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O projeto da parteira Madame Durocher sobre a emancipação dos escravos na crise do Império brasileiro* 200 *Uma versão diferente desse texto foi apresentada no Simpósio Temático: Novos Percursos e configurações: abolição, abolicionismo e pós-emancipação do Simpósio Nacional de História - Brasília, 2017, sob a coordenação da professora Maria Helena P. T. Machado e do professor Flávio Gomes. Sou grato aos coordenadores pela acolhida e a todos os participantes com quem pude dialogar. Um agradecimento especial às professoras Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro e Lúcia Helena Oliveira Silva e aos professores Marcelo Lapuente Mahl e Jean Luiz Neves Abreu, que leram, comentaram e sugeriram alterações no texto.

The midwife Madam Durocher’s project about emancipation of slaves in the Brazilian empire crisis

Resumo

Madame Durocher, uma famosa parteira que viveu na cidade do Rio de Janeiro, escreveu e publicou, na década de 1870, um opúsculo em que abordava a problemática da emancipação dos escravos. Neste texto, resultado de uma pesquisa mais substancial, procurei analisar esse documento, tentando colocá-lo em uma perspectiva mais ampla que envolvesse o debate político que desde meados da década de 1860 se dedicou a construir soluções que visassem a extinção da escravidão. Procurei assinalar, também, as peculiaridades profissionais e políticas de Madame Durocher, mostrando suas posições políticas conservadoras e sua movimentação pela Corte Imperial contrariando o ordenamento social prescrito. Por fim, tentei destacar o enraizamento das posições conservadoras quanto à abolição da escravidão e à emergência de uma “política racial” representadas no seu escrito.

Palavras-chave:
escravidão; emancipação; liberdade

Abstract

Madam Durocher, a famous midwife who lived in Rio de Janeiro, Brazil, wrote and published, in the 1870s, a booklet in which she approached the problem of the slave’s emancipation. In this text, result of broader research, I’ve tried to analyze this document and to get into a wider perspective involving the politic debate that since mid-1860s dedicated the building solutions aiming at the extinctions of slavery. I also researched Madam Durocher’s professional and politics peculiarities showing her political conservative positions and movements by the imperial court contrary to the prescribed social order. Lastly, I tried to emphasize the rooting of conservative positions regarding the abolition slavery and the emergence of a racial policy represented in his text.

Keywords:
slavery; emancipation; freedom

Uma mulher em seu tempo

A vida de Mme. Durocher, especialmente em sua atuação como parteira no Rio de Janeiro do século XIX, foi bastante examinada. Os detalhes aparecem em relatos autobiográficos, em biografia escrita por Ernesto Senna (SENNA, 1895SENNA, Ernesto. Notas de um repórter. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1895.) e abordagens historiográficas no campo dos estudos de gênero e história das mulheres (WINDLER, 2007WINDLER, Erica M. Madame Durocher’s Performance: cross-dressing, midwifery and authority in nineteenth century, Rio de Janeiro, Brazil. In: FRENCH, William E.; BLISS, Katherine E. (ed.). Gender, sexuality, and power in Latin America since Independence. Maryland: Rowman E. Littlefield Publishers, 2007. p. 52-70.). Também nos estudos da história da saúde com ênfase na obstetrícia e na mestria dos partos e dos cuidados relacionados a eles, domínio em que Durocher certamente foi uma das mais prestigiadas e longevas profissionais no Oitocentos (BARBOSA; PIMENTA, 2016BARBOSA, Gisele Machado; PIMENTA, Tânia Salgado. O ofício de parteira no Rio de Janeiro Imperial. Revista de História Regional, v. 21, n. 2, p. 485-510, 2016.).

O trabalho mais alentado sobre a vida e atuação de Mme. Durocher veio à luz há aproximadamente duas décadas, pelas mãos da historiadora Maria Lucia Mott. Em uma “biografia temática”, acompanhamos o percurso profissional dela e de outras parteiras, mulheres do seu tempo. Para Mott,

por detrás da imagem de excepcionalidade sua vida se aproximava das outras mulheres do Brasil urbano do século XIX, que sobreviveram do mesmo ofício de parteira, como também costureiras e modistas que cruzaram o Atlântico ‘para fazer a América’, e ainda das escritoras que, em pleno regime escravista chegaram a expor suas ideias contra a escravidão. (MELO SOUZA, 1998MELO SOUZA, Maria L de Barros Mott de. Parto, parteiras e parturientes: Mme. Durocher e sua época. 1998. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998., p. 13).

Diante disso, minha pretensão é examinar um momento específico da atuação política de Mme. Durocher. Refiro-me a um documento com o qual ela ingressou no debate candente sobre a questão servil que monopolizava as energias da esfera pública no parlamento, nos clubes, associações, teatros, palácios e ruas na segunda metade do século XIX.

Ideias por coordenar a respeito da emancipação é um pequeno impresso, um opúsculo, ainda pouco examinado (AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites no século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.; ALBERTI, 2007ALBERTI, Verena; PEREIRA, Amilcar Araujo. (org.). Histórias do movimento negro no Brasil: depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas; CPDOC-FGV, 2007.; SCHUMAHER; BRAZIL, 2000SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. (org.) Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.; ALONSO, 2015ALONSO, Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-88)São Paulo: Companhia das Letras,2015.). O seu conteúdo esboça um “projeto” para a emancipação dos escravos. De início, observo que Mme. Durocher preocupou-se em projetar novas formas de trabalho coercitivo e com a manutenção da ordem social, não obstante argumentasse em favor da emancipação como seu título sugere. Conforme assinala Célia Azevedo, os emancipacionistas, agentes políticos muito presentes na exígua cena pública na década de 1860, enfatizaram em suas propostas o desejo de moralizar os escravos, limitando os significados da liberdade a essa expectativa (AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites no século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.).

O historiador Luiz Felipe de Alencastro assinalou que a conformação do Estado Imperial reconstruiu a escravidão, livrando-a das marcas coloniais e inscrevendo-a nos quadros do direito moderno (ALENCASTRO, 1997ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida Privada e Ordem Privada no Império. In: NOVAIS, Antonio F.; ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.). História da Vida Privada no Brasil Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras , 1997. p. 11-93.). Nesse ínterim, a despeito das pressões antiescravistas, a produção agrícola brasileira se notabilizou pela capacidade de suprir as demandas dos mercados mundiais e, rapidamente, ao longo da primeira metade do século XIX, se transformou no maior produtor mundial de café, superando os concorrentes caribenhos e asiáticos. As terras férteis e livres do Vale do Paraíba absorveram intensamente os africanos escravizados. Houve, de fato, um investimento prioritário na consecução do tráfico ilegal a partir de 1835 - imbricando plantation escravista e classe senhorial, que implicou numa massiva produção de café e na constituição de um consumo de massa nos mercados importadores. Instaurou-se, assim, uma “produção em massa, consumo em massa, escravização em massa, destruição em massa: tais foram os signos da modernidade que conformaram a paisagem histórica do Vale do Paraíba” (MARQUESE; TOMICH, 2014MARQUESE, Rafael de Bivar; TOMICH, Dale. O Vale do Paraíba escravista e a formação do mercado mundial do café no século XIX. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil Imperial: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 339-384., p. 374).

Entre os efeitos das novas exigências da produção agrícola em escala mundial e a massiva presença de mão-de-obra cativa nas fazendas de café, está o aparecimento de manuais versando sobre agronomia e administração do trabalho escravo. Esses textos recomendam procedimentos mais adequados no tratamento da escravaria que resultariam em maior produtividade, longevidade e natalidade dos cativos. Além de justificarem a escravização dos africanos, devido à sua inferioridade, eles prescrevem a gestão do trabalho, disciplina, dieta alimentar, cuidados sanitários com as senzalas e educação religiosa. Tudo isso visando o aumento da produtividade e a preservação da mão-de-obra (MARQUESE, 2004MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras , 2004.; VIANA, 2016VIANA, Iamara da Silva. Corpos escravizados e saber medico: proposições de Jean-Baptiste Alban Imbert, 1830-1850. 2016. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.).

Nesse sentido, suponho que o discurso político de Mme. Durocher se inscreve mimetizando os interesses e as práticas senhoriais, assentindo com outras vozes que também se mostraram preocupadas com os encaminhamentos da questão servil. Na possibilidade de a escravidão chegar a termo, homens e mulheres livres explicitam em discursos políticos seus horizontes de expectativas em meio ao debate sobre a emancipação. Gonçalves e Nascimento (2019GONÇALVES, Aline Najara da Silva; NASCIMENTO, Alvaro Pereira do. Como pensar o elemento servil: o lugar dos libertos nas expectativas das elites após a emancipação. Afro-Ásia, n. 60, p. 81-104, 2019.) analisam os “livretos e manuais” elaborados por quatro autores entre os anos de 1866 e 1871 - Antônio da Silva Neto, Adolpho Bezerra de Meneses, Luiz Barbosa da Silva e Madame Durocher - os quais explicitavam preocupações comuns sobre o lugar do liberto nessa sociedade, o destino da propriedade privada e da produção agrícola e a regeneração moral da raça escravizada. Nota-se, então, haver pouco espaço, nesse momento, para a abordagem de questões relativas às liberdades civis e políticas e a própria cidadania dos emancipados. Temas que somente entraram no debate público quando na década seguinte emerge uma fração mais radical do movimento abolicionista.

Maria Josephina Mathilde Durocher, ou Mme. Durocher, nasceu em Paris em 1809, chegou ao Brasil ainda criança, por volta de 1816, trazida por sua mãe, a francesa Ana Nicolli Colette Durocher, e faleceu no Rio de Janeiro em 1893. Viveu todo o seu tempo na Corte, onde obteve destaque profissional por desempenhar as funções de parteira, sendo para isso habilitada pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1834, após ser a primeira aluna a matricular-se no recém criado curso de partos. A partir de 1871, tornou-se membro titular da Academia Imperial de Medicina, título que conferia distinção aos profissionais ligados à medicina. E seguiu partejando por todo o século XIX, sempre atenciosa com aquelas de parcos recursos, mas também trazendo à luz os rebentos das ilustres famílias da Corte e da família Imperial. Mme. Durocher tornou-se popular como parteira e por trajar vestimentas masculinas expressando uma virilidade fora da ordem. Era também reconhecida pela sua participação no desenvolvimento das práticas médico-científicas expressas na publicação de algumas obras importantes no campo da obstetrícia (MELO SOUZA, 1998MELO SOUZA, Maria L de Barros Mott de. Parto, parteiras e parturientes: Mme. Durocher e sua época. 1998. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.).

Um anônimo prestou-lhe homenagem quando de seu falecimento e estabeleceu os traços essenciais pelos quais ela passou a ser lembrada desde então:

Quem é vivo no Rio de Janeiro nestes últimos 50 anos, e não a conheceu? Conheceram-na uns pela profissão que ela exercia com tanta proficiência e tanta dedicação; outros pelo modo de vestir-se, quase como um homem; outros pela singular fealdade, que forma tão notável contraste com a beleza e elevação de seus dotes de coração e espírito. (Gazeta do Rio de Janeiro, 07/01/1894 apudMELO SOUZA, 1998MELO SOUZA, Maria L de Barros Mott de. Parto, parteiras e parturientes: Mme. Durocher e sua época. 1998. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998., p. 6).

Embora ela tenha realizado algo em torno de 5.500 partos, registrando-os em notas que nos permitiram conhecer a excelência de seu trabalho, e ainda tenha escrito um importante trabalho na área de obstetrícia, ciência que os médicos pouco dominavam, foram muitas as tentativas de diminuir toda a sua competência com imagens depreciativas sobre a sua beleza e sexualidade.

Escravidão versus Liberdade

Num império como o brasileiro, estruturado e sustentado pela escravidão (MATTOS, 1986MATTOS, Ilmar Roloff. O tempo Saquarema: a formação do Estado Imperial. São Paulo: Hucitec, 1986.; SALLES, 2008SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo: Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2008.; PARRON, 2011PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2011.), a década de 1860 parecia aprofundar contradições socioeconômicas singulares e acelerar seus efeitos em direção à extinção do cativeiro. A estabilidade política construída a partir da década de 1840, quase duas décadas depois, parecia se esvair (IGLESIAS, 2004IGLESIAS, Francisco. Vida Política, 1848-1868. In: História Geral da Civilização Brasileira: Reações e Transações. Bertrand Brasil, 2004. p. 17-139. t. II, v. V.; CARVALHO, 1996CARVALHO, José Murilo de. Teatro das Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996.) A Guerra Civil Norte-Americana, a Guerra do Paraguai, os avanços do movimento abolicionista e do republicanismo permitiram confrontar a política da escravidão (PARRON, 2011PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2011.) que conectara o Brasil a outras sociedades escravistas americanas e trouxeram à pauta política e parlamentar a questão da liberdade e o fim do cativeiro (ANDREWS, 2007ANDREWS, George Reid. América Afro-Latina, 1800 - 2000. São Carlos, SP: Edufscar. 2007.; SCOTT; HÉBRARD, 2014SCOTT, Rebecca J.; HÉBRARD, Jean M. Provas de Liberdade: uma odisseia atlântica na era da emancipação. Campinas, SP: Unicamp, 2014.; SCOTT, 1994SCOTT, Rebecca. Defining the boundaries of freedom in the world of cane: Cuba, Brazil and Louisiania after emancipation. American Historical Review, v. 99, n. 1, p. 70-102, 1994.; PARRON, 2015PARRON, Tâmis. A política da escravidão na Era da Liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1787-1846. 2015 Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.).

O censo populacional de 1872, que seria consolidado apenas em 1876-77, expressou uma condição demográfica singular, se comparada com outros territórios americanos, nacionais e colônias - onde a escravidão foi cultivada durante o século XIX ou parte dele. Tal comparação tornava-se um componente decisivo para que os agentes públicos e a sociedade refletissem sobre suas práticas e discursos políticos elaborados e destinados a encaminhar soluções para o problema do “elemento servil”, que se anunciavam desde o final da década de 1820, quando então fora enfrentado com silêncios, dissimulações, protelações e outras manobras e manipulações (BERBEL; MARQUESE; PARRON, 2010BERBEL, Márcia; MARQUESE, Rafael; PARRON, Tâmis. Escravidão e Política: Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2010.; RODRIGUES, 2000RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil. Campinas: Edunicamp, 2000.; CHALHOUB, 2012CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.).

A população do Império se aproximava em 1872, perto dos 10 milhões de habitantes com 15,2% de escravos. Pretos e pardos, livres e escravos somavam 5.756.234 (57,9%) ou seja, se excluirmos os cativos encontraremos uma população de homens e mulheres de cor livres no percentual de 42,7%. Em cada 10 indivíduos pretos e pardos, quase 7,5 eram livres. Vê-se, assim, que, a despeito da precariedade da vida e das relações de trabalho (CHALHOUB, 2012CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.), a liberdade pautava as experiências sociais de homens e mulheres negros, crioulos e africanos.

Certamente esse quadro demográfico acrescido da evidente crise da hegemonia Saquarema (SALLES, 2009SALLES, Ricardo. As águas do Niágara, 1871: crise da escravidão e o ocaso saquarema. In: SALLES, Ricardo; GRINBERG, Keila. O Brasil Imperial: 1870-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2009. p. 39-82.; MATTOS, 1986MATTOS, Ilmar Roloff. O tempo Saquarema: a formação do Estado Imperial. São Paulo: Hucitec, 1986.) e das incertezas quanto à capacidade da dominação senhorial não apenas de obstar as demandas emancipacionistas e abolicionistas, mas de manter o controle e ordem social e mesmo o ritmo das reformas consensualmente reconhecidas como necessárias, representa a chave de leitura dos documentos que trataram direta e indiretamente deste momento político singular da história monárquica.

Desde 1865, quando o Imperador provocou Pimenta Bueno, integrante do Conselho de Estado, para que formulasse uma proposta legislativa que emancipasse os cativos, tem-se a impressão que o tema da escravidão fora condenado à esfera pública, o que não significou solução efetiva no sentido da extinção da escravidão. Como observou ironicamente Sidney Chalhoub, de

meados do século XIX, e ao menos até a crise que resultou na lei de 1871, o Brasil imperial oferecia ao mundo o curioso espetáculo de um país no qual todos condenavam a escravidão, mas quase ninguém queria dar um passo para viver sem ela. (CHALHOUB, 2003CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis, historiador. São Paulo: Companhia das Letras , 2003., p. 141).

Esse ambiente foi marcado por guinadas surpreendentes como a de Perdigão Malheiros, que, em 1871 foi à tribuna da Câmara dos Deputados para esgrimir contra a proposta de libertação do ventre capitaneada por Rio Branco e em defesa da propriedade escrava. Teve que se defender do estigma de escravagista que lhe foi impingido com precisão. E o fez com os argumentos dos chamados emperrados. Para ele, os adeptos da liberdade do ventre colocavam em risco não apenas a instituição tão longeva, mas a segurança e o futuro do Império. As atividades agrícolas seriam abaladas e certamente a crise econômica não se faria tardar.¹ Cabe observar que esses argumentos se fizeram presentes quando o projeto de Pimenta Bueno entrou em discussão no Conselho de Estado, em 1867 (SALLES, 2008SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo: Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2008.). Malheiros, reiterando representações que atravessaram o século XIX, não se furtou a ressalvar a docilidade cristã da escravidão no Brasil em contraste com outras sociedades escravistas. Assegurava o jurista, “(...) não há paiz no mundo em que os escravos sejão tão bem tratados como no Brazil; a nossa índole é extremamente dócil, benfazeja, humana, caritativa; não se tratão os escravos como em outro tempo, apenas como instrumento de trabalho” [sic] (PERDIGÃO MALHEIRO, 1871PERDIGÃO MALHEIRO, A. M. Discurso proferido na sessão da Câmara em 12 de julho de 1871 sobre a proposta do governo para a Reforma do Estado Servil. Rio de Janeiro: Typ. Imp e Const. De J. Villeneuve E. C.; 1871. (Brasiliana - USP), p. 42). Os esforços daqueles que se opunham a projetos emancipacionistas foram estabelecidos pela defesa da propriedade escrava, das prerrogativas da dominação senhorial dela derivada, (PENA, 2001PENA, Eduardo Spiller. Pajens da Casa Imperial. Campinas/SP: Unicamp, 2001.; CHALHOUB, 1990CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.) pela expectativa do branqueamento da nação e pelo sonho de apagamento da negritude afro-brasileira (SANTOS, 2002SANTOS, Gislene A. dos . A invenção de ser negro: um percurso das ideias que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo: Educ/Fapesp, 2002. ; AZEVEDO, 2012AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Dois estudos sobre Imigração e Racismo. São Paulo: Anablume, 2012.).

Mesmo em face da interdição à participação das mulheres na vida política do país, não surpreende, seja pelas energias em circulação, seja pela ebulição política que a abordagem da questão servil provocava, que uma mulher - e além dela outras tantas que a historiografia brasileira durante longo período tornou invisíveis (MUNIZ; MACENA, 2012MUNIZ, Diva do Couto Gontijo; MACENA, Fabiana Francisca. Mulheres e política: a participação nos movimentos abolicionistas do século XIX. Revista Mosaico, v. 5, n. 1, p. 45-54, 2012.) -, cidadã brasileira de origem francesa, se apresentasse habilitada a participar do debate público. Com efeito, Mme. Durocher abordou o tema da escravidão e emancipação redigindo e publicando um opúsculo de pouco mais de 25 páginas em que formula, com tintas fortes e argumentos seguros, em diálogo com as discussões de intelectuais e parlamentares daquele momento, um projeto ou conjunto de ideias visando a extinção gradual e ordenada da escravidão.

Conforme procuro discutir nas próximas páginas, a leitura deste documento nos permite seguir refletindo acerca do declínio do escravismo no Brasil, o recrudescimento das lutas abolicionistas e dos processos e projetos de libertação dos escravos que entraram em cena e configuraram os espaços públicos e o imaginário brasileiro a partir do final da década de 1860. Ainda assim, antecipando o juízo, é preciso salientar que, não obstante a emancipação enunciada no título, o projeto de Mme. Durocher trata objetivamente da produção de novas formas de subordinação e dependência que teriam na dominação senhorial renovada e travestida de moderna, o centro doutrinário da preparação dos negros para a vida feliz, ordeira e distante dos direitos civis e políticos.

Se adotarmos imaginariamente as perspectivas dos escravos e homens negros libertos e livres, parece certo de que não classificaríamos Mme. Durocher com uma cidadã trabalhando a favor da emancipação dos cativos, e questionaríamos, sem titubeio, os seus significados de liberdade. Essas noções de “despreparo” para a liberdade atribuídas aos negros e tão caras a alguns intérpretes do Brasil dos séculos XIX e XX, não encontravam amparo nos mundos simbólico e material (REIS, 2008REIS, João José. Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão liberdade e candomblé na Bahia do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras , 2008.; FARIAS, 2012FARIAS, Juliana Barreto. Mercados Minas: africanos ocidentais na Praça do Mercado do Rio de Janeiro (1830-1890). 2012. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História, Universidade de São Paulo, 2012.; MATTOS, 1998MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista: Brasil, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.; MACHADO, 1994MACHADO, Maria Helena P. T. O plano e o pânico: os movimentos sociais na década da Abolição. São Paulo: Edusp, 1994.).

No exame do texto escrito por Mme. Durocher aproximando-o de outros escritos, como o projeto de Pimenta Bueno de 1866 (TRABALHO SOBRE A EXTINCÇÃO DA ESCRAVATURA NO BRASIL - PROJECTO, 1868Trabalho sobre a Extinção da Escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1868. (Biblioteca do Senado Federal)), os discursos parlamentares, os debates no interior do Conselho de Estado e a legislação aprovada, poderíamos, provocativamente, argumentar que uma fração da classe senhorial foi bem-sucedida em articular a condenação da escravidão, ainda que dissimulada, com a manutenção do status quo. Segundo observou Ricardo Salles,

No dia a dia, a escravidão continuava em toda a parte, movia a economia e estava presente no cotidiano de todos. Assim, consciente ou inconscientemente, a aceitação verbal da condenação moral da escravidão era um meio, talvez o melhor, porque velado, de manutenção do status quo escravista. (SALLES, 2008SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo: Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2008., p. 89).

Ao seu modo, setembro de 1871 semeou a incerteza, os perigos e a indeterminação quanto à extinção do cativeiro, mesmo que durante todo o debate se deixasse transparecer a inevitabilidade em seu horizonte. As evidências e proximidade da abolição - e consequente libertação dos cativos - só puderam ser construídas e percebidas na década seguinte, quando o movimento abolicionista invadiu as ruas, parlamentos e salões (ALONSO, 2015ALONSO, Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-88)São Paulo: Companhia das Letras,2015.). Mesmo porque se olharmos para a plantantion escravista do Vale do Paraíba na década de 1860, nota-se que os proprietários das fazendas de café, comerciantes e outros agentes envolvidos nessa empresa pareciam alheios aos perigos que supostamente se avizinhavam com a extinção do tráfico atlântico ilegal de africanos escravizados. Ao contrário, investia-se em equipamentos e novos modelos gerenciais para a maior eficiência da produção agrícola, no tráfico interprovincial, no crescimento vegetativo do plantel de cativos como se não houvesse amanhã (MARQUESE, 2019MARQUESE, Rafael de Bivar. Visualidade e administração do trabalho escravos nas fazendas de café e engenho de açúcar de Brasil e Cuba, c. 1840-1880. Estudos Históricos, v. 32, n. 66, p. 143-170, 2019.; MARQUESE, 2004MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras , 2004.; MARQUESE; TOMICH, 2014MARQUESE, Rafael de Bivar; TOMICH, Dale. O Vale do Paraíba escravista e a formação do mercado mundial do café no século XIX. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil Imperial: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 339-384.; CONRAD, 1978CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.).

A classe senhorial demonstrou uma capacidade de se reorganizar e se rearticular em torno de seus interesses, não obstante as rebeliões escravas e o envolvimento direto dos escravizados nos movimentos abolicionistas, que não puderam ser negligenciados, e todo o debate sobre a “lei do Ventre Livre”, que durou ao menos cinco anos, são fortes evidências disso. Ainda que, como observou Maria Helena Machado, o governo da casa saísse fragilizado pois a “lei retirava da esfera senhorial o princípio norteador das relações escravistas, qual seja, o poder absoluto do senhor sobre a vida de seus escravos” (MACHADO, 2009MACHADO, Maria Helena P. T. “Teremos grandes desastres, se não houver providências enérgicas e imediatas”: a rebeldia dos escravos e a abolição da escravidão. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo. (org.). O Brasil Imperial, - 1870-1889, v. III. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2009. p. 67-400., p. 374).

Outras formas de coerção

No ano de 1871 a Corte fervilhava face aos debates parlamentares e públicos sobre as propostas de liberdade do ventre. Eis que Mme. Durocher faz publicar Ideias por coordenar a respeito da emancipação - dirigido ao barão de Cotegipe (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. ). Documento razoavelmente curto, filho de suas boas intenções, se pensarmos o problema que abarca o discurso de Durocher, apresenta uma exposição de motivos e uma proposta de encaminhamentos que evitem a abolição nos termos propostos pelos exaltados ou radicais. Em consonância com o que observara Pimenta Bueno, o seu objetivo é preservar a saúde do corpo social: leia-se conservar os interesses da lavoura e a ordem social (CHALHOUB, 2012CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.), que no fim e ao cabo são fatores interdependentes. Certamente fazendo uso dos seus conhecimentos em anatomia e evidenciando certa concepção organicista da sociedade, em voga no século XIX, (BARBERIS, 2004BARBERIS, Daniela S. O organismo como modelo para a sociedade: a emergência e a queda da sociologia organicista na França Fin-de-Siècle. In: MARTINS, R. A.; MARTINS, L. A. C. P.; SILVA, C. C.; FERREIRA, J. M. H. (ed.) Filosofia e História da Ciência no Cone Sul. 3º Encontro. Campinas: AFHIC, 2004. p. 131-136.) Durocher assinala que,

Se considerarmos bem as enfermidades da sociedade, veremos que são como a mor parte do corpo ao qual para o bom êxito do tratamento e da cura radical é indispensável predispor para o tratamento que se quer instituir ou a operação que se quer praticar; assim há certos tratamentos ou operações indispensáveis à salvação do doente, que matão [sic], se não tiverem sido precedidos ou acompanhados de certas indicações preventivas ou preparatórias. (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 16).

Neste sentido, a escravidão é a doença nacional ou do Império. É o cancro social que precisa ser extirpado. Sobre isso haverá pouquíssimas objeções. Contudo, o comedimento evitaria que os remédios fizessem o doente, no caso, a sociedade, sucumbir. Essas observações iniciais são suficientes para nos alertar quanto ao significado emancipacionista da manifestação pública, formulada e dirigida ao parlamento por Mme. Durocher. Parece não haver dúvidas de que ela se faz porta-voz. Mesmo que o faça inadvertidamente dos interesses de uma fração da classe senhorial que enfrenta a “questão servil”, adere ao reformismo social, enumerando uma série de condições para que a solução do problema pudesse ser encaminhada com segurança, sem abalos. Neste aspecto, o seu antiescravismo (MELO SOUZA, 1998MELO SOUZA, Maria L de Barros Mott de. Parto, parteiras e parturientes: Mme. Durocher e sua época. 1998. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.) transforma-se em pretexto e condição para a defesa da ordem escravista com argumentos semelhantes àqueles esgrimidos pelos representantes da lavoura, seja no parlamento, seja no Conselho de Estado.

À capa, Mme. Durocher apresenta suas credenciais, evocando autoridade e títulos que conferiam elementos de distinção na sociedade imperial:

Parteira pela faculdade de medicina do Rio de Janeiro, parteira da Casa Imperial, ex-parteira de Sua Alteza a finada princeza D. Leopoldina, Duquesa de Saxes Coburgo e Gotha, e membro honorário da academia imperial de medicina do Rio de Janeiro. (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , s/n).

Cidadã brasileira, naturalizada provavelmente na década de 1820, a parteira assinala àqueles, a quem chama de precipitados, que advogam pela abolição imediata teoricamente sedutora e de consequências funestíssimas, ser ela

quasi [sic] inexequível na pratica e suficientes experiências tem mostrado que o melhor e mais morigerado dos escravos se torna uma vez liberto, preguiçoso ou ladrão, ébrio, assassino-, traduz liberdade por licença, executar sua vontade é seu fim... (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 5).

E questiona: sem educação moral, que uso poderá fazer o emancipado de sua liberdade, a não ser desacatos e ofensas contínuas à sociedade? As experiências de Mme. Durocher foram importantes na conformação dessas representações de teor racista sobre a incapacidade dos negros de usufruir das liberdades. Entre o fim do século XVIII e o século XIX, o Rio de Janeiro transformou-se em uma cidade escravista, uma urbe afro-atlântica, com intensa movimentação de negros africanos e crioulos, escravos, libertos e livres (SANTOS, 2012SANTOS, Ynaê Lopes dos. Irmãs do Atlântico: escravidão e espaço urbano no Rio de Janeiro e Havana, 1763-1844. 2012. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.; SILVA, 1988SILVA, Marilene Rosa Nogueira da. O negro na rua: a nova face da escravidão. São Paulo: Hucitec , 1988.). Seus habitantes experimentavam cotidianamente a massiva presença negra na urbe (FARIAS, 2006FARIAS, Juliana Barreto e outros. Cidades Negras: africanos, crioulos e espaços urbanos no Brasil escravista do século XIX. São Paulo: Alameda, 2006.; SILVA, 2003SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: uma investigação de história cultural. São Paulo: Companhia das Letras , 2003.; KARASCH, 2000KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro: 1808-1850. São Paulo: Companhia das Letras , 2000.; SOARES, 2004SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850). Campinas/SP: Unicamp , 2004.).

A liberdade, na concepção de Durocher, dá vazão a patologias recônditas entre os negros (PÔRTO, 2006PÔRTO, Angela. O sistema de saúde do escravo no Brasil do século XIX: doenças, instituições e práticas terapêuticas. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, p. 1019-27, 2006.), em seu inato despreparo para um viver livre. É a escravidão - ou semelhante forma de coerção - que impede que elas se manifestem. Observa-se, assim, os fundamentos racistas que sustentam as exigências de preparativos para a extinção da escravidão e de conformação da nação que se podem ouvir nos discursos de escravistas, emancipacionistas, imigrantistas e abolicionistas (AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites no século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.). Mme. Durocher considera que se esta constatação não é suficiente para alertar sobre os riscos que a sociedade brasileira corre, ao menos que se tenha atenção com outros fatores. Para ela,

Uma emancipação repentina trará a queda completa da lavoura, esta fonte de riqueza do paiz, trará assassinatos por vingança contra seus antigos senhores, em resumo crimes para as quaes não haverá tribunaes sufficientes, nem polícia bastante numerosa e enérgica para conter as desordens. (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 5).

Enunciando relativo consenso contra a escravidão, fundamentado nas almas religiosas e nos direitos das gentes, Durocher sustenta, mobilizando o medo², que não se deve mais discutir a pertinência da emancipação, mas o modo mais conveniente de fazê-la. Caso contrário, ela antevê um futuro desastroso para o Brasil.

Segundo Durocher, deixando escapar um traço de antilusitanismo, o processo de Independência, graças à influência, ganância e vaidade dos portugueses, perdeu a oportunidade de tratar a questão da libertação dos escravos nascidos no Brasil. A sanha dos lusos, para ela, introduziu no corpo dos costumes brasileiros a representação do escravo como cousa. Isso explica as razões pelas quais a Independência limitou a extensão da liberdade.

Fica pois claro que a independência foi parcial e seus benéficos effeitos não se estenderão a todos os brasileiros e só tocarão á aquelles brasileiros que por um acaso feliz da sorte se achavão livres e aos filhos dos portuguezes, ficando um número muito mais avultado de brasileiros no olvido e por conseqüência na escravidão [sic]. (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 6).

Formulando um diagnóstico incompleto e embebido dos dispositivos racistas e preconceituosos correntes nos discursos da época, na medida em que não reconhece ou oculta o papel que a escravidão exerceu na fabricação de uma unidade nacional e na própria configuração do Império do Brasil (MATTOS, 2005MATTOS, Ilmar Roloff. Construtores e herdeiros: a trama dos interesses na construção da unidade política. Almanack Braziliense, n. 1, p. 8-26, 2005.; RODRIGUES, 2000RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil. Campinas: Edunicamp, 2000., CHALHOUB, 2012CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.), Durocher, uma mulher branca, submete “a intelligencias mais esclarecidas, um projeto de emancipação gradual e de melhoramento na sorte dos escravos existentes [sic]” (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 9). Melhoramento na sorte, há que se ressaltar, não significa, mesmo com todos os malabarismos retóricos possíveis, libertação, liberdade ou mesmo emancipação. Ao contrário, ouve-se ali os alaridos de uma política de raça em construção (AZEVEDO, 2012AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Dois estudos sobre Imigração e Racismo. São Paulo: Anablume, 2012.) que tentará, ainda que silenciosamente no corpo do aparato legal, submeter os negros e as negras à condição servil e excluí-los dos estatutos da cidadania (MATTOS, 2018MATTOS, Hebe; GRINBERG, Keila; FISCHER, Brodwyn. Direito, silencio e racialização das desigualdades na história afro-brasileira. Ciudad Autonoma de Buenos Aires: CLACSO, 2018.; CHALHOUB, 2006CHALHOUB, Sidney. The politics of silence: race and citizenship in nineteenth century. Slavery and Abolition, v. 27, n. 1, p. 73-87, 2006.). Pouco a pouco e na medida em que as demandas por liberdade se intensificam e os negros instituem seus próprios significados a elas, as evidências explicitam uma rearticulação das classes senhoriais, apoiadas pelas camadas médias da população e por uma fração da intelectualidade emergente desde a década de 1870 (ALONSO, 2002SANTOS, Gislene A. dos . A invenção de ser negro: um percurso das ideias que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo: Educ/Fapesp, 2002. ), que diante do que lhes parece inevitável, a extinção da escravidão, arquitetam, com mais ou menos alarde, uma política racial em que negros e negras são irremediavelmente excluídos sociais, corpos expostos a todas as violências estatais e privadas. Neles a cidadania não se inscreve.

O passo seguinte, na prescrição de Durocher, refere-se à apresentação das “medidas que prepararão os escravos, a lavoura e o país para a emancipação”. É necessário, segundo ela, que se instaure um código disciplinar - regimento de disciplina - pelo qual os escravos hão de aprender seus deveres e direitos e os senhores compreenderão os limites de sua autoridade. Entre as propostas, inclusive uma que a venda de escravos tenha o nome substituído para traspasse de inferior, sob a alegação de que a mudança findaria com o aviltamento da venda de carne humana sem lesar os interesses pecuniários (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. ), encontra-se aquela que altera a denominação de escravo para subordinado e a de senhor por superior. Educada pela mãe na estrita observância dos fundamentos religiosos e liberais, Mme. Durocher formula como que uma “teoria” da subordinação, aqui, sensivelmente, se aproximando das teorias de administração dos escravos produzidas no século XIX e analisadas por Marquese (2004MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras , 2004.). Deus, superior, fez o mundo que lhe é subordinado. Essa gênese se espraiou pelas criações divinas, emprestando forma binária às experiências sociais e reafirmando a hierarquização das relações sociais. Portanto,

O homem é subordinado á Deos e á lei; os filhos são subordinados á seus pais; os meninos aos mestres; os collegiaes ao director, os estudantes das academias ao regulamento dellas, o militar aos seus superiores; os caixeiros aos negociantes, os artistas e officiaes de officios aos mestres das officinas; todos são subordinados á seus interesses ou conveniências, á sua reputação e todos á religião em que foram creados [sic]. (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 11).

Esta distinção será construída, reforçada e mediada pela observância da lei, ou do regimento disciplinar, de modo que a sorte de escravos/subordinados não seria tão desumana como querem fazer parecer os abolicionistas radicais, estigmatizados por ela como exaltados. Ato falho à parte, o gradualismo no projeto político de Durocher tem início com a simples alteração das denominações de escravos a subordinados; de senhores a superiores. Não sem antes estabelecer os significados da liberdade no interior de uma sociedade escravista, lançando-os ao futuro. Em seu código idealizado, os escravizados tornar-se-ão livres para amar o trabalho disciplinado e Deus sobre todas as coisas. Desse modo,

será declarado a ração e gênero de comida e vestuário de verão e de inverno, os dias e horas de trabalho no verão ou no inverno, as horas de refeição, o tempo concedido para ellas, as horas do recolher e do despertar para o trabalho no inverno como no verão, os castigos infringidos a tal ou tal falta em seus deveres, á falta de subordinação ou falta de respeito á seu superior ou á seu delegado ou representante; as permissões de sahida, a observância do descanço nos domingos e a obrigação de ouvir missa e uma pratica religiosa e moral do capelão, a confissão annual [sic]. (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 10).

Seu propósito é então reiterado: “gradualmente os subordinados [escravos] aprenderão á ser livres e respeitosos [sic]” (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 10, grifos meus). Portanto, a nação se transformaria num imenso campo de trabalho forçado no qual o significado de liberdade, longe das concepções filosóficas da “Era das Revoluções”, expressaria os termos convenientes aos interesses da lavoura e da ordem social.

Essas experiências de aprendizagem foram comuns às sociedades escravistas no continente americano e projetaram trabalhadores morigerados e consumidores diligentes frutos de um processo de emancipação dos escravos controlado. Os fracassos dos programas de aprendizagem que conflitaram com significações e práticas de liberdade elaboradas pelos escravos e libertos precipitou, nessas sociedades, “um racismo cruel que comprometeu os esforços também das futuras gerações” (HOLT, 2005HOLT, Thomas C. A essência do contrato: a articulação entre raça, gênero sexual e economia política no programa britânico de emancipação, 1838-1866. In: Além da escravidão: investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2005. p. 89-130. , p. 129).

Ao código disciplinar, seguiria a criação de um imposto filantrópico pago por “pessoa livre” de todas as classes, visando resgatar “subordinados” a cada sete de setembro. Essa proposta, acompanhada de uma tabela de preços dos cativos, organizada por faixa etária e recomendando resgatar preferencialmente os adultos com profissão e casados, certamente provocou comichões na classe senhorial, ávida por emplacar nos projetos de extinção da escravidão a exigência de indenizações aos proprietários, como assinalou Eusébio de Queiroz em seu voto na reunião do Conselho de Estado de 1867, que discutiu o projeto de Pimenta Bueno (SALLES, 2008SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo: Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2008., p. 100).

Para Mme. Durocher,

os contrários á emancipação não poderão dizer que o meio é inconstitucional e que é attentar á propriedade do cidadão; ao que diremos que inconstitucional é nascer brasileiros escravos, e é ser anti-liberal o não coadjuvar a emancipação, feita com toda a prudência, que o caso exige. (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 12, grifos meus).

Visando a emancipação, com respeito à propriedade, o código disciplinar que organiza o gradualismo de Durocher se destina a quatro classes de subordinados: escravos domésticos, de luxo, oficiais e jornaleiros (de ganho). Estes deveriam submeter-se a uma educação religiosa e moral, além de tratamentos médicos. Tudo custeado pelos fazendeiros cujas expectativas eram de indenização pela propriedade perdida.

O caminho para a emancipação era educar para a liberdade. Desse modo, Madame acreditava

que um código especial cujo fim seria melhorar a sorte actual do escravo, e dispol-o gradualmente á liberdade, estabelecer bem suas garantias, seus deveres bem como os do senhor, evitaria nem só a confusão, mas traria um bem estar geral e faria com que a passagem rápida da escravidão á liberdade fosse mais gradual a respeito da moralidade do libertado; para disso se convencer, basta lembrar-se (pequenas excepções á parte) o uso que costumão fazer de sua liberdade as libertadas [sic]. (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 13).

Por um lado, de passagem, Durocher reitera as representações acerca da vida imoral das mulheres negras, particularmente as escravas e libertas, produzidas ao longo do século XIX pelos viajantes, médicos, literatos e juristas. Por outro lado, notamos que os cuidados e precauções no encaminhamento da liberdade se justificam, evidenciando racismo sem fazer uso de uma gramática racista. Como assinala Wlamyra Albuquerque, as últimas décadas do século XIX se caracterizam também pela transformação social e política dos significados da liberdade e cidadania e, “geralmente de maneira velada, práticas baseadas na ideia de raça foram se fazendo notar nos debates jurídicos, nas decisões políticas, na construção de memórias e símbolos da escravidão, nos prognósticos e planos para o futuro da nação” (ALBUQUERQUE, 2009ALBUQUERQUE, Wlamira R. de. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., p. 34). Assim, Durocher nos remete à índole do negro, para afirmar que ele

é indolente e preguiçoso, só o receio do castigo o faz cumprir seus deveres; ingrato por natureza, e analphabeto, ignorando tudo quanto poderia dirigir seu moral, traduz liberdade por licença e pela faculdade de fazer tudo quanto pela cabeça lhe passa; emancipados todos de repente não haveria, como já fizemos ver, policia capaz de os conter. (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 13).

Por um lado, não apenas naquele momento histórico, é possível observar o desejo de controle e a violência em operação no discurso sugerindo que uma sociedade civilizada não poderia permitir aos subordinados estabelecerem, eles mesmos, os significados às suas liberdades. Neste sentido, não se deveria perder de vista as ameaças à ordem social representadas por uma liberdade indefinida e sem limites, cujos exemplos de insucesso, do ponto de vista daquele controle político, eram fartos na América (SCOTT, 1994SCOTT, Rebecca. Defining the boundaries of freedom in the world of cane: Cuba, Brazil and Louisiania after emancipation. American Historical Review, v. 99, n. 1, p. 70-102, 1994.; MATTOS, 1998MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista: Brasil, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.). Por outro, essas representações sobre homens e mulheres negros e negras, produzidas e reiteradas em meio a mobilizações pela abolição da escravidão, serão evocadas mais tarde em um contexto republicano para justificar a exclusão social e política dessas populações.

Sem referir-se diretamente à liberdade do ventre em discussão no legislativo, Mme. Durocher assinala que um decreto deve estabelecer a liberdade para todos os “nascidos no Brasil a contar da data do decreto” (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 13). Sugere que o senhor (superior) seja o tutor natural destes “brasileiros”, filhos de “suas subordinadas”. Esses naturais tutores seriam indenizados nas despesas de preparação desses ingênuos para a vida em liberdade. Daí a maioridade deveria se dar aos 25 anos (AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites no século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.), pois nesta

idade em que já o tutor se acha mais do que indemnisado de suas despezas, e em que o maior tem nem só as forças precisas para entregar- se por sua conta ao trabalho, ao gênero de indústria em que fôr creado e tem já bastante experiência e conhecimento para guiar sua moralidade, sua conducta e modo de proceder na sociedade; habituado á obedecer á um regulamento de disciplina imposto nem só á todo menor como a todo estabelecimento, nada lhe custará á obedecer á lei [sic] (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 14).

Não há dúvidas sobre as prioridades que orientam a elaboração da proposta. Proteger a lavoura, indenizar os proprietários e preparar os subordinados para o prosseguimento da exploração a que seriam submetidos, evitando sobressaltos. Assim, os menores devem ser enviados à escola ou às fazendas, onde teriam que dedicar tempo e espaço para a educação, aprendendo a “doutrina christã, portuguez, arithimetica, história pátria e noções de geografia, isto é, rudimentos indispensáveis para ter a ideia do que é esta máquina chamada mundo [sic]” (DUROCHER, 1871DUROCHER, Maria Josephina Mathilde. Ideias por coordenar a respeito da emancipação. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1871. , p. 14).

Transformados em “subordinados”, esses escravos conheceriam a libertação por obra da educação moral e do imposto filantrópico, cuja arrecadação seria ampliada com a maioridade dos ingênuos que, pelos idos de 1896, passariam a contribuir para a caixa de emancipação. Atos preparatórios que também contribuiriam para a dissipação do ódio dos escravos para com os senhores, ficando estabelecido que seu estágio resultava de uma herança colonial e da manifestação do desejo da sociedade contemporânea de “tornar a liberdade geral” e que a liberdade de seus filhos era devida a legislação atual, quanto mais um regulamento que melhorava pouco a pouco a sorte dos escravos remanescentes.

Uma política racial ganha corpo

Mme. Durocher era uma cidadã prestigiada. Na década de 1830, ela deixa o marchandes de modes, passando a frequentar o curso de formação de parteiras oferecido pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Dedicando-se exclusivamente à nova profissão, obteve fama e reconhecimento, passando a integrar, em 1871, a Academia Imperial de Medicina na condição de membro adjunta, não sem antes tornar-se a parteira oficial da imperatriz Teresa Cristina.

A historiadora Maria Lucia Mott lembra que a “escolha da profissão de parteira por Mme. Durocher foi acompanhada no mesmo período de outras duas decisões extremamente significativas: a da opção pela nacionalidade brasileira e a adoção de roupas de estilo masculino” (MOTT, 1995, p. 115). O estilo incomum de vestir-se lhe rendeu maledicências. É o que se depreende de duas notas “humorísticas” publicadas na Revista Illustrada. Em 1878, relatando os “ciúmes” e “amuos” provocados na classe médica pela visita do Sr. Dépaul, médico francês, o colunista destaca que os problemas foram superados, mas que “apenas Mme. (?) [sic] Durocher continua a ter ciúmes do seu collega Dépaul. O ciúme, porém, é bem de raiz do sexo fraco... Restando saber se com effeito ella pertence realmente ao batalhão feminino” (REVISTA ILLUSTRADA, 1878REVISTA ILlUSTRADA - 19 de janeiro de 1878, nº 99. (Hemeroteca Digital BN)). A beleza ou a ausência dela, o vestir-se, a sexualidade, impressa no “sexo fraco”, a piada, todo um conjunto de representações da inferioridade do feminino, tudo colocado em destaque (PIRES, 2009PIRES, Maria da Conceição Francisca. O eclipse do Império sob a “pena da galhofa”: crítica política de Ângelo Agostini em A Revista Illustrada e em Mosquito. In: SOIHET, Rachel et al. (org.). Mito, projetos e práticas políticas: memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2009. p. 125-140.; DE LUCA, 2018DE LUCA, Tania Regina. A Ilustração [1884 - 1892]: circulação de textos e imagens entre Paris, Lisboa e Rio de Janeiro. São Paulo: Unesp, 2018.).

Na mesma revista, três anos mais tarde, a coluna Gazetilha fez outra piada de péssimo gosto envolvendo Durocher, seu jeito de vestir, sua sexualidade e feminilidade. Dizia a chalaça: “Correu há dias, e com fundamento, o boato de que Mme. Durocher ia casar-se; mas nada está definitivamente decidido, a clássica parteira impondo como condição que há de ser o seu marido que dará à luz os filhos” (REVISTA ILLUSTRADA, 1881REVISTA ILlUSTRADA - 1881, nº 252. (Hemeroteca Digital BN), p. 3).

Esses registros parecem tardios se consideramos que na década de 1830 Mme. Durocher já se pronunciara sobre suas escolhas quanto a vestir-se. Talvez o exercício do papel materno tenha inibido as piadas. Entre 1830 e 1831, Durocher dera à luz aos meninos Vicente Joao Francisco do Rocher e Pedro Amado Humberto David. Seguindo a trilha da transgressão da ordem paternalista, Durocher concebe os filhos sem casar-se formalmente e agravando ainda mais a situação, aos olhos moralizantes, o companheiro com quem vivia - Pedro David, um comerciante francês - não reconhece o primeiro filho, e, depois de breve temporada na França, quando retorna ao Rio de Janeiro, é assassinado (MOTT, 1994MOTT, Maria L. de Barros. Madame Durocher: modista e parteira. Estudos Feministas, n. 1, p. 101-116, 1994.).

Como se pode observar, os caminhos e as escolhas assumidos por Mme. Durocher não impediram que ela construísse sólida rede de sociabilidades no campo profissional, afetivo, religioso e político. Lembremos que o opúsculo em questão foi dirigido ao Barão de Cotegipe - liderança Saquarema, conservador e escravista de boa cepa - e que o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro - que não primava pela defesa da liberdade dos escravos, destacou em 1871: “acaba de publicar-se um opúsculo com o título Ideias por coordenar a respeito da emancipação: é escripto pela Sra. M. J. M. Durocher” (JORNAL DO COMMERCIO - 11/07/1871JORNAL DO COMMERCIO - 11 de julho de 1871. (Hemeroteca Digital BN)).

Neste sentido, a Academia Imperial de Medicina também registrou, em suas atas de reunião, que fez publicar no Jornal do Comércio o recebimento da publicação: “um folheto da parteira Maria Josephina Mathildes Durocher, da classe dos membros adjuntos, intitulado Ideias a coordenar a respeito do elemento servil, oferecido pela autora - é recebido com agrado” (JORNAL DO COMMERCIO - 30/07/1871JORNAL DO COMMERCIO - 30 de julho de 1871. (Hemeroteca Digital BN), grifos meus).

Como destacou Maria Lucia Mott, Mme. Durocher não era uma mulher fora do seu tempo. Como assinala a historiadora, ela era contrária a que mulheres assumissem o ofício de parteiras e outros afazeres, pois a natureza não lhes provera as condições físicas e morais impostas pelo exercício profissional, abrindo exceção apenas às mulheres varonis (MELO SOUZA, 1998MELO SOUZA, Maria L de Barros Mott de. Parto, parteiras e parturientes: Mme. Durocher e sua época. 1998. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.). Se nos restam algumas perguntas ainda difíceis de responder, tais como: quais as razões que levaram Mme. Durocher a produzir um opúsculo, mandando-o publicar, integrando-se aos debates públicos e parlamentares acerca dos destinos da questão servil?; qual a repercussão destas ideias?; e quais os fundamentos de um discurso tão afinado com as posições da classe senhorial, não obstante o emancipacionismo em voga, no trato da escravidão, e de sua abolição?

Podemos assegurar que os agentes políticos envolvidos no debate sobre os destinos da escravidão tomaram conhecimento da existência de suas propostas. Contudo, eles não a levaram em consideração pois, por um lado, as ideias de Mme. Durocher não eram originais. Por outro lado, no Parlamento e entre seus interlocutores existiam propostas que atraíam mais atenção dos pragmáticos proprietários de escravizados. E por óbvio, uma sociedade escravista, machista e misógina jamais permitiria o protagonismo feminino em assuntos políticos. Mesmo a uma mulher de prestígio no mundo do trabalho, como Durocher, restará a invisibilidade e o estigma aparentemente contraditórios.

Há evidências que nos permitem ensaiar algumas considerações. Por ora, vale ressaltar que, ao usar no título de sua criação a expressão a respeito ao invés de em defesa da emancipação, a autora enunciou aos seus leitores a forma e o conteúdo de seu ingresso no debate emancipacionista/abolicionista e, por meio de uma locução prepositiva, evitou qualquer suspeita sobre a sua posição. A emancipação consequente não poderia abalar os poderes senhoriais, tirar-lhes o controle do processo, nem representar uma chave para a porta da revolução. Transformação sem revolução é um lema que se pode ouvir também nos discursos de escravistas e alguns abolicionistas.

Portanto, mais do que expor uma contradição, ao fazer combinar, como tentou Durocher, emancipação com subordinação, o que se observa é o âmago de uma luta social para determinar os significados futuros da liberdade e da igualdade - que parecem vincadas por uma larga margem não negociada de desigualdade -, desde o presente, estabelecendo as suas extensões sempre mediadas e estruturadas pelo racismo moderno (SCHWARCZ, 1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras , 1993.). A história não ensina lições, mas ela expõe expectativas (DARTON, 2005DARTON, Robert. Os dentes falsos de George Washington: um guia não convencional para o século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras , 2005.). Assim, o escrito de Durocher joga uma luz interessante sobre o século XIX brasileiro, indiciando o processo de enraizamento do racismo e, portanto, de apoio à “institucionalização” de uma política racial como uma das soluções para a “questão servil” - a mediar novas formas de coerção social -, em construção também nas camadas sociais médias (GONÇALVES; NASCIMENTO, 2019GONÇALVES, Aline Najara da Silva; NASCIMENTO, Alvaro Pereira do. Como pensar o elemento servil: o lugar dos libertos nas expectativas das elites após a emancipação. Afro-Ásia, n. 60, p. 81-104, 2019.). Demonstra, ainda, que os homens da política e da lavoura não tinham exclusividade e absoluto controle da palavra nos debates sobre o tema, mesmo que parecessem controlar o tempo e seu ritmo.

Considerações finais

Maria Josefina Matilde Durocher faleceu em 1893 no Rio de Janeiro aos 84 anos de idade. Por seis décadas ela atuou diuturnamente, circulando pela cidade, realizando partos e sendo reconhecida como uma exímia profissional. No entanto, operando em uma sociedade controlada pelos homens com mentalidade machista e misógina, os padrões estéticos, usados para aprisionar os corpos femininos, foram mobilizados para desqualificar a parteira e produzir silenciamentos acerca de suas atividades profissionais e das suas contribuições para o desenvolvimento da obstetrícia.

O médico Alfredo Nascimento prestou-lhe homenagens fúnebres na Academia de Medicina que transparecem apenas o aproveitamento de uma oportunidade para desqualificá-la e demarcar os principais traços de sua memória:

foi a única mulher que penetrou nesse recinto, mas seu caráter másculo e seu talento viril patentearam nestas bancadas que tantas vezes ocupou, o real merecimento justificativo dessa bem merecida distinção (...) Mas, o que concorreu para a popularidade de Mme. Durocher não foi somente o seu mérito profissional: foi ainda sua excentricidade de seu físico, minimamente descurado pela natureza que satisfeita de lhe haver formado um belo coração, privou totalmente de estética o invólucro em que o enclausurou. A singular fealdade, ainda realçada pela original maneira de trajar, onde em desarmônica combinação, entravam as vestes masculinas entre a roupagem própria do seu sexo. (SILVA, 1893-94 apudMELO SOUZA, 1998MELO SOUZA, Maria L de Barros Mott de. Parto, parteiras e parturientes: Mme. Durocher e sua época. 1998. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998., p. 8).

Observa-se, então, que a liberdade que Mme. Durocher negava aos escravos por pretender transformá-los em subordinados, uma espécie de não-cidadãos, também lhe era negada e suas qualidades profissionais eram arremessadas ao campo da invisibilidade. Na medida em que seu corpo e sua presença na vida pública se distanciaram dos papéis femininos prescritos, ela foi, por vários mecanismos, inferiorizada e silenciada.

Sua participação política no debate sobre a extinção da escravidão, proporcionada por uma ampliação do espaço público, evidencia o enraizamento de uma gramática racial nas camadas médias e populares na Corte Imperial, apropriada do discurso político da classe senhorial e dos intelectuais e letrados que a orbitavam e que mimetiza a desconfiança, o medo e certo pessimismo relativos às suas próprias capacidades em conservar o “mundo” - tal como ele estava -, a partir das soluções políticas e sociais apresentadas no desenrolar da crise do escravismo. O que se deveria preservar era a plantantion escravista, a partir do qual os Saquaremas controlavam o mercado cafeeiro internacional e dominavam Império do Brasil.

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  • Trabalho sobre a Extinção da Escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1868. (Biblioteca do Senado Federal)
  • 200
    *Uma versão diferente desse texto foi apresentada no Simpósio Temático: Novos Percursos e configurações: abolição, abolicionismo e pós-emancipação do Simpósio Nacional de História - Brasília, 2017, sob a coordenação da professora Maria Helena P. T. Machado e do professor Flávio Gomes. Sou grato aos coordenadores pela acolhida e a todos os participantes com quem pude dialogar. Um agradecimento especial às professoras Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro e Lúcia Helena Oliveira Silva e aos professores Marcelo Lapuente Mahl e Jean Luiz Neves Abreu, que leram, comentaram e sugeriram alterações no texto.

Notas

  • ¹
    É um momento fértil para a historiografia da escravidão e da liberdade pois encontram-se enfileirados emancipacionistas, imigrantistas e os abolicionistas moderados todos excitando o medo de um rompimento da estrutura econômica do Estado Imperial caso a questão servil não fosse cuidadosamente tratada. (AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites no século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.).
  • ²
    A Revolução do Haiti acontecida no fim do século XVIII, nos quadros da “Era das Revoluções”. Produziu nos escravistas brasileiros prolongados efeitos que se combinam entre o medo efetivo das rebeliões escravas e o medo como fator de mobilização e coesão política pró-escravista. (AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites no século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.; RODRIGUES, 2000RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil. Campinas: Edunicamp, 2000.; FERRER, 2012FERRER, Ada. Haiti, free soil, and Antislavery in the Revolutionary Atlantic. American Historical Review, v. 117, n. 1, p. 41-65, 2012.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2021
  • Aceito
    30 Maio 2021
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