Open-access Desenvolvimento, ciência e política: o debate sobre a criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica

Development, science, and politics: the debate surrounding creation of the Instituto Internacional da Hiléia Amazônica

Resumos

Analisa o tema do desenvolvimento a partir do debate em torno do projeto de criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (IIHA). Abordam-se as relações entre ciência e desenvolvimento no pós-Segunda Guerra Mundial. Apresentam-se as iniciativas do Estado brasileiro na Amazônia na década de 1940 e a recepção do projeto IIHA. Analisam-se as controvérsias suscitadas pelo plano da Unesco no Brasil. O projeto do IIHA foi um catalisador do debate sobre o desenvolvimento no pós-Segunda Guerra no Brasil. As discussões que ele motivou no país e o desfecho que teve consolidaram um modelo de desenvolvimento para a Amazônia que permanece pautando as iniciativas relacionadas a essa região na atualidade.

Amazônia; Instituto Internacional da Hiléia Amazônica; desenvolvimento; pós-Segunda Guerra Mundial; Congresso Nacional


The article uses the debate surrounding creation of the Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (International Institute of the Hylean Amazon - IIHA) as a point of departure for analyzing the topic of development. We first address post-World War II relations between science and development. Next, we examine the Brazilian government's initiatives in the Amazon during the 1940s and how the IIHA project was received. Lastly, we analyze the controversies ignited in Brazil by Unesco's plan. The IIHA project was a catalyst of the development debate in post-World War II Brazil. The discussions then sparked in Brazil and the project's denouement solidified a development model for the Amazon that even today underpins initiatives taken in the region.

Amazon; Instituto Internacional da Hiléia Amazônica; development; post-World War II; Brazilian Congress


ANÁLISE

Desenvolvimento, ciência e política: o debate sobre a criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica

Development, science, and politics: the debate surrounding creation of the Instituto Internacional da Hiléia Amazônica

Rodrigo Cesar da Silva MagalhãesI; Marcos Chor MaioII

IMestre em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rua Almirante Cochrane, 178, ap. 204 – Tijuca. 20550-040 Rio de Janeiro – RJ – Brasil. rodrigocesa@hotmail.com

IICasa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rua Visconde de Pirajá, 592, ap. 503 – Ipanema 22410-002. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. maiomarcos@uol.com.br

RESUMO

Analisa o tema do desenvolvimento a partir do debate em torno do projeto de criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (IIHA). Abordam-se as relações entre ciência e desenvolvimento no pós-Segunda Guerra Mundial. Apresentam-se as iniciativas do Estado brasileiro na Amazônia na década de 1940 e a recepção do projeto IIHA. Analisam-se as controvérsias suscitadas pelo plano da Unesco no Brasil. O projeto do IIHA foi um catalisador do debate sobre o desenvolvimento no pós-Segunda Guerra no Brasil. As discussões que ele motivou no país e o desfecho que teve consolidaram um modelo de desenvolvimento para a Amazônia que permanece pautando as iniciativas relacionadas a essa região na atualidade.

Palavras-chave: Amazônia; Instituto Internacional da Hiléia Amazônica; desenvolvimento; pós-Segunda Guerra Mundial; Congresso Nacional.

ABSTRACT

The article uses the debate surrounding creation of the Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (International Institute of the Hylean Amazon – IIHA) as a point of departure for analyzing the topic of development. We first address post-World War II relations between science and development. Next, we examine the Brazilian government's initiatives in the Amazon during the 1940s and how the IIHA project was received. Lastly, we analyze the controversies ignited in Brazil by Unesco's plan. The IIHA project was a catalyst of the development debate in post-World War II Brazil. The discussions then sparked in Brazil and the project's denouement solidified a development model for the Amazon that even today underpins initiatives taken in the region.

Keywords: Amazon; Instituto Internacional da Hiléia Amazônica; development; post-World War II; Brazilian Congress.

Em palestra na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, no início de 2005, Pascal Lamy, ex-comissário de Comércio da União Européia e então candidato a diretor da Organização Mundial de Comércio (OMC), afirmou que a floresta amazônica e demais florestas tropicais deveriam ser consideradas "bens públicos mundiais" e submetidas a "regras de gestão coletiva" pela comunidade internacional (Valor Econômico, 24 fev. 2005, p.A6; O Estado de S. Paulo, 24 fev. 2005, p.4). O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, reagiu prontamente considerando preconceituosa a visão de Lamy, pois subestimava "a capacidade dos países em desenvolvimento de gerenciar, de forma soberana e sustentável, os seus recursos naturais" (Brasil, 2005). O general da reserva Carlos de Meira Mattos também saiu em defesa da soberania brasileira sobre a Amazônia. Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, ele argumentou que a tese de Lamy pressupunha a idéia de que a única forma de assegurar a sobrevivência da vida no planeta seria transferir a administração dessa região para uma 'autoridade internacional'. Diante dessa situação, aos países com áreas na Amazônia restaria apenas se conformar com uma 'soberania compartilhada' sobre seu território (Matos, 14 abr. 2005).

A proposta de internacionalização da Amazônia, na visão de Meira Mattos, é antiga, recorrente, e sempre veio revestida de postulados científicos ou sócio-humanitários, encobrindo assim objetivos políticos e econômicos. Contemporâneo dos debates sobre o Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (IIHA),1 ocorridos na virada para a década de 1950, Meira Mattos utilizou em sua crítica a Pascal Lamy alguns termos cunhados na época. É o caso de 'cobiça internacional', expressão consagrada por Artur Cezar Ferreira Reis2 em sua obra clássica sobre a Amazônia (Reis, 1960) para designar o interesse estrangeiro sobre a região, e de 'internacionalização', termo utilizado pelo ex-presidente da República Artur Bernardes para expressar interesses geopolíticos na região. Na opinião de Meira Mattos a proposta de criação do IIHA na década de 1940 e a recente tese da Amazônia como 'patrimônio da humanidade' tiveram a mesma motivação: a razão imperialista.

A internacionalização da Amazônia é tema controverso há décadas. A contenda pode ser ilustrada pela proposta de criação do IIHA, aprovada pela 1ª sessão da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas Para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em Paris, em 1946. Iniciativa do cientista e representante brasileiro na Unesco, Paulo Estevão de Berredo Carneiro (1901-1982), o IIHA deveria reunir os países com interesses imediatos na região: Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, França, Grã-Bretanha e Holanda. Caberia ao Instituto realizar pesquisas nos campos da botânica, da química, da zoologia, da geologia, da meteorologia, da antropologia e da saúde.3

Em 1947 a proposta do IIHA tornou-se um dos quatro principais projetos da Unesco, refletindo um renovado interesse pela Amazônia no pós-Segunda Guerra Mundial. Naquele momento emergia a temática do desenvolvimento, preocupada com as razões que impediam os países considerados periféricos de alcançarem os patamares econômicos, políticos, sociais e científicos das potências capitalistas centrais. A região amazônica passou a ser vista como parte importante da solução dos problemas que se abatiam sobre a humanidade – sobretudo pobreza e doenças –, embasando o que o antropólogo Arturo Escobar (1995) designou "construção do Terceiro Mundo".

Este artigo tem por objetivo analisar o tema do desenvolvimento a partir do debate em torno do projeto de criação do IIHA. Inicialmente abordam-se as relações entre ciência e desenvolvimento no pós-Segunda Guerra Mundial. Em seguida, apresentam-se as iniciativas do Estado brasileiro na Amazônia na década de 1940 e a recepção do projeto IIHA. Por fim, analisam-se as controvérsias suscitadas pelo plano da Unesco no Brasil. O projeto do IIHA foi um catalisador do debate sobre o desenvolvimento no pós-Segunda Guerra Mundial no Brasil. As discussões que ele motivou no país e o desfecho que teve consolidaram um modelo de desenvolvimento para a Amazônia que permanece pautando as iniciativas relacionadas a essa região na atualidade.

Ciência e desenvolvimento no pós-Segunda Guerra Mundial

Em meio às transformações do pós-Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento tornou-se tema central nas relações entre países ricos e pobres, sendo os primeiros dotados de capacidade financeira e militar para assegurar o progresso do mundo. Difundiu-se, então, a crença de que gradativamente todas as nações experimentariam um "encontro com o desenvolvimento", conforme a expressão de Arturo Escobar. Essa idéia passou a significar um caminho obrigatório que a humanidade deveria trilhar rumo a conquistas que caracterizavam as sociedades 'avançadas' da época: industrialização, urbanização, modernização da agricultura, infra-estrutura, aumento da oferta de serviços sociais, altos padrões de produtividade e elevados níveis de vida. O desenvolvimento foi visto, então, como um processo de transição (Escobar, 1995, p.36, 42-45).

Nesse cenário, o binômio ciência–tecnologia assumiria papel de relevo no processo de mudanças sociais. Mediante a recepção de conhecimentos e tecnologias, os países subdesenvolvidos seriam capazes de superar o 'atraso', suscitando o rompimento dos 'círculos de pobreza' (Escobar, 1995, p.1-4). A criação da ONU em 1945 e de suas agências especializadas permitiria a irradiação de políticas de universalização do conhecimento científico tendo em vista os benefícios do desenvolvimento econômico em escala mundial.

Entre as agências da ONU que desempenharam a função de articular ciência e desenvolvimento destacam-se o Conselho Econômico e Social (Ecosoc) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Nelas, cientistas assumiram papéis estratégicos na formulação de uma agenda do desenvolvimento. Esse objetivo, segundo o médico francês Henri Laugier,4 do Ecosoc, em 1948, dependia da combinação de dois fatores: saber científico e exploração dos recursos naturais. Se, por um lado, havia um acúmulo de conhecimentos sobre a geografia do planeta, por outro a exploração dos recursos minerais, da fauna e da flora do mundo ainda era limitada. Mesmo ciente de que a pesquisa científica figurava entre as preocupações estatais, inclusive nos países menos desenvolvidos, Laugier argumentava que não se podiam negar os escassos resultados obtidos até então, a lentidão com que ela se desenvolvia, "e que uma vigorosa ação internacional pode ser tomada nesse terreno com grande proveito" (Laugier, jul. 1948, p.256-257).

Para efetivar essa agenda para o desenvolvimento mundial, o Ecosoc manteve constante contato com a Unesco, organização criada no curto intervalo entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria (Unesco, s.d.). Seu primeiro diretor geral, o biólogo Julian Huxley, procurou transformá-la em centro impulsionador da ciência e da cooperação científica internacional para além das fronteiras do mundo desenvolvido (Elzinga, 2004, p.89-90). Fazia parte desse projeto o bioquímico inglês Joseph Needham,5 da Universidade de Cambridge, que em 1946 assumiu o cargo de diretor da recém-criada Divisão de Ciências Exatas e Naturais da Unesco. De acordo com Needham, só um processo de descentramento das atividades científicas, mediante a cooperação internacional, poderia gerar desenvolvimento da ciência nos países subdesenvolvidos à época. O "princípio de periferia", na expressão cunhada por Needham (1948), estava em sintonia com a agenda para o desenvolvimento sintetizada por Henri Laugier.

A iniciativa da criação do IIHA, proposta do cientista Paulo Carneiro, seria a materialização do 'princípio de periferia' de Needham, uma forma de estimular o desenvolvimento da região amazônica no pós-Segunda Guerra Mundial. Entretanto, antes mesmo do término da guerra, a Amazônia se tornara uma questão na agenda política brasileira.

Desenvolvimento e Amazônia na década de 1940

Durante o Estado Novo ganhou corpo no país um projeto de desenvolvimento que procurava expandir o setor industrial (Capellato, 2003, p.118) e que pressupunha a integração econômica das diversas regiões do Brasil.6 Em discurso intitulado "No limiar do ano de 1938", pronunciado no Rio de Janeiro, Getúlio Vargas lançou as bases da Marcha Para o Oeste, uma política de expansão demográfica e econômica na qual o Estado brasileiro buscaria, nos "vales férteis e vastos", os recursos necessários à industrialização brasileira (Vargas, 1938a, p.124). Somente essa expansão poderia superar o descompasso entre uma região litorânea próspera e um interior em permanente estagnação e esquecimento (Vargas, 1938b, p.163-164).

No início da década de 1940, Vargas visitou algumas capitais da região amazônica. Em seus discursos,7 apresentou metas: povoar o território da Amazônia de forma sistemática, com "trabalhadores nacionais", e fixá-los em "núcleos de cultura agrária", de modo a evitar a "dispersão" e o "nomadismo" (Vargas, 1941, p.80-81) e integrar definitivamente essa região ao país. Na sua visão, a conjugação dessas idéias dependia de um plano de desenvolvimento. Nessa perspectiva, foi criado em 1939 o Instituto Agronômico do Norte (IAN), cuja função era impulsionar a agricultura em substituição ao extrativismo da borracha. Vargas também abordou a questão da participação estrangeira na Amazônia, afirmando que as extensões de suas bacias hidrográficas e as origens de suas nascentes em diversos países davam às águas do rio Amazonas um caráter internacional. Desse modo, os interesses comuns deveriam embasar o desenvolvimento conjunto da região (p.55).

O plano de Vargas, de incorporação da Amazônia ao projeto de construção do Estado nacional, foi impulsionado durante a Segunda Guerra Mundial. A entrada dos Estados Unidos no conflito, em 1941, motivou a assinatura de acordos com os países latino-americanos garantindo o livre acesso às matérias-primas dessa região. Os Acordos de Washington, firmados entre os governos brasileiro e norte-americano em março de 1942, comprometiam o Brasil a participar do esforço de guerra ao lado das forças aliadas, suprindo-as de matérias-primas estratégicas, entre as quais se destacava a borracha amazônica. De modo a facilitar a mobilização geral dos recursos econômicos brasileiros e financiar esse empreendimento, bancos norte-americanos ofereceram ao país uma linha de crédito de cem milhões de dólares. A Rubber Development Corporation (RDC), por seu turno, decidiu ajudar o governo brasileiro a aumentar a produção de borracha criando um fundo de cinco milhões de dólares. Foi criada, na Amazônia, uma estrutura administrativa que compreendia facilidades de crédito, aquisição de embarcações, saneamento e recrutamento de mão-de-obra, que ficou sob a supervisão geral da Comissão de Controle dos Acordos de Washington (Mahar, 1978, p.12-13; Dean, 1989, p.139).

Novos órgãos foram criados para cumprir as metas propostas pelos Acordos, tais como: o Banco de Crédito da Borracha (BCB); o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), posteriormente transformado em Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia (Caeta); o Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp); a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico (Sava). E, com a ajuda financeira da RDC, foi promovido um reaparelhamento do Serviço de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará (Snaapp). Essas iniciativas visavam dotar a região de um conjunto de órgãos capazes de consolidar a presença do Estado (Brito, 2001, p.128).

O término da Segunda Guerra Mundial e o restabelecimento do mercado de borracha natural na Ásia, além do desenvolvimento da técnica da produção sintética, mergulharam a economia gomífera amazônica novamente numa crise, agravada pelas dificuldades de estabelecer esquemas modernos de produção (Dean, 1989, p.155). Esse processo ocorreu simultaneamente à instauração do regime democrático de 1946, sob a presidência do general Eurico Gaspar Dutra. Ampliou-se o debate sobre o padrão de desenvolvimento a ser adotado no país tendo em vista o predomínio da visão que associava expansão industrial à planificação da economia, em voga no cenário internacional.8 Caberia ao Estado intervir para a promoção do desenvolvimento, fosse coordenando programas ou realizando investimentos diretos em virtude do reduzido poder econômico do empresariado nacional (Bielschowsky, 2000, p.33-37).

Nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte de 1946, a Amazônia foi objeto de discussão, especialmente no que concerne a uma política de desenvolvimento regional no país. Numa série de dispositivos, a nova carta constitucional atribuiu ao governo a função de planejar, executar e coordenar políticas públicas de desenvolvimento.9 O artigo 199 da Constituição de 1946 indicava, em linhas gerais, que para a implementação do Plano de Valorização Econômica da Amazônia a União deveria aplicar, pelo menos durante vinte anos, uma quantia não inferior a 3% de sua renda tributária. O artigo dizia ainda, em parágrafo único, que os estados e territórios, bem como os municípios da região, deveriam reservar para o mesmo fim, anualmente, 3% de seus rendimentos (Brasil, 1946, art. 199). Para torná-lo realidade, os parlamentares do Amazonas, do Pará e do território do Acre pressionaram pela criação da Comissão Especial para o Plano de Valorização Econômica da Amazônia (Cepvea). Em 9 de outubro de 1946 o plenário aprovou essa proposta (Crampton, 1972, p.93).

A existência da Cepvea – antecedida pelos discursos de Vargas na década de 1940, pela criação de uma infra-estrutura na Amazônia no contexto da Segunda Guerra Mundial e pela inclusão do artigo 199 na Constituição de 1946 – atesta que planos voltados para o desenvolvimento da região eram pensados e debatidos no país no momento em que a proposta de criação do IIHA foi formulada.

O Instituto Internacional da Hiléia Amazônica

O apoio da Unesco à proposta de Paulo Carneiro de criação do IIHA fez parte das iniciativas de cooperação científica do pós-guerra entre os países desenvolvidos e aqueles tidos como periféricos. Como forma de implementar essa cooperação, materializada na Unesco pelo 'princípio de periferia' de Needham, passou a constar do programa da Divisão das Ciências Naturais a criação de uma ampla rede de Escritórios de Cooperação Científica (Field Cooperation Scientific Office, FCSO) – que se constituiriam em intermediários da Unesco no papel de fortalecer o desenvolvimento científico nas regiões periféricas – e a criação de laboratórios científicos internacionais. De acordo com Henri Laugier (jul. 1948, p.257), a tarefa desses laboratórios seria realizar "uma investigação em escala global, começando pelas regiões subdesenvolvidas e direcionada para a pesquisa dos recursos botânicos, zoológicos e minerais e para as características do solo em vários territórios", o que criaria condições aos países subdesenvolvidos de explorarem os recursos naturais, acelerando o progresso. O IIHA deveria ser um desses laboratórios científicos internacionais. Por seu intermédio, a Unesco estimularia o desenvolvimento da região amazônica no pós-Segunda Guerra Mundial.

Inicialmente o papel do Instituto da Hiléia era oferecer apoio material e científico internacional ao Museu Goeldi, em Belém, com o objetivo de preservar as coleções botânicas, zoológicas e etnológicas, e desenvolver as ciências naturais na Amazônia mediante a cooperação dos países localizados na região. Contudo a partir de abril de 1947, quando o Conselho Executivo o elegeu como um dos quatro principais projetos a serem implementados pela Unesco, o IIHA teve suas funções ampliadas, passando a envolver agricultura, educação e saúde. Nesse sentido, ele se transformou num projeto que contemplava pesquisa científica, exploração econômica e demandas de ordem social (Maio, Sá, 2000).

O perfil do Instituto da Hiléia ficaria mais nítido na Conferência de Belém, realizada entre 12 e 18 de agosto de 1947. Durante sua realização, as elites amazônicas expressaram suas expectativas quanto ao compromisso da Unesco com o desenvolvimento econômico da região. Alguns dias antes do início da Conferência, o governador do Amazonas, Leopoldo Neves (PTB-AM) expressava apoio ao evento:

Estou certo de que a Unesco, ao inaugurar suas eficientes atividades no mundo planiciário da Amazônia, abrirá também um período de benemerências que se desdobrarão no sentido de oferecer melhor ambiente de vida ao homem da gleba e aos povos diversos, um manancial inesgotável de preciosidades em todos os setores de nossa privilegiada natureza.10

Posição semelhante assumiu o governador do Pará, Moura de Carvalho, em seu discurso por ocasião da abertura da Conferência de Belém: "A Amazônia é nossa, mas a serviço do mundo, a serviço da ciência, como fonte de trabalho e de bem-estar geral, como potencial capaz de produzir tudo quanto seja necessário aos outros povos, dentro do regime de fraternidade universal que deve presidir a todas as intenções na vida internacional" (citado em Carneiro, 1951, p.24).

Não só lideranças locais acreditavam na possibilidade de o IIHA tornar-se um instrumento de desenvolvimento. Em sua coluna no Correio da Manhã, o jornalista e político Carlos Lacerda sugeria que o Instituto se dedicasse à exploração de recursos animais e vegetais da região amazônica, contribuindo assim para a superação de três problemas que impediam o desenvolvimento econômico do país: a colonização das regiões brasileiras com pouca densidade demográfica, a exploração do petróleo e a abertura de estradas (Lacerda, 22 jul. 1947, p.2). Lacerda se enquadraria na corrente 'desenvolvimentista'.11 De acordo com Bielschowsky (2000), os desenvolvimentistas defendiam uma política voltada para o aumento da produção de bens de consumo, a expansão do mercado interno e o crescimento da renda nacional, tendo o Estado um papel central na economia ao garantir a expansão industrial. O Estado assumiria ainda o aperfeiçoamento dos meios de transporte e a introdução de processos de modernização da agricultura. Os recursos para tal programa deveriam ser conseguidos no exterior.

As expectativas quanto ao desenvolvimento da Amazônia se expressaram no programa definido na Conferência de Belém a partir do trabalho de três comissões: Ciências Sociais e Educação; Nutrição e Ciências Médicas; e Ciências Naturais. Decidiu-se que o IIHA deveria formar centros de colonização voltados para as diferentes atividades agrícolas e industriais típicas da região amazônica e estabelecer um plano de "inter-comunicações fluviais, terrestres e aéreas, destinado a desenvolver a solidariedade social e econômica de todos os países integrantes dessa região". No campo educacional, caberia ao Instituto criar escolas técnicas especializadas em química industrial, agricultura e higiene, áreas "indispensáveis ao desenvolvimento econômico e social da Hiléia Amazônica".12 A subcomissão de Botânica destacou a necessidade de se descobrir plantas de valor econômico,13 enquanto a de Zoologia recomendava especial cuidado a "todos os problemas zoológicos de aplicação prática imediata".14 Já a subcomissão de Agricultura, Silvicultura e Piscicultura enfatizou o atendimento às necessidades da população local por meio da produção de alimentos, combustível, fibras e materiais de construção, e a produção voltada para a exportação, proveniente dos rios, florestas e campos da região.15

Em abril e maio de 1948 ocorreram reuniões em Iquitos, no Peru, e em Manaus, para definir a estrutura político-burocrática e as primeiras pesquisas a serem desenvolvidas. Durante a Conferência de Iquitos, realizada em abril de 1948, foi eleita uma comissão interina do IIHA, presidida pela antropóloga do Museu Nacional, Heloísa Alberto Torres, à qual caberia delimitar a área geográfica da Hiléia amazônica e escolher a cidade que serviria de sede para o instituto. A primeira reunião dessa comissão ocorreu em Manaus, em maio de 1948. Nesse evento, Felisberto Camargo, diretor do Instituto Agronômico do Norte (IAN), órgão criado por Vargas durante o Estado Novo, destacou a necessidade de o IIHA desenvolver projetos de colonização, criação de gado e produção de alimentos a curto prazo.16 Suas propostas tinham por objetivo "promover a auto-suficiência básica da plantação amazônica e preparar a Hiléia para, em um futuro bem próximo, poder receber as massas humanas atormentadas pela miséria e pela fome, que desde já ameaçam o mundo inteiro" (Camargo, 1948, p.1). Esses projetos procuravam vincular o IIHA ao IAN.

A Conferência de Iquitos aprovou ainda o projeto de convenção constitutiva do IIHA, que estabeleceu sua estrutura administrativa e jurídico-política. A Convenção de Iquitos, como ficou conhecida, consagrou em linhas gerais objetivos relacionados ao desenvolvimento da Amazônia, tais como "promover, conduzir, coordenar e divulgar estudos na mencionada zona geográfica ... preparar e acelerar o ulterior progresso dessa região e dos povos a ela vinculados, para o bem estar da humanidade". O Conselho Executivo foi definido como instância máxima de decisão do IIHA, e a participação de qualquer país na organização estaria condicionada a ser "membro das Nações Unidas ou de algum de seus organismos", ou a aprovação de mais de dois terços dos membros do Conselho. Por fim, os delegados reunidos em Iquitos decidiram condicionar a criação do IIHA à ratificação desse documento por, pelo menos, cinco países com território na Amazônia.17 O posicionamento do Brasil era decisivo para a futura instituição, por ser ele o detentor da maior extensão de terras na Hiléia.

O projeto da Hiléia no Congresso Nacional

Em outubro de 1948, o presidente Eurico Gaspar Dutra enviou ao Congresso Nacional a Mensagem presidencial 536-1948,18 na qual recomendava expressamente a aprovação da Convenção de Iquitos.19 Dutra já havia se pronunciado sobre a Amazônia na abertura do ano legislativo de 1948. Ele manifestou seu compromisso com o artigo 199 da Constituição, que destinava 3% da renda tributária da União para um plano de valorização econômica da Amazônia. Conclamou a Cepvea a criar com urgência o órgão que executaria tal plano e a delimitar a área à qual os recursos se destinariam (Dutra, 1948). Essa recomendação do Executivo parece ter surtido efeito, uma vez que ocorreram debates na Cepvea acerca da definição das fronteiras da Amazônia legal durante todo o ano de 1948.20

O apoio de Dutra ao IIHA ocorreu em cenário repleto de imprevisibilidades. Não obstante haver uma tendência favorável ao projeto no plenário da Câmara dos Deputados, a Amazônia constituía-se em tema sensível ao remeter à questão da soberania nacional. Estava em curso, naquele momento, a campanha a favor do monopólio estatal do petróleo, O Petróleo É Nosso,21 que mobilizava militares, intelectuais, estudantes, imprensa, sindicatos e Congresso Nacional. A discussão sobre o Estatuto do Petróleo trouxe o tema da participação de capitais e de tecnologia estrangeiros no desenvolvimento nacional (Cohn, 1968; Wirth, 1973; Dias, Quaglino, 1993; Castro Filho, Dias, 2001).

Esse debate se tornou também matéria de polêmica entre duas vertentes: a primeira, de cunho nacionalista, defendia a centralidade da participação do Estado na economia, fosse nos setores de infra-estrutura, ou nos setores produtivos nos quais o capital privado não tinha condições de investir. A segunda vertente considerava essencial a participação de capitais e tecnologia estrangeiros no desenvolvimento do país como única forma de o Brasil acelerar o processo de industrialização (Bielschowsky, 2000, p.127-132).

Nesse novo cenário a Convenção de Iquitos começou a tramitar no Congresso Nacional. Antes de ser submetido à votação no plenário, o projeto de tratado internacional deveria receber o parecer de uma comissão parlamentar.22 Ao chegar à mesa diretora, a Mensagem do Instituto da Hiléia foi encaminhada à Comissão de Diplomacia e Tratados,23 sendo entregue ao deputado Renault Leite (PSD-PI) para que elaborasse um parecer. Em novembro de 1948, menos de um mês depois de receber a mensagem presidencial, Renault manifestou posição favorável à criação do Instituto da Hiléia,24 sendo acompanhado por unanimidade pelos membros da Comissão de Diplomacia.25 O ex-presidente da República e então deputado federal Artur Bernardes (PR-MG26), contudo, impediu que a Convenção de Iquitos fosse levada ao plenário para ser votada. Em janeiro de 1949, Bernardes, presidente da Comissão de Segurança Nacional (CSN), requisitou a Convenção de Iquitos para ser analisada,27 nomeando a si próprio relator dessa matéria.28

A atitude de Bernardes lembrava posicionamento anterior no contexto da campanha O Petróleo É Nosso, em que ficaram mais nítidas as divergências entre os grupos que debatiam os rumos do desenvolvimento do país. À frente de um grupo de parlamentares, o ex-presidente da República, até então pertencente à base de sustentação do governo Dutra, exigiu que o Estatuto do Petróleo – documento que, se aprovado no parlamento, abriria o setor petrolífero nacional ao capital estrangeiro – fosse discutido nas comissões parlamentares, processo no decorrer do qual ele foi arquivado. Esse mesmo expediente foi utilizado por Bernardes em relação à Convenção de Iquitos.

A repercussão do parecer de Bernardes

O parecer de Bernardes contrário à aprovação da convenção constitutiva do Instituto da Hiléia foi apresentado na reunião da CSN ocorrida em 26 de janeiro de 1949 (DCN, 1 fev. 1949, p.556). Estruturado em 15 artigos e uma conclusão, o parecer criticava as "tendências internacionalistas" do projeto IIHA, que pretendiam promover "a entrega dissimulada de nossas riquezas potenciais". Em tom conspiratório, também denunciava a possível perda do controle do Brasil sobre a Amazônia, uma vez que as decisões concernentes às atividades do futuro instituto não dependeriam apenas do voto do país. Como cada Estado-membro do Conselho Executivo do IIHA tinha direito a um voto, ele argumentava que os interesses brasileiros poderiam ser preteridos, dando margem à colonização da região amazônica por governos estrangeiros. A seu ver, caberia ao Estado brasileiro criar um instituto de cunho nacional, composto em sua maioria por técnicos e pesquisadores brasileiros. Bernardes insistentemente recorreu ao argumento de que o projeto IIHA era sinônimo de ameaça à soberania nacional (DCN, 28 jan. 1949, p.430-439).

Após a leitura do parecer, Bernardes sugeriu aos membros da Comissão de Segurança Nacional não apenas sua aprovação imediata, como também a concordância quanto à consulta ao Estado Maior das Forças Armadas (Emfa) sobre a Convenção de Iquitos. A ausência de consenso em relação às críticas de Bernardes ao IIHA levou os membros da CSN a aprovarem somente a consulta ao Emfa, postergando a votação do parecer.

O parecer de Bernardes foi publicado na íntegra pelo Jornal do Commercio na sua edição de 29 de janeiro de 1949.29 Em fevereiro de 1949, em sua coluna no Correio da Manhã, Carlos Lacerda interpelou o deputado mineiro criticando-o por sua postura nos casos do Estatuto do Petróleo e do Instituto da Hiléia. Na opinião do jornalista, os impasses provocados na Câmara dos Deputados em torno dessas duas questões estavam paralisando o país, pois geravam desinteresse dos investidores nacionais ou internacionais pelos respectivos projetos.30 A Amazônia deveria continuar sendo pesquisada por cientistas brasileiros e estrangeiros que, havia muito tempo, contribuíam com várias descobertas para a região. Ao contrário do nacionalismo 'primitivo' de Bernardes, Lacerda defendia "uma política de desenvolvimento nacional". A instalação do Instituto da Hiléia seria coerente com essa política (Correio da Manhã, 9 abr. 1949).

Assim que o parecer de Bernardes foi divulgado, o representante do Brasil na Unesco, Paulo Carneiro, enviou ofício ao ministro das Relações Exteriores, Raul Fernandes (UDN), no qual se dispunha a prestar esclarecimentos com o objetivo de dirimir quaisquer dúvidas quanto "aos intuitos, os meios de ação e a aparelhagem jurídica do Instituto da Hiléia" (DCN, 25 ago. 1949, p.7607-7609). Para Carneiro, as críticas de Bernardes ao caráter internacional do IIHA não se justificavam porque a atuação do Instituto não se daria só no Brasil, mas também em grandes extensões de terras da Bolívia, do Peru, do Equador, da Colômbia, da Venezuela e das três Guianas. Argumentou ainda que a investigação científica era uma atividade intrinsecamente internacional e que no Brasil nossas instituições sempre receberam a contribuição de cientistas estrangeiros. Dessa forma, o caráter internacional do IIHA não teria sentido anti-patriótico nem representava uma ameaça à soberania nacional.

Em janeiro de 1949 Paulo Carneiro estabeleceu contato com o educador Levi Carneiro, presidente do Instituto Brasileiro de Educação Ciência e Cultura (Ibecc) – comissão nacional da Unesco –, pedindo o seu apoio na mobilização de seus aliados na Câmara dos Deputados contra a campanha de Artur Bernardes.31 Em junho de 1949 o parecer do Emfa sobre a Convenção de Iquitos foi publicado no Diário do Congresso Nacional. A parte inicial do documento, assinado pelo general Salvador Cesar Obino, apoiava a criação de instituição internacional na Amazônia, permitindo assim a pesquisa e o desenvolvimento da região. A posição do Itamaraty, favorável à cooperação internacional, foi elogiada pelos militares, que no entanto demonstravam preocupação com o peso político que o Brasil teria no futuro Instituto da Hiléia.32

Em virtude das clivagens no interior da oficialidade nesse período (Peixoto, 1992), a análise do Emfa sobre o Instituto da Hiléia não refletia o conjunto das forças armadas. Havia um grupo 'desenvolvimentista-nacionalista', representado pelo Clube Militar, que defendia o papel central do Estado como agente do desenvolvimento econômico nacional e era ferrenho opositor do IIHA. Outro, sediado no Ministério da Guerra e no Emfa, tinha uma postura 'desenvolvimentista não-nacionalista', ou seja, favorável ao ingresso de capitais privados estrangeiros no país. Esse grupo apoiava o plano da Unesco, ressaltando apenas a necessidade de alguns ajustes na Convenção de Iquitos em face dos ditames da política de segurança nacional.

Diante da divisão nas forças armadas, os dois principais personagens envolvidos nas controvérsias em torno do Instituto da Hiléia buscaram o apoio dos militares em diferentes instituições. Enquanto Paulo Carneiro, propositor e principal defensor do IIHA, fez uma conferência na Escola Superior de Guerra (ESG),33 fundada e dirigida pelo grupo 'desenvolvimentista não-nacionalista', Artur Bernardes (1951) expôs suas idéias contra a Convenção de Iquitos no Clube Militar, porta-voz do pensamento nacionalista.

O parecer do Emfa repercutiu imediatamente no Congresso Nacional. No dia seguinte à publicação, o senador Augusto Meira (PSD-PA) discursou no plenário contra o projeto de criação do IIHA, argumentando que o Brasil não deveria permitir a criação de um instituto de cunho internacional na Amazônia, pois poderia realizar pesquisas nessa região com seus próprios recursos (DCN, 10 jun. 1949, p.4900-4902). Em julho de 1949, Heloísa Alberto Torres, presidente da Comissão Interina do IIHA, compareceu ao plenário para prestar esclarecimentos aos parlamentares. Ela argumentou que, diferentemente do que apontavam as críticas de Bernardes, as funções do Instituto da Hiléia estavam claramente definidas e tinham de respeitar a legislação brasileira sempre que desempenhadas no território nacional (DCN, 19 jul. 1949, p.6222-6223).

Em setembro de 1949, o jornalista Antonio Callado, do Correio da Manhã, defendeu a criação do IIHA. Ele apelou ao Estado Maior das Forças Armadas e ao presidente da República para não deixarem a Amazônia continuar a ser uma "região abandonada".34 Em outubro de 1949 Paulo Carneiro proferiu palestra na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), procurando atrair o apoio dos cientistas. Após exposição dos projetos da Unesco, ele argumentou que o plano de criação do IIHA não poderia ser realizado apenas por instituições nacionais em virtude da grandiosidade do território amazônico e dos interesses de centenas de especialistas e laboratórios, que estariam envolvidos e oferecendo importante contribuição.35

Apesar da polêmica, o presidente Dutra continuava apoiando a criação do IIHA. Na mensagem enviada ao Congresso Nacional na abertura do ano legislativo de 1949, ele havia mencionado o projeto da Unesco e exposto seu plano de desenvolvimento para a Amazônia. Este deveria se estruturar em torno de prioridades como a pesquisa de novas fontes de riqueza, a exploração racional de outros produtos além da borracha, e a mudança do sistema de propriedade da terra. O IIHA seria um parceiro importante na concretização desse plano, uma vez que tinha "um programa de atividades de cuja execução decorrerá vantagens excepcionais ao progresso da Amazônia brasileira" (Dutra, 1949).

Durante o mês de outubro de 1949, o parecer do Emfa foi objeto de disputas na Comissão de Segurança Nacional. Os partidários do IIHA acreditavam que as sugestões do Emfa poderiam 'salvar' a Convenção de Iquitos. Os opositores julgavam que o parecer corroborava os temores quanto à ameaça à soberania nacional, contida subliminarmente no documento da Unesco. Acrescente-se a crítica de que o Brasil estaria sub-representado no texto da Convenção de Iquitos, dada a sua importância na região.

Nesse intervalo, o jurista Lineu de Albuquerque Melo, um dos representantes brasileiros na Conferência de Iquitos, compareceu à Cepvea. Analisando o projeto com base no direito internacional, ele explicou aos parlamentares que a redação do dispositivo da Convenção de Iquitos criticado pelo Emfa não continha ambigüidade. O futuro IIHA não afetaria a soberania nacional. Lineu de Albuquerque defendeu ainda a necessidade da colaboração internacional para o desenvolvimento da região amazônica.36 Prevaleceu, todavia, a posição de Bernardes na Comissão de Segurança Nacional, com a aprovação do seu parecer contrário à criação do IIHA.

Em meio às dificuldades na tramitação da Convenção de Iquitos, o governo Dutra incluiu, na proposta de orçamento para o ano de 1950 – apresentada ao Congresso Nacional em setembro de 1949 –, recursos para o IIHA por meio do Ministério das Relações Exteriores (MRE).37 Foi ainda esse Ministério responsável pela elaboração de um protocolo adicional, incorporando o principal ponto do parecer do Emfa, que dizia respeito à soberania dos Estados-membros do Instituto da Hiléia quando da discussão e aprovação de projetos que envolvessem seus territórios. O protocolo adicional foi assinado pela maioria dos países signatários da Convenção de Iquitos no Rio de Janeiro, em 12 de maio de 1950, e encaminhado à Câmara dos Deputados mediante mensagem do presidente Dutra.38

A mensagem do protocolo adicional seguiria o mesmo trajeto da mensagem do Instituto da Hiléia na Câmara dos Deputados, sofrendo os mesmos reveses. Desde meados de 1949, além da firme oposição de Artur Bernardes, a Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas – estado que deveria ser a sede do IIHA – aprovou uma moção contrária ao projeto da Unesco e enviou-a ao Congresso Nacional e ao chefe do Emfa.39 Em 1951 foi a vez do jurista pernambucano Othon de Sidou publicar um livro (Sidou, 1951), no qual reproduzia uma série de discursos e entrevistas radiofônicas contrários ao IIHA, veiculados nos anos anteriores. Em conseqüência, a Convenção Constitutiva do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica acabou sendo arquivada pela Câmara dos Deputados em 1951, sem nunca ter sido levada à votação no plenário.

Considerações finais

O tema do desenvolvimento da Amazônia adquiriu nova visibilidade no final da década de 1940, com a discussão acerca do IIHA. Desde 1947, antes mesmo de a Convenção de Iquitos começar a ser discutida no Congresso Nacional, o deputado federal João Botelho (PSD-PA) discordara da posição da Unesco, por apresentar um projeto justamente no momento em que o governo brasileiro procurava elaborar políticas para o desenvolvimento da Amazônia. Em sua opinião, cada país deveria ter sua própria instituição de pesquisa, o que evitaria o caráter internacional e o despertar do sentimento nacionalista. O presidente da Liga Brasileira de Municípios, Osório Nunes (1949, p.141-148), por sua vez, simpático ao IIHA, destacou que o desenvolvimento da Amazônia só seria alcançado por meio da cooperação internacional. Essas duas visões representavam diferentes modelos de desenvolvimento que emergiram naquele momento: ao Estado brasileiro caberia impulsionar planos e projetos para a região Amazônica em cooperação com outros países e instituições internacionais; ou ele deveria considerar o desenvolvimento da Amazônia como uma responsabilidade estritamente nacional. Essa oposição nacional/estrangeiro, como vimos, foi a tônica das polêmicas travadas entre Artur Bernardes e Paulo Carneiro.

À medida que a discussão em torno do IIHA se intensificava, a Câmara dos Deputados foi formulando alternativas ao plano da Unesco. Na reunião da Comissão de Segurança Nacional, realizada em 21 de outubro de 1949, Bernardes conseguiu aprovar seu parecer contrário à mensagem do Instituto da Hiléia. Na mesma ocasião, o deputado Abelardo Mata (PTB-DF) "apresentou parecer – unanimemente aprovado pela comissão – favorável ao projeto n.260-49, que criava o Conselho Nacional de Pesquisas". Em seu parecer, Mata salientava as afinidades entre o Conselho Nacional de Pesquisas e a idéia da criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica. Propunha então a criação de um Instituto Nacional da Amazônia, integrado ao Conselho Nacional de Pesquisas.40

Simultaneamente, a criação de um órgão destinado ao desenvolvimento da Amazônia assumia renovada importância. Em mensagem ao Congresso Nacional em 1950, Dutra manifestava seu interesse em criar um organismo voltado para o planejamento econômico de longo prazo. A concretização dessa medida geraria "grandes ... resultados para o desenvolvimento de toda a planície setentrional" (Dutra, 1950).

De volta ao poder em 1951, Getúlio Vargas expôs, em sua primeira mensagem ao Congresso Nacional, um plano de desenvolvimento para a Amazônia cujo objetivo era uma "sólida exploração" da região através de uma "operação econômica organizada em bases técnicas". Entre as medidas fundamentais desse plano destacavam-se o aperfeiçoamento da técnica agrícola, a ênfase na pecuária e na piscicultura, a intensificação de pesquisas geológicas que viessem a revelar riquezas minerais, a criação de um amplo sistema de crédito, o reequipamento dos transportes e o aparelhamento de portos e estaleiros. Vargas ressaltava a urgência de estruturar o Plano de Valorização Econômica da Amazônia, única forma capaz de implementar essas medidas em conjunto (Vargas, 1951). Na mensagem enviada ao Congresso Nacional em 1952, o presidente reafirmou a importância do planejamento regional, como forma de projetar "os investimentos e iniciativas em províncias geo-econômicas bem definidas" (Vargas, 1952).

O arquivamento do projeto do Instituto da Hiléia em 1951 foi seguido, no ano seguinte, pela criação do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), com o propósito de coordenar as pesquisas na região. Em 1953, a Cepvea deu origem à Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA). A criação do Inpa e da SPVEA ocorreu no bojo das polêmicas travadas no país acerca do IIHA e representou uma retomada das preocupações com o desenvolvimento da Amazônia contidas no artigo 199 da Constituição de 1946. As controvérsias suscitadas pelo IIHA desencadearam um amplo debate na sociedade brasileira sobre os distintos caminhos para impulsionar o desenvolvimento da região. Além de acelerar os planos que vinham sendo pensados para a Amazônia desde o início da década de 1940, as discussões em torno do projeto da Unesco definiram um modelo de desenvolvimento para a região, cujos principais pilares foram o controle do Estado brasileiro sobre as políticas implementadas e uma grande desconfiança em relação a qualquer tipo de envolvimento estrangeiro. É interessante constatar que esse modelo, embora atualizado e com nuances, continua pautando as discussões e iniciativas relacionadas à Amazônia até os dias de hoje.

NOTAS

Recebido para publicação em agosto de 2007.

Aprovado para publicação em novembro de 2007.

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  • Wirth, John D. 1973 A política do desenvolvimento na era Vargas Rio de Janeiro: Serviço de Publicações/Fundação Getulio Vargas.
  • 1
    O termo Hiléia foi cunhado pelo naturalista alemão Alexander Von Humboldt em suas viagens pelas ilhas do Caribe, pelo norte da América do Sul e pelo México entre 1799 e 1804, para designar uma floresta tropical úmida. Esta definição de Hiléia compreende regiões da Bolívia, do Peru, do Equador, da Colômbia, da Venezuela, do Brasil, da Guiana, do Suriname e da Guiana Francesa.
  • 2
    Artur Cezar Ferreira Reis foi o primeiro a ocupar a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) – posteriormente Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) –, o primeiro presidente do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e governador do Amazonas (1964-1967).
  • 3
    Unesco/Prep. Com./Nat.Sci.Com./Natural Sci.Com./S.R.1., 31/5 e 1/6/1946, p.3. (Arquivos da Unesco).
  • 4
    O médico francês Henri Laugier foi diretor do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) entre os anos de 1937 e 1940, e depois, de 1943 a 1944. Humanista e identificado politicamente com posições mais à esquerda, ao término da guerra ele passou a se dedicar à política e à organização da atividade científica, sendo nomeado, em 1946, secretário-geral adjunto da ONU e membro do Ecosoc. No desempenho desses cargos, participou ativamente da elaboração da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
  • 5
    Needham foi o responsável pela inclusão do 's' de
    science na inicialmente designada 'Uneco', alçando a ciência ao mesmo patamar da educação e da cultura no projeto dos países vitoriosos do Ocidente de construção de um mundo liberal democrático. Alguns anos mais tarde, na Conferência de Boyle, proferida em Oxford, em 1948, Needham ressaltou a importância de a ciência estar associada à educação e à cultura, por meio da Unesco (Needham, 1948, p.21). Para maiores informações sobre o papel desempenhado por Needham no processo de organização da Unesco, ver Maio, Sá, 2000, p.984-985.
  • 6
    Maria Antonieta Leopoldi (2003, p.248) tem uma visão diferente. Para ela esse projeto nunca existiu, tendo sido construído sobre acontecimentos, respondendo aos desafios conjunturais e às várias demandas econômicas e políticas, só sendo possível compreendê-lo numa perspectiva histórica.
  • 7
    Os discursos de Vargas foram publicados pela editora José Olympio, num conjunto de livros intitulados
    A nova política do Brasil.
  • 8
    De acordo com D'Araújo (jun. 1992, p.43-45), esse fenômeno estava ligado à experiência de intervenção estatal na economia, que aumentou depois da crise de 1929, e principalmente no pós-Segunda Guerra Mundial, quando a crença na necessidade de algum tipo de planejamento econômico ou de ação governamental na economia se tornou generalizada. A experiência de planejamento econômico durante o New Deal, legitimada pelo keynesianismo, foi um importante impulso nesse sentido.
  • 9
    Dentre os dispositivos podemos citar o que estabelecia a criação de um Conselho Nacional de Economia, cuja função era estudar a economia do país e propor ao poder competente as medidas que julgasse necessárias (art. 205), e os que obrigavam o Estado a destinar verbas anuais para o desenvolvimento do Vale do São Francisco (art. 29), cujas condições de navegação faziam dele o rio da 'integração nacional'; do Nordeste (art. 128), em razão das secas; e da Amazônia, dada a longa agenda de desafios dessa região (art. 199). (Brasil, 1946).
  • 10
    Ofício do governador do estado do Amazonas, Leopoldo Amorim da Silva Neves, a Paulo Carneiro, s.d. Fundo Família Carneiro, caixa 44 (Departamento de Arquivo e Documentação / Casa de Oswaldo Cruz / Fundação Oswaldo Cruz – DAD/COC/Fiocruz).
  • 11
    O termo 'desenvolvimentistas' refere-se, nessa análise, a um grupo que tinha como traços de união fundamentais um projeto comum de formar um capitalismo industrial moderno no país e a expectativa geral de que, para esse fim, era necessário planejar a economia e recorrer a diferentes formas de intervenção. Para uma discussão dos fatores que diferenciavam o desenvolvimentismo do setor público 'não nacionalista' do desenvolvimentismo do setor público nacionalista, ver Bielschowsky, 2000, p.77.
  • 12
    Relatório da Comissão de Ciências Sociais e Educação. Belém, 12 a 18 ago. 1947, p.17-18. Fundo Família Carneiro, caixa 47 (DAD/COC/Fiocruz).
  • 13
    Relatório da subcomissão de Botânica. Belém, 12 a 18 ago. 1947, p.5-6. Fundo Família Carneiro, caixa 47 (DAD/COC/Fiocruz).
  • 14
    Relatório da subcomissão de Zoologia. Belém, 12 a 18.ago.1947, p.7-9. Fundo Família Carneiro, caixa 47 (DAD/COC/Fiocruz).
  • 15
    Relatório da subcomissão de Agricultura, Silvicultura e Piscicultura. Belém, 12-18 ago. 1947, p.10-16, p.10. Fundo Família Carneiro, caixa 47 (DAD/COC/Fiocruz).
  • 16
    Para uma análise desses projetos, ver Maio, Sanjad, Drummond, jul.-dez. 2005, p.158-159.
  • 17
    "Convenção Constitutiva do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica". Fundo Família Carneiro, caixa 43 (DAD/COC/Fiocruz).
  • 18
    Embora atribuísse à União a competência de celebrar tratados e convenções com outros países, a Constituição de 1946 estabelecia que cabia ao Congresso Nacional ratificá-los ou não. Desse modo, a Convenção de Iquitos deveria passar primeiro pela Câmara dos Deputados e depois pelo Senado Federal. (Brasil, 1946, art. 5 e art. 66, alínea 1).
  • 19
    Essa mensagem presidencial continha a Convenção de Iquitos, o protocolo financeiro firmado nessa cidade pelos representantes dos países signatários da Convenção, uma exposição de motivos do ministro interino das Relações Exteriores, Hildebrando Accioly, e uma carta do presidente Dutra recomendando a aprovação da Convenção de Iquitos aos membros do Congresso. (DCN, 20 out. 1948, p.10448-10449. Mensagem 536-1948, de Eurico Gaspar Dutra, 4 out. 1948).
  • 20
    DCN. Atas das reuniões da Comissão Especial de Valorização Econômica da Amazônia realizadas no ano de 1948.
  • 21
    O motivo da campanha popular em defesa do monopólio estatal do petróleo foi a decisão de Dutra de nomear uma comissão para elaborar a nova legislação que regularia a questão do petróleo no país em 1947. O resultado dos trabalhos dessa comissão foi o anteprojeto do Estatuto do Petróleo, enviado ao Congresso Nacional em fevereiro de 1948. A aprovação desse documento abriria o setor petrolífero nacional à participação do capital privado, nacional ou estrangeiro, o que facilitaria os objetivos do governo de montar uma indústria nacional de petróleo com tecnologia e recursos externos. Sobre a questão do petróleo no Brasil nas décadas de 1930, 40 e 50 ver Cohn, 1968; Wirth, 1973; Dias, Quaglino, 1993; e Castro Filho, Dias, 2001.
  • 22
    De acordo com seu artigo 83, parágrafo 8, "nenhuma proposição será sujeita a discussão, ou a votação, sem que seja interposto parecer, pela Comissão competente, exceto nos casos previstos neste Regimento" (Brasil, 1947, p.36).
  • 23
    Sua função regimental era manifestar-se sobre quaisquer atos internacionais que o país viesse a participar. (Brasil, 1947, cap.V: "Das comissões", seção III: "Das atribuições").
  • 24
    Fundo Família Carneiro, caixa 44 (DAD/COC/Fiocruz).
  • 25
    DCN, 20 nov. 1948, p.11936. Ata da reunião da Comissão de Diplomacia, realizada em 19 nov. 1948.
  • 26
    O Partido Republicano (PR) foi fundado pelo ex-presidente da República Artur Bernardes em agosto de 1945, com base na rearticulação das lideranças dos antigos partidos republicanos estaduais, sobretudo o Partido Republicano Mineiro (PRM), extinto como todos os outros logo após a decretação do Estado Novo. Diferentemente deste último, porém, o PR era um partido político de âmbito nacional, conforme previa o Código Eleitoral promulgado em fevereiro de 1945. Sua base política, contudo, era o estado de Minas Gerais. Prova disso é que, dos sete deputados federais que essa legenda elegeu em 1945, seis eram desse estado (Leal, 2001).
  • 27
    Apesar de a Comissão de Diplomacia, a mais indicada para opinar sobre essa matéria, já ter dado seu parecer favorável ao IIHA, não havia impedimentos para que outra comissão parlamentar requisitasse também a matéria. De acordo com o artigo 61, parágrafo 1 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, "se qualquer Deputado requerer, por escrito, a remessa a determinada Comissão de papéis despachados a outra, pelo 1º Secretário, ou que lhes seja dado outro destino, será este requerimento, se não for atendido imediatamente, submetido, na sessão seguinte, à deliberação da maioria absoluta dos Deputados. Idêntico requerimento de qualquer comissão será despachado pelo Presidente da Câmara" (Brasil, 1947, p.25).
  • 28
    O artigo 45 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados previa, como uma das atribuições do presidente de comissão, "designar relatores e distribuir-lhes a matéria sujeita a parecer". Quanto ao fato de Bernardes acumular as funções de presidente da CSN e relator da mensagem do Instituto da Hiléia, também não havia nenhum impedimento, pois, de acordo com o parágrafo 1 desse mesmo artigo, "o Presidente poderá funcionar como relator e terá voto em todas as deliberações da comissão" (Brasil, 1947, p.20-21).
  • 29
    Fundo Família Carneiro, DAD/COC/Fiocruz, caixa 47.
  • 30
    "Divagação melancólica",
    Correio da Manhã, 16 fev. 1949. Fundo Família Carneiro, caixa 37 (DAD/COC/Fiocruz).
  • 31
    Carta de Paulo Carneiro ao Dr. Levi Carneiro, de 19 jan. 1949. Fundo Família Carneiro, caixa 256 (DAD/COC/Fiocruz).
  • 32
    Parecer do Estado Maior das Forças Armadas sobre o Instituto Internacional da Hiléia Amazônica. (DCN, 9 jun. 1949, p.4801-4802). Esse parecer foi publicado também no
    Jornal do Commercio, em 19 jul. 1949. Fundo Família Carneiro, caixa 46 (DAD/COC/Fiocruz).
  • 33
    Parte dessa Conferência está publicada em Carneiro, 1951.
  • 34
    "Diálogo da Hiléia Amazônica".
    Correio da Manhã, 14 set. 1949. Fundo Família Carneiro, caixa 41 (DAD/COC/Fiocruz).
  • 35
    "Plano de aproveitamento científico da Amazônia: a propósito de uma palestra proferida pelo dr. Paulo Carneiro".
    Folha da Manhã, 17 out. 1949. Fundo Família Carneiro, caixa 37 (DAD/COC/Fiocruz).
  • 36
    "Ocupa a atenção de dois órgãos técnicos da Câmara Federal o Instituto da Hiléia amazônica".
    Diário de Notícias, 22 out. 1949. Fundo Família Carneiro, caixa 47 (DAD/COC/Fiocruz).
  • 37
    DCN, 21 set. 1949, p.8517-8524. Redação do Projeto n.303-C-1949, que trata do Orçamento para o ano de 1950.
  • 38
    DCN, 30 maio 1950, p.3951. Mensagem 161-1950, de Eurico Gaspar Dutra, 25 maio 1950. Essa mensagem presidencial que continha o protocolo adicional à Convenção de Iquitos foi citada na Reunião da Comissão de Diplomacia de 25 de maio de 1950.
  • 39
    O
    Diário da Noite publicou esta moção em 22 mar. 1949, sob o título "Reage a Amazônia ao Convênio da Hiléia".
  • 40
    DCN, 25 out. 1949, p.10025. Ata da reunião da Comissão de Segurança Nacional, realizada em 21 out. 1949. Sobre o CNPq e o debate acerca da Amazônia ver Maio, 2001, p.64-70.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      Nov 2007
    • Recebido
      Ago 2007
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