratando-o, como demonstramos com a série, os posts e o esquete. Os casos exemplificados criticam, cada qual a seu modo, a sociedade patriarcal, pois trazem à tona vozes sociais em luta: a elite de Gilead e a do Brasil (Comandante e Bolsonaro; Tias e Damares; Esposas e Michelle) e as mulheres oprimidas como resistentes (Aias, como Offred, como as mulheres oprimidas aprisionadas que lutam por seus direitos).

Considerações finais

Esta análise não se voltou apenas às questões de gênero, mas à relação vida- arte (patriarcado e série, posts, enquete), arte-arte (série, posts e esquete) e arte-vida (série, posts, enquete e Brasil), em ato de ressignificação refletida e refratada.

A série critica o machismo, que violenta as mulheres e as transforma em objetos utilitários (empregadas, trabalhadoras rurais, esposas, úteros ambulantes, prostitutas etc.), o que leva à reflexão acerca da opressão patriarcal. Série, esquete e posts revelam quanto as mulheres ainda estão em posição de desigualdade, são oprimidas, objetificadas e violentadas pelo patriarcado.

Neste artigo, refletimos sobre como vozes que aparecem em embate na série são ressignificadas no esquete e nos posts. A ideologia hegemônica cristaliza a voz dominante, de forma centrípeta; enquanto a resistência é constituída pela pluralidade de vozes centrífugas. Nos casos analisados, a voz resistente é a de um grupo de Aias, em luta contra a dominação masculina, que as aprisiona.

A série se estrutura, de um lado, pela elite conservadora, machista e religiosa, com valores de extrema direita; e, de outro, pelas mulheres resistentes, em luta pelos direitos humanos, de gênero, classe e raça. A série potencializa uma visão de mundo distópica, fictícia, tão enraizada no solo social, que o esquete e os posts semiotizam a sua relação com o Brasil com tons irônicos tragicômicos críticos.

Por meio da análise verbivocovisual da série televisiva, em embate com o esquete do Porta dos Fundos e os posts do Instagram, colocamos em jogo valores em interação que ratificam a ligação da série com o Brasil contemporâneo de forma singular em cada enunciado.

Neste artigo, demonstramos como a arte representa certas percepções com seus aspectos transgredientes, tendo em vista que:

Uma obra de arte é uma totalidade fechada em si, sendo que cada um de seus aspectos adquire seu significado não na correspondência com algo localizado no exterior da obra (natureza, realidade, ideia), mas somente na estrutura autossignificante da própria totalidade. Isso significa que cada elemento de uma obra artística tem, acima de tudo, um significado puramente construtivo na obra como em uma construção fechada e autossuficiente. Se esse elemento reproduz, reflete, expressa ou imita algo, essas suas funções “transgredientes” são subordinadas à sua tarefa construtiva fundamental: a de construir uma obra integral e fechada em si

(MEDVIÉDEV, 2012MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2012., p. 92).

Em outras palavras, a construção arquitetônica possibilita a transgrediência como reflexo e refração. O esquete demonstra a contemporaneidade da série. Os episódios políticos apresentados no esquete mostram como a atuação da elite brasileira é risível.

A relevância deste estudo revela quanto Gilead não é tão distante do Brasil, pois as mulheres, ainda nos dias atuais, têm seus corpos controlados e abusados, são violentadas e exploradas, com o dever, de acordo com o senso comum hegemônico cristalizado, de serem “belas, recatadas e do lar” (como estudam Paula e Santana, 2020PAULA, L. de; LOPES, A. C. S. A eugenia de Bolsonaro: leitura bakhtiniana de um projeto de holocausto à brasileira. Linguasagem. São Carlos (SP), v. 35, n. 1, p. 35-76, 2020. Disponível em: <http://www.linguasagem.ufscar.br/index.php/linguasagem/article/view/769>. Acesso em: 03 abr. 2022.
http://www.linguasagem.ufscar.br/index.p...
). Daí, a importância das mulheres resistentes, com suas vozes centrífugas.

Esse jogo nos envolve e o jogamos (queiramos ou não). Cabe-nos perceber que as ideologias nos constituem e desenvolvemos nossa consciência de classe para atuarmos eticamente com nossos outros, nesse e contra esse sistema opressor (o patriarcado), pois, como salienta Faraco (2009, p. 22)FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009., “[...] cada um dos nossos atos é um gesto axiologicamente responsivo num processo incessante e contínuo”.

  • 1
    Neste artigo, não nos voltamos à relação romance e seriado. Focamo-nos na série, entendida em sua unidade singular e como elo discursivo. Consideramos a adaptação uma recriação da obra- fonte (no caso, um romance), que serve de apoio para os protocolos audiovisuais, aos quais se adapta, como diria Stam (2006, p. 50)______. Teoria e prática da adaptação: da fidelidade à intertextualidade. Ilha do Desterro, Florianópolis, n. 51, p. 19-53, 2006., a demandas em voga (constrangimentos políticos, predileções autorais, valores culturais, práticas de reconhecimento etc.). Para Stam (2008, p. 20)______. A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação. Belo Horizonte: UFMG, 2008., mesmo que fosse possível desconsiderar o dinamismo do processo sócio-discursivo que envolve a adaptação, a “mudança de meio” (do literário para o audiovisual) é suficiente para transformar a adaptação num outro enunciado, dada a estruturação de cada produção. Da mesma forma, o diálogo entre arte (seriado) e vida (sociedade brasileira) ocorre, com base nos estudos bakhtinianos, como indissociável e indireto (reflexo-refração), de maneira situada. Como alguns episódios do governo Bolsonaro são objetos do esquete do Porta dos Fundos e dos posts do Instagram analisados, sua menção é necessária, pois constituem os enunciados analisados, objetos deste estudo.
  • 2
    Como Paula e Teixeira (2021aPAULA, L. de.; TEIXEIRA, L. P. Barbies perfeitas: o antifeminismo contemporâneo. In: ABREU-TARDELLI, L. S.; GARCIA, T. S.; G. FERREIRA, A. de A. G. D’O (orgs.). Pesquisas em Linguagem: diálogos com a contemporaneidade. Campinas (SP): Pontes, 2021a. p. 54-83., 2021b)______. As Barbies pelo Porta dos Fundos: uma análise verbivocovisual. EntreLetras, Tocantins, v. 12, n. 1, p. 345-369, 2021b. Disponível em: <https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/entreletras/article/view/12393>. Acesso em: 3 abr. 2022.
    https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/i...
    e Paula e Santana (2021)PAULA, L. de.; SANTANA, B. M. A mulher rosa em cinquenta tons de cinza: imagens dialógicas patriarcais. In: CRISTOVÃO, A.; LUDOVICE, C. de A. B.; BORGES, M. C.; (org.). GEBGE em ação – olhares sobre a cultura e o letramento na perspectiva bakhtiniana. Franca: Ribeirão Gráfica, 2021, p. 13-37. Disponível em: <https://www.ribeiraograficaeditora.com.br/detalhe_livro.php?id=31>. Acesso em: 11 abr. 2022.
    https://www.ribeiraograficaeditora.com.b...
    já analisaram.
  • 3
    A preferência pelo termo arena ocorre pela compreensão de que, mais que encenação, o discurso reflete e refrata juízos de valor em enfrentamento, por isso o acréscimo-alteração, uma vez que utilizamos a tradução do russo, mas assumimos o termo existente na tradução francesa.
  • 4
    Sequência de fotogramas elaborada pelas autoras, marcados em 00:34:53; 00:35:03; 00:35:05.
  • 5
    Sequência de fotogramas elaborada pelas autoras, marcados em 00:36:46; 00:36:50; 00:36:52.
  • 6
    Extração cromática realizada com Adobe, Canva e Colordot. Interpretação fundada em Goethe (2013)GOETHE, J. W. Doutrina das cores. São Paulo: Nova Alexandria, 2013., Guimarães (2001)GUIMARÃES, L. A cor como informação: a construção biofísica, linguística e cultural da simbologia das cores. São Paulo: Annablume, 2001., Haynes (2008)HAYNES, D. J. Bakhtin and the visual arts. Nova York: Cambridge, 2008., Heller (2013)HELLER, E. A psicologia das cores: como as cores afetam a emoção e a razão. São Paulo: Gustavo Gili, 2013., Kandinsky (1970)KANDINSKY, W. Ponto, linha, plano – contribuição para análise dos elementos picturais. Lisboa: Edições 70, 1970., Stam (1992STAM, R. Bakhtin: da teoria literária à cultura de massa. São Paulo: Ática, 1992., 2010)______. Introdução à teoria do cinema. Campinas: Papirus, 2010..
  • 7
    Disponível em: <https://www.instagram.com/handmaidsbrasil/?hl=pt-br>. Acesso em: 13 abr. 2020.
  • 8
    Disponível em: <https://www.instagram.com/handmaidsbrasil/?hl=pt-br>. Acesso em: 13 abr. 2020.
  • 9
    Sequência de fotogramas elaborada pelas autoras, marcados em 00:00:10; 00:00:14; 00:00:28. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=D_hEDCpfaKQ>. Acesso em 17 mar. 2021.
  • 10
    Fotograma elaborado pelas autoras, marcado em 00:01:49. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=D_hEDCpfaKQ>. Acesso em: 17 mar. 2021.
  • 11
    Fotograma elaborado pelas autoras, marcado em 00:01:23. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=D_hEDCpfaKQ>. Acesso em: 17 mar. 2021.
  • 12
    Sequência de fotogramas elaborada pelas autoras (00:01:39; 00:01:53; 00:02:00; 00:02:03). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=D_hEDCpfaKQ>. Acesso em: 17 mar. 2021.
  • 13
    Fotograma elaborado pelas autoras, marcado em 00:02:44. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=D_hEDCpfaKQ>. Acesso em: 17 mar. 2021.
  • 14
    Sequência de fotogramas elaborada pelas autoras (00:02:29; 00:02:30; 00:02:31). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=D_hEDCpfaKQ>. Acesso em: 17 mar. 2021.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2021
  • Aceito
    19 Dez 2021
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